Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Minette Walters
ACIDENTE DE TRÂNSITO
Comunicado cerca das 21.45 h a 13.6.94.
Os polícias Gregg e Hardy chegaram ao local às
22.04 h. Local: Aeródromo em desuso, Stoney Bassett, Hants. Um
veículo envolvido. Rover Cabriolei preto automático Matrícula número JIN
IX — veículo para a sucata. Condutor: Jane Imogen Nicola Kingsley
Inconsciente e a precisar de tratamento
de emergência. Segundo a carta de condução nasceu a 26.09.59
e a morada é 12 Gienavon Gdns, Richmond,
Surrey.
Filha de magnate envolvida em acidente misterioso
Foi comunicado ontem, ao fim da noite, que Jane Kingsley, de 34 anos
de idade, fotógrafa de moda e única filha de Adam Kingsley de 66 anos,
presidente milionário da Franchise Holdings Ltd., foi encontrada
inconsciente na sequência de um misterioso acidente no aeródromo
abandonado, de Stoney Bas—sett, 15 quilómetros a sul de Salisbúria. O
senhor Andicw Wilson, de 23 anos de idade e a sua namorada, Jenny Ragg
de 19, que se encontravam por acaso no local às 21.45 h, pediram
imediatamente socorros.
«O carro estava desfeito» disse o senhor Wilson. «A menina Kingsley
teve muita sorte. Se ela estivesse dentro do carro, quando este embateu no
pilar de cimento, teria morrido esmagada. Estou contente por termos podido
ajudar.»
A polícia descreve o facto de Jane Kingsley ter escapado como um
verdadeiro milagre. O carro, um Rover Cabriolei preto e automático, tinha
colidido de frente com um pilar de cimento, que em tempos foi o suporte de
canto de um hangar. A polícia acha que a menina Kingsley foi projectada
através da porta aberta segundos antes do embate.
«Aquele pilar é a única estrutura daquele aeródromo que ainda se
mantém de pé» declarou o polícia Gavin Hardy «e ainda não percebemos
como ela embateu nele». Não estava mais ninguém no carro e aparentemente
não há mais nenhum veículo envolvido no acidente.
A madrasta de Jane, a senhora Betty Kingsley de 65 anos, ficou
chocada com as notícias, que surgiram poucos dias depois do casamento da
enteada ter sido subitamente cancelado. Esta manhã, na sua casa em
Hellingdon Hall, onde ela e o senhor Kingsley vivem há quinze anos, chorou
amargamente e disse que responsabilizaria o noivo da menina Kingsley, Leo
Wallader de 35 anos de idade, se esta não recuperassse: «Ele tratou—a tão
mal.» Foram as suas palavras.
A polícia admitiu esta manhã que a menina Kingsley tinha estado a
beber antes do acidente. «Tinha uma elevada percentagem de álcool no
sangue» informou um porta—voz. A menina Kingsley encontra—se
inconsciente no hospital Odstock em Salisbúria.
Wessex Post — 14 de Junho
2
Acordou uma noite com o medo a sugar—lhe o ar dos pulmões. Abriu
os olhos, esforçando—se por ver na escuridão. Estava num quarto escuro —
a sua câmara escura, e não estava sozinha. Alguém ou alguma coisa rondava
na sombra sem que ela o pudesse vislumbrar.
O QUÊ?
Medo... medo... MEDO...
Sentou—se bruscamente, o suor a escorrer—lhe pelas costas enquanto
os gritos saíam, tumultuosamente, da sua boca aberta.
A luz inundou o quarto. Foi reconfortada por uma mulher com um peito
macio, braços fortes e uma voz doce.
— Vá lá, Jane, vá lá. Está tudo bem. Acalme—se minha querida. Teve
um pesadelo.
Mas ela sabia que não era verdade. O seu terror era real. Estava qualquer
coisa na câmara escura.
— O meu nome é Jinx — murmurou ela. — Sou fotógrafa e este quarto
não é o meu. — Encostou a cabeça rapada ao uniforme branco e engomado e
sentiu a amargura da derrota. Não haveria mais sonhos doces. — Onde estou?
Quem é você? Porque estou aqui?
— Está na Clínica Nightingale em Salisbúria — respondeu—lhe a
enfermeira — e eu sou a irmã Gordon. Teve um acidente de carro, mas agora
está bem. Vamos ver se conseguimos que volte a adormecer.
Jinx permitiu que mãos firmes lhe entalassem os lençóis.
— Não vai apagar a luz, pois não? — pediu ela. — Não consigo ver na
escuridão.
Ficou de pé, com os olhos secos a olhar para o que restava do filho,
agora levado para uma mesa limpa, o torso discretamente embrulhado em
lençóis de algodão. O cabelo, tão espesso e loiro como tinha sido em vida, era
sem dúvida de Leo e embora fosse terrível, havia ainda suficiente estrutura
facial para a identificação.
Os olhos dele procuraram os do doutor Clarke.
— O que devo dizer à minha mulher? — perguntou—lhe ele. — Nem
sei por onde começar.
Clarke olhou para o pobre corpo sem vida.
— Ela vai precisar de conforto, Sir Anthony, não da verdade. Diga—lhe
como ele estava com um aspecto calmo.
MEMORANDO
para: ACC Hendry
Oe: Superintendente Fisher
Data: 9 de Agosto de 1984
Ref: Assassinato de Russell Landy — 1.2.84
De acordo com a nossa conversa de ontem, pedi a Andrews e a
Meredith para escreverem um relatório do caso. Os pontos mais importantes
são estes:
• Nenhum dos quadros roubados apareceu. A opinião de Andrews e
Meredith, que eu partilho também, é que o roubo nunca foi o motivo.
Averiguações exaustivas não originaram testemunhos do arrombamento. (A
senhora Landy fez uma participação ao seguro para efeitos de indemnização.
Os quadros foram avaliados em mais de 200 000 libras).
