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LOGOTERAPIA

TERAPIA DOS VALORES

1. Apresentação pessoal (breve história e questionamentos). Encontro


com Frankl – 1984.

2. LOGOTERAPIA: terapia através do sentido, terapia dos valores.

3. Ênfase no diferencial da Logoterapia: o ser humano é “espírito”.


 Bio-psico/sócio-espiritual.
 Espírito exige Valores, assim como o biológico, o físico, exige
respostas relacionadas (comida, bebida, um copo de água...) e o
psíquico tem a ver com relacionamentos.

4. VALOR: o que é um “valor”? Exemplos?


Família, trabalho, o repouso, um copo d’agua...
 “valor” e as diferentes percepções.

5. QUESTÕES QUE COLOCAM O “VALOR” EM PAUTA.


 Ex.: 2 disciplinas que vc gosta, sendo 1 muito difícil, outra fácil; 2
provas, com notas iguais: qual a nota de mais “valor”?
 Quem de nós não teve a seguinte perplexidade, na escola
elementar ou média: “para que estudar ‘isso’, se nunca vou usar
esse conteúdo? Conteúdos que nos parecem com sentido, são
mais fáceis de merecer tempo de estudo; caso do adolescente,
14 anos, de periferia, estudando história da China, do imperador
Kim Shi Huang, de 1375.
 3 formas de realizar valores: trabalho/atividades,
amor/relacionamento/contemplação, sofrimento, este como
fator de impulso para o superar si mesmo, para o crescimento.
 Ver reportagens (recortes antigos dos jornais) falando da crise
dos valores...

6. A QUESTÃO DO SENTIDO:
 O sentido no Campo de Concentração; o encontro com o Frankl
e o “Campo de C” na A. Latina (1984...). O Brasil de hoje e a
esperança.

7. ORIENTADO A UM FUTURO (em direção “a” um futuro)


(ver último livro)
8. A ausência de sentido hoje: (ver último livro).

9. O homem Viktor Frankl


 A religiosidade
 O humor
 Um homem de ação, alpinista.
 A formação: Médico e Filósofo, embora não diga ser filósofo,
pois ao invés de ser reconhecido como um duplo doutor, o
chamariam de “meio médico”...
 Uma das máximas:
“Escrever um livro não é uma grande coisa; saber viver é muito
mais e ainda mais que saber viver, é escrever um livro que
ensine a viver. Mas o máximo é viver uma vida sobre a qual se
possa escrever uma vida”.

10. O “ser humano”, o homem segundo Frankl


 Tridimensional = bio-psico-espiritual
 Frankl quando preso, tem o manuscrito do seu livro apreendido;
curiosamente, a “necessidade” de reescrever o livro em
pequenos pedaços de papel, o mantém vivo; o título do livro?
“The doctor and the soul”.
 Auto transcendência. (exemplo do avião no aeroporto, que faz
transporte de bagagens; não viver a auto transcendência é viver
como este avião...)
 É a presença do “espírito” que pede a realização dos valores e do
sentido. É o “espírito” que confere sentido a um viver “para”,
quando existe um “apesar de”.

11. A atitude e o “modus operandi” logoterapêutico:


 Diálogo socrático: mais que uma técnica, é um “modus
operandi”. Diálogo, tendo como pano de fundo o
questionamento.
 Intenção paradoxal.
 Auto-distanciamento, distanciamento do foco...
 De-reflexão, ou o contrário da hiper-reflexão.
 Aceitação incondicional do outro.
 Propostas, desafios...
12. DIFERENÇAS ENTRE O HUMANISMO FRANKLEANO, DEMAIS
HUMANISMOS E O EXISTENCIALISMO.
 Frankl “descobre” a teoria dos Valores, de Max Scheller, muito
cedo, e afirma que até aquele momento, trabalhava com um
“psicologismo”.
 Frankl afirma que as demais teorias, ao não considerar o
“espírito” como parte do homem, caem no
reducionismo/psicologismo.
 É humanista porque acredita no homem, na liberdade, na
capacidade de superar-se, contesta o determinismo absoluto;
 É existencialista porque reconhece que o homem decide e se
constrói na vivencia, na medida em que vive.
 Não é existencialista nos termos de Heidegger ou Sartre, visto
que percebe no homem a essência, um algo, uma tarefa, um
papel específico, ao qual ele é chamado a realizar.
Concretamente, Frankl não entra no mérito de uma essência nos
termos gregos, mas sim como um algo, tarefa “a realizar”.
 Por estes motivos, Frankl por vezes é chamado de humanista,
por vezes de existencialista; ele diz-se “o mais existencialista dos
humanistas” e, acrescento eu, penso que é também “o mais
humanista dos existencialistas”.

13. Casos clínicos: buscar descobrir o que mudou, qual foi a


descoberta, a resposta destas pessoas.

 Garota que tentou suicídio.


 Jovem – concursada, Justiça Federal – ex-noiva, depressão.

Conforme texto do blog:

Fico ainda hoje impressionado como a questão dos valores existenciais, quando bem
colocados, tornam-se luz, alento, suporte, respiro, conforto, força e de spontâneas também
podem tornar-se motivo de saúde, mesmo nas situações mais trágicas!

