O documento discute como as configurações temporais da sociedade contemporânea impactam a passagem adolescente. A velocidade da vida moderna leva a uma experiência empobrecida que dificulta a constituição psíquica do adolescente e sua compreensão do passado. Isso pode criar obstáculos para a representação subjetiva e a construção de um lugar próprio de enunciação durante a adolescência.
O documento discute como as configurações temporais da sociedade contemporânea impactam a passagem adolescente. A velocidade da vida moderna leva a uma experiência empobrecida que dificulta a constituição psíquica do adolescente e sua compreensão do passado. Isso pode criar obstáculos para a representação subjetiva e a construção de um lugar próprio de enunciação durante a adolescência.
O documento discute como as configurações temporais da sociedade contemporânea impactam a passagem adolescente. A velocidade da vida moderna leva a uma experiência empobrecida que dificulta a constituição psíquica do adolescente e sua compreensão do passado. Isso pode criar obstáculos para a representação subjetiva e a construção de um lugar próprio de enunciação durante a adolescência.
A experiência e o tempo na passagem da adolescência contemporânea
A questão sobre a passagem adolescente em meio às configurações do tempo no
laço social da atualidade converge com a questão sobre os efeitos da temporalidade na psique da adolescência. Nesse sentido, há um esvaziamento, em virtude das demandas sobre a consciência, da experiência, associada por Benjamim ao modo como ocorre a transmissão da memória, do passado e da própria experiência. Portanto, o artigo busca compreender o impacto das condições atuais do vínculo social predispõem o jovem a uma inibição quanto aos elos do passado e da memória, impactando a forma de representação, os seus registros e, logo, a constituição psíquica do sujeito, com foco na passagem adolescente. Nisso, segundo Lacan, faz-se importante a experiência subjetiva do tempo relacionada ao saber possível do sujeito do inconsciente. Para Kehl (2009, p.188 apud GURSKI, PEREIRA, 2016), “o mesmo tempo de espera que inaugura a formação do aparelho psíquico, tempo que corre em ritmo distendido e alheio à urgência das demandas do Outro, introduz a falta no psiquismo”. Ademais, trata-se de uma grande complexidade referenciar teoricamente a questão do tempo. O bispo africano Santo Agostinho (1973, p.243-244 GURSKI, PEREIRA, 2016) já se questionava sobre o que era o tempo, algo tão difícil de conceituar; isso ainda é atual. Porém, também não é possível pensar as relações envolvidas na constituição psíquica dos adolescentes não são possíveis de ser pensadas sem um olhar para o panorama social e cultural em volta. As condições de vínculo social, na adolescência, assume ainda uma particularidade em virtude de, nessa fase, os seus sujeitos buscarem, para além de teorias sexuais infantis e do romance familiar, novos traços possíveis para representar e sustentar-se na relação com o Outro. Logo, pode-se questionar se esses sujeitos têm absorvido as experiências na velocidade da contemporaneidade. Nesse sentido, Freitas (2008 GURSKI, PEREIRA, 2016) aponta para a fobia social que alguns rapazes têm desenvolvido, por uma necessidade de um tempo maior para responder às necessidades de maturação masculina. Face a isso, alguns autores apontam para uma adolescência contínua, que imergem sujeitos numa espécie de indecisão contínua, num estado de não escolha permanente. Logo, para investigar-se o problema do mal-estar juvenil na contemporaneidade, questiona-se: a velocidade de nossa sociedade pode criar obstáculos para a representação subjetiva?; o empobrecimento da experiência a constituição psíquica do adolescente?; as condições de laço social atuais podem atrapalhar o tempo de compreensão na passagem à vida adulta? O artigo pretende relacionar tais questões com o conceito de empobrecimento da dimensão da experiência em Walter Benjamim, que serão articulados com o conceito de adolescência a partir da psicanálise. As experiências com o tempo vaiam de acordo com a sociedade com o momento histórico. As pulsões são organizadas pela temporalidade, pelo ritmo imposto às sensações corporais de falta e satisfação. O consciente é demarcado pela linearidade na percepção, para melhor regulação das pulsões, o que difere do inconsciente, onde os eventos são simultâneos e não excludentes, mesmo que antagônicos. Porém, um importante fenômeno histórico e social que demarca a experiência com o tempo é a revolução industrial e a proliferação dos relógios mecânicos, o que alterou, certamente, a maneira de organizar e pensar a própria existência. Antes do século XIII, por exemplo, o tempo era organizado não por relógios, mas pelos ciclos naturais e pela Igreja, segundo a liturgia da criação, como obra de Deus, e de doutrinas religiosas. Para Kehl, ainda atualmente o tempo não pertence ao homem. Dessa forma, o tempo religioso cedeu espaço para o tempo comercial, que dita o ritmo da vida moderna por cada segundo. Dessa forma, o tempo toma uma determinada imediatez que insere o ser humano numa espécie de indústria, como se ele fosse uma engrenagem, em oposição à organicidade das relações. O tempo é encurtado, cujo fato, segundo Kehl, induz o sujeito a produzir pouco saber sobre si mesmo. Segundo Benjamim, com esse encurtamento, sobre pouco tempo para o tédio, o que é importante para a dimensão da experiência, pois, se “o sono é o ponto mais alto da distensão física, o tédio é o ponto mais alto da distensão psíquica”. 