• Os movimentos de Landy foram averiguados, até três meses antes do
seu assassinato, mas não há provas do que quer que fosse de estranho no seu
passado recente. O seu negócio era solvente, tal como as suas finanças e,
excepto algumas indicações de que fumava cannabis ocasionalmente, não
participava em quaisquer actividades ilegais. Embora tivéssemos
interrogado os seus amigos, colegas ou conhecidos, não existem provas de
qualquer ligação secreta. Parece extremamente improvável, que tenha sido
morto por um rival.
• Tem vários amigos homossexuais, mas uma exaustiva averiguação
junto da comunidade homossexual convenceu Andrews e Meredith de que ele
não era um homossexual activo e que isto não foi um crime perpretado por
homossexuais.
• Vivia em harmonia com a mulher. Os amigos dizem que ele era
bastante possessivo, mas não existem provas de violência ou crueldade
doméstica. O álibi dela, para a tarde e noite de 1 de Fevereiro, é sólido. A
única altura em que esteve sozinha, a partir do meio—dia, foi quando pagou
ao táxi que a levou do restaurante até à galeria e entrou no local. Estava
sozinha quando encontrou Landy. Andrews e Meredith basearam as suas
opiniões nas provas forenses, que justificaram a teoria original de que Landy
tinha sido atacado, no mínimo, uma hora antes de ela ter chegado, às 21.05.
Com a indicação do motorista de táxi da hora a que a tinha largado e com a
chamada registada para o 112, não há possibilidade de ela própria ter
cometido o crime.
• Os seus movimentos também foram investigados até três meses antes
do crime. Andrews e Meredith procuraram especificamente provas de um
caso amoroso, mas não encontraram. Também procuram provas de um
contrato entre ela e um terceiro, para eliminar o marido, mas não foram
encontradas. Também deve ser dito que não conseguiram descobrir uma
razão pela qual ela o quereria ver eliminado. Mais de cem amigos e colegas
foram entrevistados e todos falaram da relação amigável entre os dois.
Existe uma indicação de que o senhor Landy tinha periódicos ataques de
ciúmes, o que foi explicado por ser vinte anos mais velho do que ela, e não
por qualquer infidelidade.
• Existem dúvidas sobre o papel do pai da senhora Landy, Adam
Kingsley. Todas as provas indicam uma hostilidade extrema entre ele e o
senhor Landy. É evidente que se opôs à relação, desde o início, e que ficou
profundamente zangado quando o casamento se realizou sem o seu
conhecimento. Recusou—se a tornar a falar com o genro, no entanto pai e
filha telefonavam um ao outro com regularidade. Amigos dela dizem que
estava perturbada pelo corte de relações, mas que se recusava a ceder aos
ciúmes de ambos, continuando a relacionar—se facilmente com os dois. A
única condição era nunca falar a um sobre o outro.
• Depois de uma prolongada investigação dos movimentos de Kingsley,
nas semanas anteriores ao assassínio e no próprio dia, Andrews e Meredith
concluíram que embora não fosse impossível ter sido Kingsley a cometer o
crime (naquele dia estava em Londres e poderia ter ido a Chelsea entre uma
reunião em Knightsbridge, que terminou às 16.30, e outra em Edgware Road,
que começou às 18.30) acreditam que seja pouco provável. Kingsley recusa
—se a dizer onde esteve nesse lapso de tempo, mas investigações
independentes, baseadas nos seus movimentos nas semanas anteriores,
revelaram o depoimento de três testemunhas, que confirmam que ele estava
com uma prostituta em Shepheard's Market. Isto passa—se regularmente e já
dura há muitos anos.
• Na ausência de qualquer outra explicação, Andrews e Meredith
inclinam—se para a hipótese de Kingsley ter contratado alguém para matar
o genro. No entanto, não têm sido capazes de confirmar esta ideia e, sem
provas evidentes, não vêem maneira de continuar. As suas suspeitas baseiam
—se na análise do carácter de Kingsley e do seu passado, que, em resumo, é
o seguinte:
1: Sabe—se que teve um número considerável de contactos com o
submundo de Londres desde o início da sua carreira. Nascido e criado nas
docas, nos anos 30 e 40, fez fortuna no mercado negro durante e depois da
guerra. Continuou com esquemas desonestos, que envolviam propriedades
nos anos 50 e 60, antes de «legitimar» o seu negócio, formando a Franchise
Holdings, expandindo—se no desenvolvimento de espaços para escritórios
em larga escala.
2: Começou a acumular uma enorme fortuna, no início dos anos 70,
durante o boom das vendas de propriedades. Sempre teve uma reputação
(não comprovada) de fazer negócios desonestos, mas por duas vezes realizou
acordos vantajosos, fora do tribunal, com jornais, que foram suficientemente
audazes para o sugerirem.
3: Desde que Thatcher subiu ao poder tem vindo a adquirir grandes
terrenos nas Docklands de Londres por preços irrisórios. Para o conseguir,
sabe—se que utiliza os seus contactos no submundo.
4: Foi casado duas vezes. A primeira mulher, a mãe de Jane Landy,
morreu em 1962 com septicemia. Era filha de um médico da classe média,
fora educada numa escola privada e diz—se que Kingsley a adorava. Voltou
a casar em 1967. A sua actual mulher, Elizabeth Kingsley, vinha do mesmo
meio que ele e tinha sido amiga de infância da irmã dele. Pensa—se que
ficou noivo de Elizabeth, em 1958, mas desmanchou o noivado para casar
com a primeira mulher. O segundo casamento não tem sido um sucesso. A
senhora Kingsley tem um problema com o álcool e os dois filhos já foram
admoestados por pequenos furtos, vandalismo e roubo de carros. Os rapazes
têm sido educados em Hellingdon Hall, desde que foram expulsos de
Marlborough por posse de drogas. Sabe—se que Kingsley adora a filha.
Para concluir, concordo com a análise de Andrews e Meredith.
Kingsley continua a ser o primeiro suspeito, embora seja muito pouco
provável que tenha sido ele próprio a cometer o crime. Na ausência de
testemunhas do assalto, do assassínio ou do aparecimento dos quadros
roubados, é difícil sabermos como proceder. Mesmo que nos fosse dada
permissão para procurar nas numerosas contas de Kingsley a prova de um
pagamento do contrato, é muito duvidoso que o encontrássemos.