Não posso aqui referir-me a casos clínicos recentes, mas posso referir-me a casos atendidos
quase 10 anos atrás em outros estados do Brasil. Isto garante o anonimato e a ética.

Pois bem.

Uma jovem senhora, após ter superado uma importante questão de um relacionamento
afetivo, permanecia com outra ‘’pendência”, esta aparentemente insolúvel e que lhe causava
um mal estar e desconforto muito grande: era ainda criança (7 ou 8 anos) quando o pai saiu de
casa e nunca mais dera notícias! Doloroso? Com certeza! Mesmo em situações de abandono,
pude experimentar que são os valores a nossa maior força! Mas o sentimento de abandono
nem sempre é abandono...

O que pode a psicologia nestes casos? Poderíamos dedicar 3, 4, 5 ou 10 anos “revisitando” a


história familiar para “descobrir” as causas deste fato, os complexos gerados por esta ausência
paterna e as spontâneas motivações inconscientes contra esta ou aquela pessoa. Não acredito
que um logoterapeuta escolha este caminho. Ao que me consta, em minha memória, em
poucas sessões investigamos o que segue abaixo. A queixa era a ausência do pai e o
sentimento de abandono:

De família muito simples, o pai era garimpeiro e por diversas vezes saíra para o garimpo,
ausentando-se por 2 ou 3 meses e retornando com víveres e material escolar, dando
condições para uma vida de subsistência, como era comum no norte e nordeste do Brasil nos
anos 70 e como ainda hoje podemos encontrar no nosso “continente” que é o Brasil.

- Como eram estes momentos de partida, quando o pai saía de casa?

- Eu lembro que o pai saía de madrugada, sempre era muito cedo. Ele ia na rede de cada um
de nós (os filhos) e dava um beijo em cada um... quando ele voltava era uma festa!

Após questionar as motivações para o pai sair de casa e após ouvir as respostas da cliente: “ia
para o trabalho e trabalhava para trazer comida pra gente...” eu repeti a frase: “Ele saía de
madrugada, ia na rede de cada um de nós e dava um beijo...”.

A pergunta foi spontânea: “Será que um pai que quer abandonar os filhos iria na rede de cada
um para dar um beijo?”

Lágrimas e forte emoção foi a resposta. O amor é um valor e o relacionamento familiar, assim
como a família, são valores, mesmo que mudem as dinâmicas familiares e o conceito de
família... Mas este já seria outro assunto!

Ops! E os valores nos preenchem!

“A CONSTITUIÇÃO DO EU”
Resumo, Claudio G. Pintos.
“La humanidad posible”, Almagesto, Bs Aires.

A Psicologia não pode não refletir o pensamento da época, visto que, não somente o
“objeto” do estudo da Psicologia é o próprio Homem, mas o ‘pesquisador’, ou seja,
aquele que busca conhecer o Homem estará sempre inserido em um contexto cultural
que dá também ao ‘pesquisador’ – o Homem – as ‘ferramentas’ a serem utilizadas nesta
‘pesquisa’.

Neste contexto, podemos considerar que as diferentes compreensões do Homem


partem, o mais das vezes, de ‘compreensões’ já existentes e que a compreensão sobre o
Homem e de modo particular sobre o “EU” tem uma forte aceleração no século XX,
tendo como resultado diversas correntes, ou também chamadas “escolas” de
pensamento e de metodologia.
Nos anos 50, a cultura do pós-guerra buscava respostas para as muitas questões
pendentes e forma um ótimo fermento para o proliferar destas novas idéias a respeito do
Homem. Tanto que em contraposição à concepção de Homem vigente na Psicologia –
uma concepção fundamentalmente determinista – nasceram duas grandes correntes:
uma denominada Psicologia Humanista, com berço nos EUA e outra Psicologia
Existencial, com berço na Europa. Em ambas as escolas existem experiências ou
pensamentos anteriores, como que “precursores” desta própria escola. (García Pintos,
1988).

Embora existam semelhanças em ambas as escolas, pois ambas nascem como


fruto de um questionamento à psicologia vigente, ao seu ‘modus operandi’ – existem
também diferenças significativas. As semelhanças, porém, permitem que passem a
coexistir os chamados “existenciais-humanistas”, ou seja, quem identifique como
correta ou completa uma visão do Homem que integra aspectos de ambas as teorias.

Fundamentalmente podemos dizer que os humanistas percebem no Homem uma


capacidade interior de crescimento, de auto-superação, de autoatualização e colocam o
exemplo da semente, que contém em si um todo completo, capaz de constituir-se por si
só. Os existencialistas, por sua vez, consideram como fundamental o fato que o Homem
se constitui na própria existência, ou seja, existe somente o nada, a partir do qual o
Homem se constitui, como um “ser-ai”.

Ressaltada esta diferença fundamental, podemos também colocar em relevo as


semelhanças: tanto o humanismo como o existencialismo fundamentam o Homem como
um ser livre, capaz de decidir, de escolher; o existencialismo em diversos autores,
marcadamente em Sartre, colocará esta liberdade de modo radical, desconsiderando de
modo absoluto todo e qualquer outro fator que possa interferir neste quesito. Junto com
este quesito, a consciência é reconsiderada (embora tome diversas pequenas variantes,
em autores como Sartre, Kierkegaard, Heidegger e, como veremos, em Frankl) pois
fundamentalmente o Homem é um ser que decide, que escolhe.

