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FEIJOO, Ana Maria Lopez Calvo de.

A Psicologia Clínica e a Técnica E


Téchne. Psicologia em Estudo, Maringá, ano 2004, v. 09, ed. 01, p. 87-93, 2004.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/QFFL4g4r3WgXtTRtNtc5Ptk/?
lang=pt&format=pdf. Acesso em: 24 abr. 2022.

A autora inicia o artigo expondo a necessidade de recorrer as questões tradicionais que


fundamentaram a psicologia como ciência e atuação, bem como, os esforços da psicologia para
responder a todas as críticas que ainda lhe são dirigidas. Para assim, pensar a consequência dessa
exigência de “adequação” da ciência psicológica as outras, e como isso faz com que muitas teorias
psicológicas recorram a física da natureza e sua prática a partir de meios técnicos que prometam
cumprir com o esperado. Assim mostra-se necessário para autora que a psicologia clínica seja
pensada pela filosofia existencial, se apropriando do desvelamento, e para isso acaba recorrendo a
Heidegger para explanar sobre a técnica onde ocorre o desvelamento e como téchne em que o
desvelamento se dá a partir das próprias coisas.
Para não nos aliarmos em relação a questão da técnica, Heidegger (1958, apud FEIJOO,
2004, p.88) propõe que possa se estabelecer uma relação livre com a técnica moderna e a téchne, no
sentido da tradição. Assim a partir da sua essência busca-se experimentar a técnica sem deixar levar
por ela e sem se alienar a ela. Sobre a essência da técnica, Heidegger (1959, apud FEIJOO, 2004,
p.88) ocorre dois modos do pensar: o meditante e calculante.
O primeiro, meditante, refere-se ao esforço para o pensar, a tentativa de buscar diferentes
pontos de partida para realizar a reflexão, demorar-se, parar e refletir até diante do que parece
incompatível. E o calculante, pautada na causalidade, no resultado e mensuração.
Tanto a técnica moderna quanto a técnica tradicional possibilitam modos de desvelamento, a
diferença entre as ambas é justamente o modo desse desvelar:

“Na primeira, o desvelar acontece em um desafio à natureza, a


realidade torna-se subsistência e o comportamento diante da
natureza é a provocação. Na segunda, o comportamento frente à
natureza é um deixar-acontecer, sem desafiar e aceitando os limites
do acontecer.” (p. 88)

O modo de manifestar da poiésis que se dá o desvelamento, alétheia, comumente traduzida


como verdade, que na modernidade fala da correspondência entre o real e o representado. O
desvelar da técnica moderna se dá na relação de exploração e esgotamento dos entes. O desvela ao
modo da téchne, ocorre na relação de “levar à frente” (HEIDEGEGER, 1958, apud FEIJOO, 2004,
p. 89)
A pergunta trazida pela autora é: de que modo a psicoterapia ocorre? Pelo desvelamento a
partir da técnica da modernidade ou do desvelamento a partir da téchne? Sendo assim a autora
discorre a respeito do psicólogo que se fundamenta nos potenciais humanos e que atuará com a
técnica porvedora de mudanças eficazes nas pessoas que não correspondem as necessidades que
demandam a modernidade. Já o psicólogo que percebe o outro como abertura, em devir, permite
que transpareça a si mesmo ao seu modo e a partir de si mesmo. Assim, o psicólogo deixa o
aparecer tal como surge, acolhendo o outro tal como esse se mostra.
Heidegger (1958, apud FEIJOO, 2004, p. 90) entende que se se relacionar com a técnica
nem sempre significa estar em relação com a sua essência. Relacionar de forma livre é resgatar o
sentido mais próprio. Conclui que ambos modos da técnica referem-se à produção do homem com
finalidade, que acontece no contexto técnico da modernidade.