John
8
Sábado, 25 de Junho, Esquadra da Polícia de Romsey Road
Winchester — 12.30 h
Sem a ligadura e vestida com uma camisola preta e calças, Jinx estava
sentada à sombra de uma faia de ramos caídos e observava as idas e vindas
no caminho de gravilha em frente à clínica. Sentia—se confortável, escondida
atrás de um par de óculos espelhados e, pela primeira vez desde há vários
dias, deixou que o seu corpo cansado relaxasse.
A recordação de que soubera do romance entre Leo e Meg picava o seu
cérebro como uma agulha. Meu Deus! O próprio Leo tinha—lhe dito na sala
de estar da casa dos pais, na presença de Anthony e Philippa como
testemunhas silenciosas e horrorizadas. Ela tinha gritado com todos —porque
teria gritado ? — e Leo tinha dito: Vou casar com a Meg — e ela ficara tão
chocada, tão chocada. Meg e Leo... Meg e Russell... Mas quando? Quando é
que Leo lhe tinha dito?
Lutou com esta recordação, tentando desesperadamente retê—la, mas
como num sonho, começou a fragmentar—se e a desvanecer—se e, confusa,
pegou no ramo de flores, que lhe estava a ser colocado no colo e ouviu Josh
Hennessey a dizer:
— Jinx, querida, estás bem?
Ela esquecera que ele vinha e olhou para a sua cara ansiosa, sorrindo
automaticamente, enquanto desfazia o que fora tecido pelo subconsciente,
deixando ir a recordação.
— Estou óptima — ouviu—se a si própria a dizer. — Desculpa, estava
muito longe daqui. Como estás?
Mas, meu Deus, como ela tinha ficado zangada... lembrava—se da sua
fúria...
Ele pôs—se de cócoras à sua frente, colocando as mãos ao de leve sobre
os joelhos dela, examinando cada pedacinho da sua cara.
— Bastante deprimido, para ser franco. E tu?
Parecia estar à espera de uma reacção e ficou desapontado —
surpreendido? — por não haver nenhuma.
Ela colocou uma mão fina de encontro ao peito onde o coração batia
apressadamente. Qualquer outra coisa aconteceu. Esta tomada de consciência
pesava como uma tonelada. Qualquer outra coisa aconteceu... uma coisa tão
terrível que ela tinha medo de a procurar na sua memória. ..
— Eu diria que estou viva, mas que não estou consciente do facto —
disse ela, respirando convulsivamente e com dificuldade.
— Penso, logo existo, mas como não consigo pensar coerentemente, é
uma existência sem muito significado. — Ela reparou como ele era pouco
atraente, beliscando o nariz e a boca de medo e preocupação.
— Suponho que se estás deprimido, significa que não encontraste a
Meg. Ele abanou a cabeça e ela viu, consternada, que ele tinha lágrimas
nos olhos.
— Desculpa. — Mexeu nas flores que tinha no colo e depois colocou—
as ao seu lado. — Foi simpático da tua parte tê—las trazido.
Ele baixou—se e retirou as mãos.
— Sinto—me tão mal. Não podias ter—me telefonado, ter—me dito que
estavas em apuros? Sabes que eu teria vindo.
— Pareces o Simon.
Ele despenteou o cabelo e desviou o olhar da cara pisada e magra e da
cabeça rapada.
— O Simon tem telefonado quase todos os dias. Os pais estão
desesperados, culpam—se um ao outro, culpam a Meg, querem fazer alguma
coisa para compensar... Bem, tenho a certeza de que consegues imaginar
como eles se sentem. O Simon tentou telefonar para o Hall para saber onde tu
estavas e ouviu uma data de insultos. Claro que é compreensível, mas não
tornou as coisas mais fáceis.
— Desculpa — interrompeu ela —, mas é estranho, Josh, também não
torna as coisas fáceis para mim ter toda a gente a culpar—se mutuamente, só
porque eu bati com o carro numa parede de tijolo.
Ele olhou rapidamente para ela mas não disse nada.
— Não o fiz deliberadamente — disse ela rangendo os dentes. — O
carro custou—me uma fortuna e consigo pensar em cem maneiras melhores
para morrer do que mandar para a sucata um Rover em perfeitas condições.
Ele arrancou uma folha da relva.
— Falei com o Dean, ontem à noite — disse ele pouco à vontade. —
Coitado, desfez—se em lágrimas, disse que se eu te encontrasse, para
te dizer que os negócios vão bem, mas para lhe ligares logo que sejas
capaz. Dei—lhe o número daqui, mas ele tem medo de te falar, no caso de te
sentires infeliz demais para falares com ele.
Não valia a pena.
—Eu não sou infeliz — disse ela com um sorriso forçado. — Estou
contente por ir para casa. — Porque é que a comiseração era tão
insuportável ? — Olha, vamos pôr estas flores no meu quarto e depois vamos
dar um passeio. Que mulher estúpida! Se andasse 50 metros cairia de joelhos.
— Tens a certeza que consegues? — perguntou—lhe ele, levantando—
se.
— Claro — disse ela bruscamente. — Estou farta de te dizer que estou
bem. — Tomou a dianteira para que ele não lhe visse a cara. — Acredita, não
tenciono ficar aqui muito tempo. Já disseram que mentalmente estou bem
para ir para casa, agora só preciso de provar que estou fisicamente bem. —
Quem é que ela achava que estava a enganar"? — É aqui — disse, passando
uma perna bamba pela soleira das janelas francesas, arrastando—se para uma
cadeira.
As flores escorregaram—lhe das mãos e caíram no chão. Sentiu os
braços de Josh a agarrarem—na e viu imagens tenebrosas que flutuavam no
rio caudaloso da sua memória.
Shoebury Terrace 43, Hammersmith Londres — 16.00 h
Fraser tocou à porta do número quarenta e três e perguntou à senhora
Helms se Meg lhe tinha dado alguma indicação de que tencionava deixar o
apartamento depois das férias.