Dentro deste contexto, gostaria de considerar um Autor em particular: Viktor


Emil Frankl, conhecido pela Logoterapia, ou a “terapia do sentido da vida”, como ele
costumava salientar, esclarecendo que ‘logo’ está para ‘sentido, propósito, significado’.

Frankl, europeu, portanto com bases e raízes profundamente filosóficas, foi


reconhecido como o “mais existencialista dos humanistas” (García Pintos) e talvez
também tenha sido o mais humanista dos existencialistas.

(Continua...)

O fato que Frankl, autor da LOGOTERAPIA, chama a sua teoria de “logo”, ou terapia
do sentido da vida, propõe o quanto o ‘sentido’ tenha um caráter exponencial para
Frankl. De fato, este é, já, o primeiro indicativo do ‘eu’ em Frankl: o ‘eu’ frankleano
não é movido pela busca do prazer ou do poder, referindo-se às duas grandes correntes
da sua época, preconizadas por Freud e Adler. Hoje, no contexto das demais correntes
marcadamente existenciais, podemos completar que o ‘eu’, segundo Frankl, vive “a”
angustia de encontrar um sentido para a própria existência, enquanto que para os
demais, o homem vive a angustia do nada, do ‘não-ser’ ou a angustia do permanente
‘decidir’. Quis o destino que Frankl fizesse em primeira pessoa o que ele chamou de
“experimentum crucis”, ou seja, 3 longos anos PRISIONEIRO em campos de
concentração, onde a finalidade dos algozes não era somente ganhar uma guerra, mas
sim destruir um grupo, uma raça e onde a existência passava a ser “um número”
(Frankl, "Em busca de sentido", Vozes).

Frankl testemunha que os campos de concentração tornaram-se uma espécie de


‘laboratório’, onde aqueles que tinham, mesmo no sofrimento, um sentido, um motivo
para viver, foram capazes de suportar as situações mais atrozes; é marcante o relato
onde Frankl cita que os prisioneiros tinham por costume ter alguns cigarros para o dia
seguinte e que perceber um prisioneiro fumar todos os seus cigarros era um indicativo
de desistência, de entregar os pontos, o mais das vezes, atirando-se na cerca elétrica.
Como cita García Pintos (1988), caiu por terra a teoria das hierarquias das necessidades,
por exemplo, pois “a fome, a necessidade mais primitiva, não impediu a expressão
altíssima da espiritualidade e nem a busca incessante de sentido, mais que de pão”.

Neste ponto cabe ressaltar que caíram muitos “determinismos”, não somente os
psíquicos, mas também os sociais e aparece com força a “vontade de sentido” como
coloca Frankl.

O ‘eu’ frankleano supõe a presença de um elemento – o espírito – que,


justaposto ao ‘bio-psíquico’, torna o Homem o que ele é: espiritual. Aqui cabe ressaltar
uma diferença sutil mas fundamental, comparando com o ‘eu’ em Kierkegaard:
enquanto este sustenta que o “homem é espírito”, Frankl sustenta que o Homem é um
ser bio-psico(sócio)-espiritual. Portanto, Frankl considera o biológico (por sinal, Frankl
é neurologista) e o psicológico como condicionantes, mas não determinantes do Homem
(o tema “liberdade”, em Frankl, é apaixonante e libertador...!).

O Homem, enquanto um ser portador de ‘espírito’ busca o sentido da própria


existência. Visto que o Homem é, fundamentalmente livre, ele decide, escolhe, mas esta
liberdade chama para si outro aspecto, ou seja, a responsabilidade, motivo pelo qual o
Homem busca também realizar valores. Em outras palavras, sendo livre, podendo optar
por A, B ou C, ele percebe que existem valores e deve escolher, o que o torna
responsável. Podemos perceber uma eventual contradição no afirmar a
‘responsabilidade’ e negar a existência de ‘valores’, visto que estes estão profundamente
ligados. Cabe ressaltar que os Valores devem ser ‘descobertos’ como tal e esta é uma
experiência única e exclusiva do indivíduo.

