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FUNDAMENTOS DA LOGOTERAPIA

“Quem é então o homem?


(...) Nós o conhecemos no campo de concentração, onde tudo o que não lhe
era essencial foi jogado fora... Sobrou o que ele não pode ‘ter’, mas o que ele deve
‘ser’. O que ficou foi o próprio homem, em sua essência, queimado pela dor, dissolvido
pelo sofrimento, o elemento humano em sua quintessência” (Frankl).

“Não é tarefa do espírito observar a si mesmo, nem se contemplar no espelho.


Faz parte da essência do homem estar dirigido e voltado para alguma coisa ou
para alguém,
para um trabalho ou para uma pessoa. Só na medida em que formos assim é
que nos realizamos existencialmente; só na medida em que o homem está
espiritualmente
em algo ou em alguém – só na medida dessa sua presença é que o homem se
“encontra”.
(Viktor Frankl)

1. Introdução
2. A psicologia e as diferentes visões e abordagens do homem
3. O homem Viktor Frankl e o seu percurso científico inicial
4. A logoterapia
5. Os conceitos fundamentais
5.1 A vontade de sentido
5.2 Frustração existencial
5.3 O vazio existencial
5.4 O sentido da vida
5.5 A essência da existência
5.6 O sentido do amor e do sofrimento
5.7 Transitoriedade da vida
5.8 As chamadas “técnicas” ou “assertivas da logoterapia”
5.9 O credo profissional segundo Frankl
5.10 A tese do otimismo trágico
5.11 Situações clínicas
5.11.1 Na literatura
5.11.2 Experiência pessoal
6. Considerações finais
7. Bibliografia
8. Anexos
INTRODUÇÃO

O meu percurso até a psicologia foi um longo caminho. Interessado em


muitas áreas, iniciei um curso de Comunicação Social, não satisfeito iniciei medicina e,
em crise com a medicina passei a pensar na psiquiatria como alternativa, mas já neste
tempo a minha busca era por uma ciência que privilegiasse o relacionamento como
caminho para a saúde. Foi neste contexto que conheci a psicologia, da qual passei a ser
um entusiasta.

Os anos ’80 eram ainda marcados pelos fortes movimentos estudantis e


movimentos de massa. Na sociedade, tudo era passível de questionamentos e a tônica
era o feminismo, a sexualidade como um todo e os questionamentos abalavam as
estruturas ou qualquer que fosse a ordem estabelecida. Na faculdade, porém, a
Psicologia já não me parecia responder às questões fundamentais do Homem. Na
medida em que os valores (família, a religião, o “ser” substituído pelo “ter”) perdiam
espaço na sociedade, eu percebia uma Psicologia por demasiado centrada no passado
do indivíduo, nas situações de causa e efeito e pouco atenta à situações do “presente”
e mesmo “desatenta”, eu diria, do “futuro” enquanto projeto ou mesmo perspectivas
de um vir a ser do homem.

“Esta psicologia não resolve as questões fundamentais do homem”, era


uma minha certeza. Um primeiro contato com Martin Buber - “Eu e Tu” – foi um
primeiro sinal que a Psicologia poderia ser diferente. Na faculdade, dentro de uma
mesmice entre os professores, percebia que um deles tinha uma postura profissional
diferente. Competente e reconhecido entre os estudantes, não por isso deixava de ser
próximo e disponível e não por isso deixava de expressar um quase permanente
sorriso. “Realizado”, pensava eu. Pois foi ele quem me chamou a atenção para um
evento a ser realizado na universidade, o I Congresso Internacional de Logoterapia,
com a presença de Viktor Emil Frankl.

O congresso foi um sucesso e mais que o congresso, a figura de Frankl


foi uma resposta. “A vida sempre tem um sentido”, afirmava ele, com convicção de
quem tinha feito – possivelmente – uma das experiências mais dolorosas da
humanidade. Foram mais de três anos nos campos de concentração nazistas e as
condições sub humanas, a fome, a miséria extrema, o trabalho escravo e as condições
próprias da guerra, com mortes e destruição de inteiras cidades não foram suficientes
para mudar esta convicção mas, ao contrário, a reforçaram. De fato, Frankl percebeu
que o sentido da própria existência não pode ser atribuído, mas deve ser
permanentemente descoberto. Como ele próprio conta, o perceber a importância e o
sentido de escrever as suas convicções para a posteridade da ciência o mantiveram
vivo. Para muitos, assegura Frankl, a vida no campo de concentração tinha um sentido
enquanto havia esperança de reencontrar os familiares ou esperança de reconstruir a
própria vida no pós-guerra. Para os prisioneiros, o saber que os familiares, sentido e
razão da própria existência, não estavam mais vivos ou, por qualquer motivo, o não
perceber o sentido da própria existência era razão para “atirar-se nos fios” da cerca
elétrica. Em outras palavras, porque viver se a vida não tem um sentido? Frankl cita
Nietzsche, quando diz “quem tem um porquê viver suporta qualquer como”.

Agrada-me ressaltar dois ambientes culturais em que eu vivia: em um


deles, uma experiência onde a dimensão de um cristianismo vivenciado em um grupo
com fortes raízes também sociais, dava a necessária resposta para a minha busca do
transcendente, do relacionamento que ia além das aparências, de um relacionamento
que buscava ser resposta também ao “outro”; no outro grupo, percebia uma academia
e uma militância política onde o transcendente (segundo a minha percepção) era
negado quase em absoluto. Para minha surpresa, a Logoterapia tornou-se uma
resposta para ambos os grupos, pois eu percebia que ambas eram militâncias com um
sentido. E, em ambos os casos, tanto os colegas de um grupo como de outro, podiam
viver uma dimensão máxima de transcendência, “vivendo pelo outro, vivendo por uma
causa”, como sustentava Frankl. Sendo o ser humano, “único e irrepetível”, cabe a
cada um uma específica missão neste mundo, uma sua, que nenhuma outra pessoa é
capaz de realizar com a mesma qualidade. A Logoterapia foi, portanto, uma espécie de
“bálsamo”, uma resposta clara e consistente, também para as minhas perguntas de
adolescente: me parecia muito estranho o “acordar, ir para a escola, estudar, jogar,
voltar pra casa, dormir e acordar mais uma vez”, em uma sequência aparentemente
interminável e sem sentido. Na verdade, o sentido eu já havia descoberto na vivencia
de um cristianismo que mostra-se compromissado com o outro, com a sociedade. A
novidade estava no descobrir que cabe a cada indivíduo, na sua individualidade, fazer
a sua descoberta de sentido e para muitos a participação política, por exemplo, era e é
“o” sentido que realiza a própria vida.

