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PREFÁCIO

A reflexão de homens e mulheres sobre a natureza da masculinidade tem sido um dos assuntos
mais populares dos anos recentes e, ainda assim, creio que este tópico não foi esgotado. Na
literatura emergente sobre masculinidades, há uma lacuna cada vez maior entre escritos
“críticos” que buscam desestabilizar a masculinidade patriarcal em nome de causas
progressistas feministas ou políticas, e escritos “populares” que buscam promover uma nova-
velha masculinidade em nome da espiritualidade, da mitopoética e da psicologia junguiana.
Como um acadêmico de mentalidade crítica que também é junguiano, como um pensador da
consciência política que também está mergulhado na mitopoética, tentei produzir um livro que
luta para fazer com que estas tradições consigam dialogar. Estou interessado em novas fusões,
como uma mitopoética progressista, uma espiritualidade autocrítica e um junguianismo político.
As fendas de nossa cultura que separam espiritualidade de política, terapia de sociedade e
interno de externo continuamente me assombram e as conversações devem começar por
ultrapassar essas fendas e cisões.

Já existe um número grande de pessoas preocupadas com a natureza fantasiosa,


escapista e frequentemente reacionária do movimento de homens de influência junguiana. Esta
tradição popular parece ter sido capturada por um otimismo tolo sobre o mundo interior (uma
espécie de “culto de carga” espiritual) e por apropriações conservadoras e simplistas da teoria
junguiana. De um lado, muitos estudantes e leitores estão desapontados com o vazio e o
pessimismo crônico dos discursos acadêmicos contemporâneos sobre a masculinidade. Estes
discursos ignoram ou denigrem Jung e sua teoria dos arquétipos e parecem incapazes de
responder às dimensões espirituais e emocionais da experiência dos homens. É tempo de trazer
profundidade à superfície, vida emocional e consciência sócio-política em coesão a um discurso
vívido que procura olhar ao mesmo tempo para dentro e para fora.

Talvez alguns leitores possam sentir que eu esteja retratando de forma enviesada o
movimento contemporâneo de homens ao focar em somente duas de suas vertentes mais
proeminentes: a posição pró-feminista e a mitopoética junguiana. Eu sei que o movimento em
si é muito mais amplo e mais complexo – alguns escritores até identificaram uma dúzia ou mais
de vertentes diferentes e socialmente ativas. Eventualmente refiro-me a outras posições
ideológicas, como a libertação gay, o radicalismo marxista, a libertação pela teoria humanista
de papeis, o conservadorismo sócio-biológico e o movimento pelo direito dos homens, mas aqui
minha preocupação não é mapear da totalidade do campo, mas focar nos conflitos entre
consciência feminista e mitopoética masculina. Procuro comparar e contrastar estas posições
na esperança de criar uma síntese na qual estas visões contrárias sejam conjuntamente
sustentadas em um balanço dinâmico, ainda que, por vezes, seja também precário.

Um argumento básico deste livro é que o princípio feminino arquetípico requer uma
atenção urgente em nossa cultura hipermasculina. Isso significa que necessitamos não somente
de novas políticas na esfera social, mas também de uma nova psicologia feminina para a alma
interior. Para mim, parte desta reorientação psicológica implica destruir velhos hábitos de
prática acadêmica. Quando eu primeiramente comecei a escrever este livro no início dos anos
90, iniciei munido de uma suposta postura objetiva e abordagem impessoal que é padrão no
academicismo patriarcal. Mas à medida que começava a explorar as dimensões emocionais e
experienciais da psique masculina, minhas próprias emoções e experiências também emergiram
e não mais pude relevar minha subjetividade neste estudo acadêmico sobre a masculinidade
contemporânea. De certo modo, meu próprio feminino rebelde interrompeu este projeto de
consciência masculinista e o virou de pernas para o ar. Após três décadas de feminismo(s) de
segunda onda, sabemos que a postura de impessoalidade sempre foi uma construção patriarcal
e que a academia que hoje inclui o ponto de vista pessoal como parte de seus conteúdos é um
tipo mais autêntico e honesto de instituição.

A alma que se volta para si própria nos ensina que o “pessoal é político”, que o pessoal
importa. Mas isto tem de ser manejado com tato e equilíbrio. Não quer dizer que o elemento
pessoal-subjetivo possa repentinamente inundar a estrutura intelectual, como se aqui
encorajássemos um modelo confessional implacável. Simplesmente significa que um elemento
pessoal, experiencial, é introduzido para complementar e transformar a estrutura intelectual de
modo a fazer com que o projeto se mantenha honesto. O fato de eu não ser um clínico e de não
possuir o recurso de apresentar casos clínicos também me forçou a me remeter à minha própria
experiência quando histórias e carne eram necessárias para adornar os ossos da teoria. Não
poderia me colocar aqui como um terapeuta para a ferida dos outros. Este livro parcialmente
recorda minhas próprias experiências como um cliente em terapia, e posteriormente tanto
como “terapeuta” como “cliente” em minha própria autoterapia. Este trabalho apresenta e
critica meu desenvolvimento psicoespiritual – e espero que ele realmente seja crítico e não
meramente uma indulgência de meu “crescimento pessoal”. A interação dinâmica do intelecto
e do coração significa que o intelecto pode ainda avaliar criticamente o que o coração expõe de
suas próprias profundezas passionais e largamente desconhecidas.

***
Ao longo do livro resgato livremente minhas experiências como um analisando sob os cuidados
do analista junguiano James Hillman. O capítulo 5, em particular, é quase que inteiramente
baseado no tema homoerótico que emergiu em nossas sessões analíticas. Nos Estados Unidos,
no início dos anos 80, James Hillman me proveu com um exemplo positivo de como viver uma
vida plural; de como ser um intelectual questionador e contundente e ainda estar aberto para
“o pensamento do coração” e para o “logos da alma”. O estado paradoxal do “coração
pensante” tornou-se fundacional para minha própria vida e para minha prática acadêmica
graças a um grau nem um pouco pequeno de envolvimento analítico com Hillman. Também
quero reconhecer aqui a Harkness Foundational of New York por seu generoso financiamento
de minha bolsa de pós-doutorado de dois anos com Hillman.

Em La Trobe University em Melbourne, sou atualmente Senior Lecturer em Literatura e


Chefe do programa de Freud/Jung nos Estudos Psicoculturais. Ao longo dos últimos dez anos,
tenho dado cursos sobre Jung, Hillman e Samuels na School of English and Faculty of Humanities.
Em 1996, comecei a ensinar em um curso de especialização, “Reformando os homens”, e
gostaria de agradecer aos meus estudantes pelo envolvimento e contribuições.