García Pintos, em sua descrição “10 teses sobre a Pessoa”, cita Frankl e coloca
apropriadamente que devemos estar atentos a “não cair em um reducionismo
espiritualista, tão negativo quanto o biologista ou o psicologista” e continua: “a
espiritualidade do homem não é somente uma sua ‘característica’, mas um
‘constituinte’: o espiritual não é algo que somente caracteriza o homem, assim como o
fazem o biológico e o psíquico, que são também próprios do animal, mas o espiritual é
algo que distingue o homem, que corresponde a ele e antes de tudo a ele”. Frankl
ressalta ainda que no homem, o bio, o psico e o espiritual são dimensões e não extratos,
ou seja, existe uma continuidade, de maneira que o instinto é ‘espiritualizado’, ou ainda,
podemos acrescentar, ‘permeado do espírito’. Diferenciando do demais seres, ”o
homem tem instintos, o animal é os seus instintos". Ainda, considerando a realidade
psicofísica e espiritual do homem, podemos dizer que o “homem é (tal como é) graças
aos seus instintos, herança genética, do meio e, mais ainda, apesar de tudo isso”.
Consciente que as questões do sentido e dos valores estão entre os tópicos mais
polêmicos, cito uma experiência clínica freqüente, quando coloco a seguinte questão
para o cliente: busco que recorde, da sua memória, duas disciplinas do curso médio que
lhe eram uma, a mais fácil e agradável e outra, a mais difícil; supondo que tenham sido
História e Matemática, faço imaginar que ele, cliente, está em um período de
exames/testes e que recebe, neste momento, estas duas provas e em ambas a mesma
nota: 8,0! O momento seguinte é ‘clássico’: qual das duas notas lhe dá mais satisfação?
Bem, deveria deixar um momento para reflexão, mas antecipo que em grande parte –
não na totalidade e por isso cabe um esclarecimento – as respostas são que a nota 8,0
para a disciplina mais difícil tem mais ‘valor’! E por que teriam mais valor? Porque
significaram mais esforço e este esforço confere um ‘valor’, mesmo se a nota é a mesma
para ambas as disciplinas! Bom, esta resposta não é absoluta, pois algumas pessoas não
percebem em um primeiro momento esta questão do valor intrínseco no esforço.
Significa que não existe ‘valor’ no esforço? Eu não diria tanto, mas poderia confirmar
que os ‘valores’ sempre serão únicos e exclusivos de cada indivíduo. Exemplificando
ainda, chamo a atenção para as muitas situações de consultório, onde encontramos
filhos adolescentes que tiveram as suas dificuldades (crises e dificuldades na escola, por
exemplo) sempre resolvidas pelos pais. Que resultados encontramos? Adolescentes com
as necessidades materiais satisfeitas, mas que buscam um algo, seja o próprio limite,
seja o valor que lhe foi negado, por não realizar o esforço que a vida lhe colocou.

Retomando, o Homem busca a realização de valores e a não realização destes


implica em um “vazio existencial, a doença do Século XX”, como usava citar Frankl e –
poderíamos acrescentar – ‘que se difunde em alta velocidade no Século XXI’.

Uma das contribuições mais significativas de Frankl tem a ver com a ‘estrutura’
do Eu e Frankl usa a proposta de Freud para introduzir um novo conceito de
‘inconsciente’, sem antes redimensionar também o EU ou o Ego. Segundo Frankl, Freud
faz com que o ID apareça como o verdadeiro EU, ou seja, ocorre uma “Ideificação”,
visto que o Ego é subjugado, e o Homem um ser fundamentalmente ‘impulsionado’;
afirmando o Homem como um ser fundamentalmente livre, Frankl afirma também que o
Inconsciente contém em si um elemento ‘espiritual’, elemento este que confere uma
capacidade de auto-transcendência que lhe são específicas e únicas.

Em termos de clínica, estas afirmações são fundamentais, visto que, sendo o


homem um ‘buscador de sentido’, pode o terapeuta perceber a eventualidade de
‘propor’ um valor, que poderá ou não ser percebido como tal pelo cliente. Frankl conta
um dos seus casos clínicos, mostrando que tal valor pode ser percebido: um senhor de
idade avançada, relata tristeza e depressão após o falecimento da esposa, com a qual
convivera muitos anos; percebendo a presença do amor que uniu o casal, Frankl
questiona:

- Como estaria ela se o senhor tivesse falecido antes? Muito mal, não sei se teria forças
para superar, responde o cliente.

- Entendo. O teu amor por ela justifica este sofrimento, que o somente o senhor pode
vivenciar e assim fazendo, o teu sofrimento é suficiente e necessário para que não seja
ela a pagar por isso.
Como resultado, o cliente em questão percebe no próprio sofrimento um sentido real e
concreto, fundamentado no relacionamento existente no casal.

(O caso clínico abaixo já foi relatado em outro post e aparece aqui para comparação
com o relato do próprio Viktor Frankl)

Anos atrás, chegou no meu consultório uma moça, 27 anos, acompanhada pela irmã,
que relatou uma tentativa de suicídio. Na sala, a moça chorava intermitentemente e
talvez por 20 ou mais minutos, não falamos nada, com exceção de pequenas frases.

Aos poucos, questionei sobre a família, para entender se eram questões desta ordem. O
relato da jovem mostrou que o namorado tinha terminado o relacionamento de modo
abrupto; estavam planejando uma viagem juntos, quando ele disse: “não gosto mais de
você, vou com outra”. Portanto, estava claro o motivo do desespero.

Após confirmar não existir nenhum outro motivo para a crise, questionei sobre o ex-
namorado. “Ele era casado, mas estávamos juntos há 3 anos... ao menos se ele aceitasse
fazer esta viagem...”. Após ouvir este relato, permaneci em silêncio por alguns instantes.

Interrompi o silêncio dizendo: “você é uma pessoa de sorte”. Foi o suficiente para ela
interromper o pranto e me olhar surpresa. Podia ‘ler’ os seus pensamentos, do tipo “esse
cara é doido... eu quero morrer e ele me diz que sou de sorte”...

Segundos depois, chamei a atenção para um fato: esta pessoa, o ex-namorado, já tinha
deixado uma mulher, esteve com ela por 3 anos e do nada, a deixa por outra; sugeri
então que refletisse sobre a hipótese de continuar este relacionamento e ‘ver’ o seu
futuro daqui a 5 anos...