— Não o disse claramente — disse a mulher pensativa —, mas agora
que está a falar no assunto, houve bastante movimento pouco tempo depois
de eles terem ido embora. Lembro—me de ter dito ao meu Henry que não me
surpreenderia se houvesse uma mudança nesse aspecto. Depois pediu—me
para alimentar o Marmaduke e eu esqueci—me, mas lembro—me de ela
insistir que a pobre criatura não deveria entrar em nenhuma das
dependências. «Deixe—o ficar no hall, senhora Helms» disse, atirando—me
uma lata de comida para gato. Agora o que é que lhe vai acontecer? Henry
não o quer por perto, mas aqui ele não está bem, sabe?
— Vamos fazer os possíveis para arranjar alguma coisa — disse Fraser
—, mas talvez entretanto pudesse continuar a dar de comer ao gato?
— Não o vou deixar morrer à fome — resmungou —, mas alguma coisa
deveria ser feita quanto antes. Aquele hall abafado não é lugar para se ter um
animal.
Ele concordou com ela.
— Por acaso não sabe qual era a profissão da Meg Harris, senhora
Helms?
— Parece—me que sabe muito pouco sobre ela, sargento. Tem a certeza
de que se trata mesmo dela?
Ele anuiu.
— O trabalho dela? — insistiu ele.
— Ela dizia que era uma «caça—crânios». Costumava trabalhar para
uma grande firma de consultoria na City, depois montou a sua própria firma
há cerca de cinco anos. Mas não ia muito bem, por aquilo que eu ia
percebendo. As pessoas têm medo de se despedir por causa da crise e não se
pode «caçar crânios» se não há postos vagos para preencher.
— Tem alguma ideia do nome da companhia dela?
— Não. Falávamos do Marmaduke e do leiteiro de vez em quando, mas
para além disso — encolheu os ombros — éramos apenas vizinhas. Nada de
especial. Nada de muito íntimo. Mas tenho pena que ela tenha morrido.
Nunca nos deu problemas.
Fraser pensou na última frase enquanto transpunha os poucos metros até
ao carro do inspector. Nunca nos deu problemas — era o epitáfio mais
deprimente que alguma vez ouvira.
Relatório de um incidente
Polícias presentes: Os polícias Hughes e Anderson.
23.3.94 — Distúrbio comunicado às 23.10 na Paradise Avenue 54
Uma mulher a bater a porta do vizinho e causando incómodo.
Depois da investigação, descobriu—se que a mulher precisava de
cuidados médicos urgentes. Várias nódoas negras na cara e laceração
do recto.
Nome: Samantha Garrison. Prostituta local conhecida.
Disse que tinha sido o marido, mas devia estar a mentir.
Recusou—se a cooperar.
O tempo não tinha importância. Uma hora a ler um livro passava num
minuto. Um minuto de agonia durava uma hora. Apenas o medo era eterno,
pois o medo alimentava—se a si próprio. Medo de quem? O teu? O deles? O
nosso? O meu? O dele? O dela? De toda a gente.
Até a escuridão metia medo.
Confusão... confusão... confusão...
Esquecer... esquecer... esquecer...
Um momento de clareza.
Porque estou aqui? O que estou a fazer?
MEG ERA UMA PUTA! grita a voz da razão. O meu pai tornou—me
má.
10
Domingo, 26 de Junho, Wiltshire — 14.10 h
Alan Protheroe ouviu o que os dois detectives tinham a dizer, com uma
ruga a vincar a sua cara amável.
— Presumivelmente isto é mais complexo do que parece à primeira vista
— comentou. — Se a polícia de Hammersmith apenas quisesse a morada dos
pais da menina Harris, porque não telefonou à menina Kingsley a pedir—lha?
— Porque, na mensagem que ela deixou no gravador de chamadas da
menina Harris, ela diz que esta clínica é uma clínica para doidos —
respondeu Maddocks calmamente — e, como deve saber, há regras para a
polícia que dizem respeito à forma como interrogam os que estão
mentalmente perturbados. Por isso, antes de falar com ela directamente,
Hammersmith pediu—nos para saber porque se encontra aqui e rapidamente
descobrimos, através dos nossos colegas em Fordingbridge, que ela tinha sido
internada na sequência de uma tentativa de suicídio por o noivo a ter trocado
pela menina Harris. Não temos vontade de a incomodar desnecessariamente,
por isso achámos que as perguntas deviam ser feitas por polícias à paisana.
Alan ficou ofendido com as referências a «doidos» e a «mentalmente
perturbados». Mais ainda, desaprovou o próprio Maddocks, não apreciando a
sua personalidade dominadora, que invadira a sala como um mau cheiro.
— Porque não me telefonou? — perguntou ele desconfiado. — Não me
teria importado de fazer eu próprio as perguntas.
Maddocks estendeu as mãos num gesto de capitulação.
— Está bem, vou ser honesto consigo. O problema não é a menina
Kingsley, mas o pai dela. As nossas ordens superiores são muito claras. Não
dar a Adam Kingsley qualquer motivo para processar a polícia de Hampshire
por alegada insensibilidade para com a sua filha doente. Não fazemos ideia
qual será a reacção dela a perguntas sobre a mulher que lhe seduziu o noivo.
Por aquilo que sabemos é que só o mencionar o nome de Meg Harris a faz
trepar paredes. Já temos dificuldades suficientes em pagar aos nossos
polícias, para desperdiçarmos o nosso orçamento em batalhas judiciais com
um milionário irritável, que já está preocupado com o estado mental da filha.
— Virou as palmas das mãos para baixo. — E parece que tem razões para
isso. Ela própria admitiu que está num hospital para malucos e que está morta
de medo de ficar doida. Palavras dela, não minhas.
Fraser teve que admirar a psicologia de Maddocks. Quaisquer que
fossem as suspeitas de Protheroe sobre os motivos da presença deles ali, foi
forçado a desviar a sua atenção e a defender a sua clínica e a sua paciente.