1936/1994b, p. 204 GURSKI, PEREIRA, 2016). Essa forma de medir o tempo e, consequentemente, a vida localizada no tempo traz repercussões ao processo de assimilação do indivíduo de suas experiências. Esse estado entre a atenção e o vazio, como um estado de distensão psíquica, a partir do qual o sujeito experiencia várias inscrições, está próximo do conceito de atenção flutuante da psicanálise. Então, o autor retoma essa discussão no contexto da passagem adolescente. Nesse caminho, o artigo se orienta pelas ideias do Walter Benjamim, o filósofo- poeta. Ele, em seus primeiros escritos, já se interessava pela experiência juvenil e os seus desdobramentos; já contestava a banalização do entusiasmo idealista dos jovens em frente à sabedoria experiencial dos adultos. Portanto, o filósofo da aura buscava novas categorias de temporalidade que valorizassem o presente e a crítica a uma concepção de passado imóvel. Na década de 30, Benjamin, carregado de conceitos como tradição, memória, narrativa e transmissão, discutiu o empobrecimento da experiência como decorrente do esfacelamento do social, relacionada às condições urbanas e do modo de produção, opondo Erfahrung (experiência) à Erlebnis, uma experiência esvaziada, vivência. Assim, esse último se caracterizaria, pela falta de tempo, como uma forma isolada, sem laços e valor coletivo, como vivência do indivíduo privado. Benjamin resgata a noção de tédio como uma condição de inatividade passível de realizar uma outra relação com o registro, a memória e a experiência. A partir de Proust, portanto, Benjamin evoca os conceitos de memória voluntária e involuntária. A primeira caracteriza-se por desagregação, pelo resgate do passado, é uniforme, limitada, restrita e sujeita. Já por memória involuntária, há mais densidade, pois leva o indivíduo a uma outra dimensão espaço-temporal, vasta e indeterminada. É nessa direção que o filósofo buscava trazer um espaço de tempo necessário para as experiências. Aí, ele identifica um conceito de barbárie, pois Benjamim também, para além da desmoralização da experiência e a pobreza de narratividade, uma ideia de liberdade, pois os bárbaros de agora, sem passado e sem experiência, poderiam ter a vantagem sobre os civilizados com o contentamento com o pouco. A barbárie, sobretudo, revelava-se na supressão da possibilidade de transmissão de experiências, ocorrida na impessoalidade tecnicista, pelos horrores da guerra e pelo anonimato social produzido pelos modos de produção capitalistas. Benjamim, na contramão do determinismo no devir histórico, colocou aberturas para compreender a arte como um espaço para reflexão, crítica e mudanças sociais, na leitura da barbárie. Semelhantemente às ideias psicanalíticas sobre o inconsciente, o filósofo intenta a busca pelo sujeito da experiência, o qual se encaminho pelo tempo orgânico e não pelo tempo mecanicista. Nos caminhos de Bergson, o filósofo aponta, criticamente, a passagem de um tempo artesanal e orgânico, Kairós, mecânico, Cronos, medido pela quantidade. Mas é na poesia de Baudelaire que o filósofo irá vincular o passado individual e o passado coletivo. Benjamin recusa a linearidade dos acontecimentos de um tempo vazio por uma leitura das ruínas e do fragmentos da história, em direção à atualidade. Na sociedade atual, a juventude transformou-se no ícone social, o ideal, enquanto que a velhice, antes signo de experiência acumulada, hoje um grande sofrimento. Esse ideal de perfeição, segundo Kehl (2004 GURSKI, PEREIRA, 2016), baseia-se na carga de juventude corporal e emocional que o indivíduo consegue portar, ocasionando um excesso de presente. Isso coloca todas as pessoas numa mesma posição, excluindo a alteridade geracional tão importante para os adolescentes. Assim, com a supervalorização da juventude como momento ideal, o que o adolescente irá fazer para formular algo próprio e novo em seu próprio contexto? O jovem, como se diz por aí, tem o mundo nas mãos, com a sua potência física, social e sexual, o qual insere um imperativo sobre ele: goze. Nesse sentido, Slavoj Žižek aponta para uma ideia do prazer como dever, cuja demanda o jovem às vezes não consegue responder de modo suficiente. Assim, a juventude, como idade idealizada, sob a pressão do gozo de uma sociedade hedonista, possui um mal-estar inesgotável, pois o gozo nunca é pleno. Isso ainda impossibilita a criação do novo dentro do sujeito. Hannah Arendt aponta que é pelo contato com a tradição que se constrói o novo. Porém, numa sociedade juvenilizada, todos se tornam iguais e não há espaço para o que é novo. É nessa condição de experiência empobrecida e pressa desmedida que o adolescente é tomado ainda mais pelo desejo de construí algo novo, pois é nessa fase que surge a necessidade de construir um lugar próprio de enunciação. Lacan evoca, por um sofisma, um efeito lógico retroativo que ocorre em três tempos: o instante de ver, o tempo de compreender e o momento para concluir. Ele constrói essa teoria a partir de um caso com três prisioneiros em um desafio. Enfim, Kehl conclui que, quanto ao tempo de subjetivação, o primeiro e o terceiro são instantâneos, mas o segundo supõe um momento de meditação para imergir no último. Ou seja, há um empobrecimento psíquico que ocorre pelo aceleramento das experiências no tempo.