Não preciso dizer que nunca, em outro momento, percebi uma transformação tão forte,
tão evidente, em tão pouco tempo! A pessoa que entrara no consultório era uma moça
destruída pelo pranto, cabelos longos desalinhados, olhos vermelhos e úmidos e esta que
estava saindo, era uma pessoa decidida, resolvida. Sequer sugeri marcar outra consulta.
Tinha uma convicção que não era necessário. Por uma questão pessoal, de confirmação,
poderia fazer um telefonema mais tarde e assim, em torno de 10 dias depois, quem
atendeu o telefonema foi a irmã, dizendo que a jovem nunca mais mostrou preocupação
e estava bem.

Qual o fato comum nestas duas (ver relato de Frankl na SEGUNDA PARTE) situações?
Em ambas ouve uma descoberta: no primeiro caso, o sofrimento ‘adquiriu’ um valor
enquanto que no segundo, a jovem descobriu ‘não ter sentido’ naquele sofrimento, ou
seja, ‘perder’ aquele namorado foi, de fato, uma ‘sorte’, e com isto, o sofrimento
desapareceu!!

Para a Logoterapia, a pessoa, o EU é existencial. “O homem é mais que um produto da


herança genética e do meio ambiente (...). O homem decide sobre ele mesmo” (...) “É
existencial porque existe de acordo com sua própria possibilidade para a qual ou contra
a qual pode decidir-se. Ser homem é antes de tudo, e como sempre volto a repetir, ser
profundo e ser responsável”.
Frankl não desconsidera os condicionamentos, pelo contrario. Esclarece que pela
repetição dos atos pode criar-se um ‘hábito’, o qual pode vir a constituir-se uma
‘segunda natureza’, o que seria igual a um instinto. “Poderíamos dizer, então, que a
decisão de hoje é o instinto de amanhã” (Frankl, in Garcia Pintos). Este fato é muito
visível no que tange aos transtornos sexuais em geral, onde o hábito, (masturbação,
voyerismo, pornografia) torna-se uma dependência.

Para concluir, o EU apresenta esta capacidade de auto-transcendência, de maneira tal


que o homem se compreende a partir da auto-transcendência, ou seja, quando vivencia
esta sua capacidade ele se conhece. Frankl usa um exemplo marcante, quando lembra
que o que caracteriza um avião é a sua capacidade de voar e, embora ele tenha também
a capacidade de rodar por terra, conheceremos verdadeiramente o avião quando ele
atingir a sua capacidade para a qual ele foi projetado. Acrescenta ainda que seria
redutivo usar um avião para fazer transporte de cargas em um aeroporto, de um terminal
a outro...

“Ser homem significa, por si mesmo, estar orientado para além de si mesmo.
Poderíamos dizer que a essência da existência se encontra na transcendência. Ser
homem significa estar desde sempre (por sua natureza) orientado e dirigido a algo ou a
alguém, estar dedicado a um trabalho, ou a outro ser humano...” (Frankl, Psicoanálisis y
existencialismo, in Garcia Pintos, “La humanidad posible”.)

Anexo:

http://inconfidenciaribeirao.com/coloquios/tag/nietzsche/
(O filósofo Luiz Rufino dos Santos Júnior transmite ao Colóquio desta edição a digna qualidade
de Ágora (Praça principal na constituição da cidade grega durante a Antiguidade Clássica) ao
“palestrar” através da esfera pública do Inconfidência.)

É possível estuprar uma criança e depois esquartejá-la? Só se relativizarmos a cultura.


Alguns homens fizeram, mas nenhuma outra cultura fez isso. Mesmo um Tupinambá
que comia o outro (no sentido antropofágico), o fazia de modo ritualístico e quase
minimalista.

Inconfidência Ribeirão – Mesmo assim, tudo é possível nos dias de hoje?

Luiz Rufino – Sim. Tudo é possível. Deus está morto. A ciência não veio para dar
respostas, veio para nos fazer sentir autônomos de tal forma, que nosso olho não está
mais virado para o mundo externo de forma que possamos enxergar nossas limitações –
como o grego antigo que via a natureza como uma limitação. Essa falta de visão é o
mesmo que eu acreditar que sou uma pomba que vai sair voando da janela do prédio e ir
ao trabalho. O máximo que eu vou conseguir é quebrar uma perna.

O ser humano não entende mais quando a natureza diz “você nasceu homem e tem suas
limitações, e isso você não pode mudar”.

Na Idade Média quando não era a natureza que trazia a resposta, recorria-se a Deus.
Então percebiam que liberdade é algo limitado. Você não pode simplesmente acordar
um belo dia e matar seu irmão, desejar a mulher do próximo e uma série de outras
delimitações.

A modernidade matou tudo isso. Nosso globo ocular virou para dentro e passamos a
ignorar as limitações naturais e divinas. E o interior do nosso corpo é um vazio
profundo onde o centro do mundo é o nosso umbigo. Daí qualquer coisa que eu escute
ou use é o melhor, porque eu gosto. Reduzimos o esforço da clareza em prol da opinião.
A hiperdemocracia reduz tudo à opinião. Se você reduzir tudo a ela, não existe clareza,
não existe ciência, não existe nada, só opinião.

