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MATERIAL EXCLUSIVO PARA LEITORES DA WISH

TROLLS
ELFOS&
NØKKEN’S Criaturas fantásticas
nórdicas
descritas a
partir de
1851
Todos os textos deste material foram pesquisados em
três livros diferentes:

Scandinavian folk-lore : illustrations of the


traditional beliefs of the northern peoples, Sir
William A. Craigie, 1896
Northern Mythology, Comprising The Principle
Popular Traditions And Superstitions Saandinavia,
North Germany, The Netherlands, Benjamin
Thorpe, 1851
Myths of the Norsemen from the Eddas and
Sagas, Hélène Adeline Guerber, 1909

Portanto, podem haver repetições entre descrições,


incongruências ou diferenças de opiniões e conhecimentos
entre os autores. Buscamos as informações completas
em todos para que o leitor possa conhecer uma base em
relação às criaturas nórdicas mais comuns na época
descrita.

Por favor, não divulgue ou compartilhe este


material sem autorização da Editora Wish

Tradução: Carolina Caires Coelho


Diagramação: Marina Avila

Instagram e Facebook: @editorawish


www.editorawish.com.br 2
TROLLS
ELFOS&
NØKKEN’S versão mobile

INTRODUÇÃO1
Em meio aos Fjelds2 da Noruega, o
gigantesco Jutul fez morada, e po-
dem ser encontradas marcas de seus
dedos e de seus pés nas rochas. Ele
usa fragmentos de rocha e pedras
pesadas como armas. Nos espinhaços
mais baixos, o capcioso Troll e a bela
1 De Norskc Folke-Sagn. De Faye. Christiania,
1844.
2 Foi mantida a ortografia nativa dessa palavra
(que significa uma montanha rochosa distante),
para impedir que haja confusão com a palavra
inglesa field (campo) na edição inglesa.

3
Huldra vivem. Em montes e perto de
árvores frondosas, os inúmeros grupos
de elfos sempre estão. Já embaixo da
terra, os pequenos anões habilido-
sos, de braços compridos, fazem seus
trabalhos manuais. No crepúsculo da
noite, Thusser e Vaettir ainda vagam,
e os felizes e desenfreados Nisser
saltitam e dançam ao luar. Nos rios e
lagos está o mortal Nøkken, e pelo ar
se espalha o grupo em polvorosa3 do
Aasgaardsreia, anunciando derrama-
mento de sangue e guerra, enquanto
um Folgie guardião e conselheiro
cuida de cada mortal em sua trajetó-
ria terrestre. Assim reza a tradição,
e que essa crença exista há muito no
Norte pode ser concluído com o relato
3 Na Saga de Orvarodd, c.15, um gigante é
descrito assim: Ele era totalmente preto, exceto
por olhos e dentes, que eram brancos; seu nariz
era grande e aquilino; os cabelos, que desciam
por seu peito, eram crespos como guelras de
peixe, e seus olhos eram como duas poças de
água.

4
de Procópio: “Os Thulites adoram
muitos deuses e espíritos, no céu, no
ar, na terra, no mar e alguns que até
dizem viverem nas águas de fontes e
rios. Constantemente, fazem a eles
todos os tipos de ofertas.4”
A pergunta que naturalmente se
apresenta a nós, ao ouvir essas histó-
rias maravilhosas, é: O que pode ter
dado origem a, e indelevelmente ter
imprimido e desenvolvido na imagi-
nação das pessoas, uma superstição,
que é muito memorável, quando
opiniões parecidas são encontradas
entre a maioria das pessoas no Norte
da Europa?
É provável que a falta de fami-
liaridade com a natureza e seus po-
deres, combinada com o desejo inato
de encontrar um motivo e explicar
os diversos fenômenos naturais, que
todos os dias e todas as horas atraem
4 Geijer, Svea Rikes Hafder, p. 87.

5
a atenção da humanidade, os tenha
levado a ver as causas desses fenôme-
nos no poder dos seres que, como eles
acreditavam, os havia produzido, e
depois se ocuparam com e em suas
próprias produções. Esses fenômenos
eram muito numerosos e diversos
para permitir a imputação deles a
um único ser, e assim, vários seres
sobrenaturais foram imaginados, cuja
perigosa influência e perniciosa ira
tentaram eliminar com sacrifícios e
outros meios.
O trovão que às vezes é ouvido
entre as montanhas, a fumaça e o
fogo que sobem de algumas delas,
a destruição normalmente causada
por um deslizamento ou tremor de
terra repentinos, tudo o que em nosso
tempo é facilmente justificado com
causas naturais, pode, para o cam-
ponês simples, totalmente alheio aos
conhecimentos acerca da natureza
e de seus poderes secretos, parecer

6
sobrenatural, e como os feitos de
Jutuls, Gigantes e seres igualmente
poderosos e malvados, que suposta-
mente vivem nas montanhas, cujas
enormes pegadas e marcas de dedos
são marcas facilmente encontradas
nas rochas.
O medo e a superstição aos pou-
cos tomaram esses seres imaginários
e deram a eles formas incríveis.
Cristais e outras produções na-
turais foram encontradas, que não
poderiam ter sido feitas por mãos
humanas; uma voz, um som, às vezes
era ouvido onde menos se esperava,
fosse um eco ou surgindo de outras
causas naturais, e que agora poderiam
ser facilmente justificadas; passos de
homens foram vistos onde ninguém
tinha encontrado um ser humano;
entre muitas crianças graciosas ha-
via uma deformada, que ou por sua
feiura ou por sua estupidez excessiva
se diferenciava dos outros. Diziam

7
que todas essas coisas deviam traba-
lho a uma causa, e pela ignorância
da natureza, unidas à superstição e à
uma imaginação fértil a ideia sugeria
a si mesma de invocar seres, a quem
todos esses fenômenos poderiam
ser relacionados, e que de acordo
com os lugares onde permaneciam,
eram chamados de trolls da Floresta,
Huldre, trolls da Montanha, Vaettir,
Elfos, Duendes, Nisses, Mares, etc.
A superfície tranquila do mar,
suas profundezas escondidas e imen-
suráveis, as tempestades e a espuma
do oceano agitado, passam uma im-
pressão profunda e frequentemente
incrível na mente humana. Essa sen-
sação, juntamente com as criaturas
extraordinárias do mar que às vezes
são pegas, e os terríveis monstros ma-
rinhos que às vezes são vistos, devem
oferecer aos pescadores ignorantes,
e sua casa isolada, muito alimento
para sua invenção ou imaginação, a

8
ponto de ser quase inacreditável que
não haja mais histórias de tritões,
sereias e outras criações do profundo.
O rugido monótono das quedas
d’água, das rajadas de vento e dos
redemoinhos que tornam nossos
fiordes e rios tão perigosos, e nos
quais muitas pessoas morrem todos
os anos, juntamente com as circuns-
tâncias, que em muitas águas doces,
quando um derretimento ocorre, o
gelo se divide no meio com um baque
temeroso, deixando uma fresta aber-
ta, deram espaço à superstição de se
imaginar as profundezas das águas
habitadas por espíritos do mal, que
todos os anos, pelo menos, exigem
que um ser humano seja dado em
sacrifício e que, com os nomes de
Nøkkens, Grims e Quaernknurrer,
são suficientemente conhecidos.
Quando se sugeriu à imaginação
das pessoas, as montanhas, a terra e
a água com seres sobrenaturais, não

9
poderia demorar para que também
fossem dados habitantes ao espaço
ilimitado acima de nossa cabeça.
Nas inúmeras estrelas, nas figuras
extraordinárias sempre ligadas às
nuvens e à névoa, nas bolas de fogo e
na incrível aurora boreal, no trovão
ressoante e no vento uivando pelos
vales estreitos das montanhas, os não
instruídos poderiam ver e ouvir com
facilidade a passagem dos deuses,
o curso selvagem de Aasgaardreia,
o percurso das esposas de Trolls e,
assim, atrair presságio de tristezas
iminentes. Os raios costumam cair
entre as montanhas mais altas; o que
então pode ser mais razoável do que
a crença de que o deus que se revela
nos trovões e nos raios, o poderoso
Thor, está castigando os demônios
da terra, que vivem nos lugares que
foram atingidos pelo raio?
Malvada e prejudicial ao ho-
mem era a maioria desses seres

10
sobrenaturais, que podem ser vistos
estritamente como poderes personi-
ficados da natureza, e como existe um
nível de obscuridade sobre todo seu
ser, a noite seria o momento da ati-
vidade deles, quando a imaginação e
o medo estão mais prontos para criar
todos os tipos de imagens terríveis.
Apesar de forças personificadas
da natureza serem vistas como ele-
mentos primários da tradição mítica,
seria, ainda assim, um grande erro
supor que todo mito ou tradição de
seres sobrenaturais pode ser expli-
cado com base nesse princípio. A
explicação, nesse caso, não apenas
seria exagerada, mas também falsa,
pois, em primeiro lugar, muitos mi-
tos, ou uma parte deles, são apenas
exageros poéticos; e em segundo
lugar, normalmente trazem uma
tradição obscura do início da his-
tória da nação. Uma mistura quase
inescrutável de diversas tradições é

11
uma característica peculiar de um
mito. Nas representações de deuses
e outros seres, suas guerras e suas
relações, está a história mais antiga
de um povo em forma de mito. O fato
de ele ser obscuro e fabuloso é uma
consequência de sua antiguidade e
simplicidade nas quais a maioria das
nações vive no início de sua história,
quando nunca ocorre a elas, ainda
que tenham os meios, de transmitir
às gerações seguintes relatos de seus
feitos. Consequentemente, o passado
mais antigo dessas pessoas está nas
tradições, que ao longo do tempo
podem ter sido submetidas a diver-
sas mudanças. Em meio à névoa que
toma a história primitiva do Norte,
o inquiridor histórico acha que ele
discerne uma luta entre os moradores
primitivos e um povo invasor mais
civilizado; e em nossas tradições
populares de Jutuls, Trolls, Elfos e
Duendes, estão traços procurados

12
desse povo mais velho e mais rústico,
a conquista e expulsão de quem, como
acontecimentos sombrios do passado,
são lembrados e eternizados nas an-
tigas canções de sagas escandinavas.5
Não é preciso concluir que esses
habitantes primitivos eram o mesmo
povo. Pelo contrário, a grande dife-
rença encontrada nas sagas entre o
enorme Jutul, que brinca com pedaços
de pedra, e os pequenos duendes, que
se escondem na terra e nas cavernas,
parece indicar que eles eram tão di-
ferentes como poderiam ser, apesar
de, em determinados lugares, eles
poderem viver juntos, e contrários
e como inimigos comuns dos Godos
invasores. Em alguns lugares pareceria
5 O próprio Thor aparece relacionado à Noruega
do passado como terra habitada por gigantes que
morreram todos repentinamente, exceto duas
mulheres; mas que depois de o povo dos países do
Leste começarem a ocupar o país, essas mulheres
foram um grande incômodo, até Thor matá-las.
Ver a história no volume i, p. 176.

