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“LOGOTERAPIA – FUNDAMENTOS”

"À medida que adquiro mais experiência, vejo-me forçado a admitir que tenho que dar
mais espaço àquilo que Viktor E. Frankl chama de vazio existencial, falta de sentido
para a vida, frustração existencial do céu roubado, dissonâncias cognitivas na
compreensão de si próprio e da existência. Tenho que dar um espaço bem maior a esses
aspectos como fator de inquietação e de estresse e, portanto, como causa possível de
doenças e falhas de desenvolvimento, muito mais do que tenho feito, por exemplo, em
meu livro An den Grenzen der Psychoanalyse, Munique, 1968,
("Nas fronteiras da Psicanálise"), que também se ocupa destas questões".
(Do livro "KENNT DIE PSYCHOLOGIE DEN MENSCHEN?"
(A Psicologia conhece o Homem?) Albert Gorres, 1983.)

Objetivo: mostrar que a Logoterapia tem uma proposta que apresenta elementos do
existencialismo e caracteriza uma sua e específica antropologia, que é base para a
própria teoria terapêutica.

INTRODUÇÃO

O meu percurso até a Psicologia foi um longo caminho. Interessado em muitas


áreas, iniciei um curso de Comunicação Social, não satisfeito iniciei Medicina e, em
crise com a Medicina passei a pensar na Psiquiatria como alternativa, mas já neste
tempo a minha busca era por uma ciência que privilegiasse o relacionamento como
caminho para a saúde. Foi neste contexto que conheci a Psicologia, da qual passei a ser
um entusiasta.

Os anos ’80 eram ainda marcados pelos fortes movimentos estudantis e


movimentos de massa. Na sociedade, tudo era passível de questionamentos e a tônica
era o feminismo, a sexualidade como um todo e os questionamentos abalavam as
estruturas ou qualquer que fosse a ordem estabelecida. Na faculdade, porém, a
Psicologia já não me parecia responder às questões fundamentais do Homem. Na
medida em que os valores (família, a religião, o ter em detrimento do ser) perdiam
espaço na sociedade, eu percebia uma Psicologia por demasiado centrada no passado
do indivíduo, nas situações de causa e efeito e pouco atenta à situações do “presente”
e mesmo “desatenta”, eu diria, do “futuro” enquanto projeto ou mesmo perspectivas
de um vir a ser do homem.

“Esta psicologia não resolve as questões fundamentais do homem”, era uma


minha certeza. Um primeiro contato com Martin Buber - “Eu e Tu” – foi um primeiro
sinal que a Psicologia poderia ser diferente. Na faculdade, dentro de uma mesmice
entre os professores, percebia que um deles tinha uma postura profissional diferente.
Competente e reconhecido entre os estudantes, não por isso deixava de ser próximo e
disponível e não por isso deixava de expressar um quase permanente sorriso.
“Realizado”, pensava eu. Pois foi ele quem me chamou a atenção para um evento a ser
realizado na universidade, o I Congresso Internacional de Logoterapia, com a presença
de Viktor Emil Frankl.
O congresso foi um sucesso e mais que o congresso, a figura de Frankl foi uma
resposta. “A vida sempre tem um sentido”, afirmava ele, com convicção de quem tinha
feito – possivelmente – uma das experiências mais dolorosas da humanidade. Foram
mais de três anos nos campos de concentração nazistas e as condições sub humanas, a
fome, a miséria extrema, o trabalho escravo e as condições próprias da guerra, com
mortes e destruição de inteiras cidades não foram suficientes para mudar esta
convicção e, ao contrário, a reforçaram. De fato, Frankl percebeu que o sentido da
própria existência não pode ser atribuído, mas deve ser permanentemente
descoberto. Como ele próprio conta, o perceber a importância e o sentido de escrever
as suas convicções para a posteridade da ciência o mantiveram vivo. Para muitos,
assegura Frankl, a vida no campo de concentração tinha um sentido enquanto havia
esperança de reencontrar os familiares ou esperança de reconstruir a própria vida no
pós-guerra. O saber que os familiares, sentido e razão da própria existência, não
estavam vivos ou, por qualquer motivo, o não perceber o sentido da própria existência
era razão para “atirar-se nos fios” da cerca elétrica. Em outras palavras, porque viver
se a vida não tem um sentido? Frankl cita Nietzsche, quando diz “quem tem um
porquê viver suporta qualquer como”.