“Si la educación no produce un cambio no es educación”


Educador costariquenho.

Para SARTRE
o Homem é um condenado;

já para FRANKL,
prisioneiro por 3 anos
nos campos de concentração,

o Homem é um ser livre!!!


(paulo rech)

Por Dentro do Cérebro


O neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho conta os avanços nos tratamentos de
doenças como o mal de Parkinson e como evitar aneurisma e perda de
memória.

E projeta, ainda, o futuro próximo, quando boa parte do sistema neurológico


estará sob Chegar à casa do neurocirurgião Paulo Niemeyer Filho, no alto da
Gávea, no Rio de Janeiro, é uma emoção. A começar pela vista deslumbrante
da cidade, passando pelos macacos que passeiam pelos galhos até avistar as
orquídeas que caem em pencas das árvores, colorindo todo o jardim. Cada
uma dessas flores foi presente de um paciente do médico, que sua mulher,
Isabel, replantou na parte externa da casa. Ou seja: a competência desse
médico, com 33 anos de profissão, que dedica sua vida à medicina com a
paixão de um garoto, pode ser contada em flores.

Filho do lendário neurocirurgião Paulo Niemeyer, pioneiro da


microneurocirurgia no Brasil, e sobrinho do arquiteto Oscar Niemeyer, Paulo
escolheu a medicina ainda adolescente. Aos 17 anos, entrou na Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Quinze dias depois de formado, com 23
anos, mudou-se para a Inglaterra, onde foi estudar neurologia na
Universidade de Londres. De volta ao Brasil, fez doutorado na Escola Paulista
de Medicina.

Ao todo, sua formação levou 20 anos de empenho absoluto. Mas a


recompensa foi à altura. Apaixonado por seu ofício, Paulo chefia hoje os
serviços de neurocirurgia da Santa Casa do Rio de Janeiro e da Clínica São
Vicente, onde atende e opera de segunda a sábado, quando não há uma
emergência no domingo, e ainda encontra tempo para dar aulas no curso de
pós-graduação em neurocirurgia da PUC-Rio.

Por suas mãos já passaram o músico Herbert Vianna - de quem cuidou em


2001, depois do acidente de ultraleve em Mangaratiba, litoral do Rio -, o ator
e diretor Paulo José, a atriz Malu Mader e, mais recentemente, o diretor de
televisão Estevão Ciavatta – marido da atriz Regina Casé que, depois de um
tombo do cavalo, recupera-se plenamente -, além de centenas de outros
pacientes, muitos deles representados pelas belas flores que enchem de vida
o seu jardim.

Pergunta:Seu pai também era neurocirurgião. Ele o


influenciou?
PAULO NIEMEYER: Certamente. Acho que queria ser igual a ele, que era o
meu ídolo.

Pergunta: Seu pai trabalhou até os 90 anos. A idade não é um complicador


para um neurocirurgião? Ela não tira a destreza das mãos, numa área em que
isso é crucial?
PN: A neurocirurgia é muito mais estratégia do que habilidade manual. Cada
caso tem um planejamento específico e isso já é a metade do resultado. Você
tem de ser um estrategista..

O que é essa inovação tecnológica que as


Pergunta:
pessoas estão chamando de marcapasso do cérebro?
PN: Tem uma área nova na neurocirurgia chamada neuromodulação, o que
popularmente se chama de marcapasso, mas que nós chamamos de
estimulação cerebral profunda. O estimulador fica embaixo da pele e são
colocados eletrodos no cérebro, para estimular ou inibir o funcionamento de
alguma área. Isso começou a ser utilizado para os pacientes de Parkinson.
Quando a pessoa tem um tremor que não controla, você bota um eletrodo
no ponto que o está provocando, inibe essa área e o tremor pára. Esse
procedimento está sendo ampliado para outras doenças. Daqui a um ou dois
anos, distúrbios alimentares como obesidade mórbida e anorexia nervosa
vão ser tratados com um estimulador cerebral.Porque não são doenças do
estômago, e sim da cabeça.

Pergunta: O que se conhece do cérebro humano?


PN: Hoje você tem os exames de ressonância magnética, em que consegue
ver a ativação das áreas cerebrais, e cada vez mais o cérebro vem sendo
desvendado.

Ainda há muito o que descobrir, mas com essas técnicas de estimulação você
vai entendendo cada vez mais o funcionamento dessas áreas. O que ainda é
um mistério é o psiquismo, que é muito mais complexo. Por que um clone
jamais será igual ao original?

Geneticamente será a mesma coisa, mas o comportamento depende muito


da influência do meio e de outras causas que a gente nunca vai desvendar
totalmente.

Pergunta:Existe uma discussão entre psicanalistas e


psiquiatras, na qual os primeiros apostam na melhora por
meio da investigação da subjetividade, e os últimos
acreditam que boa parte dos problemas psíquicos se
resolve com remédios. Qual é sua opinião?
PN: Há casos de depressão que são causados por tumores cerebrais: você
opera e o doente fica bem. Há casos de depressão que são causados por
deficiência química: você repõe a química que está faltando e a pessoa fica
bem. Numa época em que se fazia psicocirurgia existiam doentes que
ficavam trancados num quarto escuro e quando faziam a cirurgia se livravam
da depressão e nunca mais tomavam remédio. E há os casos que são
puramente psíquicos, emocionais, que não têm nenhuma indicação de tomar
remédio.