13
que os conquistadores intrusos ti-
nham se misturado aos habitantes
mais antigos, assentados entre eles e
se unindo em matrimônio entre eles.
“No passado”, a lenda de Telemark
diz, “os Thusser eram tão numerosos
que cristãos não podiam habitar a
Noruega, tampouco a Noruega pôde
ser colonizada antes de eles se unirem
em matrimônios”. E em nossas anti-
gas sagas costumam ser mencionados
personagens históricos, que, ao lado
de seu pai ou mãe, eram descendentes
de gigantes ou eram “meio trolls”.
Em outros lugares parece que,
apenas depois de uma obstinada luta,
os habitantes originais foram levados
de planícies e vales para as matas e
montanhas, onde cavernas eram suas
casas, a caça lhes dava sustento e a pele
de animais, proteção. Que eles conti-
nuaram a se manter em uma relação
hostil com seus invasores, nos locais
mais próximos de seus esconderijos,

14
e então desapareceram com o que
roubaram é o mais provável. Os ata-
ques repentinos e desaparecimentos,
os traços sangrentos que deixavam
para trás, a grande força, o aspecto
selvagem e as vestes, juntamente com
a escuridão, escondidos daqueles
cujas lojas eles se determinavam a
visitar ou atacar, deviam deixar muito
irados os habitantes do vale. Quanto
menos eles aparecessem, mais mara-
vilhosas eram as histórias contadas
sobre eles; e por fim eles passaram
a parecer tão formidáveis, vestidos
com todos os terrores da imaginação
e da superstição que, de acordo com a
opinião geral, exigia poderes maiores
do que os humanos para combater.
Assim, era uma tarefa adequada para
o próprio deus Trovão, que às vezes
os acertava com seu raio, ou para seu
representante terrestre, que no velho
poema escaldo é descrito como aquele
que derrubou os altares dos deuses,

15
o povo das montanhas, os lobos dos
fjeld, os filhos das rochas e o terror e
destruidor dos gigantes.6
Nas sagas nórdicas lemos não
apenas sobre o poderoso Jutuls,
Gigantes (Riser) e trolls da Montanha,
mas também e ainda com mais fre-
quência, de Thusser e Duendes. A
tradição de uma antiga raça de duendes
pode provavelmente, em parte, estar
ligada a uma lembrança sombria de
que os Lapeões, certa vez, durante
o estado selvagem da Noruega, ha-
bitavam locais de onde eles tinham
sido tirados. Apesar de os pequenos
Lapeões não serem um grande im-
pedimento aos Godos invasores na
batalha, podiam, ainda assim, por
meio do conhecimento que tinham dos
segredos da natureza, sua inteligência
e destreza, ser vizinhos perigosos,

6 Comp. Thorsdrapa, págs. 16-22, e poema


Hostlanga, de Thiodolf hiu Hvinerske, também
Svea Rikes Hafder de Geijer, p. 276.

16
que podiam afastar o gado, trocar
crianças (e daí provavelmente vieram
as diversas histórias sobre trocas de
crianças), roubar itens e provisões
das casas, dar bebidas prejudiciais
às pessoas, atraí-las para dentro de
suas cavernas com canções, presentes,
etc., traços que nos dão uma chave
a muitas tradições do subterrâneo.
Essas opiniões são confirmadas
pelo testemunho da história. Adam
de Bremen, que viveu no século XI,
relata a informação dada a ele pelo
rei dinamarquês Svend Estrithson,
que na Suécia “havia um povo com
hábito de repentinamente descer as
montanhas em trenós, espalhan-
do lixo, a menos que a maioria se
opusesse, e então se retiravam”.
“Na Noruega”, ele diz em outro
lugar, “ouvi que existem homens e
mulheres selvagens, que vivem nas
florestas, e raramente aparecem; eles
usam o couro de animais selvagens

17
para roupas, e seu discurso é mais
parecido com o rugido de animais
do que com a voz de seres humanos,
por isso quase não são inteligíveis
para seus vizinhos”.
As ideias mais amplas que começaram
a prevalecer no fim do século XIX,
e o aumento de conhecimento, que
se manifestou de muitas maneiras
nesses últimos tempos, contribuí-
ram muito para diminuir a crença
nesses sentimentos sobrenaturais.
Em muitas partes, tais tradições já
foram esquecidas, em algumas elas
são consideradas histórias agradáveis,
ou são contadas apenas para assustar
as crianças; em outros lugares, entre
os camponeses menos iluminados e
mais supersticiosos, muitos ainda
precisam se convencer da existência
desses seres míticos, que desempenha-
ram papel importante na imaginação
de seus pais. Eles próprios ou, mais
normalmente, uma tia, um pai ou

18
uma mãe, viram o povo subterrâneo,
seus cães e gado, ouviram a música
suave, conheceram pessoas que foram
levados aos fjelds, ou que viram seus
bebês serem trocados por aqueles
subterrâneos. Os lugares de onde tais
seres tinham que tirar seus recursos
são, em algumas partes, ainda consi-
derados sagrados. Nenhum camponês
supersticioso, que se preocupe com
sua saúde e propriedade, ousa ir aos
montes Vaettir, Butree ou Thunbede,
frequentados por povos invisíveis.
Mas, pelo contrário, para que, na
raiva, eles não passem por sua morada
e levem a sorte da casa consigo, as
pessoas esperam por eles nas noites
de festas com bolos, mingaus doces
e outras ofertas.

19
INTRODUÇÃO:

DUENDES E
ELFOS
Enquanto os deuses estavam ocu-
pados criando a terra e fornecendo
sua iluminação, diversas criaturas
parecidas com vermes se reprodu-
ziam na carne de Ymir. Aqueles seres
grosseiros agora atraíam atenção
divina. Invocando-os em sua pre-
sença, os deuses davam a eles formas
e inteligência sobrehumana, e então
os dividiam em dois grandes grupos.
Aqueles que eram sombrios, traido-
res e maldosos por natureza eram
mandados para Svart-alfa-heim, o
lar de anões sombrios, situados no

20
subterrâneo, de onde não tinham
permissão de sair durante o dia, sob
a pena de serem transformados em
pedra. Eles eram chamados de Anões,
Trolls, Gnomos e Kobolds, e gastavam
todo o tempo e energia explorando
os cantos secretos da terra. Reuniam
ouro, prata e pedras preciosas, que
guardavam em aberturas secretas, de
onde os tiravam quando queriam. O
restante daquelas pequenas criaturas,
incluindo todas as que eram justas,
boas e úteis, os deuses chamavam de
Fadas e Elfos, e os mandavam para
morar no reino fantasioso de Alf-
heim (lar dos elfos de luz), situado
entre o céu e a terra, de onde podiam
descer sempre que quisessem para
cuidar das plantas e das flores, para
brincar com as aves e as borboletas,
ou dançar ao luar de prata na mata.
Na Noruega, os povos subter-
râneos – na denominação em que
estão os Thurser (Thusser), Vaetter e

21
Duendes, e às vezes Huldres, Nisser
e Elfos – são cada vez mais numero-
sos. Os Thusser e os Trolls, que são
grandes como homens, moram nas
cadeias montanhosas e nos montes.
Antigamente, eles eram tão numerosos
que nenhum cristão podia viver na
Noruega se não se unissem em ma-
trimônio com eles. Assim como nós,
eles têm casas, posses, igrejas e belo
gado, que pasta à noite, e é observa-
do por cuidadores e cães pretos. Os
Thusser são bem-formados, mas de
cor pálida ou azulada. Quando o sol
se põe e o anoitecer vem (Thus-mork),
eles estão em plena atividade; então,
é perigoso que as pessoas, principal-
mente as jovens mulheres, de quem
eles gostam mais, passem pelos luga-
res onde eles se reúnem, onde uma
música muito boa pode ser ouvida; e
são muitos os casos, principalmente
no passado, de jovens donzelas que
por eles foram transformadas em

22
montanhas e montes. Eles também
gostam de crianças pequenas, e antes
costumavam trocá-las por crianças
deles próprios, que não eram nem
tão bonitas nem tão fortes. Mas uma
cruz feita na criança, ou o aço de
qualquer forma preso ao berço dela,
é uma maneira eficaz de impedir tais
trocas7 .

7 Faye, p. 20.

23
ORIGEM DAS
MONTANHAS
De acordo com lendas alemãs, a
superfície desnivelada da terra é
assim por causa de gigantes que fo-
ram pisando enquanto ela ainda era
macia e recém-criada, e os riachos
se formaram pelas copiosas lágrimas
choradas pelas gigantes mulheres
ao ver os vales criados pelas pegadas
enormes dos maridos. Como assim
era a crença teutônica, as pessoas
imaginavam que os gigantes, que
personificavam as montanhas para
elas, eram criaturas enormes e gros-
seiras, que só se movimentavam na

24
escuridão ou na neblina, e ficavam
petrificadas assim que os primeiros
raios de luz de sol atravessavam a
escuridão ou espalhavam as nuvens.
Essa crença fez com que eles des-
sem o nome Montanhas dos Gigantes
(Riesengebirge) a uma das principais
cadeias de montanhas. Os escandi-
navos também tinham essa mesma
crença, e até hoje os islandeses dão
aos picos mais altos o nome de Jokul,
uma modificação da palavra “Jotun”.
Na Suíça, onde a neve não para de
cair e se assenta nos topos das mon-
tanhas altas, as pessoas ainda contam
histórias antigas da época em que os
gigantes andavam por ali; e quando
uma avalanche descia pela encosta da
montanha, elas dizem que os gigan-
tes, incansáveis, afastavam parte da
carga gelada da cabeça e dos ombros.

25
OS ANÕES
Os deuses, percebendo que essas
criaturas minúsculas e não formadas
iam e vinham, deram a elas forma e
traços, e elas se tornaram conheci-
das como elfos sombrios, devido a
sua pele escura. Tais pequenos seres
eram tão rústicos, com a pele escura,
os olhos verdes, as cabeças grandes,
as pernas curtas e os pés de galinha,
que receberam a ordem de se esconder
num local subterrâneo, impedidos de
aparecer durante o dia, caso contrá-
rio, seriam transformados em pedras.
Apesar de serem menos poderosos do
que os deuses, eles eram muito mais
inteligentes do que os homens, e como
seu conhecimento não tinha limites

26
e se estendia até o futuro, deuses e
homens estavam igualmente ansiosos
para questioná-los.
Os anões também eram conhe-
cidos como trolls, kobolds, brownies,
goblins, pucks ou povo Huldra, de
acordo com o país onde viviam.

