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Contos Celtas e Nórdicos

Maria Cristina Mariante Guarnieri

Podemos encontrar esse fenômeno em sua mais bela forma entre os primitivos. Seu
país é ao mesmo tempo uma topografia de seu inconsciente. Naquela 'árvore
imponente mora o deus do trovão, naquela fonte mora "a velha”, naquela bosque
está sepultado o lendário rei, naquele vau as mulheres não podem cavalgar devido
à presença de um certo espírito, junto aquela rocha não se pode acender fogo por
causa de um demônio que vive dentro dela, aquele monte de pedras é habitado
pelos espíritos dos ancestrais e as mulheres precisam recitar depressa uma fórmula
mágica para não engravidar, pois o espírito de um ancestral poderia facilmente
penetrar em seu ventre. Todo tipo de figuras e sinais marcam esses lugares e um
temor reverencial circunda o ambiente. Assim que o homem primitivo vive em sua
terra e ao mesmo tempo no país de seu inconsciente. Em toda parte seu
inconsciente lhe vem ao encontro, vivo e real. Como é diferente a relação que temos
com a terra em que vivemos! Sensações totalmente estranhas a nós acompanha o
homem primitivo a cada passo. O que lhe diz o grito do pássaro? Ou o que significa
aquela antiga árvore? Todo esse mundo de sentimentos não está ao nosso alcance e
é substituído por uma pálida satisfação estética. Todavia, o mundo sentimental dos
primitivos não está totalmente perdido para nós. Continua vivo no inconsciente.
Quanto mais nos afastamos dele através de nosso esclarecimento e de nossa
superioridade racional, mais ele recuará, mas tornar-se-á tanto mais potente com
tudo aquilo que cai nele, tudo que é recusado ou excluído por nosso racionalismo
unilateral. (JUNG, Civilização em Transição, par. 44)

É sobre a importância do inconsciente, o modo com ele afeta a consciência que


reforça o quanto contar histórias era importante para os nosso ancestrais, assim como
ainda nos encanta hoje. Contos de fada são histórias da tradição oral, onde há
humanidade, há contos. No conto, assim como nos mitos e nos sonhos, diz Jung
(Arquétipos e Inconsciente Coletivo, p.214), "a alma fala de si mesma e os arquétipos se
revelam em sua combinação natural, como "formação, transformação, eterna recriação do
sentido eterno”.
Em um único ensaio teórico escrito por Tolkien, que originariamente era uma
palestra e não um texto escrito, que foi proferida em 1939, na Universidade de St. Andrews
em ocasião de uma conferência em homenagem ao autor Andrew Lang, o autor propõe
responder à três questões: o que são estórias de fadas? Qual é sua origem? Qual o uso
delas?
Quanto à definição de conto de fadas, Tolkien faz uma busca etimológica, que
apresenta o termo fada como:
• fata (oráculo, predição), derivada de fatum (destino, fatalidade).
• Nas línguas modernas: fada (português); fata (italiano); fée (francês); fairy (inglês); feen
(alemão) e hada (espanhol).
• Na Idade Média, “Fatum” deu origem ao verbo “Fatare” (encantar). Este verbo foi
adotado pela língua italiana, provençal e espanhola. Na França, ela se tornou “Faer” /
“Féer” de onde derivou o substantivo “Faerie”, “Féerie” (ilusão, encantamento)

Tolkien conclui com a observação que as fadas vem de um lugar chamado Feéria -
uma terra perigosa. Feéria é o reino ou estado no qual as fadas tem seu ser, mas também
há muitas coisas: fadas, elfos, anões, bruxas, trols, gigantes, dragões. Abriga os mares, o
sol, a lua, o céu, a terra, árvores, pássaros, água, pedra, vinho, pão, e seres humanas
mortais e encantados. Na maior parte, as estórias de fada são aventuras dos humanos no
reino perigoso e em suas fronteiras imprecisas.
É impossível dar linguagem ao reino das fadas, pois é sua qualidade ser
indescritível, mas sempre perceptível. Os contos são estórias que aborda ou usa Feéria,
algo que pode ser traduzido como Magia, Encanto.
As fadas aparecem como as amadas/amantes, mensageiras de outro mundo
(podem surgir como pássaros, cisnes), ligado ao mistério da morte.
Fada foge as contingências das três dimensões, tem com sua varinha qualidades
maravilhosas, nem os druidas poderiam interferir em sua ação.
Há três sentidos para Feérie : 1° Ilusão ou Encantamento; 2° Terra da ilusão; 3°
habitantes da Terra das Fadas.
Os celtas podem ser considerados a origem dos contos de fadas (Nelly Novaes
Coelho), pois estes provavelmente receberam esse nome devido a importância que esses
seres sobrenaturais tinham nessa cultura. Porém, as histórias, contos e mitos são formas de
explicação para tudo aquilo que nosso ancestrais não conseguiam compreender e com o
que eles precisavam conviver. Algumas questões são levantadas por diversos pensadores
sobre a diferença entre contos e mitos, mas o que podemos dizer é que lidam com padrões
arquetÍpicos, possuem uma estrutura mais elementar e se configuram a partir da cultura
de onde surgiram.