Agrada-me ressaltar dois ambientes culturais em que eu vivia: em um deles,


uma experiência onde a dimensão de um cristianismo vivenciado em um grupo com
fortes raízes também sociais, dava a necessária resposta para a minha busca do
transcendente, do relacionamento que ia além das aparências, de um relacionamento
que buscava ser resposta também ao “outro”; no outro grupo, percebia uma academia
e uma militância política onde o transcendente (segundo a minha percepção) era
negado quase em absoluto. Para minha surpresa, a Logoterapia tornou-se uma
resposta para ambos os grupos, pois eu percebia que ambas eram militâncias com um
sentido. E, em ambos os casos, tanto os colegas de um grupo como de outro, podiam
viver uma dimensão máxima de transcendência, “vivendo pelo outro, vivendo por uma
causa”, como sustentava Frankl. Sendo o ser humano, “único e irrepetível”, cabe a
cada um uma específica missão neste mundo, uma sua, que nenhuma outra pessoa é
capaz de realizar com a mesma qualidade. A Logoterapia foi, portanto, uma espécie de
“bálsamo”, uma resposta clara e consistente, também para as minhas perguntas de
adolescente: me parecia muito estranho o “acordar, ir para a escola, estudar, jogar,
voltar pra casa, dormir e acordar mais uma vez”, em uma sequência aparentemente
interminável e sem sentido. Na verdade, o sentido eu já havia descoberto na vivencia
de um cristianismo que mostra-se compromissado com o outro, com a sociedade. A
novidade estava no descobrir que cabe a cada indivíduo, na sua individualidade, fazer
a sua descoberta de sentido e para muitos a participação política era e é “o” sentido
que realiza a própria vida.

Em termos de sociedade e momento cultural que vivemos, com certeza hoje


“os tempos são outros”, se comparado aos anos 80, mas não por isso diminui a
importância da proposta da Logoterapia. A leitura do livro “Em busca de sentido”, que
conta a história de “um psicólogo no campo de concentração”, me fazia pensar o Brasil
e a América Latina, pela sua pobreza e em função da(s) ditadura vigente(s), como um
grande campo de concentração. “E, apesar disso, a vida tem um sentido, sempre”.
Como pensar uma população, vivendo “á mercê” de um salário mínimo ou menos com
escola, saúde, lazer e habitação precária e ser feliz? A que custas sobrevive uma
população que percebe a injustiça social gritante, se não na dimensão da esperança? E
é Frankl quem nos fala de esperança, não como resignação, mas ao contrário, como
uma dimensão que ainda está por ser construída, que pode ser transformada. É a
mesma esperança que move cristãos, socialistas e comunistas, embora com raízes e
motivações diferentes. Em última análise, é o transcendente que nos move, e é
também um algo “a construir” o “combustível” que alimenta o ser humano. Hoje o
Brasil ou a América Latina talvez não possam mais ser comparados a um “campo de
concentração”, mas a busca de sentido e a busca de realizar valores permanecem
como um desafio, talvez maior e mais forte.

O HOMEM VIKTOR FRANKL (escrever em um segundo momento)

É oportuno conhecer o personagem que foi capaz de quebrar antigos


paradigmas

Em 1985 Frankl ressaltava: “A quebra das tradições deixa um vazio, pois o


homem de hoje não tem mais a orientação clara do que fazer.” Paralelamente, sendo
o homem um “ser-em-relação”, no vazio das tradições, que anteriormente mostravam
um caminho e podiam dar um sentido para o quotidiano, na ausência desta, entram
novas possibilidades, como riquezas, entre as quais a qualidade do relacionamento
interpessoal.