Em 1991, conduzi um fórum para homens chamado “The Post-Patriarcal Male Psyche”
e quero reconhecer a contribuição dos participantes, mesmo quando eles confessavam que
tinham sido obrigados a frequentá-lo por suas companheiras! Estou particularmente em débito
com Felicity Sloman e Michael Carr-Gregg da Royal Melbourne Children’s Hospital (Centre for
Adolescent Health), por me encorajar a dar palestras públicas e seminários sobre o
desenvolvimento espiritual, a tomada de riscos e os ritos de passagem na adolescência. Também
sou grato a Peter Condliff da Royal Melbourne InstituteofTecnology (Serviço Social) por
patrocinar meu curto curso “Masculinity, Patriarchy and Psychoanalysis” em 1991; ao Merringu
Men’s Centre, Canberra, por organizar o seminário “The Male Psyche and Society” em 1993; ao
Australian Medical Publications por me convidar a falar no “The Psychology of Adolescence” em
1994. A mídia passou a se interessar pelas minhas ideias sobre masculinidade a partir do início
dos anos 90, e gostaria de reconhecer aqui a entrada por parte de inúmeros jornalistas do rádio
(as redes da ABC National), da televisão (redes SBS e ABC) e dos jornais (Sydney Morning Herald
e The Age). Nada melhor para focar a mente do que uma boa entrevista com um jornalista
intuitivo e estas entrevistas contribuíram para a acessibilidade pública aos meus escritos.

Estou em débito com Sharon Gregory-Tacey e Ana Gregory-Tacey pela inspiração e


suporte. Muitos indivíduos fizeram valiosas contribuições ao conteúdo deste trabalho em
discussões pessoais, correspondências, devolutivas críticas e trabalho editorial. Isso inclui Ian
Austen, Renos Papadopoulos, Andrew Samuels, Peter Tatham e Edwina Welham no Reino
Unido; e John Beebe, Robert Bly, Alfred Collins, William Doty, Robert Hopcke, Harold Schechter
e James Wyly nos Estados Unidos. Na Austrália, gostaria de agradecer a Sue Austin, David
Bathgate, Giles Clark, Bob Connell, Trish Dutton, Robert Farrell, Andrew Fuller, Peter Fullerton,
Robert Hall, Jack Heath, Andre de Koning, Michael Leunig, Roman Mankowski, Michele Stephen
e Robert Ware. Sou grato a Bob Pease do RMIT por me convidar a ler sua tese doutoral
“Becoming profeminist: Reforming Men’s Subjetivities and Practices” (1996) que me atualizou
na literatura sociológica, pró-feminista e pós-moderna acerca das masculinidades.

No curso da preparação deste livro, trabalhos provisórios foram publicados em muitas


revistas e publicações tal como segue: um ensaio-revisão sobre a pesquisa das masculinidades
foi publicado como “How Now is the New Male?”, Australian Society (Melbourne), Vol. 10, No.
16, June 1991, pp. 33-35; partes do capítulo 1 e 2 foram publicados como “Lost Sons and God-
Talk”, The San Francisco Jung Institute Library Journal, Vol. 13, No. 3, October 1994, pp. 5-27;
seções do capítulo 3 apareceram como “Attacking Patriarchy, Redeeming Masculinity”, The San
Francisco Jung Institute Library Journal, Vol. 10, No. 1, March 1991, pp; 25-41, e uma versão
australiana foi publicada como “Reconstructing Masculinity: A Post-Jungian response to
Contermporary Men’s Issue”, Meanjin (University of Melbourne), Vol. 49, No. 4, Summer 1990,
pp. 781-792; uma parte posterior do capítulo 3 apareceu como “Incest, Society and
Transformation: Na Australian Perspective”, Psychological Perspectives (Los Angeles), Issue 23,
November 1990, pp. 16-31, uma breve seção do capítulo 4 foi publicado como “The Rites and
Wrongs of Passage: Drugs, Gangs, Suicides, Gurus”, Psychotherapy in Australia (Melbourne), Vol.
1, No. 4, August 1995, pp. 5-12; uma versão anterior do capítulo 5 apareceu como
“Homoeroticism and Homophobia in Heterosexual Male Initiation”, em Robert Hopcke, Karin
Lofthus Carrington and Scott Wirth (eds) Same-Sex Love and the Path in Wholeness, Boston and
London: Shambala, 1993, pp. 246-263. Sou grato aos editores dessas publicações australianas e
norte-americanas pela edição cuidadosa de meu material que foi incorporado neste presente
livro.

David J. Tacey
Faculdade de Humanidades
La Trobe University
Melbourne, Australia
INTRODUÇÃO POLÊMICA
Pensamento junguiano e a psique pós-patriarcal

Os homens mudarão sem serem forçados a mudar?


Ou os homens mudarão fazendo parte de uma mudança
social mais abrangente?
- Shere Hite

Somente indo aos piores lugares de corrupção de


poder e energia é que se pode reclamar este poder e
usá-lo para nossa própria cura.
- Alix Pirani

Somente nos curamos quando não somos mais exclusivamente


masculinos na psique, não importando se somos homens ou mulheres
na biologia. A análise não pode constelar a cura até que, também,
sua psicologia não seja mais masculina. O fim da análise
coincide com a aceitação da feminilidade.
- James Hillman

Ao darem manutenção a sua posição privilegiada no patriarcado,


os homens cooperam com uma subjugação irônica de si mesmos.
- Tom Absher

O FEMININO EMERGENTE

Reformando os homens está engajado com a mudança e a transformação da masculinidade, da


sociedade, da espiritualidade e da psicologia junguiana. Este livro estaria provavelmente melhor
situado na tradição corrente de escrita que vê a emergência do princípio arquetípico feminino
em nosso tempo1. O feminino em homens e mulheres está igualmente emergindo com nova
potência, deslocando as velhas formas patriarcais da psique e da sociedade, e demandando uma
compreensão totalmente nova de estrutura social, identidade pessoal e relações humanas. Não

1
Esta tradição junguiana incluiria os trabalhos de Erich Neumann, Edward C. Whitmont, Ann Ulanov,
Marion Woodman, Naomi Goldenberg, Demaris Wehr, Carole Douglas, Carol Schreier Rupprecht e muitos
outros autores, numerosos demais para serem nomeados, do “feminino emergente”.
sou aqui falando unicamente do impacto social do feminismo político, estou falando de uma
mudança psicoespiritual colossal na psique coletiva ocidental, dentro da qual o feminismo
político é um grande elemento. A masculinidade não deve ser erodida ou levada pela maré alta
do feminismo, mas, ao invés, “reformada”, reconstruída e admitida a tornar-se uma aliada
inteligente e autocrítica da nova reforma feminina. O presente livro foi escrito à luz desse
espírito revolucionário, mas não agradará a todos os revolucionários porque discute a favor do
balanço e integração, ao contrário do eclipse da masculinidade pela feminilidade.

O PAI DEVORADOR E O CONSERVADORISMO JUNGUIANO

Parece-me que o gatilho de algum mecanismo compensatório desesperado foi acionado na


psique ocidental e que há um elemento de urgência real no retorno do feminino. O espírito
progressivo da sociedade nos empurra rumo a uma condição psicológica “andrógina”,
indiscutivelmente por causa da masculinidade irrefletida que vem reinando há tanto tempo e
hoje seus excessos e profanações são dolorosamente ostensivas para qualquer pessoa atenta.
Melhor avançamos no espírito do tempo ao admitirmos o feminino em nossas vidas e em nossos
corações, em nossas estruturas sociais e instituições políticas. Mas o patriarcado é notoriamente
resistente a mudanças e na mitologia grega ele é muito bem representado pela figura de Cronos-
Saturno, o ogro recalcitrante e estático que devora sua própria prole ao menor sinal de ameaça
a seu governo hegemônico2. Talvez o combate direto não seja a melhor resposta; ao contrário,
nós devemos, como Zeus colocando em prática os planos de Rhea, sobrepor-se ao tirano em
astúcia e iludi-lo a liberar todas as formas de vida plurais e diversas – as feminilidades perdidas
e as masculinidades “alternativas” – que ele sistematicamente devorou. Estamos agora
engajados em uma corrida contra o tempo. (E em mais de um sentido: do grego chronos tem-se
o tempo). Conseguiremos nos opor ao tirano ocidental antes que ele devore tudo?
Conseguiremos ganhar de volta nosso sentimento, nossa intuição e nossa alma antes que o
“progresso” patriarcal nos conduza a uma terra espiritual devastada e irreversível?
Conseguiremos proteger a ecologia ambiental, a biosfera e o próprio tecido da vida na Terra dos
rompantes da sociedade de consumo? Cronos-Saturno seguirá em seu curso devorador,
engolindo o feminino e convertendo todas as masculinidades à semelhança de si próprio a
menos que consigamos romper com seu ciclo de poder, conquista e dominação.