O legado da cultura celta


As fadas nasceram no meio do povo celta. Como uma cultura basicamente de
tradição oral, os Celtas eram povos de família linguística indo-europeia que se localizavam
no Oeste da Europa reunidos em diversas tribos.
Foi pelo encontro da espiritualidade misteriosa dos celtas com a cultura bretã e germânica
que, nas cortes da Bretanha, França e Germânia, as novelas de cavalaria se
“espiritualizaram” (ciclo arturiano); surgiram os romances corteses, o mito do “filtro do
amor” (tomado por Tristão e Isolda); as baladas, os lais (cantigas de amores trágicos e
eternos) e as histórias de encantamento, bruxedos e magias, que, com os séculos e por
longos e emaranhados caminhos, se popularizaram e se transformaram nos contos de fada
da literatura Infantil Clássica.”(Noelly, p.535)

Os celtas surgiram na Europa Central (entre o Atlântico e o Mar Negro) na era do


Bronze (2000 a.C.), provavelmente vindos da Ásia Menor. Eram povos pastores, em busca
de grandes pastos para carneiros, gado e cavalos. Concentraram-se inicialmente na região
do Alto Danúbio (Boêmia e Baviera) e, ao correr dos séculos, por meio de conquistas
territoriais e relações de comércio, espalharam-se por toda a Gália, a Espanha, as Ilhas
Britânicas, a Itália, a Bretanha e a Provença. A maior concentração celta se deu na Irlanda.
Um povo que deificava as manifestações da natureza com divindades agrárias
femininas. A sociedade era hierarquizada; o grupo mais influentes eram os druidas que
assumiam funções jurídicas e religiosas nas tribos. Os celtas tinham a religião com forte
ligação com a natureza, acreditavam em elementos como a transmigração do corpo e
realizavam sacrifícios de humanos e animais. Acreditavam na imortalidade corporal e na
existência de outra vida, para além da terrestre; assim como em um mundo místico
povoado por magos, fadas e espíritos habitantes das águas, bosques e ilhas encantadas,
onde não existe a velhice, nem a morte.
` Não existe um único povo celta; um povo composto de diferentes tribos que
compartilhavam a mesma língua, crenças religiosas, estilos artísticos e tradições. Eram
ligados a magia, ao misticismo e acreditavam que as coisas aconteciam pela vontade dos
deuses, sendo prática comum tentar atrair seus favores por meio de sacrifícios humanos -
ritual que tinha como base a crença de que as vítimas teriam um destino honroso,
habitando para sempre junto às divindades.

Druidas

Os druidas era uma casta sacerdotal que mantinha a ordem social e política coesa. A
imagem recorrente dos druidas os situa em meio aos bosques e florestas - a crença era que
os seus deuses e deusas não habitavam o céu ou o topo de uma montanha, mas as árvores,
rios, córregos e colinas - contempla a existência do divino dentro do mundo físico.
Organizados em três classes com funções que por vezes se sobrepunham:
1. “druidas” que eram os legisladores, os responsáveis pelos ensinamentos de
astronomia, astrologia, magia, medicina e pelo aconselhamento dos governantes.
2. os “vates” ou “ovates”, encarregados das profecias e dos ofícios sacerdotais.
3. “bardos”, guardiões da história e da sabedoria celta por meio da poesia e da narração
de histórias.

Paganismo Celta e a relação com a Igreja

Tudo indica que houve um intercâmbio pacífico entre as duas culturas,


provavelmente devido a força de sua cultura e coesão espiritual. Alguns estudiosos
acreditam que religiosidade celta preparou terreno para a entrada do Cristianismo em
parte da Europa. Segundo os historiadores, a lenta fusão dos rituais pagãos celtas com a
liturgia cristã se deu entre os séculos VI e XI de nossa era. Os próprios contos teriam sido
registrados por muitos sacerdotes e monges cristãos.