O SER HUMANO SEGUNDO FRANKL

(http://psic-paulorech.livejournal.com/21223.html)

A Psicologia não pode não refletir o pensamento da época, visto que, não
somente o “objeto” do estudo da Psicologia é o próprio Homem, mas o ‘pesquisador’,
ou seja, aquele que busca conhecer o Homem estará sempre inserido em um contexto
cultural que dá também ao ‘pesquisador’ – o Homem – as ‘ferramentas’ a serem
utilizadas nesta ‘pesquisa’.

Neste contexto, podemos considerar ainda que as diferentes compreensões do


Homem partem, o mais das vezes, de compreensões já existentes e que a
compreensão sobre o Homem e de modo particular sobre o “EU” tem uma forte
aceleração no século XX, tendo como resultado diversas correntes, ou também
chamadas “escolas” de pensamento e de metodologia.

Nos anos 50, a cultura do pós-guerra buscava respostas para as muitas questões
pendentes e forma um ótimo fermento para o proliferar destas novas idéias a respeito
do Homem. Tanto que em contraposição à concepção de Homem vigente na Psicologia
– uma concepção fundamentalmente determinista – nasceram duas grandes
correntes: uma denominada Psicologia Humanista, com berço nos EUA e outra
Psicologia Existencial, com berço na Europa. Em ambas as escolas existem experiências
ou pensamentos anteriores, como que “precursores” desta própria escola. (García
Pintos, 1988).

Embora existam semelhanças em ambas as escolas, pois ambas nascem como


fruto de um questionamento à psicologia vigente, ao seu ‘modus operandi’ – existem
também diferenças significativas. As semelhanças, porém, permitem que passem a
coexistir os chamados “existenciais-humanistas”, ou seja, quem identifique como
correta ou completa uma visão do Homem que integra aspectos de ambas as teorias.

Fundamentalmente podemos dizer que os humanistas percebem no Homem


uma capacidade interior de crescimento, de auto-superação, de autoatualização e
colocam o exemplo da semente, que contém em si um todo completo, capaz de
constituir-se por si só. Os existencialistas, por sua vez, consideram como fundamental
o fato que o Homem se constitui na própria existência, ou seja, existe somente o nada,
a partir do qual o Homem se constitui, como um “ser-ai”.

Ressaltada esta diferença fundamental, podemos também colocar em relevo as


semelhanças: tanto o humanismo como o existencialismo fundamentam o Homem
como um ser livre, capaz de decidir, de escolher; o existencialismo em diversos
autores, marcadamente em Sartre, colocará esta liberdade de modo radical,
desconsiderando de modo absoluto todo e qualquer outro fator que possa interferir
neste quesito. Junto com este quesito, a consciência é reconsiderada – embora tome
diversas variantes, em autores como Sartre, Kierkegaard, Heidegger e, como veremos,
em Frankl – pois fundamentalmente o Homem é um ser que decide, que escolhe.

Dentro deste contexto, gostaria de considerar um Autor em particular: Viktor


Emil Frankl, conhecido pela Logoterapia, ou a “terapia do sentido da vida”, como ele
costumava salientar, esclarecendo que ‘logo’ está para ‘sentido, propósito,
significado’.