Em termos de sociedade e momento cultural que vivemos, com certeza


hoje os tempos são outros, se comparado aos anos 80, mas não por isso diminui a
importância da proposta da Logoterapia. A leitura do livro “Em busca de sentido”, que
conta a história de “um psicólogo no campo de concentração”, me fazia pensar o Brasil
e a América Latina, pela sua pobreza e em função da(s) ditadura vigente(s), como um
grande campo de concentração. “E, apesar disso, a vida tem um sentido, sempre”.
Como pensar uma população, vivendo “á mercê” de um salário mínimo ou menos, com
escola, saúde, lazer e habitação precária e ser feliz? A que custas sobrevive uma
população que percebe a injustiça social gritante, se não na dimensão da esperança? E
é Frankl quem nos fala de esperança, não como resignação, mas ao contrário, como
uma dimensão que ainda está por ser construída, que pode ser transformada. É a
mesma esperança que move cristãos, socialistas e comunistas, embora com raízes e
motivações diferentes. Em última análise, é o transcendente que nos move, e é
também um algo “a construir” o “combustível” que alimenta o ser humano. Hoje o
Brasil ou a América Latina talvez não possam mais ser comparados a um “campo de
concentração”, mas a busca de sentido e a busca de realizar valores permanecem
como um desafio, talvez maior e mais forte.
PPP

PPP

A PSICOLOGIA E AS DIFERENTES VISÕES E ABORDAGENS DO HOMEM

(http://psic-paulorech.livejournal.com/21223.html)

A Psicologia não pode não refletir o pensamento da sua época, visto que, não
somente o “objeto” do estudo da Psicologia é o próprio Homem, mas o ‘pesquisador’,
ou seja, aquele que busca conhecer o homem estará sempre inserido em um contexto
cultural que dá também ao ‘pesquisador’ – o homem – as ‘ferramentas’ a serem
utilizadas nesta ‘pesquisa’.

Neste contexto, podemos considerar ainda que as diferentes compreensões do


homem partem, o mais das vezes, de compreensões já existentes e que a
compreensão sobre o homem e de modo particular sobre o “EU” tem uma forte
aceleração no século XX, tendo como resultado diversas correntes, ou também
chamadas “escolas” de pensamento e de metodologia.

Nos anos 50, a cultura do pós-guerra buscava respostas para as muitas questões
pendentes e forma um ótimo fermento para o proliferar de novas idéias a respeito do
homem. Tanto que em contraposição às concepções de homem vigente então na
Psicologia – determinista e condutivista – consolidaram-se duas novas grandes
correntes: uma denominada Psicologia Humanista, com berço nos EUA e outra
Psicologia Existencial, com berço na Europa. Em ambas as escolas existem experiências
ou pensamentos anteriores, como que “precursores” desta própria escola. (García
Pintos, 1988).
Embora existam semelhanças em ambas as escolas, pois ambas nascem como
fruto de um questionamento à psicologia vigente, ao seu ‘modus operandi’ – existem
também diferenças significativas. (As semelhanças, porém, permitem que passem a
coexistir os chamados “existenciais-humanistas”, ou seja, quem identifique como
correta ou completa uma visão do Homem que integra aspectos de ambas as teorias.)
(** poderia simplesmente cancelar a afirmação acima, mas, ver o texto abaixo ... e ver
Pintos, pg 49 e seg) Segundo Pintos, o existencialismo europeu é gerado em uma raiz
cultural fortemente filosófica, característica da cultura européia e “simultaneamente,
na América cresce um movimento com semelhantes inquietudes e orientações
parecidas, que concluirá constituindo a corrente humanista”. Possivelmente, conclui o
Autor, aspectos sociais fizeram com que o movimento americano se desenvolvesse
sem interrupções, ao contrario do movimento europeu, no qual “analistas existenciais
do porte de Biswanger, Boss, Caruso e o próprio Frankl (entre outros), seguiam suas
investigações em meio a fortes perseguições políticas.”

Garcia Pintos cita o processo histórico europeu, as origens e formação de Frankl


para apresentá-lo “inequivocamente como um autor existencial (...) com uma base
filosófica muito forte que dá substancia ao corpo teórico”. Segundo Garcia Pintos,
porém, “poderia dizer-se que Frankl é o mais “humanista” de todos os existencialistas
europeus pelo seu aspecto ou matiz cheio de esperança e otimista da sua teoria e o
critério pragmático da sua terapia”. (C. G Pintos, pg 52.)

Historicamente, embora a psicologia humanista se consolide nos EUA entre os


anos 50 e 60, ela tem uma história anterior, que remonta á década de 30 e se associa
ao “espírito da época”. Quem o demonstra é Roosevelt, ao assumir o terceiro mandato
como presidente: “Uma nação, igual a uma pessoa, tem uma mente (...) E uma nação,
igual que uma pessoa, tem algo mais profundo, mais permanente, maior que a soma
de suas partes. É esse algo que se refere em maior medida ao seu futuro”. Este novo
espírito, marcado pelo “New Deal”, programa político americano da época, mostra-se
também uma profunda reforma cultural, com a valorização do indivíduo em prol da
comunidade e “é assim que se passa de uma depressão (econômica, de 1929) a um
otimismo pragmático e humanístico”. Pintos chama a atenção que o pragmatismo
otimista americano se enriquece, aos poucos, com a contribuição cultural dos
europeus migrados para os EUA, citando Adler, Reich, Fromm, K. Goldstein, Otto Rank,
Fritz Perls, Karen Horney, entre outros. Em 1939 Rogers esboça a sua “terapia
relacional, (...) em 1941 E. Fromm publica “Medo da liberdade” (...) em 1949 Maslow
se encontra com Sutich e juntos começam um movimento convocando colegas a
trabalhar em temas como o amor, a criatividade, a autonomia, a auto realização, a
liberdade. Autores como Rollo May, Murray, Allport, em torno de 1950 terminam
conformando uma escola que denominam Psicologia Humanista, que aparece como
uma “terceira força”, que pretende ser uma resposta aos erros do condutivismo e da
psicanálise freudiana. Em 1959 se organiza o “I Simpósio de Psicologia Humanista” e
em 1961 aparece o “Journal of Humanistic Psychology”. O Jornal de Psicologia
Humanista, em 1964 coloca os cinco princípios básicos da psicologia humanista:

1. O homem, como homem, supera a soma de suas partes.


2. O homem tem a sua essência em um contexto humano.
3. O homem vive de forma consciente.

4. O homem tem capacidade de escolha.

5. O homem é intencional, vive orientado em direção a uma meta, um


objetivo ou valores que formam a base de sua própria identidade pessoal.