27
FOGO-FÁTUO
Em épocas medievais, o fogo-fátuo
era conhecido no Norte como luzes
de elfos, pois as minúsculas fadas
supostamente faziam os viajantes
perderem o rumo; e a superstição
defendia que os fogos-fátuos eram
os espíritos incansáveis de assassi-
nos forçados, contra sua vontade, a
voltar à cena dos crimes. Dizem que
enquanto eles avançavam pela noite,
repetiam a cada passo: “está certo”,
mas na volta, diziam com tristeza:
“está errado”.

28
Em outro livro, a descrição prossegue:
Uma luz flamejante8 se movimenta
para trás e para a frente na lareira,
como uma lanterna na mão de alguém
que procura alguma coisa. É “Jack
com a lanterna”, que, como muitas
pessoas, como tradições antigas nos
contam, era um transformador de
paisagens, e assim, fadado a andar
com uma luz na mão.
De acordo com a antiga crença
popular, um homem que, durante a
vida admitiu-se culpado de tal crime,
está fadado a não ter descanso em sua
cova no pós-morte, mas a se levantar
toda noite à meia-noite, e com uma
lanterna na mão ir ao ponto onde a
paisagem modificada ficava. Ao chegar
ao local, ele é tomado pelo mesmo

8 Uma luz atmosférica e fantasmagórica que pode


ser vista por viajantes à noite. É um fenômeno
muito comum no folclore europeu. Hoje em dia,
é conhecido que este fenômeno bioluminescente
se atribui a oxidação de putrefação orgânica.
(N.E.)

29
desejo que o instigou enquanto era
vivo, e começa a modificar a paisagem
do vizinho, e diz, enquanto faz isso,
com uma voz rouca: “Está certo! Está
certo! Está certo!” Mas quando volta,
a consciência e a angústia o tomam,
e ele exclama: “Está errado! Está
errado! Está errado!”.

30
HULDRA OU
HULLA
Em toda a tradição norueguesa, é
comum a tradição de um ser sobre-
natural que vive nas florestas e nas
montanhas, chamado Huldra ou
Hulla. Ela parece uma linda mulher,
e normalmente está vestindo uma
anágua azul-marinho e uma rede
branca nos cabelos; mas infelizmente,
tem uma cauda comprida, como a
de uma vaca, que ela tenta esconder
quando está perto das pessoas. Gosta
de gado, principalmente dos animais
malhados9 , do qual tem um belo e

9 No original, brandede, e seu sentido é duvidoso.

31
forte rebanho. Eles não têm chifres.
Ela já foi muito alegre, e todos dese-
javam dançar com a bela e estranha
donzela; mas no meio da alegria, um
jovem, que havia começado a dançar
com ela, por acaso olhou para a sua
cauda. Percebendo imediatamente
com quem estava dançando, ele não
se assustou; mas se recompôs e sem
querer traí-la, apenas disse para ela,
quando a dança terminou: “A senhora
vai perder sua cinta-liga.”. Ela logo
desapareceu, mas logo depois recom-
pensou o jovem calado com belos
presentes e uma boa raça de boi10 .
A ideia relacionada a esse ser não
é nem de perto a mesma em todos os
lugares, pois varia muito em partes
diferentes da Noruega. Em alguns
lugares, ela é descrita como uma bela
fêmea, quando vista de frente, mas é

10 Faye, p. 39.

32
oca atrás, ou azul11 ; já em outros, ela
é conhecida pelo nome de Skogsnerte,
e dizem que é azul, mas que usa uma
anágua verde, e provavelmente cor-
responde ao Skogsnufvor sueco12 . Sua
canção – um som que costuma ser
ouvido entre as montanhas – dizem
ser oca e pesarosa13 , diferenciando-se
assim da música dos seres subterrâ-
neos, que é descrita por testemunhas
auriculares como feliz e fascinante.
Mas ela não é, em nenhum momen-
to, considerada uma ninfa solitária:
Homens Huldre e povos Huldre
também são mencionados, que vivem

11 Hallager, Norsk Ordsamling, p. 48, voce


Huldre.
12 Linuaei Gotlandske Resa, p. 312.
13 “Huldre vive nas montanhas e no vale; dela são
todas as riquezas, o esplendor e a beleza do Norte;
mas dela também é sua melancolia profunda; a
isso, sua música e canção são testemunhas, que
não podem ser ouvidas sem uma sensação de
tristeza e lágrimas.” Norske Huldreeventyr, i. p.
Iv.

33
juntos nas montanhas, e são quase
idênticos às pessoas subterrâneas.
Em Hardanger, as pessoas Huldre
estão sempre vestidas de verde, mas
o gado delas é azul, e muitos podem
ser pegos quando um adulto joga
o cinto sobre elas. Eles dão muito
leite. Os Huldre ocupam os pastos
nas montanhas, e convidam as pes-
soas para seus montes, onde música
agradável é ouvida14 .
A crença nos Huldra é mui-
to antiga. Lemos que no passado,
no ano 1205, a rainha de Magnus
Lagabaeter, quando detida por um
vento adverso em Bergen, depois de
saber que o islandês Sturli Thordsen
era um contador de histórias exce-
lente, quis que ele contasse a ela a
Saga da gigante Huldra. O nome

14 Faye, p. 42.

34
dela parece vir do Old Norsk, fidus,
propitius15 .
O Jutul é grande e forte, e vive
nas montanhas mais altas, onde ri-
quezas e tesouros caros podem ser
encontrados em abundância. Ele é
malvado, odeia igrejas e o som de
sinos, e tem sede de sangue cristão.
Quando uma tempestade cai ou quan-
do um redemoinho toma as rochas,
ele se chacoalha na montanha, de
modo que panelas e chaleiras ressoam,
peças com as quais sua esposa Gyvri
ou Giogra prepara a comida. Em todo
o país são encontradas tradições e
vestígios desses seres monstruosos.
Marcas de seus passos costumam ser
vistas nas montanhas.

15 Sagabibl. i. 367. Grimm, D. M. p. 249

35
JUTULS
De todos os seres sobrenaturais do
Norte, nenhum deles carrega uma
marca tão evidente de antiguida-
de tão forte quanto os gigantescos
Jutuls. As tradições a respeito deles
sempre chegam à monstruosidade,
e se harmonizam com montanhas
envoltas por nuvens entre as quais
eles vivem.
Ao comparar as tradições da
mitologia comum com a antiga,
encontramos grandes acordo entre
elas, e logo reconhecemos nos Jutuls
e nos Roser (gigantes), os Jotuns e
Risar, os inimigos de deuses e dos
homens, que em Thor, o poderoso

36
deus do trovão, encontraram um
perigoso inimigo. Os Jotuns na
mitologia do Norte são considerados
seres caóticos, dominando as regiões
escuras e frias da terra, evitando
a luz do dia e com os raios do sol
(como já vimos)16 transformando-se
em pedra17 .
Em língua nórdica antiga, uma
gigante se chamava g yfr ou g ygr, uma
palavra a ser reconhecida no Gyvri
ou Giogra.
Além dos Jutuls e dos Jotuns,
encontramos os Riser e Biergriser
(gigantes e gigantes das montanhas),
que vivem em cavernas nas montanhas
e devem ser os primeiros habitantes
do Norte. Nas Sagas, eles costumam
ser chamados de Trolls, que pode
ser considerada uma denominação

16 Ver volume. I, p. 8, nota 3.


17 Faye, p. 7.

37
comum para todos os seres sobrena-
turais e nocivos.

38
TROLLS
Os trolls, por outro lado, eram ini-
migos do homem, e estudavam meios
de irritá-lo e feri-lo. Esses seres eram
habitantes da Terra ainda mais belos
do que os deuses; eles e os gigantes
– com quem aparentemente man-
tinham parentesco, ou com quem
colaboravam – foram encontrados
pelas divindades assim que chegaram
aqui. As divindades do Norte logo
travaram guerra contra os habitantes
primordiais e derrotaram a maioria
deles, e depois disso, eles colocaram
o homem na terra. Mas alguns gi-
gantes e trolls permaneceram, em
locais solitários e de difícil acesso

39
nas matas, e trabalharam contra a
criatura, homem, que as havia su-
plantado. Geralmente os trolls eram
invisíveis, mas de vez em quando eram
vistos pelo homem; e então pareciam
grandes, como gigantes. Eram à prova
de ferimentos feitos por armas, e não
era possível conseguir sua ajuda por
meio de adoração, como no caso dos
deuses; consequentemente, era dese-
jável evitá-los, se possível, e quando
tinham que ser enfrentados, era
preciso correr risco com eles, assim
como contra o clima ou os animais
selvagens. Mas nem mesmo os trolls
não eram totalmente antipáticos
no comportamento em relação ao
homem; e eles eram capazes até de
agradecer por uma gentileza por
parte dele e de demonstrar gratidão
de modos práticos. Mas tal simpatia
estava longe de ser comum, e parece
ser quase completamente limitada às

40
fêmeas, que eram menos violentas
e intensas do que os trolls machos.
Além dos gigantes, os escandi-
navos acreditavam que anões e outras
variações de humanos compartilha-
vam a terra com eles. Estes incluíam
criaturas do mar, que às vezes eram
pegas por pescadores, e unípedes –
seres que tinham apenas uma perna.
Os unípedes eram encontrados apenas
em partes distantes e costumavam ser
tão tímidos que, ao ver um homem,
saíam pulando depressa.

Em outro livro, prossegue a Origem


dos Trolls: Os moradores de Jutland
contam que quando Deus18 expulsou
os anjos caídos do céu, alguns deles
caíram nos montes e se tornaram
Mount-folk; outros caíram em charnecas

18 Algumas descrições são religiosas por


terem sido escritas com opiniões formadas
pelos moradores das terras nórdicas após o
cristianismo. (N.E.)

41
dos elfos, que eram os progenitores
do Elf-folk; enquanto outros caíram
em moradias, de onde descendem os
espíritos domésticos ou Nisser.