Frankl, europeu, portanto com bases e raízes profundamente filosóficas, foi


reconhecido como o “mais humanista dos existencialistas” (García Pintos).

http://psic-paulorech.livejournal.com/21260.html

O fato que Frankl chama a sua teoria de “logo”, ou terapia centrada no sentido,
propõe o quanto o ‘sentido’ tenha um caráter exponencial para Frankl. De fato, este é,
já, o primeiro indicativo do ‘eu’ em Frankl: o ‘eu’ frankleano não é movido pela busca
do prazer ou do poder, referindo-se às duas grandes correntes da sua época,
preconizadas por Freud e Adler. Hoje, no contexto das demais correntes
marcadamente existenciais, podemos completar que o ‘eu’, segundo Frankl, vive “a”
angustia de encontrar um sentido para a própria existência, enquanto que para os
demais, o homem vive a angustia do nada, do ‘não-ser’ ou a angustia do permanente
‘decidir’. Quis o destino que Frankl fizesse em primeira pessoa o que ele chamou de
“experimentum crucis”, ou seja, 3 longos anos prisioneiro em campos de
concentração, onde a finalidade dos algozes não era somente ganhar uma guerra, mas
sim destruir um grupo, uma raça e onde a existência passava a ser “um número”
(Frankl, "Em busca de sentido", Vozes).
Frankl testemunha que os campos de concentração tornaram-se uma espécie
de ‘laboratório’, onde aqueles que tinham, mesmo no sofrimento, um sentido e com
este um motivo para viver, foram capazes de suportar as situações mais atrozes; é
marcante o relato onde Frankl cita que os prisioneiros tinham por costume ter alguns
cigarros para o dia seguinte e que perceber um prisioneiro fumar todos os seus
cigarros era um indicativo de desistência, de entregar os pontos e o mais das vezes,
atirar-se na cerca elétrica. Como cita García Pintos (1988), caiu por terra a teoria das
hierarquias das necessidades, por exemplo, pois “a fome, a necessidade mais primitiva,
não impediu a expressão altíssima da espiritualidade e nem a busca incessante de
sentido, mais que de pão”.

Neste ponto cabe ressaltar que caíram muitos “determinismos”, não somente
os psíquicos, mas também os sociais e aparece com força a “vontade de sentido” como
coloca Frankl.

O ‘eu’ frankleano supõe a presença de um elemento – o espírito – que,


justaposto ao ‘bio-psíquico’, torna o Homem o que ele é: espiritual. Aqui cabe ressaltar
uma diferença sutil mas fundamental, comparando com o ‘eu’ em Kierkegaard:
enquanto este sustenta que o “homem é espírito”, Frankl sustenta que o Homem é um
ser bio-psico(sócio)-espiritual. Portanto, Frankl considera o biológico (por sinal, Frankl
é neurologista) e o psicológico como condicionantes, mas não determinantes do
Homem.

O Homem, enquanto um ser portador de ‘espírito’ busca o sentido da própria


existência. Visto que o Homem é, fundamentalmente livre, ele decide, escolhe, mas
esta liberdade chama para si outro aspecto, ou seja, a responsabilidade, motivo pelo
qual o Homem busca também realizar valores. Em outras palavras, sendo livre,
podendo optar por A, B ou C, ele percebe que existem valores e deve escolher, o que o
torna responsável. Podemos perceber uma eventual contradição no afirmar a
‘responsabilidade’ e negar a existência de ‘valores’, visto que estes estão
profundamente ligados. Cabe ressaltar que os Valores devem ser ‘descobertos’ como
tal e esta é uma experiência única e exclusiva do indivíduo.