2
A melhor e mais viva fonte para estudo dos mitos gregos clássicos ainda é K. Kerenyi, The gods of the
greeks (1951), London: Thames and Hudson, 1976. Para Cronos-Saturno, ver capítulo 2.
Não há novidade no fato de estudos junguianos se dedicarem à problemática da
masculinidade contemporânea. Desde que João de Ferro: um livro sobre homens3 de Robert Bly
explodiu na cena internacional, temos testemunhado uma verdadeira avalanche de textos
junguianos ou pseudo-junguianos que tentam “resolver” a crise da masculinidade. Mas mesmo
que essa nova tradição de escrita “mitopoética” sobre homens seja frequentemente criativa e
esteja sempre em alerta para a situação crítica da masculinidade contemporânea, considero-a
muitíssimo insatisfatória. Basicamente, para mim, esta nova tradição é reacionária,
conservadora e retrógrada. Ela pergunta de que modo os homens podem recuperar o equilíbrio
anterior e não de que modo podem descobrir um equilíbrio novo e pós-patriarcal. Tal busca
assume que os homens devem se reconectar com arquétipos masculinos e por isso inventa
termos como “Homem Profundo” e “Guerreiro Interior” para remitologizar este novo pacto com
a masculinidade. Mas a mentalidade “terapêutica” do conserto rápido corre o risco de perder
de vista a questão cultural mais importante de nosso tempo: a masculinidade patriarcal que
deve ser desafiada e deslocada pelo princípio feminino. Se os homens se “curarem” dessa crise,
se Saturno permanecer em seu reinado, então estaremos ainda piores, coletivamente, do que
estávamos antes. O patriarcado não é meramente uma entidade abstrata “longe de nós”; foi ele
quem nos proveu com os fundamentos emocionais mais profundos da construção da
masculinidade tradicional. Deve-se admitir aos homens o sofrimento da dor da desintegração
de seus papeis e suportes prévios e o colapso do patriarcado deve ser genuinamente registrado
em cada coração individual. Temos terapias demais que buscam entorpecer a dor, curar feridas,
“iniciar” homens em constructos patriarcais caducos e construir pontes para abreviar a distância
(necessária) entre pais e filhos. Por causa de todo esse amortecimento vindo de mitopoéticas e
terapias “de ajuda” – Connell as chama de “terapia da masculinidade”, onde a masculinidade
partida é depositada para reparo4 –, estamos correndo o perigo de empregar psicologia
profunda para enganar a psique e asfixiar suas cruciais transformações.
Neste livro, desejo partir de onde Andrew Samuels já havia começado, isto é, de uma
repossessão da teoria junguiana em nome de causas sociais e políticas progressivas ao invés de
causas retrógradas5. Nas décadas de 70 e 80, James Hillman também trabalhara neste projeto:

3
Robert Bly, Iron John: A book about men, Reading, Mass: Addinson-Wesley, 1990.
4
R. W. Connell, Masculinities, Berkeleu,, Cal.: University of Caifornia Press, 1995 and Sydney: Allen &
Unwin, 1995, p. 13.
5
Ver especialmente Andrew Samuels, The political psyche, London: Routledge, 1993; The plural psyche,
London: Rouledge 1989; The father: contemporary jungian perspectives, New York University Press, 1986;
e Jung and the post-jungians, London; Routledge, 1985.
desconstruindo o forte ego ocidental, aprofundando a dor psicológica em suas fontes
mitológicas, ao invés de opor dor às suas curas açucaradas, promessas ilusórias ou fantasias
mandálicas de “totalidade”6. Já existe uma importante tradição de escritos junguianos sobre a
masculinidade que é politicamente progressista e intelectualmente arrojada7, mas estes escritos
estão praticamente solapados pelos blockbusters junguianos simplistas e populares. A questão
que devemos nos fazer é a seguinte: a teoria junguiana deve ser usada para encorajar a mudança
ou para escapar da mudança? Já há um bom tempo venho notando que Jung, assim como Freud,
Heidegger ou Nietzsche, pode ser usado tanto para ultrapassar seu tempo quanto para trair seu
zeitgeist em uma recuperação nostálgica do passado. Na tradição psicanalítica, nós temos uma
“direita” freudiana e uma “esquerda” freudiana: a primeira lê Freud como um astuto e ardiloso
arqui-conservador, explorando o inconsciente somente com o intuito de recuperar as formas da
sociedade patriarcal, enquanto que a segunda vê o Grande Homem como um revolucionário
psicológico e político, um fundador de uma crítica psicossocial que deve inequivocamente
mudar o mundo8. Por causa da “estabilidade” ilusória e da suposta “atemporalidade” dos
arquétipos, Jung mostrou-se atraente aos oponentes conservadores da mudança e assim as
possibilidades revolucionárias da teoria junguiana foram negadas.

OTIMISMO TOLO E TRUQUES DE MÁGICA COM ARQUÉTIPOS

A teoria dos arquétipos é frequentemente encabeçada por humanistas “esclarecidos” e por


terapeutas que já viram suficiente mudança social – e até mesmo eventualidades clínicas de
mudança – e que desejam fazer o relógio cultural voltar cinquenta ou até cem anos no passado
para proteger homens do caos e do sofrimento dos tempos modernos. Os arquétipos junguianos
são vistos, muito erroneamente, como elementos fixos e estáveis firmados em uma mente
imutável e eterna. Precisamente quando as fundações do patriarcado começam a ser
balançadas, e quando o potencial para mudança real está em seu ápice, muitos junguianos

6
Ver especialmente James Hillman, The myth of analysis (1972), NY: Harper & Row, 1978; Re-Visioning
Psychology (1975) NY: Harper Perennial, 1992; e The dream and the underworld, NY: Harper & Row, 1979.
7
Peter Tatham, The Making of Maleness, London: Karnak Books, 1992; Peter O’Connor, The inner man,
Sydney: Pan Macmilian, 1993; James Wyly, The Phallic Quest, Toronto: Inner City Books, 1994; William
Doty, Myths of masculinity, NY: Crossroas, 1993, Robert H. Hopcke, Jung, Jungians and Homosexuality,
Boston Shambala, 1989.
8
Ver Anthony Elliott, Psychoanalytic Theory, Oxford: Blackwell, 1994.
(analistas qualificados, entre outros) despejam best-sellers que prometem “arquétipos” estáveis
(leia-se “estereótipos”) para a identidade de gênero:

Como estudantes de mitologia humana, e como junguianos, nós acreditamos que há


uma boa nova para os homens... Nossa experiência diz que dentro de cada homem
existem rascunhos, que nós também chamamos de “hard ware”, para uma
masculinidade madura calma e positiva9.