O existencialismo europeu, por sua vez, tem raízes mais antigas. Kierkegaard
(1813 – 1855, considerado o pai do existencialismo) Husserl (1859 – 1938, criador da
fenomenologia), e Heidegger (1889 – 1976, possivelmente a grande figura do
existencialismo contemporaneo), todos nasceram no século XIX, mostrando o quanto o
existencialismo se constrói em uma longa historia e no contexto europeu, de guerras e
luta quase permanente pela sobrevivência. Frankl assinala que a Logoterapia condivide
importantes conceitos de Karl Jaspers (1883 – 1969), Max Scheler (1874 – 1918),
Nicolai Hartmann (1822 – 1950), que serão abordados oportunamente.

É grande a diversidade, dentro do existencialismo, de autores e escolas e


grande o percurso, primeiro como escola filosófica e mais tarde como escola
psicológica. Considerando que também a filosofia, como a psicologia, sofre influencia
da época, Raissa Maritain cita Bergson (1859 – 1941) como um crítico do reducionismo
vigente na sua época e afirma assim uma distinção entre ciência e a filosofia:

“Bergson restitui à filosofia o seu domínio mostrando que a ela não se podiam
aplicar de forma alguma os progressos que eram próprios da ciência” (R. Maritain,
1952). Por sua vez, o filósofo alemão Edmund Husserl (1859 – 1938) chamou de
fenomenologia o seu trabalho, com grande repercussão também na psicologia. Entre
os discípulos alemães podemos destacar Martin Heidegger, Edith Stein, Max Scheler e
Nicolai Hartmann. Na França, destacaram-se Jean Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty
e Gabriel Marcel e na Espanha cabe destacar José Ortega y Gasset. (in Xauza, pg 60 e
61).

Heidegger afirma que a análise da existência deve tomar o método


fenomenológico. Escreve Xauza:

“Embora, em sua origem grega, a palavra fenômeno significa aparência, a


fenomenologia busca ultrapassar as aparências e chegar ás essências. Seu método
trata de descobrir o fenômeno, isto é, aquilo que se dá imediatamente. O fenômeno
de que fala ela não é a aparência e sim a manifestação da coisa mesma, do ser em si.”

Em síntese, podemos dizer que os humanistas percebem no homem uma


capacidade interior de crescimento, de auto-superação, de auto-atualização e colocam
o exemplo da semente, que contém em si um todo completo, capaz de constituir-se
por si só. Os existencialistas, por sua vez, consideram como fundamental o fato que o
Homem se constitui na própria existência, ou seja, existe somente o nada, a partir do
qual o homem se constitui, como um “ser-ai”.

Ressaltada esta diferença fundamental, podemos também colocar em relevo as


semelhanças: tanto o humanismo como o existencialismo fundamentam o Homem
como um ser livre, capaz de decidir, de escolher; o existencialismo em diversos
autores, marcadamente em Sartre, colocará esta liberdade de modo radical,
desconsiderando de modo absoluto todo e qualquer outro fator que possa interferir
neste quesito. Junto com este quesito, a consciência é reconsiderada, embora tome
diversas variantes, mas fundamentalmente o homem é um ser que decide, que
escolhe.

Dentro deste contexto, gostaria de considerar uma Escola em particular, a


Logoterapia, ou a “terapia do sentido da vida”, como Frankl costumava salientar,
esclarecendo que ‘logo’ está para ‘sentido, propósito, significado’.