— Inspector, gostaria que parasse de se referir à clínica Nightingale
como um hospital para malucos — disse ele secamente. —Jinx tem um
cinismo saudável em relação a tudo e um sentido de humor sarcástico. Estava
claramente a brincar. Não tenho qualquer preocupação quanto ao seu
equilíbrio mental. Nem ela, acho eu. Ela perdeu um pouco a memória depois
do acidente mas, de resto, está mentalmente capaz.
— Bem, isso é um alívio — disse Maddocks. — Então podemos falar
com ela?
— Desde que ela concorde, não vejo razão para não o fazerem. —
Levantou—se e mostrou o caminho até à porta, reparando com interesse que
o sargento Fraser parecia achar o detective Maddocks tão desagradável como
ele. A linguagem corporal era fortemente eloquente, principalmente pelo
cuidado com que o homem mais novo procurava manter distância entre ele e
o seu superior. Levou—os pelo corredor fora. — Acho que seria melhor se eu
estivesse presente durante a entrevista — disse ele, batendo na porta do
número doze.
— Não vejo razão para não estar, desde que a menina Kingsley
concorde — disse Maddocks com ênfase irónico.
Por sua vez, Jinx ouviu o inspector explicar as razões da sua presença.
Estava sentada numa cadeira junto à janela e, com excepção das palavras
«boa tarde» que desejou aos dois polícias, quando estes entraram,
permaneceu calada até Maddocks terminar. Mesmo nessa altura não
respondeu imediatamente, mas olhou para ele em silêncio durante um
momento ou dois, com o rosto pálido e inexpressivo.
— Os pais da Meg vivem numa aldeia perto de Warminster, chamada
Littleton Mary — disse ela finalmente. — O pai dela é o pároco. Lamento
não poder dar—lhes o número de telefone, porque está na minha agenda e
não a tenho comigo, mas imagino que venha na lista. O primeiro nome dele é
Charles e ele e a mãe da Meg vivem no vicariato.
Pegou no maço de cigarros que estava na mesa, depois mudou de ideias
e deixou—o estar no sítio. De repente, sentiu relutância em chamar a atenção
para os tremores das suas mãos, duvidando da sua capacidade de segurar o
isqueiro com firmeza o tempo suficiente para conseguir acender um cigarro.
— Mas a Meg não está lá — continuou ela na sua voz grave. — Neste
momento, está a passar férias em França.
— Bem, isso explicaria a razão por que temos tido dificuldade em
contactá—la — disse Maddocks, como se ouvisse esta informação pela
primeira vez. Olhou para Alan Protheroe. — De facto, doutor, acho que não
precisamos de si, a não ser que a menina Kingsley fique nervosa se a deixar
sozinha. — Sorriu para ela. — Fica nervosa?
Ela encolheu os ombros com indiferença.
— Nem por sombras.
— Então muito obrigado. Não vamos demorar muito. Maddocks estava
junto da porta aberta.
Alan franziu o sobrolho zangado, tendo consciência de que estava a ser
forçado.
— Gostaria mais de ficar, Jinx — disse ele. — Tenho a certeza de que
seria isso que o seu pai esperaria.
Ela riu baixo.
— Tenho a certeza de que tem razão, mas como tenta convencer—me
continuamente, sou eu que controlo a situação e não o meu pai. De qualquer
maneira, obrigada. Acho que consigo responder a algumas perguntas sozinha.
— Bem, sabe onde estou, se precisar de mim. — Deixou que Maddocks
fechasse a porta com uma mão firme, mas estava desejoso de saber o que se
passava. Era óbvio que Jinx estava tão relutante como os polícias em deixá—
lo ouvir a conversa.
Dentro do quarto, Maddocks sorriu encorajadoramente para Jinx.
— Tem alguma ideia onde ela estará em França, menina Kingsley? Ela
abanou a cabeça.
— Não, mas posso adivinhar. Conheço o homem com quem ela foi. O
nome dele é Leo Wallader e tem um chalé na costa Sul da Bretanha. A
morada é Les Hirondelles, rue St. Jacques, Trinité—sur—mer. Há telefone,
mas mais uma vez — encolheu levemente os ombros — o número está na
minha agenda.
Maddocks anuiu.
— Mas se sabe que ela está em França — disse ele —, porque lhe
telefonou para o número de Londres?
Jinx olhou para ele por um momento, depois pegou no maço de cigarros
e tirou um cigarro. A nicotina era mais importante do que o orgulho. Tentou
chegar ao isqueiro, mas Fraser foi mais rápido, segurando—lhe firmemente a
chama por baixo da ponta tremelicante do cigarro. Ela agradeceu—lhe com
um sorriso.
— A Meg pode telefonar para o gravador e ouvir as mensagens — disse
ela. — Presumi que era isso que ela ia fazer.
— Quem lhe disse que ela estava em França?
— O sócio dela, Josh Hennessey. — Olhou fixamente para ele através
do fumo. — Telefonou—me na quarta—feira.
Maddocks olhou para Fraser para ver se ele tinha escrito o que ela
acabara de dizer.
— E Meg respondeu ao seu telefonema, menina Kingsley?
— Ainda não.
— E este sennor rlennessey está em contacto com ela?
— Que eu saiba, não. Ela não lhe deu nenhum número. Ele fez de conta
que consultava o seu bloco de notas.
— De facto sabemos da existência do senhor Leo Wallader. Apareceu
relacionado com o seu acidente de carro. Ele era seu noivo até há umas
semanas, não é verdade?
Ela soprou o fumo para o ar e observou como serpenteava até ao tecto.
— Sim — respondeu calmamente.
— Mas preferiu a sua amiga Meg Harris e deixou—a por ela. Ela sorriu
vagamente.
— Acertou novamente, inspector.
— Por isso, talvez a menina Harris não se sinta à vontade para lhe
telefonar — sugeriu ele —, apesar da insistência, na sua mensagem, de que
não lhe guarda ressentimentos.
Ela deixou cair a cinza no cinzeiro.
— Para lhe dizer a verdade — disse ela devagar —, realmente não me
lembro do que disse. — Olhou para ele com uma expressão inquiridora nos
olhos escuros.
