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Tema: Grandeza humana

146. A antropologia pascaliana expressa um aspecto fundamentalmente


racionalista, dentro da tradição cartesiana. Ele é, de certa forma, herdeiro dessa tradição,
da transformação que se dá na Idade Moderna. O período é fortemente influenciado pelo
método cartesiano, o qual busca dar fundamentos para a ciência moderna. Pascal,
segundo Henrique Vaz de Lima, é a atravessado, em seu pensamento, pela tensão e
oposição entre o estudo da matemática e da ciência física e o estudo do homem, após a
sua conversão, com o objetivo de escrever uma apologia da religião cristã.
Dessa forma, Pascal compreende que a dignidade humana se distingue no
aspecto do pensamento, o qual consiste no mérito do homem, como mesmo entende
Descartes. Sendo essa sua distinção, o dever do homem é o pensar correto, o qual
consiste em começar por si mesmo e pelo seu autor e finalidade
Porém, o homem, ao invés de retornar ao conhecimento de si mesmo, de sua
condição, no exercício de sua grandeza, distrai-se com os divertimentos da vida
mundana; pensa em “dançar, em tocar alaúde, em cantar, em fazer versos, em jogar
argolinhas, etc ... em bater-se, em tornar-se rei, sem pensar o que é. ser rei, e o que é ser
homem”. Ou seja, não busca a essência das coisas.
339. Em consonância com o Cogito cartesiano, portanto, o homem se distingue
pelo seu pensamento; sem este, seria apenas uma pedra ou um animal.
347. Pascal depara-se, então, com a ordem da natureza, onde percebe os dois
abismos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno. O universo se oferece
como algo despojado de suas qualidades sensíveis e reduzido a um modelo matemático
de figuras, movimentos e forças. Diante da imensidão do universo, o homem é como um
caniço, frágil, algo que é facilmente esmagado e destruído, porém é um caniço pensante,
pois o universo é um silêncio da consciência humana; o universo, mesmo esmagando o
homem, ainda lhe é inferior, pois o ser humano tem consciência de sua própria morte.
Então, confirma-se a hipótese racionalista de Pascal.
Porém, se o Cogito cartesiano volta-se para a dominação do mundo e da
natureza, o de Pascal orienta-se para as regras do bom pensar, refletindo uma dimensão
moral. O método pascaliano, dessa forma, não objetiva a verdade científica, mas a
condição humana.
348. Se o universo fornece um modelo matemático de figuras, movimentos e
forças, não é nele mesmo que o homem deve encontrar a sua dignidade. Aqui demarca-
se a tensão e oposição entre o estudo da matemática e da ciência física e o estudo do
homem: ele encontra a sua dignidade pela ordenação do pensamento. O homem é um
caniço pensante.
365. Portanto, a dignidade do homem está no pensamento, que revela tanto a
grandeza humana quanto sua miséria. Aqui introduz-se o realismo trágico pascaliano.
397. A grandeza do homem reflete-se, portanto, na própria consciência de sua
miséria, pois os animais ou qualquer outra coisa do universo não pode fazê-lo; ele pode,
a sua autoconsciência o dignifica diante dos demais seres naturais. E a consciência de
sua miséria determina o seu valor.
398. E aqui se descreve o realismo trágico pascaliano: a grandeza e a miséria
humana, como um rei destronado de seu trono.
Tal é a maneira magnânima como o cristianismo ensina ao cristão a pensar sobre
todas as coisas deste mundo a morte incluída. É quase como se lhe fosse necessário
orgulhar-se de estar altivamente para além daquilo que correntemente é considerado
infelicidade, daquilo que vulgarmente se diz ser o pior dos males... Mas em
compensação o cristianismo descobriu uma miséria cuja existência o homem, como
homem, ignora; e essa miséria é a doença mortal.
[...]
O cristão é o único que conhece a doença mortal. Dá-lhe o cristianismo uma
coragem ignorada pelo homem natural — coragem recebida com o receio dum maior
grau de horrível. [...] Mas a lição horrível do cristão está em ter aprendido a conhecer a
doença mortal.
Søren Kierkegaard, O Desespero Humano (Doença até a morte)

A grandeza do homem é grande na medida em que ele se conhece miserável.


Uma árvore não sabe que é miserável. É, pois, ser miserável conhecer- se miserável;
mas é ser grande saber que se é miserável.
Todas essas misérias provam sua grandeza. São misérias de grande senhor,
misérias de rei destronado.
Não se é miserável sem sentimento. Uma casa em ruínas não o é. Só o homem é
miserável.
Pascal, Pensamentos

[...] Vós o incitais a que se deleite nos vossos louvores, porque nos criastes para
Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós.

[...] Era desgraçado, e desgraçada é toda alma presa pelo amor às coisas mortais.
Despedaça-se quando as perde, e então sente a miséria que a torna miserável, ainda
antes de as perder. [...]
Agostinho de Hipona, Confissões

399. Apenas o homem é miserável, pois pode sentir a própria miséria.

416. Há uma importância, portanto, em reconhecer a grandeza e a miséria


humanas, sem desconsiderar um ou outro, pois ao se considerar a grandeza dele como a
dimensão do pensamento e da reflexão, a reflexão leva ao reconhecimento da miséria; e
reconhecer a miséria leva ao reconhecimento de uma autoconsciência, a grandeza
humana. Saber que é miserável é a grandeza humana.
418. Racionalismo pascaliano e realismo trágico.

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