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representada a metade dos especialistas

do mundo no assunto, conseguia formular uma


leve noçao de sua mais remota filiaçao linguística.
Eles, assim como o material e a figura, pertenciam
a alguma coisa horrivelmente remota e distinta da
humanidade tal como a conhecemos; alguma coisa
que sugeria assustadoramente ciclos de vida antigos
e profanos dos quais nosso mundo e nossas concepçoes
nao fazem parte.
Ainda assim, conforme os membros iam abanando
as suas cabeças com seriedade e confessando sua derrota
frente ao problema do inspetor, havia um homem
naquela reuniao que suspeitava de um bizarro toque
de familiaridade na forma monstruosa e na inscriçao,
e contou com alguma modéstia a estranha curiosidade
que ele conhecia. Essa pessoa era o agora falecido
William Channing Webb, professor de antropologia
na Universidade de Princeton, e um renomado explorador.
O professor Webb havia participado, quarenta e
oito anos antes, de uma excursao para a Groelândia e
a Islândia a procura de algumas inscriçoes rúnicas que
nao foi capaz de encontrar; porém, na costa oeste da
Groelândia, ele se deparou com uma singular tribo ou
culto de esquimós degenerados cuja religiao, uma forma
curiosa de adoraçao ao diabo, o assustou com seu
deliberado caráter sanguinário e repulsivo. Era uma fé
de que os outros esquimós sabiam pouco, e que mencionavam
apenas com receio, dizendo que surgira em
épocas terrivelmente antigas, antes mesmo de o mundo
existir. Além dos ritos indescritíveis e sacrifícios
humanos, havia certos rituais estranhos hereditários
realizados para um determinado demônio ancestral
supremo, ou tornasuk, e o professor Webb tirou uma
cópia fonética de um velho angekok, ou xama, expressando
os sons em letras romanas o melhor que podia.
Mas o que era mais significante agora era o fetiche que
esse culto adorava, e em torno do qual eles dançavam
quando a aurora saltava alto acima dos penhascos de
gelo. Ele era, como o professor afirmou, um baixo-
-relevo de pedra rústico, compreendendo uma figura
medonha e uma inscriçao oculta. E, até onde ele podia
dizer, ela era um áspero paralelo em seus traços
essenciais da coisa bestial que se encontrava presente
na reuniao.

O Chamado de Cthulhu
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Esse dado, recebido com espanto e admiraçao pelos
membros da assembleia, provou-se duplamente excitante
para o inspetor Legrasse, e ele começou imediatamente
a assediar o informante com perguntas. Tendo
anotado e transcrito um ritual oral entre os adoradores
do pântano que os seus homens prenderam, ele pediu
ao professor que relembrasse o melhor possível as sílabas
tiradas dos esquimós satanistas. Seguiu-se entao
uma exaustiva comparaçao de detalhes, e um momento
de respeitoso silencio quando tanto detetive como
cientista concordaram sobre a identidade da frase comum
aos dois rituais infernais de mundos separados
por grande distância. O que, em substância, ambos
os esquimós feiticeiros e os sacerdotes do pântano
cantaram para os seus ídolos era alguma coisa assim
parecida – sendo a divisao das palavras inferidas das
quebras normais da frase quando entoada em voz alta:
“Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu R’lyeh wgah’nagl fhtagn.”
Legrasse estava mais avançado que o professor
Webb, pois muitos dos seus prisioneiros mestiços
repetiram para ele o que os antigos celebrantes lhes
disseram que as palavras significavam. Esse texto, de
acordo com o que foi dado, dizia algo como isto:
“Em sua casa em R’lyeh, Cthulhu morto aguarda
sonhando.”
E agora, respondendo a um pedido geral e urgente,
o inspetor Legrasse relatou o quanto foi possível da sua
experiencia com os adoradores do pântano; contando
uma história a qual eu podia ver meu tio atribuir um
significado profundo. Ela tinha o aroma dos sonhos
mais selvagens dos criadores de mitos e teosofistas, e
revelava um profundo grau de imaginaçao cósmica
entre os mestiços e párias, como era de se esperar que
eles possuíssem.
