GOLDFARB, D. C. Corpo, tempo e envelhecimento. 1. Ed.
São Paulo: Casa do
Psicólogo, 1998.
O livro Corpo, Tempo e Envelhecimento de Délia Catullo Goldfarb -
psicanalista com especialização em gerontologia - é carregado de reflexões sobre a velhice e seus caminhos, discutidos também pela ótica da psicanálise e com riqueza de elementos. Uma rápida passada de olhos pela bibliografia do livro já é suficiente para despertar a curiosidade do leitor: Freud, Nietzsche, Lacan, Heidegger são algumas das referências usadas pela autora. A obra está recheada de análises sobre o processo do envelhecer e dividido em três capítulos: o primeiro, "A questão do corpo", o segundo, "O trabalho do tempo", e o terceiro, "Envelhecer... Certamente". No primeiro capítulo, Délia Catullo apresenta três pontos onde aborda o paradigma do corpo de acordo com a construção da história de nossa civilização, e, para isso, ela situa os diferentes pontos de vista conceituais de que não há um corpo único que seja condizente com todas as vertentes do conhecimento, mas sim diferentes dimensões que tentam abarcar esta problemática. No primeiro ponto, ela percorre as fontes que a filosofia nos direciona, utilizando-se de teorias como a de Nietzsche (força de potência) e Schopenhauer (conceito de vontade), por exemplo, para revelar aspectos importantes e limitados das representações do corpo que podemos conhecer através de sua atividade, suas pulsões de vida e de morte, relacionando aqui com o trabalho de Freud e da Psicanálise. Já no segundo ponto, temos a relação do corpo sob o olhar fundamentado da Psicanálise, atravessando e enfatizando os trabalhos de teóricos como Freud, Piera Aulagnier, Françoise Dolto e Lacan. Catullo apresenta as concepções do corpo a partir do biológico, da emoção e suas manifestações no plano somático. E que o corpo, suas atribuições e sua imagem é uma realidade comum a todos os indivíduos de uma cultura, época e região determinadas. O corpo não se encontra fragmentado, e conhecê-lo, relembra Catullo debruçando-se nessas teorias, é algo fundamental e que pode gerar diversos conflitos, principalmente se tratando da imagem e do olhar que o idoso tem sobre si mesmo. No terceiro ponto, intitulado como: "O velho, esse outro", Catullo coloca em discussão o ideal do Eu no corpo idoso. Como a pessoa idosa não se reconhece em seu corpo, referindo-se a ele como algo estranho, uma imagem separada de si e como transpassa todo um caminho para a aceitação do mesmo. Dessa concepção, surgem questionamentos de como se preparar para este corpo idoso, enfatizando a faixa etária de 40 a 50 anos, que anuncia a velhice em termos de estética e funcionalidade do corpo. Além do próprio significado social que cada cultura concerne a esta fase da vida. As limitações, a dependência, à perda de autonomia são questões que cintilam mais do que outras e causam certo "rebuliço" nessa imagem que o idoso tem de si: como eu, me sentindo tão jovem, sou agora considerado de terceira idade? Como eu, com a cabeça tão boa, tenho os joelhos fracos e os olhos embaçados? Questionamentos como estes, são pertinentes na escuta psicológica de idosos. A autora nos faz perceber que é nessa etapa quando começa o curto-circuito entre a jovialidade da alma e a decadência do corpo, entre a jovialidade da mente e a decadência da vontade. Contar com uma boa estrutura psíquica com investimentos adaptados à realidade é um caminho para equalizar e extrair dessa passagem do tempo um diagnóstico positivo da experiência. No segundo capítulo, intitulado como: "O trabalho do tempo", a autora trás a tona o conceito de finitude, como é dada a articulação de grande parte da subjetividade que o sujeito se depara para produzir "sua história". No primeiro ponto, "Tempo e Psicanálise", é destacado de forma discursiva como interessa a Psicanálise a história atualizada, retomada, e ao mesmo tempo modificada pela particular leitura que o sujeito faz dela. A história dos vínculos, dos afetos, de não ser viável a história sem o outro. O limitante espaço social do sujeito idoso quebra essa constituição de uma temporalidade histórica, da construção de subjetividade, abrindo espaço para o isolamento e outras consequências. No segundo e terceiro ponto, é levantada a questão da clínica e do tempo, do ponto de vista da Psicanálise. Pontos relacionados aquilo que escutaremos na clínica, relacionados ao que o sujeito faz com sua velhice, seu projeto identificatório, os objetivos, a autoconstrução do Eu pelo Eu e elaborações possíveis. Dentro do que é possível na análise, nos limites de sua particular expectativa de vida. E aqui, aparece a importância dos vínculos, o que o "sujeito velho" deseja ser, estará sempre relacionado com uma imagem valorizada pelo grupo social, de uma aceitação do mesmo ao desejo que o Eu reivindica. No quarto ponto, a autora exemplifica casos para relatar experiências de reminiscências, e propõe uma reflexão a respeito dessas histórias para nos conduzir a reconhecer a importância da articulação entre a dimensão do passado e as circunstâncias do presente, para o sujeito vir a ter certo comando da realidade sendo ele um projeto inacabado e seu próprio construtor e historiador, reelaborando e transformando o seu presente com a inclusão e o elo com o seu passado. No quinto ponto, a autora discorre sobre o medo da morte e como o enfrentamos, o modo como enxergamos a morte no outro e não no Eu. O quanto é angustiante pensar na velhice como uma ante sala da morte e na iminente ameaça da continuidade do Eu. Já no sexto ponto, Catullo finaliza o capítulo tecendo pontos da fusão pulsional e como os conceitos psicanalíticos da Pulsão de Morte e Pulsão de Vida recaem sobre esse processo de investimento/desinvestimento do próprio sujeito, na velhice. No terceiro e último capítulo, o primeiro ponto apresenta algumas vias para o envelhecimento, retomando a ideia de investimento em projetos e vínculos que seriam esses geradores de satisfação. A autora recorre a um conceito de "sereno-jovialidade" repetido na obra "Nascimento da Tragédia" (1992) de Nietzsche, para direcionar nosso olhar sobre a serenidade ideal na velhice, batendo na tecla de que não se trata da passividade vazia de sentido, mas de estar vívido para possibilidades sem desapontamentos. Já no segundo ponto, a autora finaliza o capítulo focando nos últimos anos de vida de Sigmund Freud, no seu processo criativo durante esse período, na sua força pulsional. Para nos levar até a compreensão de que a velhice pode ser criativa, ter paixão. E isso não significa que será uma velhice sem dor nem perdas. Uma das maiores contribuições do livro está no fato de Délia Catullo providenciar reflexões acerca do processo de envelhecimento, colocações e questionamentos a respeito dessa problemática, da representação do corpo, sua estética, autonomia e limitações no processo do envelhecer. A autora esmiúça bem os conceitos psicanalíticos, para elucidar o trabalho e a importância da clínica na vida desse sujeito, no papel de uma construção de possibilidades e possíveis elaborações no contexto social, imbricado com vínculos afetivos. Afinal, o investimento na velhice é uma forma de atravessar esse medo de senti-la, onde tantos temem a aridez e a improdutividade. A mensagem da autora é clara: ainda há terreno fértil para investimentos genuínos e realizáveis. O livro é recomendado a todos os interessados nas nuances desse processo do que é envelhecer.