García Pintos, em sua descrição “10 teses sobre a Pessoa”, cita Frankl e coloca
apropriadamente que devemos estar atentos a “não cair em um reducionismo
espiritualista, tão negativo quanto o biologista ou o psicologista” e continua: “a
espiritualidade do homem não é somente uma sua ‘característica’, mas um
‘constituinte’: o espiritual não é algo que somente caracteriza o homem, assim como o
fazem o biológico e o psíquico, que são também próprios do animal, mas o espiritual é
algo que distingue o homem, que corresponde a ele e antes de tudo a ele”. Frankl
ressalta ainda que no homem, o bio, o psico e o espiritual são dimensões e não
extratos, ou seja, existe uma continuidade, de maneira que o instinto é
‘espiritualizado’, ou ainda, podemos acrescentar, ‘permeado do espírito’.
Diferenciando do demais seres, ”o homem tem instintos, o animal é os seus
instintos". Ainda, considerando a realidade psicofísica e espiritual do homem,
podemos dizer que o “homem é (tal como é) graças aos seus instintos, herança
genética, do meio e, mais ainda, apesar de tudo isso”.
Consciente que as questões do sentido e dos valores estão entre os tópicos mais
polêmicos, cito uma experiência clínica freqüente, quando coloco a seguinte questão
para o cliente: busco que recorde, da sua memória, duas disciplinas do curso médio
que lhe eram uma, a mais fácil e agradável e outra, a mais difícil; supondo que tenham
sido História e Matemática, faço imaginar que ele, cliente, está em um período de
exames/testes e que recebe, neste momento, estas duas provas e em ambas a mesma
nota: 8,0! O momento seguinte é ‘clássico’: qual das duas notas lhe dá mais satisfação?
Bem, deveria deixar um momento para reflexão, mas antecipo que em grande parte –
não na totalidade e por isso cabe um esclarecimento – as respostas são que a nota 8,0
para a disciplina mais difícil tem mais ‘valor’! E por que teriam mais valor? Porque
significaram mais esforço e este esforço confere um ‘valor’, mesmo se a nota é a
mesma para ambas as disciplinas! Bom, esta resposta não é absoluta, pois algumas
pessoas não percebem em um primeiro momento esta questão do valor intrínseco no
esforço. Significa que não existe ‘valor’ no esforço? Eu não diria tanto, mas poderia
confirmar que os ‘valores’ sempre serão únicos e exclusivos de cada indivíduo.
Exemplificando ainda, chamo a atenção para as muitas situações de consultório, onde
encontramos filhos adolescentes que tiveram as suas dificuldades (crises e dificuldades
na escola, por exemplo) sempre resolvidas pelos pais. Que resultados nós
encontramos? Adolescentes com as necessidades materiais satisfeitas, mas que
buscam um algo, seja o próprio limite, seja o valor que lhe foi negado, por não realizar
o esforço que a vida lhe colocou.

Retomando, o Homem busca a realização de valores e a não realização destes


implica em um “vazio existencial, a doença do Século XX”, como usava citar Frankl e –
poderíamos acrescentar – ‘que se difunde em alta velocidade no Século XXI’.

Uma das contribuições mais significativas de Frankl tem a ver com a ‘estrutura’
do Eu e Frankl usa a proposta de Freud para introduzir um novo conceito de
‘inconsciente’, sem antes redimensionar também o EU ou o Ego. Segundo Frankl,
Freud faz com que o ID apareça como o verdadeiro EU, ou seja, ocorre uma
“Ideificação”, visto que o Ego é subjugado, e o Homem um ser fundamentalmente
‘impulsionado’; afirmando o Homem como um ser fundamentalmente livre, Frankl
afirma também que o Inconsciente contém em si um elemento ‘espiritual’, elemento
este que confere uma capacidade de auto-transcendência que lhe são específicas e
únicas.

Em termos de clínica, estas afirmações são fundamentais, visto que, sendo o


homem um ‘buscador de sentido’, pode o terapeuta perceber a eventualidade de
‘propor’ um valor, que poderá ou não ser percebido como tal pelo cliente. Frankl conta
um dos seus casos clínicos, mostrando que tal valor pode ser percebido: um senhor de
idade avançada, relata tristeza e depressão após o falecimento da esposa, com a qual
convivera muitos anos; percebendo a presença do amor que uniu o casal, Frankl
questiona:

“Como estaria ela se o senhor tivesse falecido antes?”. “Muito mal, não sei se teria
forças para superar”, responde o cliente.
- Entendo. O teu amor por ela justifica este sofrimento, que o somente o senhor pode
vivenciar e assim fazendo, o teu sofrimento é suficiente e necessário para que não seja
ela a pagar por isso.