Deusa Mãe, ancestral de todos os povos celtas

A importância das divindades femininas se observa nas manifestações da natureza


que eram consideradas sagradas: fertilidade do solo, plantas, árvores, bosque, frutos, rios,
fontes, lagos. A água , considerada grande geradora da vida e de onde surge a figura da
fada entre os celtas.
Os celtas acreditavam na generosidade e fecundidade da deusa mãe, o que torna a
vida possível. Conhecida pelos nomes de Dana, Danu, Dôn ou Anu - conectada com outra
divindade feminina aquática indo-europeia identificada por “Danu”, que deu origem ao
nome do rio Danúbio, que atravessa a Europa do oeste ao leste, e o rio Don, na Rússia.
Há três faces femininas: a virgem, que dá início ao ciclo da vida; a mulher grávida,
representando a fertilidade, a capacidade do feminino em gerar filhos; e a anciã,
completando o ciclo natural e imbuída da sabedoria advinda das experiências da vida.
Também ligada ao adoecimento, morte, imprevisibilidade.

Conto trabalhado: Lis Amarela


Contos nórdicos

Ao olhar para os contos nórdicos, temos a idéia de distância, de brumas, de um


outro mundo que marca esse tipo de conto. Os contos nórdicos são os contos escandinavos
que hoje se refere aos povos conhecido como Suécia, Inslândia, Noruega e Dinamarca, cuja
história é marcado pelos conhecidos Vikings -um povo guerreiro e amigo da navegação.
Os vikings eram formados por homens que saíam pelos oceanos em busca de
aventura, armados e equipados para render outros povos e saquear aldeias e vilas. No
imaginário os vikings (ou “bárbaros” escandinavos) bebiam hidromel em chifres,
avistavam sereias e travavam incríveis batalhas contra titânicos monstros marinhos., com
coragem e espírito de aventura - identidade da virilidade nórdica. O foco é na figura
masculina, na força capaz de correr mundo, intimidar, lutar e conquistar. Mas o retorno era
cuidado pelo feminino, pois a Escandinávia precisava permanecer com ares de um “eterno
lar” para o retorno dos homens.
Na mitologia nórdica, há nove mundos:
1. Midgard: reino dos humanos
2. Asgard: reino dos deuses
3. Niflheim: reino do gelo e do frio, onde se encontram gigantes e anões do gelo.
4. Vanaheim: mundo de repouso dos deuses
5. Svartalfheim: local de moradia dos deuses subterrâneos,
6. Jotunheim: reino dos gigantes
7. Nidavellir: reino dos anões
8. Muspelheim: reino do fogo
9. Álfheim: reino dos elfos, seres mágicos de aparência humana e enorme beleza.

Frigga é a deusa da fertilidade e mulher de Odin - maior dos deuses nórdicos, deus
da guerra e da morte, sábio. Frigga é representada como mãe, guerreira e sábia que
conhece os segredos dos homens, mas não os revela. Seus símbolos são a roca, o fuso e as
chaves, que significam a duração da vida e a sabedoria.
Ragnarök, traduzido do nórdico antigo, significa “consumação dos destinos dos
poderes supremos”, representa a escatologia nórdica, marcada por uma série de eventos
que conduziriam ao fim do mundo. A palavra significa destino, referindo-se à última e
decisiva batalha dos deuses contra os seus inimigos.
Conto trabalhado: As Crianças trocadas
Referências:

Coelho, Nelly Novaes. O conto de fadas: símbolos, mitos, arquetipos. Paulinas. Edição do
Kindle.
Os melhores contos de fadas celtas / curadoria de Marina Avila; vários tradutores,
prefácio de Alexander Meireles da Silva. São Caetano do Sul, SP: Wish, 2020.
Os melhores Contos de fadas nórdicos. curadoria de Marina Avila; vários tradutores,
prefácio de Lícia Dalcin. São Caetano do Sul, SP: Wish, 2019.
Tolkien, J.R.R. Árvore e Folha. Tradução de Reinaldo José Lopes. RJ: Harper Collins Brasil,
2020.
Langer, Johnni (org.). Dicionário de Mitologia nórdica: símbolos, mitos e ritos. São Paulo:
Hedra, 2015.

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