Em tempos de desintegração patriarcal, formas e figuras externas de “masculinidade positiva”


não podem ser achadas em nenhum lugar, mas não temamos! Pois a “boa nova” é de que nosso
inconsciente, chamado de “hard ware” (uma frase típica de um “homem real”, designada para
ganhar a confiança de leitores homens), vai cuidar de nós. Contudo, nestes “tempos sem pai”10,
nossos próprios pais humanos e figuras paternas “talvez não possam corresponder às nossas
expectativas”11, há um ideal, absolutamente nutridor, Pai completamente amoroso, que deve
ser encontrado dentro de nós mesmos12. Na linguagem junguiana popular, há uma visão
desesperadoramente não-realística das experiências psicológicas. Essa literatura vende ilusões
e explora a tendência das pessoas a seguirem conselhos psicológicos. O patriarca-rei, Saturno,
pode ser impotente, e sua contraparte judaico-cristã, o invejoso Deus-Pai (que não aceita
existirem outros deuses antes Dele), pode estar morto, mas o junguianismo messiânico new age
promete um novo tipo de Pai onipotente, uma nova versão da “boa nova” para o homem
moderno. O velho Deus tomou conta de nós desde seu ponto de vantagem no céu, mas o novo
Deus está aqui embaixo, retratado como uma espécie de benevolência barbada que vive no
inconsciente.
O junguianismo popular se degenerou em um sistema de fantasias new age em que tudo
o que falta na sociedade ou na experiência pessoal é provido pelo “hard ware” sempre confiável
(e nunca falível) do inconsciente. Robert Bly, testemunhando os homens se tornando “moles”
através do contato com o feminino, reúne homens para embrutecê-los através de uma
“descida” ao inconsciente para re-acordar o chamado “Selvagem Peludo”. Robert Moore e
Douglas Gillette, notando que estes modelos estereotípicos para homens estão se

9
Robert Moore e Douglas Gillette, King, Warrior, Magician, Lover, San Francisco, Cal.: Harper Collins,
1990, p.7-9.
10
Este é o título do capítulo 4 de João de Ferro de Robert Bly, e virtualmente um artigo de fé do
movimento mitopoético de homens.
11
Moore e Gillette, op. Cit., p. 10.
12
Ver capítulo 2 deste livro para um exame do pai idealizado do movimento de homens.
desintegrando e perdendo credibilidade, usam a teoria dos arquétipos para convencer os
homens de que confiáveis modelos antigos, o Rei, o Guerreiro, o Mago, o Amante, poder ser
novamente encontrados no inconsciente profundo. Compilações e manuais (novamente
designados para atrair o leitor homem “prático”) são produzidos para liderar homens em uma
recuperação passo-a-passo dos modelos patriarcais partidos13. Guy Corneau e Alfred Collins,
atentos para o abismo doloroso entre pais e filhos, entre velhos patriarcas a juventude rebelde,
inventaram novos arquétipos como o “Paifilho”, e conjuraram outros truques junguianos
mágicos de sua cartola para afastar todos os abismos e rupturas14. Gregory Vogt insiste que o
Filho Perdido pode, se ele assim desejar, retornar para o seio do Grande Pai15. Com o poder dos
arquétipos, a realidade pode ser repaginada e remodelada para melhor atender aos desejos de
qualquer agenda de fantasias.

MOVIMENTOS CONTRÁRIOS: ABRAÇAR O PAI E MATAR O PATRIARCADO

Segundo Robert Bly e o círculo mitopoético, “O Que Os Homens Realmente Querem”16 é tornar-
se uno com o pai e ser iniciado em seu mundo. Eles falam sobre esta “iniciação” como uma
realização do desejo, um sentido quase que intoxicante de pertencimento e profunda
reparação. Mas eu leio esta psicologia barata como anti-psicológica; ela não dá aos homens de
forma alguma o que eles realmente querem; elas tão somente atendem ao anseio regressivo de
um paraíso patriarcal infantil e inconsciente, repleto de idealizações infantis sobre o pai que
qualquer freudiano imediatamente saberia reconhecer. Em tempos de mudança de época e
transformação, os filhos não devem simplesmente repetir o padrão tradicional e se tornarem
parte da tribo do pai. Os filhos devem começam algo de novo, reconstruir o mundo e repaginar
sua política, e os filhos mais criativos devem ainda se tornarem eles mesmos “pais”, e não
simplesmente se engajarem em um “Retorno ao Pai” convencional, que somente sucede ao dar

13
Tais cadernos e manuais incluem The King Within, The Warrior Within, The Magician Within, etc, todos
escritos por Robert Moore e Douglas Gillette e publicados por Avon Books, New York.
14
Guy Corneau, Absent Fathers, Lost Sons, Boston: Shambala, 1991; amd Alfred Collins, Fatherson: A self
psychology of the archetypal masculine, Wilmette, Ill.: Chiron, 1994.
15
Gregory Max Vogt, Return of the Father, Dallas: Spring Publications, 1991.
16
Robert Bly, “What men really want”, uma entrevista com Keith Thompson, originalmente publicada em
New Age Journal, maio de 1982, e repaginada para ser a introdução de João de Ferro. O formato da
entrevista original está preservado em Keith Thompson (ed.) Views from the male world, London: Harper
Collins, 1992, pp. 16-32.
suporte ao patriarcado doentio. Este é um caminho solitário, um caminho que requer coragem
e, acima de tudo, requer que os homens se comprometam com o espírito criativo do presente
e com o sonho do futuro, e não simplesmente o espírito do passado.
O movimento popular de homens influenciado por Jung teria feito com que todo homem
descobrisse que ele é “realmente” apenas seu próprio pai em uma nova roupagem geracional.
“Meu Deus”, dizem os novos graduados nos campos de iniciação de João de Ferro, “Eu sou
simplesmente uma versão mais nova do meu próprio Pai!”. E então, após esta descoberta, eles
já podem voltar a dormir pacificamente, de volta à inconsciência patriarcal, sentindo-se
consideravelmente melhores agora como homens “iniciados”, menos estressados, menos
solitários e estaticamente ligados ao seu velho e querido Pai. Assim triunfa o tirânico Saturno;
ele consegue replicar-se novamente, assegurando deste modo a continuidade de sua soberania.
No outro lado do espectro, homens engajados no discurso contrário, intitulado de Estudos de
Homens Pró-feministas, planejam formas de destronar o patriarcado, derrotar a autoridade
paterna e tornar impotente o Pai Devorador de nossa cultura. Esse discurso primariamente
acadêmico, baseado no feminismo, no marxismo e no fervor revolucionário, procura libertar os
homens por meio do assassinato do pai17. Para esta tradição intelectual, nenhum pai significa
liberdade; não obstante, para a tribo mitopoética, nenhum pai significa um isolamento
inconsolável e um inferno psicológico.