Como resultado, o cliente em questão percebe no próprio sofrimento um sentido real


e concreto, fundamentado no relacionamento existente no casal.

Um dos principais conceitos frankleanos está, possivelmente, entre aqueles de mais


difícil descrição, visto que o espírito foge a condições de aferimento na metodologia
científica. Frankl, baseado nas descrições ontológicas de Nicolai Hartmann e na
antropologia de Max Scheler elabora uma sua síntese antropológica, onde evidencia
em primeiro lugar o reducionismo do qual é passível a descrição do ser humano e a
partir desta evidencia, Frankl elabora a sua “imago hominis”.
Nicolai Hartmann (1882 – 1950) rejeita tanto o reducionismo organicista como
o reducionismo psicologista e trabalha sobre a idéia de uma espiritualidade irreduzível
ao psicológico e ao biológico. Dedicando-se á análise fenomenológica das diferenças
ontológicas do ser humano, descreveu quatro dimensões: inorgânica, orgânica,
psicológica e espiritual. (Diccionario de Logoterapia, Marta Guberman & E. P. Soto, Ed.
Lumen, Bs As, 2005). Por outro lado, segundo o próprio Frankl, foi Max Scheler (1874 –
1928) o filósofo que mais o influenciou o pensamento e a visão de mundo. (Vial, 1999
in Martínez, 2011). Scheler foi o primeiro filósofo a fazer uma análise fenomenológica
dos aspectos emotivos e práticos da consciência. Considera que a experiência emotiva
é onde se apresentam os valores, para os quais está aberto o homem. Frankl coincide
com Scheler ao afirmar que a pessoa está aberta ao mundo e dirigida para algo ou para
alguém diferente de si mesma. Ambos preservam a unidade da pessoa, em que pesem
as diferenças ontológicas e ambos também defendem a abertura para a
transcendência através da consciência, fato este que caracteriza a pessoa como um ser
essencialmente dialogal. (Guberman & Soto, 2005).

Frankl, (Quadrante, 2003) em sua “imago hominis”, define o homem como “unidade
apesar da pluralidade: porque há uma unidade antropológica, apesar das diferenças
ontológicas”. Frankl propõe uma imagem de homem baseada em analogias
geométricas. “Trata-se de uma ontologia dimensional, caracterizada por duas leis:

1. Se tomarmos um objeto (tridimensional) e o projetamos em várias dimensões


inferiores àquela que lhe é própria, as figuras obtidas opõem-se uma às outras;
como exemplo, um copo cilíndrico, projetado no sentido horizontal, resultará
um retângulo e projetado no sentido vertical resultará em um círculo, ambos
como um corpo fechado, embora o copo seja um corpo aberto;
2. Objetos distintos, como um cilindro, um cone e uma esfera, quando projetados
em uma única dimensão, inferior, teremos em todos os casos a projeção de um
círculo, dando uma interpretação equivocada e parcial do objeto original.

A que conclusão nós chegamos no que concerne o homem? Também o homem,


tomado em dimensões reducionistas, apresentará projeções reducionistas. A projeção
no plano biológico terá por resultado fenômenos somáticos e a projeção no plano
psicológico terá por resultado fenômenos psíquicos. Resulta que poderemos encontrar
o Homem não em suas projeções, mas somente em uma dimensão mais elevada, na
dimensão do especificamente humano. Frankl ressalta, que não necessariamente
possamos “resolver o problema psicofísico, mas pode ser que a ontologia dimensional
projete sobre o problema certa luz, mostrando-nos por que o problema é insolúvel (pg.
44)”.

Um tema específico é o livre arbítrio. Se “projetamos” o homem, ele é representado


no plano biológico como um sistema fechado de reflexos fisiológicos e no plano
psicológico como um sistema de reações psicológicas. Heidegger, mas também Max
Scheler e outros, mostram o homem como “aberto ao mundo”. Ser homem significa, já
de si, “ser para além de si mesmo” (Frankl), ou “ser-com” (Heidegger).