No dia primeiro de novembro de 1907, chegou um
chamado frenético a polícia de Nova Orleans a respeito
da regiao ao sul do pântano e da laguna. Os grileiros
que ali viviam, em sua maioria primitivos, mas homens
de boa índole descendentes dos homens Lafitte,
estavam tomados do mais puro terror em relaçao a
algo desconhecido que se aproximara furtivamente
deles durante a noite. Era um vodu, aparentemente,
mas um vodu do tipo mais terrível do que todos os que
eles conheciam; e algumas de suas mulheres e crianças
desapareceram desde que o maléfico tanta começou
o seu incessante batuque ao longe na floresta negra
assombrada onde ninguém se aventurava. Havia gritos
insanos e angustiantes, cânticos de congelar a alma e
tochas diabólicas dançantes; e, acrescentou o mensageiro
assustado, as pessoas nao podiam aguentar mais
aquilo.
A partir disso, um grupo de vinte policiais, lotando
duas carruagens e um automóvel, partiu no final da
tarde utilizando o grileiro amedrontado como guia.
No final da estrada transitável, eles apearam e, por
quilômetros, chapinharam em silencio através da
terrível floresta de ciprestes aonde o dia nunca vinha.
Raízes feias e festoes pendentes de musgo espanhol os
cercavam, e, de vez em quando, uma pilha de pedras
úmidas ou fragmentos de uma parede apodrecida intensificavam,
com sua sugestao de moradia mórbida,
o sentimento de depressao que cada árvore retorcida
e as ilhotas de fungos se juntavam para criar. Por fim,
o abrigo dos grileiros, um amontoado de cabanas
miseráveis, apareceu; e uns moradores histéricos
correram para se aglomerar em volta do grupo de
lanternas balançantes. A batida surda dos tantas era
agora levemente audível ao longe; e um uivo horripilante
chegava em intervalos irregulares quando o
vento mudava. Também um clarao vermelho parecia
filtrar através da pálida vegetaçao rasteira além das
intermináveis avenidas da escuridao da floresta. Relutantes
em serem deixados para trás sozinhos, cada um
dos amedrontados grileiros recusou-se a avançar um
metro na direçao da cena do culto profano, entao o
inspetor Legrasse e seus dezenove colegas tiveram que
seguir sem um guia pelas negras arcadas de horror que
nenhum deles jamais percorrera.
A regiao que a polícia entrava agora era de uma
reputaçao tradicionalmente ruim, substancialmente
desconhecida e jamais atravessada por homens
brancos. Havia lendas de um lago oculto, jamais visto
por olhos mortais, onde habitava uma imensa coisa
poliposa branca e sem forma com olhos luminosos,
e os grileiros sussurravam que demônios com asas de
morcego saiam voando de cavernas nas entranhas da
terra para adorá-la durante a noite. Eles diziam que a
coisa estivera lá desde antes de d’Iberville, antes de La
Salle, antes dos índios, e até mesmo antes de todas as
feras e aves das florestas. Era o próprio pesadelo, e ve-
-la significava a morte. Mas ela fazia os homens sonharem,
e entao eles sabiam o bastante para se manterem
afastados. A tal orgia de vodu era, de fato, na margem
mais simples dessa área abominável, mas aquele local
era ruim o bastante, talvez por isso o próprio local de
adoraçao aterrorizava os grileiros mais que os sons
pavorosos e incidentes.
Apenas poesia ou loucura poderia fazer justiça aos
barulhos ouvidos pelos homens de Legrasse enquanto
abriam caminho pelo pântano tenebroso em direçao ao
clarao vermelho e ao tanta abafado. Há características
vocais típicas dos homens e qualidades vocais típicas
das feras; e é terrível ouvir uma quando a fonte deveria
produzir outra. A fúria animal e a promiscuidade
orgiástica atingiram alturas demoníacas com uivos e
gritos de extase que rasgavam e reverberavam sobre
aquela floresta sombria como tempestades pestilentas

do golfo do inferno. Uma hora ou outra, a gritaria de Chamado


de Cthulhu
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sordenada cessava, e, do que parecia ser um bem ensaiado
coro de vozes roucas, se erguia entoando aquela
frase ou ritual hediondo: “Ph’nglui mglw’nafh Cthulhu
R’lyeh wgah’nagl fhtagn.”
Entao os homens, tendo alcançado um local
onde as árvores eram menos densas, subitamente
avistaram o espetáculo. Quatro deles cambalearam,
um desmaiou e dois foram abalados a ponto de
gritarem freneticamente, mas a cacofonia louca da
orgia abafou os barulhos. Legrasse borrifou água
do pântano no rosto do homem desmaiado, e todos
ficaram paralisados, tremendo e quase hipnotizados
com o horror.
