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SANTOS, J, M; ALVES, P. M. S; BARATA, A.

A
Fenomenologia Hoje Actas do Primeiro Congresso
Internacional da Associação Portuguesa de Filosofia Texto 1
Fenomenológica. 2002 (Cáp. “A experiência patológica do
tempo. Para uma fenomenologia da forma temporal” Irene
Borges p. 365)

O presente estudo pesquisa no âmbito dos afectos, “a repetição


quotidiana dos comportamentos ritualizados como expressão da resignação
humana ao mundo da vida”. (BORGES, 2002, p. 365)

A hipótese que se busca trabalhar a partir da perspectiva hermenêutica,


é: “se queremos encontrar a experiência genuína/radical do que é constitutivo
da experiência humana e de seus modos, é necessário reparar a dinâmica da
vida quotidiana, os casos em que os rituais das pessoas se quebram e assim
são percebidos em sua “falha” (experiência de sofrimento) tornando-se tênue a
divisão entre o normal e patológico, devido ao fato de que habitualmente não
somos abertura para a experiência.” (BORGES, 2002, p. 365)

Além disso a experiência do tempo de algum modo esculpe a nossa


relação com a realidade, na medida que a autora considera o que Heidegger
traz a respeito do tempo, sendo esse último, o “como”, a própria possibilidade
da experienciar, ou seja, da experiência.

O caso tratado no texto para falar a respeito da vivência originária do


tempo, traz o estado quase catatônico, estático de um camponês, como uma
vivencia do tempo estagnado. A fala do camponês demonstra a sua
interpretação do tempo: “as árvores eram como flores de gelo que as ondas do
mar tinham cristalizado e que mesmo os relógios só continuavam a funcionar
porque se lhes tinham dado corda de manhã”. (BORGES, 2002, p. 365)

Sendo assim percebe-se na colocação do camponês, segundo a autora,


a experiência propriamente dita do tempo, onde ocorre a vivencia da
cristalização do viver. Pode se pensar que a experiência do tempo aqui é a
própria relação humana com as coisas.

A autora então, retoma a etimologia da palavra “tempo”, além da


experiência inicial do tempo, esse último aparece como um “continuum de
partes” ou o próprio “corte”, uma “separação” e “divisão”. (BORGES, 2002, p.
367)

Em relação ao tempo e ao aspecto de continuidade originária indefinida


e alheia a consciência, pode se pensar na vivencia de quando nos ocupamos
com algo de forma a nos atentarmos somente aquilo. Nessa situação “não nos
apercebemos do tempo, não temos consciência de sua duração, que só será
notada quando deixarmos de fazer o que nos ocupava. Sendo assim: Quando
a continuidade da ação se interrompe: “corta-se o aspecto continuo da ação
que torna presente o tempo em sua duração”. (BORGES, 2002, p. 367)

No entanto, a vivencia do tempo de forma indefinida, considerando a


nossa relação de ocupação com o objeto, bem como a mensuração tradicional
do tempo através do relógio e do calendário tem em comum a impossibilidade
de voltar ou recuperar o tempo, trazida no texto como “flecha do tempo”. Nem
mesmo os meios mais tradicionais de medida do tempo ofusca o sentir do
tempo, a vivencia desse.

A autora retoma a contribuição de Hans Fahr que trata “O Tempo na


Natureza e no Universo” sendo visto inicialmente o aspecto instrumental físico-
matemático do tempo, bem como os limites da mensuração objetiva do tempo.
Assim compreende que a natureza não tem “tempo”, no entanto é o tempo que
permite que a natureza seja descrita. Assim a “flecha do tempo” de Zeiptfeil, é
também uma inferência do ser humano no estudo dos fenômenos naturais e de
outro lado a reversibilidade do tempo, contrária a lógica instrumental do tempo
e coerente com a atemporalidade (caos molecular). (BORGES, 2002, p. 370)