Frankl visualiza aí a essência do Homem: o dirigir-se ou ordenar-se para algo ou


alguém fora de si, como condição da própria existência. O conceito “essência”, porém,
causa muito temor na Psicologia. Com razão, pois todo e qualquer enquadramento é
reducionista e o homem não se sujeita a reducionismos. Entretanto, na medida em
que o “dirigir-se ao outro” não é em absoluto estático, mas dinâmico, a ‘essência’
deste homem não é em absoluto, uma essência estática, mas uma essência que se
justifica e se concretiza no “agora”, no momento da atuação. Heidegger expressa o
homem como o “ser-ai”, jogado no mundo e este homem “é” em relação com o meio,
com o outro, e nisto ele se constrói continuamente.

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Abaixo, uma mensagem encaminhada ao blog “Psicologia e Vida”. O autor da mensagem,


antes em dúvida sobre a existencia ou não de Deus, hoje lamenta o saber da sua não
existência, pois se antes vivia uma dúvida maldita, agora vive o “inferno da descrença”.
O texto – também o título – foi recolhido tal como ainda hoje aparece no blog e retrata em
tom dramático a questão do vazio e do sentido da existência.

“O existencialista estaria condenado então, a não se libertar da dependencia?”

“Prezado,
eis um artigo que toca numa ferida que conheço muito bem sua extenção e inflamação.
Por diversas razões, me considero um existencialista. E as razões para me considerar
um, foi justamente não me enquadrar entre entre aqueles que podem se libertar da
dependência química justamente resgatando ou adquirindo valores, buscando acalento,
força, mas principalmente algo com que pudesse dividir a responsabilidade e poder para
mudar sua situação. Um Deus, uma força maior a que se pode confiar ou mesmo se
entregar.
Entendo que um dia resolvi questionar se as sombras eram as verdades como todos a
tinham, ou se havia algo mais. (mito da Caverna). Mas o fato é que se questionei algo
até então inquestionável, principalmente no meio em que fui educado, é porque a dúvida
apenas anunciava minha descrença, e repudio ao temos ao Deus do Cristianismo.
Essa dúvida, antes me causavam angustias pelo fato do sentimento de culpa, enquanto
na mesma sociedade que éra proibido duvidar, as drogas não eram e até hoje não é
proibida aos jovens nessa cmesma sociedade. Além de prometer o paraíso, mas também
não se negar a dar provas de exisitencia deste.
Mas foi durante a faculdade que passei a embasar minhas opiniões e reconhecer minhas
tendencias ao ceticísmo, chegando há um ponto de dizer: "maldita dúvida que um dia
tive, mas melhor teria sido permancer apenas com ela. Agora vivo o inferno da
descrença, sem o direito de nem mesmo ser hipócrita ou tentar me enganar sobre Deus e
a fé.
Pois bem; em vários tratamentos e principalmente terapia de grupos que são tão
recomendadas, há uma necessidade vital para o sucesso que é crer num Deus.
Independente de como o compreendo. Mas não o compreendo! Pois não o reconheço.
E mesmo que tente o descobrir como algo em meu interior, ainda assim, temo
desmoralizar o pouco de valor que posso ter, a final, se ele está dentro de mim, onde
está seu poder já que reside tão próximo do que me aprisiona?”

Mas alguns pontos da mensagem merecem questionamentos:

“...buscando acalento, força, mas principalmente algo com que pudesse dividir a
responsabilidade e poder para mudar sua situação. Um Deus, uma força maior a que se
pode confiar ou mesmo se entregar.”

O existencialismo é afirmativo no que tange a questão da liberdade e responsabilidade.


Sartre, Heidegger, Frankl, são unanimes ao afirmar que o homem é um ser que decide,
portanto é um ser fundamentalmente livre. Sartre, por sinal,

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