PARA ALÉM DE JOÃO DE FERRO E ÉDIPO: ENCONTRANDO UMA NOVA RELAÇÃO COM O
FEMININO

Tenho coisas em comum com ambas as tradições, mas não advogo em favor de nenhuma delas.
Minha oposição à “mitopoética” já está clara: ela confunde nostalgia com inspiração criativa, ela
se engaja em falsas idealizações do pai e seu olhar é obsessivamente pessoal, internalizado e
retrógrado – e frequentemente homofóbico também. Por outro lado, acho os estudos
acadêmicos sobre masculinidade muito matizados com cores edipianas. Há ênfase demais na
confrontação direta, “violência revolucionária”, em assassinar o pai ao invés de enganá-lo ou de
deslocar sua autoridade. Neste motivo mitológico que tanto me interessa, Saturno não é
assassinado, mas simplesmente “desprovido de sua autoridade” pela força e ardilosa astúcia de
Zeus18. Muitos acadêmicos radicais querem matar o pai. E a seguir, o que pretendem fazer?
Quando o pai for morto, encontramo-nos inconscientemente retornando para a mãe, para o

17
Para referências aos estudos acadêmicos de homens pró-feministas, ver referências no capítulo 2.
18
Kerenyi, op. Cit., p. 23.
infantilismo, a saciedade e a autodestruição no paraíso artificial da fonte maternal. A “defesa do
feminino” em muitos dos chamados estudos de homens pró-feminismo é, na verdade, uma
idealização inconsciente da mãe e uma identificação com seu mundo arquetípico. Em alguns
escritos pró-feministas, o pênis é vinculado ao estupro, a masculinidade sinônima de violência,
hombridade como violação de uma natureza inatamente feminina e, de fato, a masculinidade
em si não é mais do que uma abominável ficção ou constructo que a política “progressista”
almeja destruir. O Complexo de Édipo não é uma solução real para a crise da masculinidade,
porque a masculinidade não deve nunca fundir-se com a mãe. Se tal fusão ocorresse, a
masculinidade cairia na inconsciência, e então poder-se-ia esperar erupções compensatórias e
explosões de uma masculinidade primal, quando não fascista. Ironicamente, o assassinato
radical do pai poderia trazer uma regressão sócio-política mais aterrorizante do que uma
idealização “reativa” do masculino.
A tradição do João de Ferro é basicamente Toda-Fálica, enquanto que os discursos anti-
masculinistas contrários são Não-Fálicos. Por que não conseguimos ter o falo sem recorrermos
a idealizações terríveis ou a demonizações eivadas de culpa? Nós precisamos desmontar e
desfazer o patriarcado e, ao mesmo tempo, desenvolver novos sentidos e metáforas para a
masculinidade, que não pode mais ser construída como o “inimigo” de homens e mulheres. Eu
honestamente acredito que nós precisamos achar uma “terceira via” ou um “caminho do meio”
entre os extremos da nostalgia patriarcal (João de Ferro) e a identificação matriarcal (Édipo). O
zeitgeist nos insta a defender o feminino, mas o desenvolvimento da masculinidade nos força a
nos diferenciarmos de nossas mães. A resposta para este dilema pode ser achado, penso eu, em
um comprometimento masculino à alma feminina, ou anima. Após libertar-se do inconsciente
materno, o herói clássico nota que ele precisa subordinar-se a uma forma mais elevada de
feminino, inspiradora, amada, a Dama Alma. Creio que esta é uma tarefa a que os homens
contemporâneos são chamados a assumir responsabilidade.
O herói pós-moderno ou pós-patriarcal não precisa lançar-se a uma jornada e voltar para
a mãe, mas todo suposto herói contemporâneo precisa estabelecer um genuíno compromisso
com a alma feminina, como cura última para seu narcisismo e infantilismo masculino. Muitos
discursos acadêmicos sobre a masculinidade vêem o chamado à feminilidade através das lentes
do Complexo de Édipo, do autossacrifício culposo ou da mutilação da consciência (no mito, o
ato de rasgar os próprios olhos). Esta é uma leitura literalista, mórbida e destrutiva do espírito
feminino dos tempos. Em minha visão, os homens devem continuar a se diferenciar da
consciência maternal de modo que os arquétipos femininos possam ser devidamente servidos
e atendidos por uma consciência sensível e revigorada. Paradoxalmente, o espírito feminino de
nosso tempo exige que o masculino seja ainda mais desenvolvido para que uma consciência
mais elevada possa perceber a enormidade do desafio inerente à atenção integral (masculina e
feminina). Neste livro, debato continuamente em favor de uma atenção paradoxal e não-literal
dos problemas da masculinidade contemporânea. É através deste paradoxo e da constante
consideração dos pontos contrários de vista que descobrimos um caminho do meio para nossos
dilemas culturais.

ESPIRITUALIDADE E POLÍTICA: ETERNIDADE E TEMPO

Segundo William Blake, “A eternidade está apaixonada pelas produções do tempo”19. Ah, se isso
fosse verdadeiro em nosso próprio tempo! As pessoas de nossa era que estão “apaixonadas”
pela eternidade seguem para os arquétipos junguianos, os mitos, a espiritualidade e as religiões.
Isto é, elas se retiram do tempo e adentram em um espaço arquetípico ou mítico. Elas seguem
rumo aos perímetros externos do mundo conhecido, na proximidade dos distantes reinos do
espaço exterior e do que é chamado pela astrologia de “planetas lentos”. Este mundo remoto é
belo e encantador, mas não muito parece acontecer lá: asteróides só passam próximos de nós
a cada 600 anos. As pessoas que se atraem pela eternidade precisam ser arrastadas de volta
para o tempo, caso contrário a própria realidade se desintegraria em uma espécie de fumaça
cósmica. Como Jung colocaria: “a realidade tem de ser protegida do estado onírico arcaico,
‘eterno’ e ubíquo”20, e o mundo egoico fortalecido em face ao encantamento da inconsciente
coletivo.
Se abandonássemos a gestão do mundo político na mão dos buscadores da eterna
sabedoria, dificilmente qualquer progresso seria alcançado em termos de estrutura social e
experiência vivida porque a sociedade constantemente pareceria pálida em comparação à
atração hipnótica da morosa engrenagem cósmica. A espiritualidade tem uma tendência inata
a querer escapar dos limites do real, mas se a espiritualidade for autentica e socialmente
transformadora, esta tendência inata precisa ser reprimida e a espiritualidade precisa ser
politizada e ligada ao social e ao processo histórico. Desta perspectiva intelectual, qualquer
experiência humana é produto de sua cultura, então, dessa forma, se o discurso espiritual
universalizante falha em engajar-se no campo da realidade social, ele não possui qualquer
credibilidade. Se os discursos espirituais populares de inspiração junguiana não forem
firmemente aterrados do real, eles poderão ser prontamente, e talvez até rigidamente,