Em uma clareira natural do pântano havia uma
ilha coberta de ervas com cerca de um acre de extensao,
sem árvores e toleravelmente seca. Sobre ela
pulava e se contorcia uma horda de anormalidades
de humanos tao indescritíveis que somente um
Sime ou Angarola poderia retratar. Sem roupas,
essa prole híbrida estava zurrando, berrando e
se contorcendo ao redor de uma grande fogueira
circular, onde, no centro, revelado por ocasionais
brechas na cortina de chamas, se encontrava um
grande monólito de granito com dois metros e meio
de altura, sobre o qual, incongruente por sua forma
diminuta, repousava a pérfida estatueta esculpida.
De um amplo círculo de dez cadafalsos dispostos
em intervalos regulares, tendo o monólito rodeado
de chamas como centro, pendiam, de cabeça para
baixo, os corpos estranhamente desfigurados dos
desafortunados grileiros que desapareceram. Era no
interior desse círculo que os adoradores pulavam e
urravam, a direçao da massa se movia da esquerda
para a direita em um interminável bacanal entre o
círculo de corpos e o anel de fogo.
Poderia ter sido apenas imaginaçao e poderiam
ter sido apenas ecos que induziram um dos homens,
um irrequieto espanhol, a fantasiar que havia ouvido
respostas antifônicas ao ritual vindas de algum ponto
escuro e mais distante daquela floresta de antigas
lendas e horrores. Esse homem, Joseph D. Galvez, eu
encontrei depois e questionei, e ele se provou espantosamente
imaginativo. Ele de fato foi mais longe ao
insinuar o fraco bater de grandes asas, e o vislumbre
de olhos brilhantes e um enorme vulto branco entre as
árvores – mas eu suponho que ele tenha ouvido muitas
superstiçoes nativas.

O Chamado de Cthulhu
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Na verdade, a pausa de horror dos homens foi
comparativamente de curta duraçao. O dever vinha
primeiro, e, embora houvesse cerca de cem mestiços
celebrantes, a polícia confiou em suas armas de
fogo e lançou-se com determinaçao sobre a turba
repugnante. Por cinco minutos, o barulho e o caos
resultante iam além da descriçao. Golpes selvagens
foram desferidos, projéteis foram atirados, e fugas
foram realizadas, mas, no final, Legrasse foi capaz
de contar quarenta e sete prisioneiros taciturnos,
que ele obrigou a se vestirem imediatamente e se
alinharem entre duas filas de policiais. Cinco adoradores
estavam mortos, e dois gravemente feridos
foram carregados em macas improvisadas pelos seus
companheiros prisioneiros. A imagem do monólito, é
claro, foi cuidadosamente removida e levada de volta
por Legrasse.
Examinados na delegacia depois de uma jornada
de cansaço e tensao intensos, os prisioneiros se
mostraram ser homens de um tipo mestiço inferior e
mentalmente extravagante. Muitos eram marinheiros,
e um punhado de negros e mulatos, sobretudo das
Índias Ocidentais ou Brava de Cabo Verde, que dava
um toque de voduísmo ao culto heterogeneo. Mas,
antes mesmo de serem questionados, ficou claro que
alguma coisa muito mais profunda e arcaica do que
aquele fetichismo negro estava envolvido. Degradados
e ignorantes como eram, as criaturas se agarravam
com surpreendente consistencia a ideia central de sua
abominável fé.
Eles adoravam, como eles disseram, os Grandes
Antigos que viveram eras antes de existir qualquer
homem e que vieram do céu quando o mundo ainda
era novo. Aqueles Antigos se foram agora, para dentro
da terra e debaixo do mar, mas os seus corpos mortos
contaram os seus segredos em sonhos aos primeiros
homens, que formaram um culto que nunca morreu.
Este era o culto, e os prisioneiros disseram que ele
sempre existiu e sempre existiria, escondido em ermos
distantes e lugares tenebrosos por todo o mundo até
o momento em que o grande sacerdote Cthulhu, de
sua morada sombria na poderosa cidade submarina
de R’lyeh, se levantaria e colocaria a Terra mais uma
vez sob o seu jugo. Um dia, ele irá chamar, quando as
estrelas estiverem alinhadas, e o culto secreto estará
sempre a espera para libertá-lo.
Depois disso, nada mais precisava ser dito. Havia
um segredo que até mesmo a tortura nao poderia extrair.