42
OS NISSE OU
NISS

É um ser sobrenatural, que quase se


parece com nosso Goblin, o Brownie
Escocês, o Kobold A lemão, e o
Kaboutermanneken dos Países Baixos.
No passado, eles eram infinitamente
mais numerosos do que são hoje em
dia. Eles são do tamanho de crianças
pequenas, vestidos de cinza, e usam
uma touca vermelha com ponta.
Costumam viver em celeiros e está-
bulos, onde ajudam a cuidar do gado
e dos cavalos, pelos quais demonstram

43
a mesma parcialidade demonstrada
com os homens. Há muitos casos de
Nisses que tiraram feno dos estábulos
de outros cavalos para dar àqueles
de sua preferência. Eles gostam de
brincadeiras; às vezes soltam todo o
gado no celeiro, armam travessuras
com leiteiras, seja apagando a luz ou
segurando o feno com tanta força
que as pobres moças não conseguem
pegá-las; então, enquanto elas puxam
com toda a força, eles soltam o feno
e elas caem no chão com tudo. Isso
faz os Nisses se divertirem muito, e
eles riem como cavalos relinchando.
Se eles se sentirem apegados ao dono
da casa, farão tudo o que puderem
para beneficiá-lo. Não faltam casos
nos quais eles tiraram o feno e outras
coisas de seus vizinhos, para entregá-
-los a seu senhor; assim, os conflitos
às vezes ocorrem entre os Nisser
das duas casas, e assim, é possível
ver feno e palha voar para todos os

44
lados. Como são muito fiéis àqueles
de quem gostam, mas malvados e
vingativos quando alguém brinca com
eles, não é de surpreender que sua
boa-vontade seja algo que as pessoas
busquem. Assim, nas noites de Natal e
nas noites de quinta-feira, em muitos
lugares, elas colocam mingau doce,
bolos, cerveja, etc. para o Nisse, que
consome de bom grado, se gostar do
sabor, pois às vezes ele é chato. Ele
não suporta ser ridicularizado nem
desdenhado, e como é forte, apesar de
pequeno, seu oponente sempre acaba
em segundo lugar. Um camponês,
que numa noite de inverno encon-
trou um Nisse na estrada, e que com
um tom autoritário mandou que ele
saísse da frente, acabou sendo jogado
por cima de uma cerca-viva em um
campo coberto de neve. Também
com uma garota, que numa noite
de Natal levou comida para ele com
brincadeiras irônicas, ele fez uma

45
dança tal que, na manhã seguinte,
ela foi encontrada morta no celeiro.
Eles amam o luar, e no inverno
podem até ser vistos se divertindo em
pequenos trenós, ou pulando cercas.
Apesar de serem animados, não gos-
tam de barulho e bagunça o tempo
todo, menos ainda na noite de Natal
ou numa noite de quinta. De modo
geral, o Nisse é bem-quisto e, assim,
em muitos lugares é considerado um
bom companheiro.
De todos os seres que vivem na
imaginação do camponês norue-
guês, ele acredita mais na existência
do Nisse. Apesar de ser da raça dos
duendes, ainda assim ele se diferencia
dos duendes devido a sua rapidez e
corpo proporcional, e também por
viver em casas e celeiros, dos quais
mais gosta, a ponto de não conseguir
suportar uma mudança; se isso acon-
tece, ele castiga a família, tirando a
boa sorte dela. É essa predileção por

46
casas antigas que deu a ele o nome de
Toft-vaette, Tomtevaette19 e Gardbo.
Nem nas Eddas nem nas Sagas
há qualquer menção acerca do Nisse.
Parecido com ele há os Niagriusar das
ilhas Faroé, descritos como pequenos
com toucas vermelhas, que trazem
sorte; e também os Tomtegubbe
suecos.
Eles frequentemente habitam
árvores altas que são plantadas ao
redor da casa, e nesse caso, é preciso
ter cuidado para que elas não caiam,
principalmente as mais antigas.
Muitos já pagaram pelo descuido,
com árvores acometidas de doenças
incuráveis20 .

19 Toft e tomt são sinônimos, e significam o


espaço na qual um (?)
20 Arndt, iii. 15.

47
O LOBISOMEM

Que existiram pessoas capazes de


assumir a forma de lobo ou urso
(Huse-bjorn), e voltar para sua for-
ma original, é algo tão conhecido
quanto antigo. Essa propriedade é
dada pelos Trolls, ou quem a tem é
sempre um Troll. Na Saga Volsunga
temos vestígios muito antigos dessa
superstição.21

21 Ver vol. i. p. 93, e nota 1.

48
A MARA

Em inglês, mare, como em nightmare,


pertence à mesma família do Vardogl,
Draug22 , etc. Em aparência, ela se
parece com uma mulher bonita, mas
na atitude, é uma troll maligna. Ela
passa por portas trancadas, ataca
pessoas dormindo jogando-se sobre
elas, e as atormenta tanto que é hor-
rível. A pessoa afligida por uma visita
noturna dela é “Mare-ridden”, ou
acometida pela Mara, e quase morre
sufocada, na maioria das vezes. Ela
não se contenta com atormentar as
pessoas, também monta em carneiros

22 Ib. P. 113.

49
e cavalos. Em Telemark, ela é chamada
Muro, e lá, como em outros lugares,
eles têm muitos métodos para se
livrar dela; um dos mais eficientes
é enrolar uma faca em um tecido e,
do modo orientado, deixar que ele
envolva o corpo três vezes, enquanto
murmura certas rimas.

Como outros seres sobrenaturais,


a Mara consegue entrar num buraco
pequeno, mas, também como eles, ela
deve sair pelo lugar por onde entrou,
ainda que todas as portas e janelas
estejam abertas (Thiele, ii. 282).
Por isso Mefistófeles, em resposta à
pergunta de Fausto por que ele não saiu
pela janela?, diz:

‘s ist ein Gesctz der Teufel und


Gespenster,
so wie hereingeschlupft, da
mussen sie hinaus.

50
Veja também Uden Hoved og
Hale, ato I, cena 4, de Holberg.
Os Yuglingasaga, tem uma his-
tória de um Rei Vanlandi em Upsala,
que foi pisoteado até a morte por
uma Mara. Quando seus homens
seguraram a cabeça dele, ela seguiu
em frente e quase amassou as pernas
dele; e quando eles seguraram os pés
dele, ela pressionou tanto a cabeça
dele a ponto de causar sua morte.

51
FANTASMAS

A crença de que as almas dos que


foram encontram prazer em revisitar
os lugares onde sentiram alegria,
pesar e dor é universal entre quase
todas as pessoas. Daí vem a ideia de
que a alma de uma pessoa assassi-
nada voluntariamente paira sobre o
ponto onde seu corpo foi enterrado,
e aparece com o intuito de se vingar
do assassino. A superstição às vezes
faz com que eles sejam vistos como
espectros brancos no cemitério,
onde eles param cavalos, assustam
pessoas e causam transtornos; às
vezes, como criminosos executados,
que ao anoitecer vagam pelo local da
execução, com a cabeça embaixo do
braço. Às vezes, eles beliscam com
força as pessoas enquanto elas dor-
mem, e os hematomas deixados são
chamados de marcas de fantasmas
(Dodningepletter) ou beliscões-fantas-
ma (Dodgningeknib). Tais espectros
não encontram paz no túmulo, em
consequência dos crimes deles pró-
prios ou de outros, até perguntarem
a eles o que querem; depois disso,
eles não voltam a aparecer. Tiros,
pólvora e armas são desperdiçados
neles; mas ao verem uma cruz e de-
vido a exorcismos, eles precisam se
afastar. Aqui podem ser incluídos
os chamados Udburrer ou Udbore, que
em algumas regiões choram como
crianças na mata, e seduzem as pes-
soas a eles, e em outros lugares, fazem
morada em montanhas íngremes e
em locais afastados perto do mar, e

53
devem atribuir sua origem a crianças
assassinadas.
A palavra dinamarquesa para fan-
tasmas é Gjengranger, ou Gjenfaerd,
relacionada exatamente ao francês
revenant. A crença em fantasmas sempre
esteve profundamente arraigada nas
mentes dos pagãos do Norte; uma
crença muito relacionada às ideias
que eles têm da condição pós-morte.
Eles acreditavam que a alma voltava
ao local de onde vinha, enquanto
que o corpo e a vida mais bruta presa
a ele passava para a morada de Hel
ou Morte. Assim, combinou-se na-
turalmente a crença de que a alma
dos que partiram pode, de seu lar
celestial, revisitar a terra, à noite,
para se unir na cova com a sombra
corpórea liberada do Hel. Assim, os
mortos podiam aparecer nos túmu-
los na mesma forma que tinham em
vida. Ver Volsungakv, I. Estratégia.
37, 38, em Edda Saem.

54
No Eyrbyggiasagra há uma his-
tória de uma ejeção de um grupo de
fantasmas de uma casa por meio de
processo jurídico.

55
O NØKKEN

O Nøkken norueguês (O. Nor. Nikr,


Neck, Nøkken, Nok) normalmente
reside em rios e lagos, às vezes tam-
bém em fiordes. Exige um sacrifício
humano por ano; e por isso uma
pessoa, pelo menos, desaparece todos
os anos nos arredores de todos os
rios ou corpos de água habitados por
um Nøkken. Quando uma pessoa se
afoga, o Nøkken costuma ser ouvido
gritando com uma voz oca e sobrena-
tural: “Atravesse!”. O Nøkken pode
se transformar em muitas coisas. Às
vezes, ele aparece como meio barco na
água, e outras, como meio cavalo na

56
barranca, às vezes como ouro e outros
objetos valiosos. Se uma pessoa tocar
uma dessas coisas, o Nøkken instan-
taneamente ganha poder sobre ela.
Ele gosta especialmente de crianças
pequenas. Mas só é perigoso depois
do pôr do sol.