O HOMEM VIKTOR FRANKL E O SEU PERCURSO CIENTÍFICO INICIAL

É oportuno conhecer o personagem que foi capaz de quebrar antigos


paradigmas na Psicologia.
Em 1985 Frankl ressaltava: “A quebra das tradições deixa um vazio, pois o
homem de hoje não tem mais a orientação clara do que fazer.” Paralelamente, sendo
o homem um “ser-em-relação”, no vazio das tradições, que anteriormente mostravam
um caminho e podiam dar um sentido para o quotidiano, na ausência destas, entram
novas possibilidades, como riquezas, entre as quais a qualidade do relacionamento
interpessoal. Frankl irá descobrir, vivenciando o clima da I Guerra Mundial e o doloroso
pós-guerra e mais tarde a II Guerra Mundial e os campos de concentração, o quanto a
questão dos valores e do sentido permeiam a realização do homem, podendo ser um
“sinal” de esperança ou desespero, de vida ou de morte.
Da infância Frankl recorda uma família afetuosa, citando o fato de acordar-se
com a presença do pai que o contempla carinhosamente. Desde muito pequeno dizia
que seria médico, mas um médico diferente, que “não usaria remédios para curar as
pessoas”. Os questionamentos intelectuais, a curiosidade permanente, a profundidade
das suas reflexões deram-no o título, ainda na infância, de “o pensador”.
Frankl, nascido em 1905, tinha 9 anos no inicio da I Grande Guerra. O pós-
guerra trouxe dificuldades também para a família Frankl, a ponto de mendigar pão e
realizar qualquer trabalho. Ingressou no Realgymnasium, por onde transitou também o
autor do paradigma da época, Sigmund Freud; se interessa pelas ciências naturais,
pelos primeiros trabalhos de psicologia experimental e autores como W. Oswald e G.
T. Fechner. A inquietude do “pensador” se reflete em questionamentos como este,
relatado pelo próprio Frankl:
“Recordo bem a reação que tive aos treze anos, quando fui submetido á um
ensinamento redutivo. Nosso professor de ciências naturais estava explicando que a
vida, em última análise, não era que um processo de combustão, um processo de
oxidação. Então fiquei de pé em um salto e exclamei ‘Professor Fritz, se é assim, que
sentido tem a vida?’” Esta inquietude não foi alimentada somente pelos ensinamentos
reducionistas, mas também pelo clima reinante em Viena, no qual o suicídio de jovens
desesperados e destruídos moralmente era um fato cotidiano. Pintos sinaliza que a
época foi marcada por três “convulsões”: uma convulsão política, com uma paz
instável, uma convulsão social, com a destruição, desemprego e diferentes demandas
sociais e um clima de convulsão científica, com os trabalhos realizados por Freud.
Neste contexto, três episódios são marcantes e mantém particularmente viva a
inquietude do jovem Frankl, então com 16 anos: primeiro, o suicídio de um colega,
com um livro de Nietzsche em mãos; um fato de forte impacto, mas que o leva a
confirmar a sua suspeita de estreita relação entre o filosófico cosmovisional e o modo
pessoal de enfrentar as situações de vida. Como segundo fato, interessado pela
compreensão do fenômeno humano e o seu significado, Frankl se anima a escrever
uma carta ao “mestre” Sigmund Freud. Com grande excitação recebe uma resposta e
um convite a continuar a correspondência. Como terceiro e último fato, o periódico
“Der Tag”, o convida, em 1923, a escrever quatro artigos com referencia aos
problemas existenciais da juventude crescida no clima depressivo do pós-guerra, um
tema muito afinado com os seus interesses.
Destes fatos, podemos nos deter no segundo. Conta Frankl: “Ele respondia
imediatamente as minhas cartas. Um dia coloquei no papel tudo o que me vinha em
mente acerca da gênese da mímica da afirmação e da negação, anexei uma carta e
mandei tudo a Freud; assustei-me quando me escreveu dizendo que tinha apresentado
na Internationale Zeitschrift fur Psychoanalyse (Revista Internacional de Psicanálise),
onde de fato, o texto foi publicado em 1924”. O primeiro encontro pessoal com Freud,
porém, foi casual “e demasiado tarde”, segundo o próprio Frankl. Adler já havia se
separado de Freud, um episódio de grande repercussão na sociedade científica e
Frankl, naquele momento, simpatizava com os princípios adlerianos. “Eu havia entrado
na esfera de influencia de Adler e já tinha decidido publicar o meu segundo trabalho
cientifico na ‘Revista Internacional de Psicologia Individual’”, o que ocorreu em 1925.
Os questionamentos em relação á psicanálise coincidiam também com o tempo
em que Freud passou a desvalorizar a busca por um sentido da vida, enquanto que
Adler começava a colocar com a Psicologia do Indivíduo uma maior atenção aos
problemas existenciais. O aumento dos suicídios entre os jovens, não somente em
Viena mas em toda a Austria e na Europa em geral, fortalecia em Frankl o desejo de
encontrar uma resposta prática – não somente filosófica ou cosmovisiva – para a
questão do sentido da vida, que pudesse ajudar à geração em crise.
Em 1926 Frankl é convidado a expor o seu pensamento na “Juventude Obrera
Socialista”, em Frankfurt e em setembro participa do “III Congresso Internacional de
Psicologia Individual” em Dusseldorf, com o tema “A neurose como expressão e meio”,
que desagrada a Adler. Frankl, então com 21 anos, sustenta que a neurose, além de ser
uma expressão de um complexo psíquico não resolvido, poderia ser, também, a
manifestação expressiva de um insuficiência motivacional, ou seja, expressão de uma
profunda necessidade de sentido, dissonante com a proposta e conceitos adlerianos.
Apesar das diferenças, no mesmo ano Frankl, com o apoio de Adler, funda a revista
“Der Mensch im Alltag”1, onde expõe as suas idéias e atrai o interesse de duas
personalidades do mundo adleriano, Oswald Schwarz e Rudolph Allers. Em 1930 se
concretiza o projeto de ajudar os jovens, com a abertura do primeiro centro de
atendimento, o primeiro de uma série, todos eles próximos a colégios, absorvendo o
atendimento aos alunos dos últimos cursos, os mais propensos a vivenciar depressões
e o suicídio. A iniciativa contou com um altíssimo grau de aceitação, ao ponto de que

1
Embora não seja possível uma tradução exata, significa “O homem no quotidiano”. Interessante notar
que Frankl afirmava ser o homem, por ser portador de espírito, capaz de perceber os valores e portanto,
intuir e distinguir o melhor para si. Desvelar os valores para que o homem do quotidiano possa assumir
o próprio caminho era o objetivo da revista.
em um ano de funcionamento o índice de suicídio chegou a ser nulo e ser publicado
em um periódico de Viena, no dia 13 de Julho de 1931: “A atividade de consulta (...) foi
uma feliz idéia do Dr. Frankl, fundador e responsável direto do centro”. Em 1935,
Frankl contava com uma casuística pessoal de 900 casos e os centros de atendimento
estavam presentes em outros países europeus. A valorização do trabalho de Frankl é
contundente: para Schwarz a contribuição de Frankl é comparável à de Kant para a
filosofia, mas para Frankl a preocupação era não cair em um psicologismo ou
reducionismo, fragmentando a natureza do homem. Em 1926 Frankl usa pela primeira
vez o nome “logoterapia”.
O ano de 1927 foi de profunda crise na sociedade adleriana. O fato mais
marcante foi a expulsão de Allers e Schwarz. Frankl passou a ser ignorado por Adler e
seu livro2 – pronto para ser impresso – deixado de lado. Embora não visse motivo para
deixar a associação, Frankl foi expulso alguns meses mais tarde. Em 1939 uma revista
suíça publicou uma síntese do não impresso livro “Philosophie und Psychotherapie”,
uma tentativa de aproximação da filosofia com a psicoterapia, que aborda quatro
temas fundamentais: 1) sustenta que a psicanálise atende especialmente as pulsões do
homem, esquecendo, no entanto, a totalidade corporal, psíquica e espiritual da pessoa
humana. 2) coloca uma crítica à atitude do psicoterapeuta que se esquiva na
abordagem dos problemas existenciais dos pacientes. 3) estabelece que o paciente
“deve” ser interpelado plenamente em sua liberdade e responsabilidade, no que
podemos reconhecer um gérmen do futuro “modus operandi” da logoterapia, ou seja,
apelando para a liberdade e responsabilidade do paciente o motivamos para que
modifique a sua atitude diante da situação que se coloca como um problema. 4)
enuncia a importância de não descuidar-se na clínica o tema dos valores.
Frankl conclui o curso de medicina em 1930, tempo no qual havia
fundamentado o seu núcleo teórico estudando Max Scheller. O pensamento de Frankl
consistia em crer que a pessoa humana tem em si mesma – à semelhança com o
humanismo – a possibilidade de dar a si mesma um significado à sua própria existência
e que o terapeuta tem a função de sustentar o paciente na busca e realização deste
significado. Em 1936 Frankl conclui uma dupla especialização em neurologia e
psiquiatria.
A insistência de Frankl na temática dos valores continuaria mais tarde,
intensificadas na experiência da “morte iminente”, ao longo dos mais de três anos nos
campos de concentração. Se a vida carece de sentido, porque sobreviver ao
internamento? Ainda, qual o sentido de todo este sofrimento, se o não sobreviver ao
campo é o mais evidente? É certa a teoria que o homem não é mais que o produto de
muitos fatores ambientais condicionantes? Frankl responde no seu livro “Em busca de
sentido”, o “mais” autobiográfico de todos, o autobiográfico por excelência:
“Foram poucos em número, mas ofereciam prova suficiente de que ao homem
se pode arrebatar tudo, com exceção de uma coisa: a última das liberdades humanas –
a eleição da atividade pessoal ante um conjunto de circunstancias – para decidir o seu
caminho” (Frankl, 1982).
Frankl poderia ser questionado em muitos aspectos, menos o da coerência. As
suas convicções o levaram – contra o conselho dos seus amigos – a prestar serviço