A humanidade nao estava absolutamente sozinha
entre as coisas conscientes da Terra, pois emergiam
vultos da escuridao para visitar os poucos fiéis. Mas
aqueles nao eram os Grandes Antigos. Nenhum homem
tinha sequer visto os Antigos. O ídolo cinzelado
era o grande Cthulhu, mas ninguém poderia dizer se
eles eram parecidos com ele ou nao. Ninguém mais
sabia ler a antiga inscriçao, mas as coisas agora eram
transmitidas pela palavra. O cântico do ritual nao
era segredo – ele nunca era dito em voz alta, apenas
sussurrado. O cântico significava apenas isso: “Em sua
casa em R’lyeh, Cthulhu morto aguarda sonhando.”
Apenas dois dos prisioneiros foram considerados
saos o bastante para serem enforcados, enquanto o
resto foi confinado em várias instituiçoes. Todos negaram
participaçao nos assassinatos durante o ritual e
declararam que as mortes foram realizadas pelos seres
alados que vieram de locais imemoriais até o local de
encontro na floresta assombrada. Porém, acerca desses
misteriosos aliados, nao se conseguiu nenhum relato
coerente. O que a polícia conseguiu extrair veio na
sua maior parte de um mestiço muito velho chamado
Castro, que afirmava ter navegado por estranhos
portos e conversado com líderes imortais do culto nas
montanhas da China.
O velho Castro lembrava um pouco das lendas
medonhas que empalideceriam as especulaçoes de
teosofistas e fariam o homem e o mundo parecerem
recentes e transitórios. Durante muitas eras, outras
Criaturas comandaram a Terra, e Elas construíram
grandes cidades. Restos Delas, ele disse que os imortais
homens da China lhe contaram, ainda poderiam
ser encontradas como pedras ciclópicas em ilhas do
Pacífico. Todos eles morreram muito antes da época
dos homens surgirem, mas existem artes que poderiam
revive-los quando as estrelas retornarem para
as posiçoes certas no ciclo da eternidade. De fato, os
seres vieram das estrelas, e trouxeram Suas imagens
com Eles.
Esses Grandes Antigos, continuou Castro, nao
eram feitos de carne e sangue. Eles possuíam forma –
essa imagem vinda das estrelas nao era prova disso?
– mas sua forma nao era feita de matéria. Quando
as estrelas se alinham, eles podem saltar entre mundos
através dos céus, mas quando as estrelas estao
erradas, eles nao podem viver. Embora nao estejam
vivos, Eles nao podem realmente morrer. Todos eles
repousam em casas de pedra na grande cidade de
R’lyeh, preservados pelos encantamentos do poderoso
Cthulhu para uma gloriosa ressurreiçao quando as
estrelas e a Terra mais uma vez estiverem preparadas
para Eles. Mas, nesse momento, uma força de fora
precisa libertar os seus corpos. Os encantamentos
que Os preservam intacto também impedem que
Eles façam o movimento inicial, e Eles podem apenas
despertar na escuridao e pensar, enquanto incontáveis
milhoes de anos se passam. Eles sabem de tudo
o que acontece no universo, pois a forma de Eles
falarem é pela transmissao de pensamento. Mesmo
agora, Eles falam em Suas tumbas. Quando, depois de
infinidades de caos, os primeiros homens surgiram,
os Grandes Antigos falaram para os sensitivos entre

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eles, modelando os seus sonhos; pois apenas assim a
língua Deles alcançava as mentes carnais dos mamíferos.
Entao, sussurrou Castro, aqueles primeiros homens
formaram o culto sobre pequenos ídolos que os Grandes
Antigos apresentaram; ídolos trazidos em épocas
obscuras de estrelas sombrias. Aquele culto nunca acabaria
até que as estrelas estivessem certas novamente,
e os sacerdotes secretos trariam o grande Cthulhu de
sua tumba para reviver os Seus subordinados e assumir
o controle da Terra. O momento seria fácil de saber,
pois a humanidade teria se tornado como os Grandes
Antigos; livre e feroz, e além do bem e do mal, com leis
e morais jogadas de lado, e todos os homens gritando
e matando e festejando em júbilo. Entao os Antigos
livres irão ensinar a eles novas formas de gritar e matar
e revelar e festejar e de se desfrutar, e toda a Terra
irá queimar com um holocausto de extase e liberdade.
Enquanto isso, o culto, através de rituais apropriados,
manteria viva a memória desses antigos modos e manteria
em segredo a profecia do Seu retorno.