Sendo assim a “flecha do tempo” se ocupa com a física da instrumental,


que busca a mensuração do tempo, mas mesmo sendo uma forma mais
objetiva de se aproximar da questão do tempo, ainda não poderia ignorar a
subjectividade do tempo. Assim a autora retoma Heidegger, em sua obra “Ser e
Tempo” para falar a respeito da característica irracional do tempo, sendo que o
autor resgata que o próprio Dasein, constitui um “como” sendo essa a pura
forma do que é, do seu trânsito, da constância do seu passar e do seu
“passamento” que é o morrer. (BORGES, 2002, p. 370)
A autora discorda de Heidegger, pois acredita que: “a compreensão do
tempo como finito carrega um nascimento, uma experiência de origem e
também pelo fato de acreditar que o que pode originar a temporalidade, não
começa por ser minha morte, mas o morrer-me de alguém ou algo”. Sendo
assim percebe-se que através da reflexão da autora a consciência do tempo é
o exercício da finitude. (BORGES, 2002, P. 371)

Posteriormente a mesma busca questões da quais compartilha com


Heidegger a respeito da questão do impessoal, onde a realização quotidiana e
repetitiva das atividades e afazeres faz com que nos vejamos submersos as
coisas, junto aos entes, guiados pela inflexibilidade do tempo sem
corresponder inteiramente ao tempo da existência. Sendo que somente quando
ocorre a vivencia do recorte desse tempo, quando as atitudes automáticas se
cessam que voltamos a experienciar inteiramente o tempo.

A vivencia do tempo submerso na impessoalidade que, retrata a


experiência repetitiva das ocupações do quotidiano nos impedem de
enxergarmos o tempo em sua fenomenologia. No entanto explica-se o fato das
vivencias singulares e que geram sofrimento tem a capacidade de encontrar-se
com o tempo e com a forma nossa autentica forma de ser. (BORGES, 2002, p.
372)

Para tratar a respeito do tempo, a autora retoma o conceito do “tédio”


trazido por Joseph Brodsky como: A manifestação do tempo puro sem o caráter
repetitivo. O tédio conforme a autora traz ao longo do texto, é um fenômeno
existencial que se mostra como o afeto de “cansaço”, “náusea” ou
“angústia” pelo modo estagnado e estático da duração do tempo que se separa
do vivido, bem como da experiência do vazio, da negação como nadificação
ontológica. (BORGES, 2002, p. 373)

O tédio então é a possibilidade de desvelar a falta de sentido da vivencia


quotidiana e monótona. Sendo um estado intermédio que nos isola da vida, do
afeto, sendo comparado no texto a um estado de “água parada”, é a anulação
do mundo, da vivacidade, constituindo assim a busca ilusória pelo “sossego” ou
a busca desenfreada pela sensação de “nirvana”. O tédio é o desgosto do
presente, o “estar perdido no tempo como um momento em que não se pensa
em nada, porque nada vale a pena”. (BORGES, 2002, p. 378)

A ausência de sentido encontrada na quotidiano de quem vive o tédio


serve de plano de fundo para possibilidade do adoecimento, mas também é
aqui que surge uma “falta” de quem experimenta o tédio e que ao mesmo
tempo oferece a possibilidade de procurar-se a si mesmo e resgatar o sentido
perdido. (BORGES, 2002, p. 378)

Tratando-se do tempo, o “tédio pode ser considerada a experiência pura


do tempo enquanto forma de toda experiência” sendo aqui vista a possibilidade
que o tédio trás de resgatar a “gênese”, o acontecimento gerador a marca do
corte, da ruptura, a falta de sentido e sendo visto como possibilidade.
(BORGES, 2002, p. 379)

O que torna necessário, para autora é distinguir o tédio vindo de um


desinteresse qualquer do tédio tratado aqui como uma experiência de
estagnação no tempo, sendo vazio e dispondo de um existir cindido. Essa
última, segundo a autora, que retoma Heidegger, revela-se na experiencia
onde nada vale mais a pena, na perda de sentido, na vivencia inautêntica,
sendo a própria impossibilidade do devir. (BORGES, 2002, p. 380)

O caráter duplo para compreensão da vivencia do tédio se distingue em


dois modos de como essa existência se dá: O estar a ser “ex-sistindo”
(produzindo e sendo tempo) e o estar a ser “assistindo” deixando-se levar pelo
tempo. O existir é o próprio tempo, o dasein é o próprio tempo e sendo assim
somos responsáveis pelo nosso existir e por essa duplicidade. (BORGES,
2002, p. 380)

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