— Falou de «incorrecção política», disse que devia estar a rasgar aos
bocados as primeiras edições dela, contou—lhe que tinha perdido a memória
depois de ter batido com o carro num pilar de betão e pediu—lhe para lhe
telefonar para aqui, se ela aguentasse o incómodo de falar consigo. Lembra—
se?
— Apenas me aflige — murmurou ela. — O senhor foi muito preciso na
sua introdução. Disse que a polícia de Hammersmith tinha ouvido as
mensagens para ela, apontado este número de telefone e que depois lhe tinha
pedido para me contactar, a fim de obter a morada dos pais dela. Não
mencionou que tinha ouvido a gravação. — Com uma mão fez pressão num
lado da cabeça, onde lhe começara a doer.
— Por isso, ou os senhores estavam lá quando eles a ouviram, ou então
mandaram—lhes uma cópia.
— Mamdaram—nos uma transcrição por fax — disse Maddocks.
— Porque é que fica aflita?
— Posso ver o fax ?
Ele olhou novamente para Fraser.
— Trouxemo—lo connosco, sargento? A última vez que o vi, estava na
sua secretária.
O homem mais novo abanou a cabeça.
— Desculpe, chefe. Achei que não íamos precisar dele. — Virou—se
para encostar o bloco de apontamentos contra a parede, esperando que a sua
raiva e o seu mal—estar fossem menos visíveis.
Jinx observou—o durante um momento. Não sabia mentir, pensou ela,
mas a sua tez também jogava a seu desfavor. Era loiro como Fergus e corava
facilmente. Sentiu uma leve simpatia por ele. Tinha um tirano como chefe e
ela sabia melhor do que ninguém que era preciso um certo tipo de coragem
para enfrentar tiranos ,
— Apenas por curiosidade — disse ela calmamente —, porque não
telefonou para o escritório de Meg e fez estas perguntas ao Josh?
— Porque Hammersmith não conseguiu localizá—lo — disse
Maddocks. — Como eu expliquei no início, parece que ela está a mudar de
casa. Segundo eles, não deixou nada a não ser as primeiras edições, algumas
roupas e o gato.
Ela virou—se para Fraser.
— Então quem está a olhar pelo Marmaduke?
— A vizinha, a senhora Helms — respondeu ele amavelmente. Fez—se
um longo silêncio.
— O que aconteceu realmente com a Meg? — perguntou Jinx em voz
baixa. — Não acredito que o Departamento de Investigação Criminal de
Winchester se desse ao trabalho de ir a Londres revistar o apartamento de
uma pessoa, apenas porque os seus cartões de crédito foram roubados.
Maddocks, tentando controlar uma necessidade de mostrar a Fraser que
o achava um tipo estúpido, debruçou—se sobre a cama de Jinx, inclinando—
se para a frente com as mãos entre os joelhos.
— Não foram apenas os dela que foram roubados — admitiu ele
gravemente —, mas também os do senhor Wallader. A morada registada para
os cartões é 12 Glenavon Gardens Richmond, que já se encontrava nos
ficheiros da polícia de Hampshire devido ao seu acidente. A polícia de
Richmond conseguiu dar—nos a morada e o número do telefone dos pais de
Leo, porque foram buscar essa informação a sua casa a seguir ao acidente. No
entanto, quando contactámos Sir Anthony para sabermos do paradeiro de Leo
e Meg, ele não nos soube dizer nada. E isso preocupou—nos, porque não
percebíamos a razão pela qual nenhum dos dois tinha notificado as
companhias de crédito, de que os cartões tinham sido roubados. Se estão num
chalé na Bretanha, então talvez esteja explicado, mas não percebo por que
razão Sir Anthony não nos pode dar a morada.
Ela afastou—se dele, encostando—se para trás na cadeira e tentou
controlar o pânico que sentia no peito. Tinha acontecido outra coisa...
qualquer coisa tão horrível que tinha medo de procurar na sua memória...
— Ele não a sabe — disse ela numa voz pouco segura que ouvia através
do sangue que batia e corria nos seus ouvidos. — Ele sabe muito pouco sobre
o filho. E a Philippa também.
A cara pesada de Maddocks aproximou—se e os seus pequenos olhos
astutos fixaram—na.
— Sente—se bem, menina Kingsley?
— Sim, obrigada. — Aconteceu outra coisa... esquecer... esquecer...
ESQUECER.
— Eles sabem apenas — continuou ela com uma voz mais firme — que
o seu único capital são umas contas e umas acções, quando de facto ele tem o
chalé na Bretanha, uma casa em Londres, que aluga a qualquer pessoa que
tenha dinheiro para isso e um condomínio na Florida. Pode até haver muito
mais. Ele falou—me dessas três coisas.
— Sabe a morada da casa de Londres?
Tinham tido uma discussão... Anthony e Philippa estavam presentes...
quero casar com a Meg... Meg é uma puta... Olhou novamente para
Maddocks.
— Apenas que é algures em Chelsea — disse ela, humedecendo os
lábios nervosamente. — O advogado dele pode dar—lha. Chama—se
Maurice Bloom e tem um escritório perto da Fleet Street. Tenho a certeza de
que conseguem encontrá—lo através da Ordem dos Advogados.
Maddocks verificou se Fraser tinha apontado o nome.
— Haverá alguma boa razão para que ele não queira que os pais saibam
das suas propriedades? — perguntou ele.
Ela pensou um pouco.
— Depende da sua definição de bom. Sim, ele tem uma razão e
pessoalmente acho horrível, mas faz sentido para o Leo. Fez uma pausa. —
Não posso dizer—lhes o que é, sem parecer resssentida.
— Acho que precisamos de saber — disse o inspector. Precisavam? Ela
estava a ter dificuldade em se concentrar. Eu despedi—me de Leo ao
pequeno—almoço... íamos casar no dia 2 de Julho...