O Nøkken é conhecido em mui-


tos lugares pelo nome de Soetrold
(espírito da água), que dizem sempre
habitar as águas e ter muitas cabeças.
Se a pessoa estiver correndo o risco
de naufragar, deve prometer a ele um
filho ou uma filha; e nesse caso, ele,
por sua vez, entrega riquezas e boa
sorte a essa pessoa, quanto ela quiser.
Ele frequentemente muda de forma, e
ganha seu nome do lugar onde reside.
Em um lugar da Noruega, sempre que
está chovendo forte ou sempre que
uma tempestade está se formando,
ele aparece na forma de um cavalo
grande, batendo os grandes cascos na

57
água, que ele faz quase sempre estar
em movimento violento. Na mesma
água, outro ser, chamado Vigtrold,
vive, e grita histericamente quando
um perigo se aproxima.
Apesar de o Nøkken ser um ser
perigoso, mesmo assim, às vezes, ele
encontra seu senhor. Na cascata de
Sund, segundo a história, viveu, por
muito tempo, um Nøkken, que causou
a perda de muitas pessoas, quando
elas remavam subindo ou descendo
o rio. O padre, que notou o perigo
que seu Nøkken representava, levou
consigo, em sua travessia, quatro ho-
mens fortes, a quem ele deu a ordem
de remar com toda a força possível
rio acima. Eles tentaram duas vezes,
mas em ambas as vezes, deslizaram
de volta. Na terceira tentativa, ob-
servou-se que, na parte superior da
cascata, o padre, enfiando a mão
na água, tirou dali uma criatura
escura parecida com um cachorro

58
pequeno. Então, ele deu ordem para
que os homens remassem rio acima,
ao mesmo tempo em que colocou o
animal com firmeza entre os pés,
mantendo silêncio constante. Ao
chegar ao monte de rochas em Tvet,
ele invocou o Nøkken. Desde então,
ninguém morreu na cascata.
Na Islândia, onde o Nøkken é
chamado Hnikur, ele aparece como um
cavalo cinza belo, apesar de ter os cas-
cos virados para trás, e tenta fazer com
que as pessoas montem nele, quando
parte galopando com elas para dentro
da água. Alguns esforços de domá-lo
foram parcialmente bem-sucedidos,
e ele foi obrigado a trabalhar, mesmo
que por um tempo curto.
Nas ilhas Faroé, o Nikar tem sua
morada em águas doces ou lagos,
onde arrastará as pessoas e as puxará
para baixo.
Na Escócia, o Nøkken às vezes
é representado pelo Shellycoat, que

59
é coberto por algas e conchas; às
vezes, pelo Kelpie que, pelo menos
nas Terras Altas, aparece na forma
de cavalo. Nos Orkneys, ele aparece
como um pequeno cavalo ou como um
homem com o nome de Tangie23 . Em
Shetland, ele é chamado Shoopiltee,
e aparece como um lindo potrinho,
tentando as pessoas para montarem
nele, quando ele galopa com seu cava-
leiro para o mar. Nas ilhas escocesas,
eles fazem a ele uma oferenda, na
forma de um copo de boa cerveja.24
Grimm (D.M. p. 479) interpreta
o nome de Shellycoat pelo alemão
Schellnerock (Casaco de sinos), su-
pondo que ele tem esse nome devido
ao casaco que usa, cheio de sinos
pendurados; e cita o exemplo de um

23 Na Descrição de Orkney (1599), de Ben, ele


é descrito desta forma: “Indutus estudar algis
marinis toto corpore, similis est pullo equino
convoluto pilis, membrum habet simile equino,
et testiculos magnos.” Hibbert, 504.
24 Ver Hibbert, 5. 26.

60
Puck, que por trinta anos serviu na
cozinha e no estábulo de um mosteiro
de Mecklenburg. Ele aparece sempre
bem-disposto, e apenas para tunicam
de diversis coloribus et tintinnabulin plenam.
O Nøkken norueguês e o Kelpie
da Escócia são seres idênticos. Quando
um dos Grahams de Morphie estava
construindo o antigo castelo, garantiu
a assistência do kelpie da água, ou
cavalo do rio, colocando dois objetos
parecidos com jugos sobre a cabeça
dele. Quando liberado do trabalho, e
prestes a voltar para a água, ele disse:

“Costas e ossos doloridos,


Levando as pedras do Senhor
de Morphie!
O senhor de Morphie só vencerá
Enquanto o kelpie viver25 !

25 Chamber’s Popular. Rh. P. 35.

61
Em outro livro, a descrição pros-
segue: O Neck às vezes aparece na
forma de um homem crescido, e é
especialmente perigoso para donzelas
arrogantes; às vezes aparece como um
jovem educado, com as extremidades
inferiores como as de um cavalo; às
vezes como um idoso de barba com-
prida; e às vezes como um homem
bonito, com cachos dourados sobre
os ombros e uma touca vermelha,
sentado em uma noite de verão na
superfície da água com uma harpa
dourada na mão.

62
O GRIM, OU
FOSSEGRIM

Muito aliado ao Nøkken é o Grim


musical ou Fossegrim da Noruega,
um ser cuja morada é perto das cas-
catas e moinhos. Ele costuma brincar
em noites calmas e escuras, e seduz
as pessoas até ele, e ensina essas
pessoas a tocarem violino e outros
instrumentos de corda, que, em uma
noite de quinta-feira, oferece a ele,
contrariado, uma criança branca, que
deve ser jogada em uma queda d’água
em direção ao Norte. Se a oferta for
magra, o progresso do aprendiz vai

63
se estender apenas à afinação do vio-
lino; mas se for polpuda, o Fossegrim
vai pegar a mão direita da pessoa,
vai puxá-la para trás e para a frente
até o sangue jorrar da ponta de cada
dedo. O pupilo então será totalmente
instruído e poderá tocar de modo tão
incomparável que as próprias árvores
dançarão e as quedas d’água deixarão
de jorrar.

64
O RORE-
TROLD

Em Rorevand, em Nedenaes, num


lago cercado por montanhas íngre-
mes, muito exposto ao vento, um troll
chamado Rore-trold vive. Ele aparece
sob várias formas, às vezes como um
cavalo, às vezes como um bloco de feno,
às vezes como uma enorme serpente
e às vezes como diversas pessoas. No
inverno, e quando o gelo está mais
espesso, pode ser visto, em uma noite,
um abismo enorme, com fragmentos
de gelo caindo dentro dele.

65
O BRUNMIGL

Outro troll um tanto prejudicial


era o Brunmigl, que supostamente
vive perto e toma água das fontes.
Seu nome (de Brunn, fons, e mîga,
mingere) indica de modo suficiente sua
natureza - o que bebe a fonte.

66
QVERNKNURRE

Esse ser parece ser, em muitos as-


pectos, idêntico ao Fossegrim. Em
Gierrestad, antigamente, era costu-
me colocar um pão macio, um copo
de cerveja e algo do tipo perto do
moinho, para que o Qvaerknurre
aumentasse a farinha dos sacos. Por
algum tempo, ele ocupou sua morada
na queda d’água Sandager, onde um
homem tinha um moinho. Sempre
que o homem começava a moer mi-
lho, o moinho parava. Sabendo que
era o Qvaernknurre que causava essa
perturbação, ele levou consigo, certa
noite, quando estava prestes a moer,

67
uma panela que levou ao fogo. Assim
que acionou o moinho, este parou,
como sempre. Ele o empurrou para
baixo com uma madeira, na espe-
rança de afastar o Qvaernknurre,
mas foi em vão. Por fim, ele abriu a
porta para ver, e pronto! Ali estava
o Qvaernknurre com as mandíbulas
abertas, e tão grande que, enquanto o
lábio inferior estava no chão, o supe-
rior chegava ao topo da porta. Ele disse
ao homem: “Nunca viu uma abertura
tão grande?”. Instantaneamente pe-
gando a panela cheia de água fervente,
o homem despejou aquilo dentro da
boca dele, dizendo: “Nunca sentiu
algo tão fervente?” Com um uivo, o
Qvaernknurre desapareceu e nunca
mais foi visto.

Um ser quase parecido com o


Qvaernknurre é o Urisk das Terras
A ltas Escocesas, que é descrito
como um espírito peludo que aciona

68
moinhos à noite, quando não há nada
a moer. Ele é afastado com uma panela
cheia de cinzas jogada em seu colo
enquanto está dormindo26 .

26 Keightley, F. M. p. 396, de Quarterly Review,


1825.

69
FINNGALKN
Esse monstro costuma ser mencio-
nado, ainda que não corretamente
descrito, nas Sagas. De acordo com
elas, ele tem uma cabeça humana com
dentes enormes, corpo de fera e uma
cauda pesada e grande, garras terrí-
veis e uma espada em cada garra27 .

27 Keyser, p. 163. Ver Snorra-Edda, edit. Rask,


p. 342.

70
AASGAARDSREIA
(CAÇA SELVAGEM)

Esse grupo é o dos espíritos que não


fizeram nada tão bom para mere-
cer o céu, nem nada tão ruim para
serem mandados para o inferno. É
formado por bêbados, arruaceiros,
cantores de canções difamadoras,
enganadores e aqueles que para obter
lucro se perjuraram. O castigo deles
é andar a esmo até o fim do mundo.
Liderando o grupo está Guro-Rysse ou
Reisa-Rova com sua cauda comprida,
com a qual se diferencia do restante.
Depois dela, segue uma multidão
formada por seres de ambos os sexos.
Vistos de frente, eles parecem altos

71
e graciosos, cavaleiros e cavalos;
mas atrás, nada pode ser visto além
da cauda de Guro. Os cavalos, que
são pretos como carvão, são guiados
com ferro quente e rédeas de ferro,
que, juntamente com os gritos dos
cavaleiros, causa um barulho terrível
que pode ser ouvido ao longe. Eles
se deslocam com a mesma facilida-
de sobre água e a terra, seus cascos
de cavalo mal tocando a superfície
da água. Sempre que colocam uma
sela em um telhado, é porque uma
pessoa vai morrer; e quando pensam
que vai haver briga e assassinato em
um local de bebedeira, eles entram
e ficam parados na porta. Eles se
movimentam em silêncio como se
não existissem, mas têm uma risada
parecida com relincho de cavalo e
fazem um barulho forte com seus
ferros quando a briga começa e al-
gum assassinato é cometido. O grupo
aparece principalmente durante a

72
época de Natal, quando as grandes
bebedeiras acontecem. Quando al-
guém escuta a aproximação deles,
deve sair do caminho ou cair deitado
de bruços no chão, fingindo dormir,
pois homens já foram pegos por eles
e ou levados de volta de onde saíram
ou foram encontrados meio aturdidos
longe dali. Um bom homem que se
protege não tem nada a temer além
de receber o cuspe de todos do gru-
po. Quando todos passam, ele deve
cuspir em resposta; caso contrário,
será punido a partir de então.