19
William Blake, “Proverbs of Hell”, em The Marriage of Heaven and Hell (1793), in Geofrey Keynes (ed.)
The Complete Writings of William Blake, Oxford Uniersity Press, 1976, p. 151.
20
Jung, “The self”, Aion (1951), CW 9, ii, par. 47.
descartados pelos críticos hostis como temas inócuos, tendo pouca ou nenhuma consequência
política.
Um caso em questão é a obra do bastante conhecido popularizador de ideias junguianas
Robert Johnson. De certa forma, Johnson é um admirável escritor espiritual: acessível, poético,
sugestivo, profundo. Após sua leitura, seus trabalhos parecem ressoar na mente por muito
tempo. Ele tornou-se popular e um verdadeiro sucesso comercial por mesclar uma prosa direta
e simples com uma linguagem encantadoramente estranha e uma voz universalizante e didática.
Mas Johnson está tão enamorado pela eternidade dos arquétipos que parece escrever como se
política, estruturas sociais e o processo histórico não existissem. Sua “imensidão” e
profundidade o levam para longe da realidade, em direção a um reino mítico em que o tempo é
medido em pacotes de 800 anos ou mais. De modo que não estranharia se Johnson nos dissesse
que a versão do século XX para o mito do Graal contém a “prescrição espiritual para o nosso
tempo”21. Com alarmante ingenuidade, Johnson escreve He, She e We como se a experiência de
gênero não tivesse se alterado em basicamente nada desde o tempo do Rei Artur e dos
Cavaleiros da Távola Redonda22. A visão de Johnson é de que o Homem é essencialmente
provedor, aventureiro, herói, o “parceiro ativo”; enquanto que a Mulher é essencialmente
nutridora, domesticada, do lar e estática.
Já me sentei em meio a várias palestras lotadas e assisti a muitos buscadores espirituais
se hipnotizarem pela mitopoese monotemática de Johnson enquanto que uma quantidade de
espectadores mais politicamente conscientes ficava visivelmente incomodada e francamente
irritada com sua cegueira social e sua incapacidade de sustentar um olhar político para o mundo.
Observar a esses comportamentos opostos na sala é como testemunhar minha própria resposta
contraditória à mitopoese: uma parte de mim fica maravilhada, já a outra parte fica horrorizada.
Mas quando escutamos atentamente à visão conservadora de Johnson e a visão estranhamente
rígida de experiência de gênero, nós notamos sim que ele de fato é filho de nosso período
geológico, que ele está simplesmente oferecendo uma roupagem glamurosa e mitopoética para
padrões de gênero absolutamente antiquados e estereotípicos. Ele possui o talento de fazer o
banal e o ordinário soar miraculoso ao adorná-lo com atitudes convencionais por meio do manto
do mito. O problema de fitar constantemente para os astros lentos é que nós eventualmente
nos tornamos sugados pelas suas profundezas místicas e nos tornamos desatentos para as

21
Robert Johnson, He: understanding masculine psychology (1974), NY: Harper & Row, 1977, p. 7.
22
Robert Johnson, She: understanding feminine psychology (1976), NY: Harper & Row, 1977; The
psychology of romantic love, Lonon: Routledge & Kegan Paul, 1984.
mudanças, irrupções e revoluções que seriam patentemente óbvias para todo o resto das
pessoas.
Os problemas opostos comparecem em discursos muito mais radicais e acadêmicos.
Aqui, a vida é vivida sobre a superfície de um mundo bastante acelerado. Intelectuais
progressistas às vezes antecipam grandes mudanças sociais a partir de uma convenção nacional
ou esperam que conferências de três dias mudem o mundo. Eles escrevem livros com título
como Slow Motion ou Backlash, reclamando sobre a velocidade das mudanças23. Por que a
mudança não haveria de acontecer rapidamente? Um número considerável de acadêmicas
feministas resignou-se a combater o pessimismo derrotista, convencidas de que “o
comportamento dos homens é terminantemente imutável e inevitavelmente coercitivo”24. O
olhar político feminista se volta para a masculinidade tradicional e somente consegue ver a
figura estática e destrutiva de Cronos-Saturno, e sabe que nosso tempo está se esgotando. Não
obstante, a mudança está ganhando lugar e, como Lynne Segal escreveu, “Os homens podem e
vão mudar”25. Há esperança e, apesar de tudo, todos os homens podem se afastar do campo
gravitacional de Saturno por tempo o bastante para permitir que uma mudança substancial
tome lugar tanto na psique quanto na sociedade.
O problema com o discurso intelectual conjectural é que ele falha em ver a extensão a
qual os arquétipos ou os “astros lentos” influenciam nossa experiência vivida. Muitas das
sociologias da masculinidade e das teorias de gênero me soam desesperançosamente
inadequadas; elas pedem por mudança e demandam desprendimento instantâneo da
estereotipia sem sequer começar a reconhecer os poderosos arquétipos que regulam nossas
vidas – e, diga-se de passagem, cada vez mais fortes por não estarem no campo de visão dos
intelectuais. Não nos espanta que esta sociologia fácil se frustre com os sujeitos que aborda,
porque ela é pensada para ver o quão desesperançosos são seus métodos para acessar as
questões centrais e para se ir à raiz do problema. É espantoso o quão frequente nos é dito que
a masculinidade é meramente um constructo da sociedade que pode ser explodido
simplesmente se pararmos de acreditar nele. Trata-se de um positivismo social e uma
consciência extrovertida que enlouqueceu, completamente desatenta a suas próprias limitações
e acreditando arrogantemente nas premissas de sua própria teoria social. Como poderiam

23
Lyn Segal, Slow Motion: changing masculinities, changing men, London: Virago, 1990; Susan Faludi,
Blacklash: the undeclared war against women, NY: Crown, 1991.
24
Segal, op. Cit., p. xii. Esta não é a visão de Lynne Segal, mas sua caracterização de uma certa tradição
pessimista de escrita.
25
Segal, op. Cit., p. xiii.
teorias sobre o mundo humano dispensar ou ignorar as imensas contribuições de Freud ou Jung?
A menos que a dimensão profunda seja levada em consideração, a ciência política e social
permanecerá frustrada e permanecerá frustrando, o testemunho somente de maquinações de
um intelecto arrogante.
No que se refere aos junguianos – especialmente os junguianos populares –, eles
também têm muitíssimo a aprender. As “profundezas” que os interessam não são
artificialmente removidas das “superfícies”. Os arquétipos alcançam o tempo e formam a exata
base do processo histórico. De acordo com Jung, os arquétipos nunca podem ser compreendidos
em si próprios, mas são sempre conhecidos por meio de “imagens arquetípicas” que tramam o
tecido da história, do tempo e da sociedade. A separação convencional entre superfície e
profundeza é, portanto, inteiramente falsa na medida em que profundeza e superfície são, na
verdade, dois modos de olhar para uma única realidade. Se somos mais atraídos pelo pano de
fundo arquetípico ou pelo primeiro plano sociológico é mais uma questão de gosto pessoal e de
tipo psicológico do que algo da natureza da realidade. Concordo plenamente com James Hillman
e Andrew Samuels de que o entendimento junguiano de “mundo interior” precisa ser
inteiramente revisto26. Para Hillman, o constante privilégio do “interior” transformou gerações
inteiras de amantes de terapia em analfabetos políticos27. Samuels discute interessantemente
que a vida interior não está hermeticamente selada da cultura e da sociedade, mas que nossa
psique é uma “psique política”, intimamente parte e importante protagonista do mundo dos
eventos políticos. Se a “eternidade” está apaixonada pelas produções do tempo, então um
paradigma holístico emergente precisa aprender a unir um pano de fundo arquetípico a um
primeiro plano sociológico, o que significa que a espiritualidade e a política precisam começar a
dialogar.