Pergunta: Jáexiste alguma evolução na neurologia por


causa das células-tronco?
PN: Muito pouco. O que acontece com as células-tronco é que você não sabe
ainda como controlar. Por exemplo: o paciente tem um déficit motor, uma
paralisia, então você injeta lá uma célula-tronco, mas não consegue ter
certeza de que ela vai se transformar numa célula que faz o movimento. Ela
pode se transformar em outra coisa, você não tem o controle, ainda.

Existe alguma coisa que se possa fazer para o


Pergunta:
cérebro funcionar melhor?
PN: Você tem de tratar do espírito. Precisa estar feliz, de bem com a vida,
fazer exercício. Se está deprimido, com a autoestima baixa, a primeira coisa
que acontece é a memória ir embora; 90% das queixas de falta de memória
são por depressão, desencanto, desestímulo. Para o cérebro funcionar
melhor, você tem de ter motivação. Acordar de manhã e ter desejo de fazer
alguma coisa, ter prazer no que está fazendo e ter a autoestima no ponto.

: Pergunta Cabeça tem a ver com alma?


PN: Eu acho que a alma está na cabeça. Quando um doente está com morte
cerebral, você tem a impressão de que ele já está sem alma.. Isso não dá
para explicar, o coração está batendo, mas ele não está mais vivo.

O que se pode fazer para se prevenir de doenças


Pergunta:
neurológicas?
PN: Todo adulto deve incluir no check-up uma investigação cerebral.

Vou dar um exemplo: os aneurismas cerebrais têm uma mortalidade de 50%


quando rompem, não importa o tratamento. Dos 50% que não morrem, 30%
vão ter uma sequela grave: ficar sem falar ou ter uma paralisia. Só 20% ficam
bem. Agora, se você encontra o aneurisma num checkup, antes dele sangrar,
tem o risco do tratamento, que é de 2%, 3%. É uma doença muito grave, que
pode ser prevenida com um check-up.

Pergunta: Você acha que a vida moderna atrapalha?


PN: Não, eu acho a vida moderna uma maravilha. A vida na Idade Média era
um horror. As pessoas morriam de doenças que hoje são banais de ser
tratadas. O sofrimento era muito maior. As pessoas morriam em casa com
dor. Hoje existem remédios fortíssimos, ninguém mais tem dor.

Existe algum inimigo do bom funcionamento do


Pergunta:
cérebro?
PN: O exagero. Na bebida, nas drogas, na comida. O cérebro tem de ser bem
tratado como o corpo. Uma coisa depende da outra. É muito difícil um
cérebro muito bem num corpo muito maltratado, e vice-versa.

Qual a evolução que você imagina para a


Pergunta:
neurocirurgia?
PN: Até agora a gente trata das deformidades que a doença causa, mas acho
que vamos entrar numa fase de reparação do funcionamento cerebral,
cirurgia genética, que serão cirurgias com introdução de cateter, colocação
de partículas de nanotecnologia, em que você vai entrar na célula, com
partículas que carregam dentro delas um remédio que vai matar aquela
célula doente. Daqui a 50 anos ninguém mais vai precisar abrir a cabeça.

Você acha que nós somos a última geração que


Pergunta:
vai envelhecer?
PN: Acho que vamos morrer igual, mas vamos envelhecer menos. As pessoas
irão bem até morrer. É isso que a gente espera. Ninguém quer a decadência
da velhice. Se você puder ir bem de saúde, de aspecto, até o dia da morte,
será uma maravilha, não é?

Pergunta: Você
não vê contraindicações na manipulação dos
processos naturais da vida?
PN: O que é perigoso nesse progresso todo é que, assim como vai criar novas
soluções, ele também trará novos problemas. Com a genética, por exemplo,
você vai fazer um exame de sangue e o resultado vai dizer que você tem 70%
de chance de ter um câncer de mama.

Mas 70% não querem dizer que você vai ter, até porque aquilo é uma
tendência. Desenvolver depende do meio em que você vive, se fuma, de
muitos outros fatores que interferem. Isso vai criar um certo pânico.

E, além do mais, pode criar problemas, como a companhia de seguros exigir


um exame genético para saber as suas tendências. Nós vamos ter problemas
daqui para frente que serão éticos, morais, comportamentais, relacionados a
esse conhecimento que vem por aí, e eu acho que vai ser um período muito
rico de debates.

Pergunta: Você acredita que na hora em que as pessoas puderem decidir


geneticamente a sua hereditariedade e todo mundo tiver filhos fortes e
lindos, os valores da sociedade vão se inverter e, em vez do belo, as
qualidades serão se a pessoa é inteligente, se é culta, o que pensa?

PN: Mas aí você vai poder escolher isso também. Esse vai ser o problema:
todo mundo vai ser inteligente. Isso vai tirar um pouco do romantismo e da
graça da vida. Pelo menos diante do que a gente está acostumado. Acho que
a vida vai ficar um pouco dura demais, sob certos aspectos. Mas, por outro
lado, vai trazer curas e conforto.