73
MARMENNILL
E MARGYGR
O TRITÃO E A SEREIA

Marinheiros e pescadores, quando o


clima está calmo, às vezes veem tritãos
e sereias saírem de dentro das profun-
dezas tranquilas. Os tritãos têm um
tom azulado, com barba comprida,
cabelos pretos e da cintura pra cima,
eles se parecem com um homem, mas
da cintura para baixo, têm corpo de
peixe. As sereias são bonitas da cin-
tura para cima, mas da cintura para
baixo, como os tritãos, elas têm corpo
de peixe. Seus filhos são chamados
Marmaeler. Estas às vezes são pegas

74
pelos pescadores, que os levam para
casa, e às vezes podem receber deles
informações sobre acontecimentos
futuros; pois eles, assim como os
tritãos e as sereias, podem prever
o futuro. É raro escutar uma sereia
falar ou cantar. Os homens do mar
não gostam de vê-los, pois anunciam
tempestades.
É perigoso feri-los. Um mari-
nheiro, certa vez, conseguiu chegar
tão perto de uma sereia, que ela colo-
cou a mão na amurada do barco, que
ele afastou com um golpe. Devido a
essa barbaridade, ele foi derrubado
por uma tempestade, na qual quase
morreu. St. Olaf, em uma de suas
expedições piratas, se apaixonou por
uma sereia, que com seu canto doce,
fez os marinheiros dormirem, e então
os arrastou para dentro da água. Se,
ao mergulharem, eles seguirem em
direção a um navio, significa azar;

75
se dão as costas para o navio, é um
bom sinal28 .

A crença em tritãos e em sereias é


tão antiga quanto comum. De acordo
com Gervase of Tilbury, tínhamos
sereias em nossos mares, e elas são
mencionadas em Sagas Islandesas.
Ver Dobeneck, i. pág. 38 aqq., tam-
bém para ler um relato do Water-nix
alemão. Na Irlanda, eles são chama-
dos Merrows, e lendas são contadas a
respeito deles, parecidas com as de
outros países.

28 Keyser, p. 162.

76
A SERPENTE
DO MAR
Em águas doces e rios, e também ao
longo das costas da Noruega, dizem
que serpentes enormes existem, mas
variam no que diz respeito à aparência
e magnitude. De acordo com a crença
geral, elas são levadas à terra, e fazem
a primeira morada nas florestas e nos
montes de pedras, e daí, quando ficam
maiores, vão para os grandes lagos e
mares, ou ao oceano, onde crescem
muito. Elas raramente aparecem, e
quando aparecem, são vistas como
prenunciadoras de acontecimentos
importantes. Na maioria dos lagos

77
e dos rios de qualquer magnitude
considerável, esses monstros, em
momentos passados, em uma ou ou-
tra ocasião extraordinária, já foram
vistos saindo das profundezas da
água. Nas águas doces, nenhum foi
visto dentro da memória do homem,
mas às vezes, quando existe calma,
aparecem em fiordes ou estuários.
Algum tempo depois da Peste Negra29
vieram, de acordo com a tradição,
duas grandes serpentes do Foksoe,
onde uma delas, dizem, ainda pode
ser vista; mas a outra tentou, cerca de
duzentos anos desde então, descer até
a boca do rio, onde morreu na queda
e foi levada para perto de Drontheim,
onde apodreceu e emitiu um fedor a
ponto de não deixar que as pessoas
se aproximassem.

29 A. D. 1350. Dizem que dois terços das pessoas


da Noruega morreram. Ela visitou a Inglaterra
dois anos depois.

78
Em Lundevand, em Lister, havia
uma Serpente do Mar que aparecia
apenas quando ocorria a morte de
um rei uma grande revolução. Alguns
afirmam que já a viram.
Também em Bollarnvatn, em
Bahuus30 , havia uma Serpente do Mar
cujo corpo era tão grande quanto a
de um bezerro de um ano, cujo rabo
tinha cerca de seis varas de compri-
mento. Ela destruía os peixes, e mo-
rava em uma pequena ilha chamada
Svanviksoe. Ela nunca aparecia, só
quando ocorria alguma calamidade.
Mas de todas as serpentes que habi-
tavam as águas do Norte, nenhuma
era tão celebrada quanto aquelas que
eram e são encontradas em Mios. Em
um texto antigo31 , há uma descrição
de uma enorme serpente, que parecia

30 Essa tradição pertence estritamente às


pessoas da Suécia, mas está aqui para não dividir
os diversos relatos da Serpente do Mar.
31 Beskrivelse sobre Hammer.

79
se aproximar vinda da ilha, e a partir
dali em direção à “terra do Rei”, mas
logo desapareceu. Da mesma maneira,
muitas grandes serpentes apareciam
dia após dia em Mios, que se enro-
lavam muito, e lançavam a água a
uma altura considerável. Por fim, a
antes mencionada serpente apareceu
uma segunda vez, e subiu com rapi-
dez em uma rocha. Seus olhos eram
tão grandes quanto o fundo de um
barril, e tinha uma crina comprida
que descia por seu pescoço. Como
não conseguia descer da rocha, mas
encostava e batia a cabeça contra ela,
um dos servos do bispo, que era um
rapaz ousado, pegou um arco de aço
e atirou tantas flechas no olho dela
que a água ao redor se tornou verde.
Essa serpente, que mostrava diversas
cores, era impressionante. Ela mor-
reu em decorrência dos ferimentos
que tinha recebido, e soltou um
fedor tão grande que as pessoas ao

80
redor, seguindo a ordem do bispo,
se uniram para queimá-la, o que foi
feito. Seu esqueleto permaneceu por
muitos anos na costa. Um jovem mal
conseguia carregar a menor parte
de sua coluna. Também dizem que
existe uma Serpente do Mar que se
enrola em um sino de Hammer, que
se afundou na guerra de sete anos
em Akersvig, e quando a água está
clara, ainda pode ser vista. Todas
as tentativas de fazer com que ela se
erga foram em vão, apesar de ela ter
sido retirada da superfície da água.
Que a serpente Mios não era
algo com que se brincar, ficará cla-
ro em um relato do ano 1656, feito
na História Natural da Noruega, de
Pontoppidan, 2, 65. Tal serpente
de água fez uma travessia de Mios a
Spirillen, e provavelmente é a mesma
daquela que costumava aparecer na-
quele lago para momentos de perigo e
maldade. “Aparecia como um enorme

81
mastro, o que estivesse a sua frente
era derrubado, até mesmo árvores e
cabanas. Com o sibilado alto e terrível,
ela assustava as pessoas perto dali.”
Não se pode negar que em tempos
calmos as Serpentes do Mar às vezes
aparecem na costa da Noruega, já
que pessoas de confiança, mesmo em
tempos atuais, já disseram tê-las visto32
; a esses relatos, pode ser incluído o
de Hibbert, que diz: “A existência
da Serpente do Mar, um monstro
de 1670 metros de comprimento, é
comprovada pelo próprio animal,
que foi lançado à costa de Orkney,
e suas vértebras podem ser vistas no
Museu de Edingurgo33 .”
O escritor, que entre nós foi
quem mais falou da Serpente do Mar,

32 Comparar o Vestlandske Tidende N. 22, e


o paa trovaerdige Folks Beretninger grundede
Vidnesbyrd, Budstikken Gte Aargang de
Sorenskriver Blom, 159 e 578.
33 Descrição de Shetland, p. 565.

82
é Eric Pontoppidan, em sua História
Natural da Noruega, na qual duas
representações de Serpentes do Mar
são feitas. De acordo com seu relato,
com base nos relatos de marinheiros
de Bergen e de Nordland, e também
de outras testemunhas oculares, esses
monstros vivem nas profundezas do
mar, exceto em julho e agosto, quan-
do, com o clima calmo, eles sobem
à superfície; e afundam de novo no
momento em que o vento começa
a perturbar a água, cuja superfí-
cie parece um espelho. De acordo
com o relato do Comandante de
Embarcações, de 1746, feito em um
tribunal, “A Serpente do Mar vista
por ele nos arredores de Molda se pa-
recia com um cavalo, que se estendia
cerca de uma vara acima da água, de
coloração acinzentada, com o focinho
bem preto, olhos pretos bem grandes
e uma crina branca comprida, que
descia por seu pescoço para dentro

83
do mar. Sete ou oito voltas de seu
corpo, que era muito avantajado,
também eram vistas: de acordo com
o relação, havia uma braça entre as
voltas34 .” De acordo com o relato do
sacerdote Tuchsen de Heroe, e de
outros sacerdotes próximos, essas
Serpentes do Mar eram tão grandes
quanto um barril duplo (Oxchoved),
tinha narinas grandes e olhos azuis,
que à distância lembravam alguns
pratos de peltre brilhantes. No pes-
coço havia uma crina, que de longe
parecia alga marinha.

34 Pontoppidan, 2, 321.

84
DRAGÕES
As tradições de dragões que voam à
noite e cospem fogo são muito comuns
e buracos na terra e nas montanhas
ainda aparecem em todas as partes do
país, onde já foram vistas brilhando
com intensidade, quando a guerra
ou outras calamidades ocorriam.
Quando voltam para suas casas –
onde cuidam de grandes tesouros e
coisas preciosas, que, de acordo com
algumas tradições, tiraram do fundo
do mar –, o som de grandes portas de
ferro pode ser ouvido, portas que se
fecham atrás deles. Como são intensos
e cospem fogo, é perigoso lidar com
eles. Sob a igreja Agers, que se apoia

85
em quatro pilares de ouro, um dragão
cobre imensas riquezas. Foi visto,
até mesmo na memória de pessoas
vivas, ou durante um curto período
antes da última guerra, saindo de um
buraco perto da igreja. Do Buraco
do Dragão em Storoe, em Aadal, do
Monte do Dragão em Rasvog, e em
diversos outros lugares, dragões com
caudas compridas foram vistos no
passado, e às vezes até hoje em dia. O
fato de eles não serem invisíveis vem
de uma antiga tradição, que conta
de um sacerdote, chamado Anders
Madsen, que dizem ter vivido perto
de 1631, que atirou em um dragão
que sobrevoava a prata no chamado
Monte Dragão perto de Tvedevand.

O papel importante representado por


dragões e criaturas assemelhadas nas
antigas canções, lendas e romances,
onde a matança de um dragão é um
dos primeiros sinais de valentia de

86
um herói, provavelmente deu à luz
incontáveis tradições relacionadas a
esses monstros; um incêndio aciden-
tal, uma bola de fogo ou coisa assim,
sendo o suficiente para manter a
crença viva.