— Eles são de uma certa espécie de pessoas, nem tanto a Philippa, mas
certamente Anthony e Leo. — A voz dela parecia estranhamente remota. —
Nunca se paga nada se conseguirmos que outra pessoa pague, utiliza—se a
perícia de outras pessoas para nos ajudarem a subir e diz—se que se é pobre,
fazendo observações maliciosas acerca de como todas as outras pessoas são
ricas. Torna—se muito cansativo para a pessoa a quem se está a extorquir
dinheiro, particularmente quando se sabe que o parasita, que estamos a
sustentar, está cheio de dinheiro.
Ela estaria doida? Estas eram as últimas pessoas que deviam estar a
ouvir a sua confissão. Fala com o médico... ele quer que a tua estadia seja
confortável... é uma escolha livre...
Maddocks viu os olhos dela a tornarem—se enormes numa cara que
parecia pequena pela falta de cabelo. Sentiu como eles o atraíam, mesmo
enquanto pensava: «Apanhei—te, sua assassina. Realmente odiava o pobre
filho da mãe.»
— E Leo fez—lhe isso a si? — perguntou ele suavemente.
— Não imediatamente. Não foi tão grosseiro. Na verdade, ao princípio
era muito generoso. Foi só quando se mudou para Glenavon Gardens que
percebi que responsabilidade eu arranjara. — Respirou profundamente.
— Não há pressa, menina Kingsley. Leve o tempo que quiser.
Recordações do assassínio de Russell enchiam a sua memória. Leve
o tempo que quiser... não há pressa... sabemos que o seu pai o odiava o
suficiente para o matar... sabemos que o seu pai é um psicopata...
— Ele acredita no princípio de que «o que é teu é meu» — disse ela
rapidamente para calar as vozes na sua cabeça —, mas isso não é recíproco.
Era tão reservado comigo como com os pais. Só soube da existência das
propriedades quando o Maurice Bloom lhe telefonou para minha casa um dia
e, pela conversa, percebi que ele tinha qualquer coisa na Florida. Fiquei
suficientemente zangada para o obrigar a falar—me sobre isso, pois dera—
me a impressão de estar em dificuldades financeiras. — Não há mais nada a
dizer, tal como Fergus, tinha ido buscar dinheiro a minha carteira. Agora
lembrava—se. Tinha sido a sovinice que a irritara, as fugas aos impostos, o
sigilo obsessivo em relação ao banco e cartões de crédito, o egoísmo do seu
estilo de vida.
— Que tipo de emprego tinha ele?
Ela reparou na utilização do imperfeito, mas não disse nada.
— Ele dizia que era corretor, mas como nunca mencionava os nomes
dos clientes, acho que comprava e vendia acções em benefício próprio.
— Saía, para trabalhar, todos os dias? Certamente que ia para algum
lado todos os dias.
— Ele passa o tempo na City. — Eu quero casar com a Meg...
— Para se manter a par das coisas, como ele diz.
— Que tipo de dificuldades financeiras lhe disse ele que tinha?
— Contou que tinha perdido tudo num mau investimento, mas acho que
estava a mentir. Estava sempre a queixar—se de como estava em pior posição
do que eu. Costumava fazer o mesmo com o pai.
— No entanto, você disse que o pai dele era igual.
Ela deixara chegar o dia em que decidiu acabar com tudo aquilo, disse—
lhes o que pensava deles, chamou—lhes parasitas privilegiados, cuja
pretensão a respeitabilidade se baseava no facto de um dos seus antepassados
ter sido suficientemente esperto e corajoso para obter um título.
— Anthony é muito sovina. Nunca paga as contas até à última, na
esperança de que o negócio tenha falido antes de ter que passar o cheque.
— Se a percebi bem, menina Kingsley, está a dizer que Leo pede
dinheiro ao pai.
Ela acenou com a cabeça, mas não disse nada. Meu Deus, eles odiaram
—na pelo que tinha feito. E o triunfante Leo dissera—lhe que tinha um
romance com a Meg e que era com ela que queria casar—se. E o choque fora
ENORME! Lembrava—se de tudo. O ódio de Anthony... «És a filha de um
vendedor ambulante... nunca te quisemos nesta família...» A angústia de
Philippa. «Pára... pára... não se podem retirar as palavras...» O amuo de Leo...
«Quero casar com a Meg... quero casar com a Meg...».
— É essa a razão pela qual nunca lhe falou sobre as propriedades? —
sugeriu Maddocks. — Ele não quer que o pai saiba dos valores que realmente
possui.
Ela acenou novamente com a cabeça.
— Ele era, é — corrigiu ela — obsessivo com o dinheiro. São ambos.
— Deixou de pensar no passado. — Uma coisa posso garantir, Leo teria
imediatamente cancelado os cartões no momento em que se apercebesse de
que tinham sido roubados. E certamente que não iria para França sem eles.
— Então o que está a dizer?
Estou a dizer que Leo está morto. Uma visão, vinda do nada, brilhou de
repente no seu cérebro cansado. Uma imagem bem definida, mas tão breve
que desaparecera antes que conseguisse perceber o que era. Meg é uma
puta... Meg é uma puta... demasiados segredos... déjà vu... isto já tinha
acontecido antes...
— Meu Deus — disse ela, apoiando uma mão pisada contra o peito —
por um momento cheguei a pensar... — Olhou sem expressão para
Maddocks... — O que foi que me perguntou?
Ele não tinha perdido a breve expressão de admiração na cara dela.
— Eu estava a pensar que conclusões teria tirado do facto de Leo não ter
cancelado os cartões?
Ela comprimia a testa com dedos trémulos.
— Sinto—me pessimamente — disse ela de repente. — Acho que vou
vomitar.
Fraser dobrou—se para olhar para a sua cara.
— Vou chamar o médico — disse ele.
— O nome da companhia da menina Harris é a única coisa de que
precisamos — forçou Maddocks, pondo—se de pé. — Podemos começar a
partir daí. Disse que o sócio dela era Josh Hennessey. Qual é o nome da
companhia?
— Pare, Guv, por amor de Deus — disse Fraser zangado, tocando na
campainha ao lado da cama. — Não vê que ela não está bem?
— Harris e Hennessey — murmurou ela. Os números estão no livro por
baixo do telefone de casa da Meg. Primeiro M. S. Harris e depois Harris e
Hennessey. Não percebo porque não telefonaram para lá antes de cá virem.