Hoje a gente lida com o tempo de uma forma


Pergunta:
completamente diferente. Você acha que isso muda o
funcionamento cerebral das pessoas?
PN: O cérebro vai se adaptando aos estímulos que recebe, e às necessidades.
Você vê pais reclamando que os filhos não saem da internet, mas eles têm de
fazer isso porque o cérebro hoje vai funcionar nessa rapidez. Ele tem de
entrar nesse clique, porque senão vai ficar para trás. Isso faz parte do mundo
em que a gente vive e o cérebro vai correndo atrás, se adaptando.

Pergunta: Paciente famoso dá mais trabalho?


PN: A revista New England Journal of Medicine publicou um artigo sobre as
complicações do tratamento vip, mostrando que o perigoso nesse tipo de
tratamento é que você muda a sua rotina.
Eles deram o exemplo do papa João Paulo 2º e do ex-presidente norte-
americano Ronald Regan, que levaram tiros. E mostraram momentos em que
eles quase morreram porque, quando chega um doente desses, o hospital
para, todo mundo quer ver e ajudar, a sala de cirurgia fica lotada, o cirurgião
deixa de fazer um exame que devia ser feito porque pode doer....

O doente vip acaba influindo nas decisões médicas pela importância que
tem, e isso pode complicar o tratamento. Ele tem de ser tratado igualzinho
ao doente comum, para poder dar certo.

Já aconteceu de você recomendar


Pergunta: um
procedimento e a pessoa não querer fazer??
PN: A gente recomenda, mas nunca pode forçar. Uma coisa é a ciência, e
outra é a medicina. A pessoa, para se sentir viva, tem de ter um mínimo de
qualidade. Estar vivo não é só estar respirando. A vida é um conjunto. Há
doentes que preferem abreviar a vida em função de ter uma qualidade
melhor. De que adianta ficar ali, só para dizer que está vivo, se o sujeito
perde todas as suas referências, suas riquezas emocionais, psíquicas. É muito
difícil, a gente tem de respeitar muito.

Pergunta: Como é o seu dia-a-dia?


PN: Eu opero de segunda a sábado de manhã, e de tarde atendo no
consultório. Na Santa Casa, que é o meu xodó, nós temos 50 leitos, só para
pessoas pobres. Eu opero lá duas vezes por semana. E, nos outros dias, na
Clínica São Vicente. O que a gente mais opera são os aneurismas cerebrais e
os tumores.

Então, é adrenalina todo dia. Sem ela a gente desanima e o cérebro funciona
mal. (risos)

Pergunta: Você é workaholic?


PN: Não é que eu trabalhe muito, a minha vida é aquilo. Quando viajo, fico
entediado. Depois de alguns dias, quero voltar. Você perde a sua referência,
está acostumado com aquela pressão, aquele elástico esticado.

Como você lida com a impotência quando não


Pergunta:
consegue salvar um paciente?
PN: É evidente que depois de alguns anos, a gente aprende a se defender.
Mas perder um doente faz mal a um cirurgião. Se acontece, eu paro com o
grupo para discutir o que se passou, o que poderia ter sido melhor, onde foi
a dificuldade. Não é uma coisa pela qual a gente passe batido.

-Se o cirurgião acha banal perder um paciente é porque alguma coisa não
está bem com ele mesmo.

Como você lida com as famílias dos seus


Pergunta:
pacientes?
PN: Essa relação é muito importante. As famílias vão dar tranquilidade e
confiança para fazer o que deve ser feito. Não basta o doente confiar no
médico. O médico também tem de confiar no doente. E na família. Se é uma
família que cria caso, que é brigada entre si, dividida, o cirurgião já não tem a
mesma segurança de fazer o que deve ser feito. Muitas vezes o doente não
tem como opinar, está anestesiado e no meio de uma cirurgia você encontra
uma situação inesperada e tem de decidir por ele. Se tem certeza de que ele
está fechado com você, a decisão é fácil. Mas se o doente é uma pessoa em
quem você não confia, você fica inseguro de tomar certas decisões. É uma
relação bilateral, como num casamento. Um doente que você opera é uma
relação para o resto da vida.

Pergunta: Você acredita em Deus?


PN: Não raramente, depois de dez horas de cirurgia, aquele estresse, aquela
adrenalina toda, quando você acaba de operar, vai até a família e diz: "Ele
está salvo". Aí, a família olha pra você e diz: "Graças a Deus!". Então, a gente
acredita que não fomos apenas nós.

Pergunta: Como você relaxa?


PN: Estudando. A coisa que mais gosto de fazer é ler. Sábado e domingo,
depois do almoço, gosto de sentar e ler, ficar sozinho em silêncio absoluto.

Pergunta: E o que gosta de ler?


PN: Sobre medicina ou história. Agora estou lendo um livro antigo, chamado
Bandeirantes e Pioneiros, do Vianna Moog, no qual ele compara a
colonização dos Estados Unidos com a do Brasil. E discute por que os Estados
Unidos, com 100 anos a menos que o Brasil, tiveram um enriquecimento e
um progresso tão rápidos. Por que um país se desenvolveu em progressão
geométrica e o outro em progressão aritmética.

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