Em outro livro, a descrição prossegue:


Entre os fabulosos seres do passado,
deve ser reconhecido o Dragão, rela-
cionado a muitas tradições e canções.
Nas sagas pagãs, nenhuma menção
é feita a sua cor; mas em registros
posteriores, nós encontramos relatos
sobre a Serpente Branca. Ela não deve
ser confundida com a serpente-Tomt
branca (Tomtorn), que nas regiões
do Sul está entre os bons espíritos
domésticos, e é alimentada pelos
moradores da casa na qual fica para
fazer morada embaixo do piso. A
Serpente Branca sobre a qual agora
falamos raramente é vista, alguns
dizem que apenas a cada cem anos, e

87
em locais desertos. Feiticeiros costu-
mavam procurá-la e fervê-la em seus
composto mágicos, para a obtenção
de conhecimento profundo sobre
os segredos da natureza; pois ao se
insinuar nas partes mais internas da
terra, no fundo de rochas e monta-
nhas, entre as fibras mais inferiores
de árvores e plantas, acredita-se que
absorvia suas virtudes ocultas, e a
comunicá-las ao indivíduo por quem
permite ser encontrada. Se alguém
encontrar uma Serpente Branca, deve
pegá-la no mesmo instante pelo meio
de seu corpo, quando ela soltar a pele.
Dizem que apenas lambê-la fortalece
os poderes do homem de modo que,
sem instrução prévia, ele passará a
conhecer as qualidades de plantas,
terras e pedras, a curar feridas e
sarar todos os tipos de doenças. Isso
se chama “tornar-se sagaz”.

88
GIGANTES E
DUENDES
De acordo com o relato encontrado
em diversas sagas e outros textos, na
Suécia, há muito tempo, viveu uma
raça de gigantes cruéis e selvagens
chamada Jotens ( Jotnar) e o país
habitado por eles, perto do Golfo da
Finlândia e de lá em direção ao Norte,
chamava-se Jotunaland, ou Jattehem.
Mas quando um povo mais iluminado
da Ásia, que conhecia o Deus de todo
o universo e o adorou sob o nome de
Pai-Maior, entrou na Suécia por sua
fronteira do Leste, surgiu entre eles
e os Jotnar ou povo-Jatte uma guerra

89
que durou muitos séculos. E quando
Davi matou o presunçoso gigante
Golias, os novos colonizadores asiá-
ticos no Norte, com sua habilidade
e compreensão superior, venceram
os primeiros selvagens do país, que
retiravam mais e mais recursos das
fartas florestas, e fizeram moradas em
cavernas. Dessas épocas se originam
todas as nossas tradições populares
de trolls da montanha, gigantes e
habitantes de montanhas. Eles são
descritos como donos de grandes
quantidades de ouro e outras riquezas,
como malvados, mas crédulos. Suas
mulheres são descritas como feias.
Uma espécie distinta de trolls
Berg ou da montanha eram os
Duendes. Eles eram bons mecânicos
e habilidosos, suas esposas e filhas
são descritas como muito bonitas.
Essa raça de duendes parece surgir
de um povo que migrou de países do
Leste em um período posterior, pois

90
tinham familiaridade com runas, que
usavam em feitiçarias, acompanhados
pela harpa, como vemos na antiga
balada de Sir Tynne:

“Essa era Ulfva, a filha do pe-


queno duende,
a sua mãe ela disse assim:
você pegará minha harpa de
ouro;
Sir Tynne farei com que me ame.
Você lida bem com as runas35 .”

Uma arte parecida de encanta-


mento e feitiço que os Lapplanders
têm mesmo ainda hoje, e com alguma
probabilidade de ser conjecturado
que o povo asiático, que nas sagas é
mencionado com o nome de Duendes,
não passava de uma imigração de

35 A antiga balada dinamarquesa de “Herr


Tonne” ou “Runernes Magt” é apenas uma
variedade da sueca. Está impressa no Danske
Viser, i. 281.

91
Lapps orientais, e a origem da raça
entre nós que ainda traz esse nome:
também que os Fins descendem dos
gigantes, e assim são a mais velha das
raças que agora habitam a Suécia.
Esses povos não tinham unanimidade,
nenhum governo geral nem leis, e
eram, assim, facilmente conquista-
dos pela raça combinada Aesir, que
liderada pelos drotts ou reis, em duas
invasões separadas (os suecos e os
godos), chegaram ao Norte.

Em um período no qual a au-


todefesa era a primeira obrigação do
homem e a vitória era a maior felici-
dade, e até mesmo o próprio Gimle,
ou céu, era conquistado por meio da
coragem e de uma boa espada, era
natural que armas eficientes e bem-
-afiadas fossem vistas como uma das
posses mais preciosas. Dizem que um
bom armeiro deveria ser instruído
por Duendes ou Elfos. Uma boa e

92
elástica espada costumava ser con-
siderada trabalho de um Duende.
Outras coisas preciosas também,
principalmente braceletes de ouro,
com joias ou várias belas cores, às
vezes eram chamadas de ornamen-
tos de Elfos ou de Duendes. Na arte
do forjador, Gigantes e moradores
das Montanhas eram considerados
habilidosos, e entre as montanhas às
vezes são encontradas rochas meno-
res que se soltaram das maiores, que
pelas pessoas comuns são chamadas
de bigornas de Gigantes, sobre as
quais acredita-se que os Gigantes
realizavam seus trabalhos.

93
ELFOS
Tanto no céu quanto no mundo so-
brenatural cristão, os Elfos ocupam
o lugar mais notável. O que já trans-
mitimos a respeito da crença pagã nos
Elfos já foi propagado por tradições,
de era a era, até nossos tempos, com
a adição de grandes histórias cristãs.
Ainda precisam ser encontrados al-
tares de elfos, onde ofertas são feitas
pelos doentes. As mulheres tidas como
sábias, as Horgabrudar de nossos
dias, ungem com banha de porco,
que era usada em ofertas pagãs, e
leem orações, que elas afirmam ser
místicas; depois disso, algo metálico,
que foi vestido ou carregado pela

94
pessoa doente – uma moeda pequena
ou mesmo um grampo bastam – e
por fim, uma cruz (como um objeto
que mostre que o poder do Salvador
também é supersticiosamente invo-
cado), são colocados no moinho do
elfo (alf-qvarn) ou, como também é
chamado, panela do elfo (alf-gryta).
Essas mulheres invocadoras (signer-
skor), quando chamadas para ver os
doentes, normalmente começam
despejando aço derretido na água, e
pelas formas que o metal fluido assu-
me, elas costumam fingir acreditar
que a doença foi causada por Elfos36 ;
depois de garantir o pagamento, elas
começam uma nova manipulação,
que elas chamam de “derrubar” ou
“ungir para os Elfos”, ao anoitecer
da quinta-feira seguinte. Algumas
pessoas do interior ungem o moinho
do elfo sem recorrer a uma mulher;

36 Ver pág. 47 s. para ver um feitiço repetido em


tal ocasião.

95
estas não leem orações, mas apenas
sussurram: “Senhor, me ajude!”.
Entre as tradições mais antigas
envolvendo os Elfos, está aquela que
deve ser lida nas runas em Lango,
em Aspo, em Sodermanland. Com
uma fileira de runas, ali se posiciona,
afastado da rocha, um Elfo com per-
nas esticadas, segurando nas mãos as
cabeças de duas serpentes. As runas
nos informam que “Gislog fez com
que aqueles personagens fossem exe-
cutados por (em memória de) Thor;
e Slodi foi testemunha dos Elfos que
viu, e algo mais – o que era?”. Essas
coisas parecem ter sido feitas com o
objetivo de haver testemunhas dos
Elfos e de outros Trolls que Slodi
tinha visto perto da pedra.
As tradições envolvendo os Elfos,
que são comuns entre as pessoas, as
dividem em três classes: aquelas que
pertencem à terra, ao ar e à água.

96
Em outro livro, a descrição dos Elfos
prossegue: Além dos anões, havia
outra classe numerosa de pequenas
criaturas chamadas Lios-alfar, elfos
brancos mais claros, que viviam no
ar entre o céu e a terra, e eram go-
vernados pelo incrível deus Frey de
seu palácio em Alf-heim. Eram seres
adoráveis e beneficentes, tão puros e
inocentes que, de acordo com algumas
autoridades, o nome deles vinha da
mesma raiz da palavra latina “branco”
(albus) que, de um modo modificado,
tinha a ver com os Alpes cobertos
de neve, e com Albion (Inglaterra),
porque seus penhascos muito brancos
podiam ser vistos de longe.
Os elfos eram tão pequenos
que podiam ir e vir sem serem vistos
enquanto cuidavam de flores, aves e
borboletas; e como gostavam muito
de dançar, frequentemente planavam
sobre a Terra ao luar para dançar na
mata. De mãos dadas, eles dançavam

97
em círculos, criando, assim, os
“círculos de fadas”, que podiam ser
discernidos pelo verde mais escuro
e pela maior exuberância da grama
em que seus pezinhos tinham pisado.
Se algum mortal ficasse no meio
de um desses círculos de fadas, podia,
de acordo com a crença popular da
Inglaterra, ver as fadas e usá-las a seu
favor; mas os escandinavos e teutô-
nicos juraram que o infeliz homem
teria que morrer.

98
DOS SERES
DO MONTE
Entre os Elfos da terra, ou talvez, mais
corretamente, os Elfos subterrâneos,
os habitantes da Montanha ocupam
o lugar de maior destaque. Parece
provável que a compaixão cristã por
aqueles que morreram na época do
paganismo, sem receber as bênçãos
prometidas no Evangelho, é a base
para a ideia não comemorada de
que, esperando nos campos verdes
do grande dia da redenção univer-
sal, temendo e tremendo, eles são
atormentados por desejos sensuais,
como no passado; que desejam o

99
amor e a sociedade dos cristãos, mas,
quando estão em contato com eles,
quando são prejudicados por eles e se
a salvação logo não vier, até mesmo a
própria morte. Em estatura, dizem
que os Elfos são iguais à maioria
das pessoas, mas são mais magros e
delicados. Suas jovens mulheres são
descritas como extremamente be-
las, alongadas como lírios, brancas
como neve, donas de vozes doces e
sedutoras. O tempo que têm para
brincar e dançar vai do pôr do sol
até o anoitecer; mas quando o galo
canta, elas não têm mais permissão
de permanecer na terra. A respeito
do mundo dos espectros, dizem que
se elas não forem descansar quando
o galo já cantou três vezes, elas se
tornam “dagstand”, ou seja, paradas
no local onde o terceiro canto do galo
as alcançou37 . Dizem que é perigoso

37 Ver vol. i. p. 8, nota 3.

100
que uma pessoa entre em contato
com tal “dagstand” invisível em seu
caminho, e acredita-se que muitas
pessoas sofreram de dores e doenças
por esse motivo. Se o viajante, em
uma noite de verão, se deita para
descansar num monte habitado por
elfos, ele logo escuta os tons de uma
harpa com uma canção doce. Se ele
prometer redenção, ouvirá as notas
mais alegres ressoarem de inúmeros
instrumentos de cordas; mas se ele
disser “Você não tem Redentor”,
então com choros e lamento, eles
destruíram sua harpa; depois disso,
tudo fica em silêncio no monte. Nos
montes verdes e vales, nos campos e
nas montanhas, os Elfos realizam
seu “stimm” da noite, ou seja, to-
cam e dançam, e daí a grama cresce
exuberante e com um verde escuro
em círculos; isso, pelas pessoas, é
chamado de danças de elfos, e não
deve ser ignorado.