2
Em 1939 uma revista suíça publicou uma síntese do livro “Philosophie und Psychotherapie”, uma
tentativa de aproximação da filosofia com a psicoterapia, que aborda quatro temas fundamentais (ver
pg 26 livro G Pintos).
como médico em enfermaria para vitimas da febre tifóide, pois assim daria algum
sentido á sua morte. Ficava patente que o tipo de pessoa em que se convertia o
prisioneiro era (também) resultado de uma decisão intima. Muitos morreram antes da
condenação á morte, alguns, porem, caminharam para o forno de cabeça erguida, ao
que Frankl chamou de poder de resistência do espírito.
“Qualquer homem podia, inclusive sob tal circunstancia, decidir o que seria
dele – mental e espiritualmente – pois mesmo no campo de concentração se pode
conservar a dignidade humana. É esta liberdade espiritual, que não nos podem
arrebatar, que faz que a vida tenha sentido e propósito” (1982).
Convidado pela Sociedade de Medicina de Viena a fazer um discurso, em 25 de
março de 1949, em homenagem aos associados mortos, Frankl indaga sobre o homem:
“Quem é então o homem?
(...) Nós o conhecemos no campo de concentração, onde tudo o que não lhe
era essencial foi jogado fora... Sobrou o que ele não pode ‘ter’, mas o que ele deve
‘ser’. O que restou foi o próprio homem, em sua essência, queimado pela dor,
dissolvido pelo sofrimento – o elemento humano em sua quintessência” (Frankl, 1978).

OS CONCEITOS

Filme “O diário de Anna Frank”


Mãe: “Pense em quantos morrem nos campos de concentração, pense quantos
morrem todos os dias na guerra”.
Filha: “Mas a que serve isso? Pensar na desgraça dos outros enquanto somos
desgraçados nós. (...) Se pensamos os horrores do mundo é o fim. Nós (jovens)
pensamos em agarrar-se em qualquer ideal, mas tudo, ideal, esperança, tudo está se
destruindo. Não é culpa nossa se o mundo está em ruínas. Quando o mundo começou,
nós não existíamos...”.

http://psic-paulorech.livejournal.com/21260.html

O fato que Frankl chama a sua teoria de “logo”, ou terapia centrada no sentido,
propõe o quanto o ‘sentido’ tenha um caráter exponencial para Frankl. De fato, este é,
já, o primeiro indicativo do ‘eu’ em Frankl: o ‘eu’ frankleano não é movido pela busca
do prazer ou do poder, referindo-se às duas grandes correntes da sua época,
preconizadas por Freud e Adler. Hoje, no contexto das demais correntes
marcadamente existenciais, podemos completar que o ‘eu’, segundo Frankl, vive “a”
angustia de encontrar um sentido para a própria existência, enquanto que para os
demais, o homem vive a angustia do nada, do ‘não-ser’ ou a angustia do permanente
‘decidir’. Quis o destino que Frankl fizesse em primeira pessoa o que ele chamou de
“experimentum crucis”, ou seja, 3 longos anos prisioneiro em campos de
concentração, onde a finalidade dos algozes não era somente ganhar uma guerra, mas
sim destruir um grupo, uma raça e onde a existência passava a ser “um número”
(Frankl, "Em busca de sentido", Vozes).

Frankl testemunha que os campos de concentração tornaram-se uma espécie


de ‘laboratório’, onde aqueles que tinham, mesmo no sofrimento, um sentido e com
este um motivo para viver, foram capazes de suportar as situações mais atrozes; é
marcante o relato onde Frankl cita que os prisioneiros tinham por costume ter alguns
cigarros para o dia seguinte e que perceber um prisioneiro fumar todos os seus
cigarros era um indicativo de desistência, de entregar os pontos e o mais das vezes,
atirar-se na cerca elétrica. Como cita García Pintos (1988), caiu por terra a teoria das
hierarquias das necessidades, por exemplo, pois “a fome, a necessidade mais primitiva,
não impediu a expressão altíssima da espiritualidade e nem a busca incessante de
sentido, mais que de pão”.

Neste ponto cabe ressaltar que caíram muitos “determinismos”, não somente
os psíquicos, mas também os sociais e aparece com força a “vontade de sentido” como
coloca Frankl.