“Para melhor explicitar, vale exemplificar a relação que o homem


pode estabelecer com um rio cujas águas seguem tranqüilamente
seu rumo. O homem pode contemplá-lo, pode navegá-lo, pode
transformá-lo em um modo de produção de energia. No primeiro
caso, o homem não intervém na natureza, se deixa levar por algo
que o transporta sem deslocamento: contempla. No segundo caso,
o homem deixa que a natureza do rio se dê ao seu modo e ao modo
do rio, e então através do seu artefato se deixa levar, mas não
interfere, não desafia. No último exemplo, este homem desafia,
manipula e transmuta a natureza de modo, que esta possa se tornar
um recurso energético a ser explorado como fundo de reserva, para
fins de subsistência.” (p.90)

Saber a distinção da técnica moderna e da técnica tradicional não é suficiente para se


relacionar de forma mais livre com a técnica, a autora recorre ao termo “Gesttel” trazido por
Heidegger como: “Modo pelo qual a realidade se desvela como subsistência. Aquilo que subsiste
fala do desabrigar do real que garanta a permanência.” A partir do domínio do homem sob as coisas
essa última se esgota, a armação é o risco: “A perda da liberdade diante de tudo que a técnica
oferece podendo tornar o homem dominado.” ( Heidegger,1958) Outro termo retomado pela autora
foi “Ereignis”, representando o “acontecimento” mais próprio para refletir e interrogar sobre a
técnica, sua essência e reconhecer os limites que dá forma, que torna possível a existência se
apresentar na sua realidade.
Para trazer um pouco do modo como se constituí a ciência moderna e seu caminho até
Heidegger e o conhecimento de “dasein”, a autora retoma a característica moderna de se
fundamentar em Descartes e seus princípios da objetividade até a ideia de um eu interiorizado.
Descartes, afirma Boss (1971/1988):
Descartes chamou essa substância de rescogitans
– espírito humano, chegando à categoria de sub-
jectum, que significa fundamento de todo o
restante, a partir do qual tudo ao seu redor é
objeto. (p.52).
A autora retoma Heidegger (1927/1989) e discorre como o autor revolucionou o pensamento
até então construído a respeito do homem, assim busca analisar as estruturas do Dasein (ser-aí)
como já sempre copertinente ao mundo. Superando a psicologia fundamentada em propriedades de
um eu determinado pelas teorias que buscam lhe definir e o próprio dualismo.
A psicoterapia clínica é colocada em risco podendo reproduzir os modos terapêuticos da
modernidade, bem como a busca de objetivação de Descartes, caindo nas armadilhas de um
pensamento normalizante. A clínica norteada pelo pensamento meditativo, apontado por Heidegger,
coopera para que o homem se direcione através da liberdade, sem algo pronto e planejado. (p. 93)
A clínica psicológica como téchne se constituí numa perspectiva de apreensão daquilo que
se produz a si mesmo, deixando que o ser venha à presença tal como se constitui no seu modo de
ser. Trata-se aqui da psicoterapia de desvelamento do que é presente no modo de “ir à frente”. (p.
93)
A téchne pensada pelo autor no sentido originário, como desvelamento de um meio de
deixar aparecer aquilo que tinha possibilidades de ser. O psicoterapeuta pela escuta e fala – num
processo de produção conjunta ao paciente, toma posução de facilitador para que outro se manifeste
em suas possibilidades. Numa relação libertadora em que a escuta e a fala se pronunciam como
hermenêutica do sentido ao modo do diálogo, pelo seu “poder-ver” traz à transparência aquilo que
se mostrava e ao mesmo tempo se escondia, porém acima de tudo aprisionava aquele que clamava
por sua verdade. (p. 93)
A psicologia clínica ao modo da téchne ocorre na arte do desvelamentoe se afasta da técnica
como instrumental com vista ao desenvolvimento. O psicoterapeuta assume seu trabalho como um
techinites à medida que guia a ação pela compreensão, deixando emergir o modo de acontecer
daquele que busca a si mesmo. (citação direta p. 93)

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