101
Em quase todas as famílias mais
distintas da Suécia, são encontrados
joias e ornamentos ligados às tradições
de Elfos e Trolls. Assim é contado
que a esposa do conselheiro de estado
Harald Stake, numa noite de verão,
encontrou uma elfo-mulher, que de-
sejava pegar emprestado seu vestido
de noiva para vestir em um casamento
de elfos. Depois de pensar um pou-
co, a mulher decidiu emprestá-lo a
ela. Em poucos dias, foi devolvido,
mas com ouro e pérolas nas barras,
e com ele havia uma série de anéis de
ouro com as pedras mais caras, que
depois, juntamente com a história,
foi passado por muitos séculos como
herança da família Stake.
Entre as pessoas mais simples,
mesmo até hoje, um noivo teme a
inveja dos Elfos, e para combater
isso, há muito é costumeiro colocar
sobre as roupas que serão usadas no
casamento certas plantas de cheiro

102
forte, como alho e valeriana. Perto de
portões e em encruzilhadas, é onde
há mais perigo. Se alguém perguntar
ao noivo o motivo dessas precauções,
ele pode responder: “Por causa da
inveja”. E não existe ninguém tão
triste cuja noiva não se sinta invejada
no dia do casamento, e se não pelas
outras pessoas, pelo menos pelos elfos.

103
OS ELFOS
VOADORES
A menção a eles ocorre raramente.
Eles são descritos como extrema-
mente belos, com pequenas asas nos
ombros brancos, cobertos pela neve;
mas ainda não se sabe se essas asas
são emprestadas ou se pertencem ao
corpo desses seres delicados; mas a
primeira opinião parece combinar
mais com o que vemos nas Sagas, uma
vez que os homens mortais fizeram de
muitos elfos fêmeas suas mulheres.
Transformadas em cisnes, as pessoas
dizem que frequentemente as viram

104
descer do céu, entrando em alguma
água para se banharem; mas assim
que entram na água, ganham formas
humanas.

105
LOFJERSKOR
O “Lofjerskor”, nomeado no antigo
catequismo sueco, parece idêntico
às donzelas-Grove (Lundjungfrur),
uma espécie de Elfos que também
se chamam Grove-folk (Lundfolk).
Acreditava-se que os recôncavos
sagrados dos pagãos pelos quais,
pela lei eclesiástica, era proibido se
aproximar com adoração e supersti-
ção, eram protegidos por divindades
invisíveis, na época do paganismo. Se
um limoeiro ou outra árvore, seja em
uma floresta ou solitária, se desen-
volvesse mais vigorosamente do que
outras árvores, ela se chamava árvore-
-habitação (botrad), e acreditava-se ser

106
habitada por um Elfo (Ra, Radande),
que, apesar de invisível, vivia em sua
sombra, recompensava com saúde e
prosperidade o indivíduo que cui-
dava da árvore, e punia aquele que
a prejudicava.

107
O SKOGSRÅ –
O SJORA
Da mesma raça que os Elfos já men-
cionada, os Skogs ou elfos da Floresta
parecem ser originais e sem dúvida,
da época do paganismo. Como a se-
reia para os pescadores, encontrar o
Skogsrå, na opinião dos caçadores,
também é considerado azar. De acordo
com as tradições antigas de caça, o
elfo-Skogs anuncia sua aproximação
com um redemoinho peculiar, forte,
que balança os troncos das árvores de
modo que elas pareçam a ponto de
quebrar. Se, então o caçador cuspir e
correr, então não há perigo, porque é

108
um barulho qualquer, não há poder
em tais ventos. O Skogsrå, de acordo
com a crença popular, é só do sexo
feminino; daí vem a superstição de
que é um mau presságio para o ca-
çador se, ao sair de casa, a primeira
pessoa que ele encontrar for uma
mulher. Então, ele cospe e a chama de
karingmote. Nas Sagas, essas esposas
da floresta são representadas como
malvadas, que trazem azar; apesar de
as histórias serem, de qualquer modo,
contadas pelos caçadores como tendo
visto esses seres agirem com amizade
ao se aproximarem, dizendo na hora
de partir: “A caça será excelente hoje”.
Nessas ocasiões, eles invariavelmente
conseguiam pegar muitas presas.
Quando os caçadores estão repou-
sando na floresta à meia-noite, eles
se aquecem perto do fogo, tomando
o cuidado de mostrar apenas o lado
da frente, e sempre se movimentam
de modo a fazer com que suas costas

109
não fiquem expostas. Quem tem
histórias a contar sobre esses seres,
normalmente terminam dizendo algo
como: “Quando ela estava na frente
da fogueira, muito orgulhosa e mos-
trando sua bela pessoa, peguei um
ferro do fogo e a cutuquei dizendo:
‘Vá para a mata, Troll odioso!’ Então,
ela saiu correndo com um grito, e
um vento forte subiu, parecendo que
árvores e pedras seriam espalhadas.
Quando ela virou as costas, pareceu
tão oca quanto uma árvore oca ou
um cocho”. Se um cristão mantiver
relações com uma mulher da floresta,
nascerá um ser pernicioso, para pesar
e azar dos outros.
O Skogsrå é ainda descrito como
um espírito fêmea da mata, e como
um jovem de roupas elegantes, de
comportamento amigável e corpo
pequeno, mas… com garras em vez
de unhas! Um homem, testemunha
ocular de sua existência, relata que

110
certa vez, quando saiu para caçar,
depois de acender uma fogueira, e
enquanto descansava, ela apareceu à
frente dele, e o cumprimentou com
gentileza. Diante do convite dele para
se aquecer, ela reagiu assentindo de
modo amigável. Ele, então, ofereceu
e algum lugar uma parte de sua co-
mida, mantendo-a, entretanto, na
ponta de seu machado, já que ele se
sentiu um pouco preocupado ao ver
suas garras; mas ela recusou a oferta,
sorriu e desapareceu. E ele conseguiu
atirar em cinco aves. Se ele não ti-
vesse oferecido parte da comida ao
Skogsrå, não teria conseguido matar
nenhuma.

111
A SEREIA
Homens inteligentes, que deram
atenção às maravilhas da criação,
descreveram uma água encontrada em
certos lagos, chamada água-espectro
(spokvatten). Ela tem a propriedade,
quando aquecida pelo sol, de emitir
uma névoa densa e branca como
neve, parecendo uma forma humana
e também um animal, dependendo
do momento, mudando de aparência
e de curso conforme é levada pelo
vento. As pessoas simples, que vi-
viam em tais lagos, assustadas com
esse fenômeno, afirmam terem visto,
diversas vezes, uma sereia sentada
perto do lago, penteando as longas

112
madeixas com um pente de ouro, ou
de pé nas ilhotas, espalhando seu
corpo na mata, levando diante dela
seu gado branco como neve. Dizem
que a Sereia é falsa e enganadora, e
os pescadores se referem a ela como
os caçadores se referem ao Skogsrå.

113
SUL
HYLDEMOER –
ELDER
Em um sabugueiro antigo vive um ser
chamado Hyldemoer (Elder-mãe) ou
Hyldeqvinde (Elder-esposa). Ela se
vinga de todos os prejuízos causados
à árvore. É contada por um elder em
um pequeno campo no Nyboder38 ,
que ao anoitecer costuma subir e
descer no campo, e às vezes espia as
crianças pela janela, quando elas es-
tão sozinhas. Não é aconselhável ter
móveis de sabugueiro. Uma criança

38 Um bairro de Copenhagen, construído por e


habitado por pessoas que servem à Marinha.

114
foi deixada ali em um berço feito de
sabugueiro, o Hyldemoer veio e a
puxou pelas pernas, e não a deixou
descansar até que ela fosse retirada do
berço. Um camponês certa vez ouviu
seus filhos chorando à noite, e quando
perguntou o motivo, disseram que
alguém estivera ali e os mordera; e
seus seios estavam inchados. A causa
da perturbação, dizem, era porque
o quarto estava cheio de móveis de
sabugueiro.
Essa maravilhosa árvore medici-
nal tem seu nome originado de uma
divindade curadora chamada Hildi,
que juntamente com seus espíritos ou
divindades menores, foi sua morada
embaixo das raízes. Desde o início, os
dinamarqueses adoram e respeitam
o sabugueiro, e o plantam perto de
muros e cercas.
O sabugueiro não pode ser
cortado sem permissão prévia soli-
citada desta maneira: “Hyldemoer,

115
Hyldemoer, permita que eu corte
seus galhos”. Os camponeses, quando
prestes a cortar uma árvore, cospem
três vezes para poder afastar os Vaetts
e outros seres malvados.

116
O BASILISCO
Quando um galo completa sete anos,
ele põe um ovo, do qual nasce, quando
chocado, um basilisco, um monstro
feio que mata as pessoas só olhando
para elas. Dizem que o único método
por meio do qual essa criatura pode
ser destruída é segurando um espelho
à sua frente; pois ele é tão feio que
não suporta ver a própria imagem.

117
A WISH E
O RESGATE
DOS LIVROS
RAROS

A publicação de obras raras e inédi-


tas pela Editora Wish acontece desde
o nosso primeiro lançamento, com
contos de fadas que nunca tinham sido
traduzidos para a língua portuguesa.
Acabamos, com o tempo, nos apaixo-
nando cada vez mais pelo passado e
seus tesouros escondidos. Enquanto
clássicos criam gerações de leitores ao
longo das décadas, os raros e inéditos
mantém aceso o fogo da curiosidade
sobre o que é diferente do comum.
Afinal, quais livros eram lidos e apre-
ciados pelos nossos antepassados?
Quais tipos de obras deslumbrantes
ou estranhas eles tinham em suas
bibliotecas particulares?

118
A literatura rara e inédita leva
a mente para fora do escopo comum,
e direciona nossas lunetas para es-
trelas nunca antes vistas... Ou quase
esquecidas.
A Wish tem o prazer de publicar
livros antigos de qualidade e com
traduções realizadas pelos melho-
res profissionais, envelopados em
projetos gráficos belos e atuais para
agraciar as estantes dos leitores.
São presentes para a imaginação re-
pletos de entretenimento e recorda-
ções de épocas que não vivemos – mas
que podemos frequentar através de
incríveis personagens.

Um abraço da Wish
e até mais! ♥

119

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