O ‘eu’ frankleano supõe a presença de um elemento – o espírito – que,


justaposto ao ‘bio-psíquico’, torna o Homem o que ele é: espiritual. Aqui cabe ressaltar
uma diferença sutil mas fundamental, comparando com o ‘eu’ em Kierkegaard:
enquanto este sustenta que o “homem é espírito”, Frankl sustenta que o Homem é um
ser bio-psico(sócio)-espiritual. Frankl considera o biológico (por sinal, Frankl é
neurologista) e o psicológico como condicionantes, mas não determinantes do
Homem.

O Homem, enquanto um ser portador de ‘espírito’ busca o sentido da própria


existência. Visto que o Homem é, fundamentalmente livre, ele decide, escolhe, mas
esta liberdade chama para si outro aspecto, ou seja, a responsabilidade, motivo pelo
qual o Homem busca também realizar valores. Em outras palavras, sendo livre,
podendo optar por A, B ou C, ele percebe que existem valores e deve escolher, o que o
torna responsável. Podemos perceber uma eventual contradição no afirmar a
responsabilidade e negar a existência de valores, visto que estes estão profundamente
ligados. Cabe ressaltar que os Valores devem ser descobertos como tal e esta é uma
experiência única e exclusiva do indivíduo.

García Pintos, em sua descrição “10 teses sobre a Pessoa”, cita Frankl e coloca
apropriadamente que devemos estar atentos a “não cair em um reducionismo
espiritualista, tão negativo quanto o biologista ou o psicologista” e continua: “a
espiritualidade do homem não é somente uma sua característica, mas um constituinte:
o espiritual não é algo que somente caracteriza o homem, assim como o fazem o
biológico e o psíquico, que são também próprios do animal, mas o espiritual é algo que
distingue o homem, que corresponde a ele e antes de tudo a ele”. Frankl ressalta ainda
que no homem, o bio, o psico e o espiritual são dimensões e não extratos, ou seja,
existe uma continuidade, de maneira que o instinto é “espiritualizado”, ou ainda,
podemos acrescentar, “permeado do espírito”. Diferenciando dos demais seres, “o
homem tem instintos, o animal é os seus instintos". Ainda, considerando a realidade
psicofísica e espiritual do homem, podemos dizer que o “homem é (tal como é) graças
aos seus instintos, herança genética, do meio e, mais ainda, apesar de tudo isso”.

Consciente que as questões do sentido e dos valores estão entre os tópicos mais
polêmicos, cito uma experiência clínica freqüente, quando coloco a seguinte questão
para o cliente: busco que recorde, da sua memória, duas disciplinas do curso médio
que lhe eram uma, a mais fácil e agradável e outra, a mais difícil; supondo que tenham
sido História e Matemática, faço imaginar que ele, cliente, está em um período de
exames/testes e que recebe, neste momento, estas duas provas e em ambas a mesma
nota: 8,0! O momento seguinte é ‘clássico’: qual das duas notas lhe dá mais satisfação?
Bem, deveria deixar um momento para reflexão, mas antecipo que em grande parte –
não na totalidade e por isso cabe um esclarecimento – as respostas são que a nota 8,0
para a disciplina mais difícil tem mais ‘valor’! E por que teriam mais valor? Porque
significaram mais esforço e este esforço confere um ‘valor’, mesmo se a nota é a
mesma para ambas as disciplinas! Bom, esta resposta não é absoluta, pois algumas
pessoas não percebem em um primeiro momento esta questão do valor intrínseco no
esforço. Significa que não existe ‘valor’ no esforço? Eu não diria tanto, mas poderia
confirmar que os ‘valores’ sempre serão únicos e exclusivos de cada indivíduo.
Exemplificando ainda, chamo a atenção para as muitas situações de consultório, onde
encontramos filhos adolescentes que tiveram as suas dificuldades (crises e dificuldades
na escola, por exemplo) sempre resolvidas pelos pais. Que resultados nós
encontramos? Adolescentes com as necessidades materiais satisfeitas, mas que
buscam um algo, seja o próprio limite, seja o valor que lhe foi negado, por não realizar
o esforço que a vida lhe colocou.

Retomando, o Homem busca a realização de valores e a não realização destes


implica em um “vazio existencial, a doença do Século XX”, como usava citar Frankl e –
poderíamos acrescentar – ‘que se difunde em alta velocidade no Século XXI’.

Uma das contribuições mais significativas de Frankl tem a ver com a ‘estrutura’
do Eu e Frankl usa a proposta de Freud para introduzir um novo conceito de
‘inconsciente’, sem antes redimensionar também o EU ou o Ego. Segundo Frankl,
Freud faz com que o ID apareça como o verdadeiro EU, ou seja, ocorre uma
“Ideificação”, visto que o Ego é subjugado, e o Homem um ser fundamentalmente
‘impulsionado’; afirmando o Homem como um ser fundamentalmente livre, Frankl
afirma também que o Inconsciente contém em si um elemento ‘espiritual’, elemento
este que confere uma capacidade de auto-transcendência que lhe são específicas e
únicas.

Em termos de clínica, estas afirmações são fundamentais, visto que, sendo o


homem um ‘buscador de sentido’, pode o terapeuta perceber a eventualidade de
‘propor’ um valor, que poderá ou não ser percebido como tal pelo cliente. Frankl conta
um dos seus casos clínicos, mostrando que tal valor pode ser percebido: um senhor de
idade avançada, relata tristeza e depressão após o falecimento da esposa, com a qual
convivera muitos anos; percebendo a presença do amor que uniu o casal, Frankl
questiona:
“Como estaria ela se o senhor tivesse falecido antes?”. “Muito mal, não sei se teria
forças para superar”, responde o cliente.

- Entendo. O teu amor por ela justifica este sofrimento, que o somente o senhor pode
vivenciar e assim fazendo, o teu sofrimento é suficiente e necessário para que não seja
ela a pagar por isso.

Como resultado, o cliente em questão percebe no próprio sofrimento um sentido real


e concreto, fundamentado no relacionamento existente no casal.