AS PERIGOSAS SENTIMENTALIZAÇÕES DOS “SENTIMENTOS DOS HOMENS”

Outro dualismo que precisa ser subvertido é aquele que separa a razão do coração. Na
experiência masculina contemporânea, isto é um problema particularmente urgente.
Especialmente do meio da vida em diante, homens que repentinamente descobriram os

26
Um artigo interessante sobre a revisão de “interno” e “externo” em Samuels e Hillman pode ser
encontrado em Dolores E. Brien, “Challenging the boundaries: James Hillman and Andrew Samuels”, The
round table review (Pennsylvania), vol. 3, no. 2, December 1995, pp. 1-11.
27
James Hillman, We’ve had a hundred years of psychotherapy and the world is getting worse, San
Francisco, Cal.: Harper Collins, 1993.
sentimentos de seu coração são passíveis de decidir que a “cabeça” é saturnina, estática, má, e
que a vida fluída do coração deve ser a única fonte de verdade. Os homens que se lançam em
um caminho espiritual sempre se tornam anti-intelectuais, agressivamente contra a "teoria" e
comprometidos com um culto de "experiência". O intelecto e a vida da mente são às vezes
sentidos como partes do "falso eu" que o homem questionador deixa para trás para alcançar a
"autenticidade". Um culto ao sentimento surgiu nos discursos populares sobre homens e este
culto tem sido ativamente encorajado por alguns terapeutas partidários deste “estilo novo” que
acreditam que somente eles podem orientar os homens a sentir o que está dentro de seus
afetos. O primeiro mandamento deste novo culto ao sentimento é: tu serás salvo pelo
sentimento. Há um tom verdadeiramente salvacionista neste culto do “estilo novo”, e uma
espécie de alegria e maravilhamento infantil pode surgir em homens que de repente fizeram
contato com sua vida de sentimentos reprimidos.
Não há muito que possamos fazer sobre isso, porque esse sentimento indiferenciado é
simplesmente onde muitos homens conseguem "estar" no momento. Após a longa seca que foi
(e ainda é) o condicionamento patriarcal de supremacia, atualmente estamos envolvidos em
uma fase "úmida" da experiência masculina ocidental. No entanto, dificilmente podemos
esperar que os outros absorvam essas grandes doses de sentimento e os homens não devem
esperar que todas as audiências sejam receptivas às suas expressões catárticas. Infelizmente,
em uma sociedade em que muitos homens são exageradamente formais e ainda presos à
própria mente, a “libertação dos homens" tem o hábito irritante de representar-se como o
descarte ou a "transcendência "da mente.
O sentimento intoxicante que muitas vezes emerge nos homens em terapia e/ou grupos
de conscientização é difícil de conduzir ou educar, e as tentativas de fazer descansar esse
sentimento de suas invectivas contra a realidade podem resultar em recriminações amargas e
feridas. No entanto, a euforia inicial é autolimitante, porque após a libertação extática vêm
sentimentos de ressentimento e agressão. Os homens repentinamente se percebem irritados
por um sistema patriarcal que os ensinou a reprimir seus sentimentos e que representava
sentimento e emoção como fraquezas femininas. Os homens repentinamente se sentem
enganados por seus pais que lhes forneceram um modelo repressivo, perturbados pela
consciência de que nenhum vínculo afetivo ou sentimental os liga a seus pais e ficam ansiosos
para buscar reparação e ressignificação. Os pais reais ou substitutos são procurados e os
sentimentos transbordam de maneiras que ninguém poderia antecipar. O homem controlado
de forma rígida é, de repente, um coração que sangra, que, alternativamente, produz êxtases,
depressão e raiva.
Muito rapidamente, essa raiva masculina pode ser canalizada em atividades políticas
contra as mulheres, o feminismo e o progresso social. Os chamados "grupos de conscientização"
dos homens podem facilmente se transformar em camarilhas misóginas se essa raiva recém-
expressa não for integrada e corretamente compreendida. Eu testemunhei esse processo
quando do meu envolvimento nas reuniões de libertação dos homens. No início da década de
90, um grupo de homens locais estava muito interessado por Robert Bly, os arquétipos
mitológicos de Jung e o "espírito masculino". Mais recentemente, esse mesmo grupo mudou de
tônica, e fiquei surpreso ao descobrir que aqueles homens que estavam se sensibilizando a
poesia e conto de fadas estão agora falando sobre "direito dos homens" e "igualdade para os
homens", promovendo o The Myth of Male Power de Warren Farrell28 e criticando o que eles
chamam de "propaganda feminista" nos jornais locais e nos setores governamentais. Em uma
reunião pública em 1993, a atmosfera mental era tão claustrofóbica e intolerante ao desafio
feminista aos homens que fui forçado a deixar da reunião, fazendo uma cena ao sair. Senti-me
confuso, ferido e desapontado, mas também muito mais sábio a respeito da escuridão no
coração dos homens e do desenvolvimento popular do sentimento fascista.
Quando energia e emoção são libertas em homens reprimidos, o que emerge do
inconsciente não é, de modo algum, bondade e luz. Há um grande transbordamento do que Jung
chama de sombras e o que a religião chama de mal, e se a escuridão não é aceita, reconhecida
pelo que é e transformada por uma cosmologia ou uma religião suficientemente capazes de
contê-la, a escuridão simplesmente se derrama no mundo, e todos os tipos de figuras e forças
externas, especialmente as mulheres, tornam-se responsabilizadas pela miséria e angústia dos
homens.
Os homens que realizam viagens superficiais de autodescoberta, ou que não podem ser
incomodados pela escuridão dentro deles, serão particularmente propensos a projeções
negativas e a uma visão "paranóica" do mundo social externo. Muitas das filosofias populares e
das terapias new age hoje prontamente disponíveis não têm espaço para a escuridão ou o mal.
Em vez disso, elas têm uma visão completamente delirante, "leve e positiva", da natureza
humana, e os homens que estão presos nesses sistemas baixos têm poucas possibilidades de
lidar com a sombra ou de integrar sua própria escuridão. A libertação dos homens terá que lidar
direta e honestamente com a realidade da psique e, ao demandar individuação e crescimento
pessoal, muitos homens conseguirão muito mais do que esperavam. Se a individuação, ou o
confronto com o inconsciente, for cortejada, os homens terão de enfrentar o que realmente

28
Warren Farrell, The myth of male power, NY: Random house, 1994.
surgir do inconsciente – quer que isso se adapte ou não ao movimento dos homens, da ideologia
"espiritual" ou das expectativas e gostos populares.