Nos tempos antigos, homens escolhidos falavam
com os entumbados Antigos em seus sonhos, mas entao
alguma coisa aconteceu. A grande cidade de pedra
R’lyeh, com os seus monólitos e sepulcros, afundou
sob as ondas, e as águas profundas, cheias de mistério
primordial através do qual nenhum pensamento pode
passar, cortou a comunicaçao espectral. Mas a memória
nunca morreu, e os grandes-sacerdotes disseram
que a cidade levantaria mais uma vez quando as estrelas
estiverem certas. Entao emergiram da terra os espíritos
negros da terra, sombrios e bolorentos, e, cheios
de rumores obscuros, ocuparam esquecidas cavernas
no fundo do mar. Mas sobre eles o velho Castro nao se
aventurou a falar mais. Ele se calou rapidamente, e nenhum
tipo de persuasao ou sutileza foi capaz de eliciar
mais sobre o assunto. O tamanho dos Antigos ele também
curiosamente se recusou mencionar. Do culto, ele
acreditava que o seu núcleo estaria no meio do deserto
intransitável da Arábia, onde Irem, a Cidade dos pilares,
sonha oculta e intocada. Ele nao tinha relaçao
com o culto das bruxas na Europa, e era virtualmente
desconhecido entre seus membros. Nenhum livro se
referiu realmente a eles, embora os imortais homens
da China disseram que havia um duplo significado no
Necronomicon do árabe louco Abdul Alhazred que os
iniciados poderiam ler quando quisessem, especialmente
no muito discutido dístico:
“Não está morto aquilo que pode eternamente jazer,
E com eras estranhas até a morte pode morrer.”
Legrasse, profundamente impressionado e nao
menos perplexo, tinha interrogado em vao sobre as
filiaçoes históricas do culto. Aparentemente Castro
tinha falado a verdade quando disse que era algo absolutamente
secreto. As autoridades na Universidade
de Tulane não puderam lançar nenhuma luz sobre o
culto ou aquela figura, e o detetive procurou as mais
altas autoridades no país, mas nao encontrou nada
mais que o relato da Groelândia do professor Webb.
O interesse febril que o relato de Legrasse provocou
no encontro, corroborado como era pela estátua,
ecoou nas correspondencias subsequentes entre os
participantes, embora apenas pequenas mençoes tenham
ocorrido nas publicaçoes formais da sociedade.
A cautela é o primeiro cuidado daqueles acostumados
a enfrentar ocasionais charlatanismos e impostores.
Legrasse emprestou a imagem por algum tempo para
o Professor Webb, mas, quando este morreu, ela lhe
foi devolvida e permanece em sua posse, onde eu a vi
nao faz muito tempo. Ela é verdadeiramente uma coisa
terrível, e inconfundivelmente relacionada à escultura
do sonho do jovem Wilcox.
Nao me espanta que o meu tio estivesse empolgado
com o relato do escultor, pois o que mais poderia pensar,
depois de saber o que Legrasse descobriu do culto,
de um jovem sensitivo que sonhou não apenas com
a imagem e os exatos hieróglifos da figura encontrada
no pântano e da demoníaca tabuleta encontrada na
Groelândia, mas que cruzou, em seus sonhos, com pelo
menos tres palavras precisas da fórmula pronunciada
pelos esquimós diabolistas e pelos mestiços da Luisiana?
O início imediato de uma investigaçao de extrema
perfeiçao por parte do Professor Angell era completamente
natural, embora eu reservadamente suspeitasse
que o jovem Wilcox tivesse tomado conhecimento
indireto do culto e inventado uma série de sonhos para
aumentar e prolongar o mistério às custas do meu tio.
As narrativas dos sonhos e os recortes coletados pelo
professor eram, é claro, de forte corroboraçao, mas o
racionalismo de minha mente e a extravagância de
todo o assunto me levavam a adotar o que eu pensava
serem as conclusoes mais sensatas. Assim, depois de
estudar minuciosamente o manuscrito mais uma vez e
correlacionar as anotaçoes teosóficas e antropológicas
com a narrativa do culto de Legrasse, eu fiz uma viagem
a Providence para ver o escultor e o repreender,
da maneira como eu pensava ser apropriado, pela
forma tao audaciosa que se impôs sobre um senhor de
idade e bem-instruído.
Wilcox ainda vivia sozinho no Edifício Fleur-de-
-Lys, na Rua Thomas, uma imitaçao vitoriana hedionda
da arquitetura breta do século dezessete que ostent

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