Um dos principais conceitos frankleanos está, possivelmente, entre aqueles de


mais difícil descrição, visto que o espírito foge a condições de aferimento na
metodologia científica. Frankl, baseado nas descrições ontológicas de Nicolai
Hartmann e na antropologia de Max Scheler elabora uma sua síntese antropológica,
onde evidencia em primeiro lugar o reducionismo do qual é passível a descrição do ser
humano e a partir desta evidencia, Frankl elabora a sua “imago hominis”.
Nicolai Hartmann (1882 – 1950) rejeita tanto o reducionismo organicista como
o reducionismo psicologista e trabalha sobre a idéia de uma espiritualidade irreduzível
ao psicológico e ao biológico. Dedicando-se á análise fenomenológica das diferenças
ontológicas do ser humano, descreveu quatro dimensões: inorgânica, orgânica,
psicológica e espiritual. (Diccionario de Logoterapia, Marta Guberman & E. P. Soto, Ed.
Lumen, Bs As, 2005). Por outro lado, segundo o próprio Frankl, foi Max Scheler (1874 –
1928) o filósofo que mais o influenciou o pensamento e a visão de mundo. (Vial, 1999
in Martínez, 2011). Scheler foi o primeiro filósofo a fazer uma análise fenomenológica
dos aspectos emotivos e práticos da consciência. Considera que a experiência emotiva
é onde se apresentam os valores, para os quais está aberto o homem. Frankl coincide
com Scheler ao afirmar que a pessoa está aberta ao mundo e dirigida para algo ou para
alguém diferente de si mesma. Ambos preservam a unidade da pessoa, em que pesem
as diferenças ontológicas e ambos também defendem a abertura para a
transcendência através da consciência, fato este que caracteriza a pessoa como um ser
essencialmente dialogal. (Guberman & Soto, 2005).

Frankl, (Quadrante, 2003) em sua “imago hominis”, define o homem como “unidade
apesar da pluralidade: porque há uma unidade antropológica, apesar das diferenças
ontológicas”. Frankl propõe uma imagem de homem baseada em analogias
geométricas. “Trata-se de uma ontologia dimensional, caracterizada por duas leis:

1. Se tomarmos um objeto (tridimensional) e o projetamos em várias dimensões


inferiores àquela que lhe é própria, as figuras obtidas opõem-se uma às outras;
como exemplo, um copo cilíndrico, projetado no sentido horizontal, resultará
um retângulo e projetado no sentido vertical resultará em um círculo, ambos
como um corpo fechado, embora o copo seja um corpo aberto;
2. Objetos distintos, como um cilindro, um cone e uma esfera, quando projetados
em uma única dimensão, inferior, teremos em todos os casos a projeção de um
círculo, dando uma interpretação equivocada e parcial do objeto original.

A que conclusão nós chegamos no que concerne o homem? Também o homem,


tomado em dimensões reducionistas, apresentará projeções reducionistas. A projeção
no plano biológico terá por resultado fenômenos somáticos e a projeção no plano
psicológico terá por resultado fenômenos psíquicos. Resulta que poderemos encontrar
o Homem não em suas projeções, mas somente em uma dimensão mais elevada, na
dimensão do especificamente humano. Frankl ressalta que não necessariamente
possamos “resolver o problema psicofísico, mas pode ser que a ontologia dimensional
projete sobre o problema certa luz, mostrando-nos por que o problema é insolúvel (pg.
44)”.

Um tema específico é o livre arbítrio. Se “projetamos” o homem, ele é


representado no plano biológico como um sistema fechado de reflexos fisiológicos e
no plano psicológico como um sistema de reações psicológicas, caindo por terra a
condição de homem como ser livre. Heidegger, mas também Max Scheler e outros,
mostram o homem como “aberto ao mundo”. Ser homem significa, já de si, “ser para
além de si mesmo” (Frankl), ou “ser-com” (Heidegger).”

Frankl visualiza aí a essência do Homem: o dirigir-se ou ordenar-se para algo ou


alguém fora de si. O conceito “essência”, porém, causa muito temor na Psicologia.
Com razão, pois todo e qualquer enquadramento é reducionista e o homem não se
sujeita a reducionismos. Entretanto, na medida em que o “dirigir-se ao outro” não é
em absoluto estático, mas dinâmico, a ‘essência’ deste homem não é em absoluto,
uma essência estática, mas uma essência que se justifica e se concretiza no “agora”, no
momento da atuação. Heidegger expressa o homem como o “ser-ai”, jogado no
mundo e este homem “é” em relação com o meio, com o outro, e nisto ele se constrói
continuamente.

Para concluir, Frankl ressalta que “á luz da ontologia dimensional, o caráter


fechado do sistema de reflexos fisiológicos e de reações psicológicas não está em
contradição nenhuma com a humanidade do homem. Parece-nos igualmente claro que
os resultados obtidos nas dimensões inferiores continuam a ter a mesma validade que
antes, dentro dessas dimensões.” E neste contexto, Frankl recorda algumas pesquisas
unilaterais como a reflexologia de Pavlov, o behaviorismo de Watson, a Psicanálise de
Freud e a Psicologia Individual de Adler. Em se tratando de projeções ou de
reducionismos, conclui-se que deva existir uma dimensão “superior” ou “mais
compreensiva, que inclui e abarca uma dimensão inferior” de maneira a encontrarmos
o homem em sua totalidade. Esta dimensão superior ou mais compreensiva é aquela
que abarca ou compreende o espírito, ou o espiritual, como Frankl prefere chamar.
Continuando a justificar a sua ontologia dimensional, Frankl diz (Quadrante, 2003, pg
47):

“Se eu, em vez de projetar figuras tridimensionais em um plano de duas


dimensões, projeto figuras como Fedor Dostoievski ou Bernadette Soubirous no plano
psiquiátrico, para mim, enquanto psiquiatra, Dostoievski não passa de um epilético e
Bernadette não é senão uma histérica com alucinações visionárias. O que são para
alem disso não se reflete no plano psiquiátrico. (...) Tanto a criação artística de um
quanto a entrevista religiosa da outra ficam fora do plano psiquiátrico.”

O homem, portanto, como o entende Frankl, deve ser entendido como um ser
bio-psico-espiritual. Chegamos ao ponto, no entanto, de nos perguntarmos: o que
Frankl fala sobre e como define “espírito”?

“Como o espírito não é uma substancia, Frankl prefere evitar o uso do


substantivo “espírito”, referindo-se a ele, então, como “o espiritual”. O espiritual
contém dois aspectos: um enquanto dimensão constitutiva do ser humano e outro
enquanto manifestação desta dimensão.