A CULTURA DA TERAPIA E A CULTURA DA ACADEMIA: A DOR E O PODER DOS HOMENS

O estado molhado da experiência masculina contemporânea é repugnante para muitos


intelectuais ressecados, que não gostam de chorar, dos sentimentos úmidos, de coração
sangrentos, confessionários ou buscas anímicas. Os estudos acadêmicos de homens e o
movimento popular dos homens, no entanto, têm mais em comum do que a princípio poderia
parecer. Ambos os grupos habitam um mundo pós-patriarcal e, enquanto a cultura terapêutica
sente o legado de um patriarcado desgastado no coração vazio e na alma sofredora, a cultura
acadêmica pensa em como derrubar as estruturas remanescentes do patriarcado político.
Ambas as culturas terão que se unir em um futuro discurso radicalizante.
Embora ambas se fitem com algum alarme e desdém, a terapia e as culturas acadêmicas
galgaram os extremos opostos de uma mesma situação histórica. A cultura da terapia supõe que
o patriarcado enquanto estrutura de suporte identitária está morto, e se dedica a inculcar uma
"mentalidade de sobrevivência" que ajudará homens individuais na tarefa de reconstruir suas
vidas. Não obstante, a cultura terapêutica não vê que o patriarcado político ainda está muito
vivo e que, ainda que os homens possam sentir-se privados de seus direitos e emocionalmente
à deriva, eles ainda são responsáveis pela autoridade social. Há uma divisão perigosa aqui entre
a realidade psíquica interna (onde todos somos feitos para nos sentir "inferiores" e impotentes)
e a realidade externa (onde Cronos-Saturno continua a governar).
A estrutura acadêmica compreende muito bem o poder hegemônico contínuo dos
homens, mas está cega para o fato de que muitos homens já estão sofrendo, por assim dizer,
antecipadamente (e à frente da agenda feminista), as consequências emocionais da
desintegração do patriarcado como uma realidade psicológica e formadora de identidades. A
cultura acadêmica não pode ver o que acomete os homens que choram: suas lágrimas são vistas
como lágrimas de crocodilo, lágrimas new age, indulgentes e sensíveis, que não possuem
validade e apenas mascaram a realidade de que o homem ainda mantém o poder. "Oh, querido",
disse uma comentarista feminista a Warren Farrell, "então quer dizer que os garotos do poder
estão chorando um pouquinho?"29.
Vivemos em um momento complexo em que temos de chegar a um acordo com o
paradoxo do poder dos homens e da dor masculina. Na minha vida como acadêmico, falo
diariamente a linguagem do poder dos homens. Na minha segunda vida como palestrante e
participante da cultura de terapia, vejo a dor dos homens em todos os lugares e também a sinto
em demasia em mim. Ambos os lados da experiência masculina contemporânea são reais e
ambos devem ser levados em consideração. Não estamos lidando aqui com uma contradição,
mas com um paradoxo, e somente quando o paradoxo não é entendido que o vínculo entre dor
e poder é perdido. Eu diria que a capacidade de sustentar esse paradoxo e a tensão entre o
poder e a dor é o que constitui uma saúde psicológica completa em um mundo pós-patriarcal.
O problema com a ênfase popular na "cura dos homens" é que ela se esquece por que
os homens são feridos em primeiro lugar. Como participante de alguns fóruns terapêuticos, me
encontrei cada vez mais debruçado sobre o ponto de vista acadêmico, fazendo perguntas críticas
sobre a identidade masculina, sentindo-me sufocado pelas abordagens “good vibes” e querendo
apresentar argumentos para a necessária desestruturação da identidade masculina. Comecei a
perceber que, embora os fóruns populares supostamente representem a "dor dos homens", eles
realmente querem superar essa dor, contorná-la, transcendê-la ou livrar-se dela. O líder de um
fórum masculino me disse que seu principal objetivo era fazer com que os homens se sintam
felizes novamente por serem homens. "Não é isso que todos nós temos como objetivo?", ele
questionou, também se perguntando por que eu não juntaria forças com ele em um movimento
unido. Deixei claro que tais clichês ensolarados não eram o que me inspirava a me envolver na
experiência dos homens contemporâneos.
Os discursos populares de cura ou terapia necessitam urgentemente de uma injeção da
perspectiva acadêmica, pois ela traria perspectivas feministas, culturais e sociais, o "quadro
geral" no qual as experiências individuais adquirem significados maiores e históricos. Antes de
reformar a masculinidade, devemos desfazê-la e entender por que ela teve de desmoronar. Em
nossos esforços reformadores, devemos nos tornar autocríticos e ter o cuidado de distinguir
entre masculinidades novas e antigas, diferenciar a nova autoestima da antiga arrogância
masculinista, separar a nova felicidade da velha complacência, diferenciar entre direitos
humanos e privilégios patriarcais. Essas lições estão longe de terem sido aprendidas, e é por isso
que cada líder dos fóruns de homens populares deve a si mesmo e aos seus seguidores se

29
Palavras da feminista australiana Eva Cox em um debate com Warren Farrell em uma televisão
australiana, outubro de 1993.
familiarizar com os estudos acadêmicos de homens pró-feministas, dedicando-se seriamente à
leitura dessas áreas. Em vez de usar o João de Ferro de Robert Bly como um livro de texto, ou o
Fire in the Belly de Sam Keen, os líderes dessas equipes devem se voltar para o Slow Motion de
Lynne Segal ou o Contemporary Perspectives on Masculinity de Kenneth Clatterbaugh30.
Eu acho que se os homens soubessem mais por que eles estão sofrendo, se eles
entendessem melhor as razões culturais, políticas e históricas para sua desorientação, os efeitos
desse aumento de conhecimento só poderiam ser positivos. A bagunça pessoal não é tão
terrivelmente pessoal, e uma visão criativa, ao invés de sentimentos de culpa, poderia ser mais
bem mobilizada. Jung coloca tal ponto muito bem:

Se as conexões entre problemas pessoais e grandes eventos contemporâneos são


discernidas e compreendidas, tal entendimento traz libertação da solidão puramente
pessoal e o problema subjetivo é ampliado a uma questão geral da nossa sociedade.
Desta forma, o problema pessoal adquire uma dignidade que até então não detinha.31

Ironicamente, para que os homens contemporâneos adquiram a visão ampliada e contextual


que Jung recomenda, eles precisam ler escritos feministas e de inspiração feminista, e não o
material junguiano popular que negligencia o mundo sócio-político.
O que me alarmou nos últimos dez anos é a divisão profunda que transforma o paradoxo
da força-dor em uma contradição aberta e conflitante. O dogmatismo e o extremismo tendem
a se presentificar naqueles que veem somente um lado do paradoxo e não o outro. Aqueles que
veem apenas o poder dos homens se tornam intolerantes, moralistas, punitivos e tomados por
culpa. É bastante típico analisar uma perspectiva de cada vez, mas quando uma única
perspectiva se enrijece em uma ideologia, acredito que perdemos contato com a verdade.
Nós devemos, acredito, nos mover por entre as duas perspectivas em nossas mentes ao
mesmo tempo. A dor dos homens e o poder dos homens, espiritualidade e política, sentimento
e razão: as reivindicações dos dois lados devem ser sempre examinadas, equilibradas e
confrontadas uma contra a outra. Este é o meu próprio jeito "dialético", é o jeito que usei para
escrever este livro. Em um momento enfatizo mitopoéticas e arquétipos, em outro momento
me preocupo com política e progresso social. Eu percebo que essa abordagem regida pelo deus
Jano pode parecer confusa. No meu curso sobre "Remaking men", alguns dos meus estudantes

30
Kenneth Clatterbaugh (ed.) Contemporary perspectives on masculinity, Boulder, Col.: Westview Press,
1990.
31
Jung, Psychological Types (1921), CW 6, para. 119.
junguianos se perguntaram por que eu estava gastando tanto tempo com sociologia e política
da masculinidade. Por outro lado, alguns sociólogos me colocam no mesmo campo que Robert
Bly e os conservadores junguianos simplesmente porque sou fascinado pelo contexto
arquetípico do problema da masculinidade. Esses problemas com a tipificação e a categorização
devem surgir à medida que nos esforçamos para abrir novos caminhos, para desenvolver uma
espiritualidade da experiência masculina que seja politicamente consciente e uma política de
gênero que esteja atenta para a psicodinâmica e o contexto arquetípico.

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