Como dimensão constitutiva, é o essencialmente humano que dá unidade à


pluridimensionalidade do homem. Como manifestação, o espírito deve encarnar-se na
manifestação psicofísica, a qual tem uma função instrumental em relação ao primeiro,
visto que o espírito a necessita para expressar-se. A linguagem do espiritual é a
liberdade, porque todas as suas manifestações são livres. O espiritual não é
transmissível, pois o que herdamos é o elemento corporal e o psíquico. Outro
sinônimo de espírito* é “persona”. (Guberman & Soto).

(*No original consta: “Otro sinônimo de lo espiritual es “persona”, o que em tradução literal significa
que o Autor coloca “persona” como equivalente a “espiritual”, conforme a preferência de Frankl, citada
anteriormente. No português, porem, “espiritual” ficaria muito identificado com o adjetivo.)

Continuando:

VER: “10 teses sobre Persona” – 4 – “a persona es espiritual”.

 Em que circunstancia se evidencia o homem em sua plenitude, que


abarca o espiritual?
 Em que circunstancias se evidencia o espiritual?

______

Abaixo, uma mensagem encaminhada ao blog “Psicologia e Vida”. O autor da


mensagem, antes em dúvida sobre a existencia ou não de Deus, hoje lamenta o saber
da sua não existência, pois se antes vivia uma dúvida maldita, agora vive o “inferno da
descrença”.
O texto – também o título – foi recolhido tal como ainda hoje aparece no blog e
retrata em tom dramático a questão do vazio e do sentido da existência.

“O existencialista estaria condenado então, a não se libertar da dependencia?”

“Prezado,
eis um artigo que toca numa ferida que conheço muito bem sua extenção e inflamação.
Por diversas razões, me considero um existencialista. E as razões para me considerar
um, foi justamente não me enquadrar entre entre aqueles que podem se libertar da
dependência química justamente resgatando ou adquirindo valores, buscando acalento,
força, mas principalmente algo com que pudesse dividir a responsabilidade e poder para
mudar sua situação. Um Deus, uma força maior a que se pode confiar ou mesmo se
entregar.
Entendo que um dia resolvi questionar se as sombras eram as verdades como todos a
tinham, ou se havia algo mais. (mito da Caverna). Mas o fato é que se questionei algo
até então inquestionável, principalmente no meio em que fui educado, é porque a dúvida
apenas anunciava minha descrença, e repudio ao temos ao Deus do Cristianismo.
Essa dúvida, antes me causavam angustias pelo fato do sentimento de culpa, enquanto
na mesma sociedade que éra proibido duvidar, as drogas não eram e até hoje não é
proibida aos jovens nessa cmesma sociedade. Além de prometer o paraíso, mas também
não se negar a dar provas de exisitencia deste.
Mas foi durante a faculdade que passei a embasar minhas opiniões e reconhecer minhas
tendencias ao ceticísmo, chegando há um ponto de dizer: "maldita dúvida que um dia
tive, mas melhor teria sido permancer apenas com ela. Agora vivo o inferno da
descrença, sem o direito de nem mesmo ser hipócrita ou tentar me enganar sobre Deus e
a fé.
Pois bem; em vários tratamentos e principalmente terapia de grupos que são tão
recomendadas, há uma necessidade vital para o sucesso que é crer num Deus.
Independente de como o compreendo. Mas não o compreendo! Pois não o reconheço.
E mesmo que tente o descobrir como algo em meu interior, ainda assim, temo
desmoralizar o pouco de valor que posso ter, a final, se ele está dentro de mim, onde
está seu poder já que reside tão próximo do que me aprisiona?”

Mas alguns pontos da mensagem merecem questionamentos:

“...buscando acalento, força, mas principalmente algo com que pudesse dividir a
responsabilidade e poder para mudar sua situação. Um Deus, uma força maior a que se
pode confiar ou mesmo se entregar.”

O existencialismo é afirmativo no que tange a questão da liberdade e responsabilidade.


Sartre, Heidegger, Frankl, são unanimes ao afirmar que o homem é um ser que decide,
portanto é um ser fundamentalmente livre. Sartre, por sinal,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por motivos já vistos, a logoterapia se distancia de alguma forma da


maioria das escolas de psicologia. Distancia-se tanto da psicanálise quanto
do comportamentalismo, mas também do humanismo e do
existencialismo, embora tenha elementos destas duas escolas de
pensamento.

Além disso, possivelmente a morte seja um dos temas mais


“perturbadores” entre os tantos abordados pela psicologia. Mas o que a
psicologia pode dizer aos prisioneiros e particularmente aos condenados á
morte? Frankl relata em uma entrevista, (Xauza, 1988) uma sua
experiência a respeito, mostrando um pouco o porque deste distanciar-se
de outras escolas.

“Há alguns anos a revista americana Newsweek publicou a primeira


entrevista dada por Benigno Aquino (filipino, líder político), contando
sobre como tinha sido possível suportar o isolamento por tanto tempo. Ele
responde ter recebido, na prisão, um livro de um psiquiatra vienense. Era
o meu livro, onde eu explicava como, em qualquer situação, uma pessoa
sempre conserva a liberdade para escolher esta ou aquela atitude. Aquino
respondeu que foi o livro quem deu a força necessária para suportar o
isolamento. (...) Fui convidado pelo diretor do presídio San Quentin (EUA),
para fazer uma conferencia, a pedido dos prisioneiros, que haviam lido o
meu livro. Na ocasião, ainda havia uma camara de gás e prisioneiros
condenados á morte, que também ouviram minhas palavras. Eu estava
acompanhado por professores da Universidade da California e ao fim da
conferencia, eles perguntaram aos presos o que haviam achado, queriam
saber as reações destes homens que iam morrer dentro de algum tempo.
Os prisioneiros disseram que se beneficiaram muito com a conferencia.
Disseram ter ouvido dezenas de psiquiatras, psicólogos e psicanalistas,
que vinham a San Quentin. Eles diziam aos presos sempre a mesma coisa,
que eles estavam ali porque eram vítimas, seja do seu passado, de sua
situação social, vítimas da educação, vítimas dos guetos negros. “E nós
odiamos ouvir isto”, disseram os prisioneiros

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