— E então? — perguntou Maddocks a Fraser ao abrir a porta do carro.
— Porque não o fizemos?
— Não me pergunte a mim, Guv. Eu fui a Downtown Court, lembra—
se? Parece que o superintendente lhe disse para descobrir o que pudesse sobre
Meg Harris.
— É culpa da polícia de Hammersmith — disse Maddocks irritado. —
Raios os partam, têm as listas de telefone à frente. — Sentou—se ao volante.
— O que achou dela?
Fraser ocupou o lugar do passageiro e fechou a porta.
— Tive pena dela. Parece realmente doente.
— Bem, isso não a impediu de fazer as coisas muito melhor do que
você, não foi? — Ligou o motor.
— Ou você — disse Fraser rudemente. — Foi você que pôs o alarme a
tocar e não eu.
Mas Maddocks não estava a ouvir. Meteu uma mudança e virou o
volante.
— Digo—lhe uma coisa, ela não gostava muito do Leo, nem dos pais.
Conheceu Sir Anthony. Diria que a descrição que ela fez é exacta?
— Não se consegue dizer muito sobre um homem quando este está em
estado de choque. Não é pobre, isso é certo. — Reflectiu um pouco. — Na
verdade, achei realmente que ele era um pouco pretensioso, mas o pobre ia
receber a notícia da morte do filho, portanto não analisei muito o assunto.
— No entanto, é estranho — disse Maddocks pensativamente. — Se ela
os desprezava tanto como diz, então por que razão ia casar—se? Quero dizer,
foi Leo que desfez o casamento, não ela, e se ele era tão obsessivo com o
dinheiro, porque é que se livrou ele de uma Kingsley para se casar com a
filha do pároco? Não faz sentido. — Deu um murro amigável no ombro de
Fraser. — Bom trabalho. Parece que tinha razão. Ela é a nossa vilã, sem
dúvida. Agora só temos que apanhá—la.
Fraser tinha as suas dúvidas. Parecia tão bem nas fotografias, mas em
pessoa, como era de prever, era diferente. Poderia uma pessoa tão frágil ter
cometido um crime tão físico? Eram dois e Leo media mais de um metro e
oitenta e dois.
Maddocks abrandou junto dos portões da clínica.
— Ela é muito esperta. Utilizou o logro para os matar, não a força. —
Parou o carro na estrada. — E não se deixe seduzir pelo papel da menina
frágil. Meu Deus, nunca conheci uma mulher tão calculista. A maior parte do
tempo estava um passo à nossa frente e não acredito que sofra de amnésia.
The Ragged Staff, Salisbúria — 18.30 h
A mulher—polícia Blake, confortavelmente discreta, vestida de jeans e t
—shirt, conseguiu finalmente descobrir Samantha Garrison num pub do
centro da cidade. Estava sozinha no bar, uma visão um tanto patética,
envergando um vestido preto sem alças e muito justo, que mostrava todas as
protuberâncias típicas da sua idade, fazendo com que a gordura do seu
antebraço deslizasse como banha derretida por cima do remate de lantejoulas.
O cabelo mole caía—lhe como uma cortina húmida à volta da cara demasiado
pintada e um perfume barato e pestilento emanava dos seus poros.
— Samantha Garrison? — perguntou ela, deixando—se escorregar para
o banco ao lado.
— O, meu Deus — suspirou a mulher —, diga—me que não é um
detective, minha querida. Neste momento não quero chatices. Estou a tomar
uma bebida sossegada no meu bar, está bem? Vê alguns clientes? Eu
certamente que não. A sorte seria uma boa coisa nesta noite de domingo num
buraco miserável como este.
— Não estou aqui para chatear — disse Blake, olhando para o barman.
— O que está a beber?
Samantha olhou para o meio litro de cerveja que fazia durar nos últimos
quarenta minutos.
— Um rum duplo com coca—cola — disse ela.
Blake pediu um gim com água tónica, esperou que as bebidas viessem, e
depois sugeriu que se mudassem para uma mesa isolada junto da janela.
— Você disse que não queria sarilhos — lembrou—a Samantha. — O
que me quer dizer ali que não possa dizer aqui?
— Quero falar sobre o que lhe aconteceu no dia 23 de Março. Acho que
seria menos constrangedor se estivéssemos mais à vontade.
Uma expressão triste instalou—se na cara pintada da mulher.
— Eu sabia que isso iria voltar para me perseguir. E se eu disser que não
quero falar sobre o assunto?
— Então vou pôr—me a falar sozinha e toda a gente vai ouvir. — Olhou
em direcção ao barman. — Estou a tentar facilitar—lhe as coisas, Samantha.
Se preferir, podemos ir para sua casa.
— Meu Deus, não. Acha que eu quero que os meus filhos se lembrem
do que aconteceu? — Saiu do banco. — Então venha para aqui, mas não lhe
prometo nada. Fico a transpirar só de pensar nisso. Suponho que foi o que
aconteceu à outra rapariga que a levou a andar atrás de mim novamente.
Blake sentou—se na cadeira do outro lado e inclinou—se para a frente
com os cotovelos em cima da mesa.
— Que outra rapariga?
— Diz—se que aconteceu a mesma coisa a outra.
— Parece que sim.
— E ela falou?
— Até ao momento não.. Está demasiado assustada. Samantha deu um
grande gole no rum com coca—cola.
— Não estou nada admirada. Blake acenou com a cabeça
— Precisamos de que uma de vocês nos ajude. Estamos preocupados,
porque ele pode matar a próxima rapariga se o fizer novamente.
Examinou de perto a cara da mulher. «Rapariga» pensou ela, era uma
expressão errada. Flossie declarara ter quarenta e seis anos e Samantha
também nunca mais teria quarenta anos. Havia outras semelhanças. Eram
ambas gorduchas, ambas loiras e ambas extremamente desajeitadas com o pó
de arroz quase branco.
— Como é que ele a contactou, Samantha? Engatou—a na rua, ou você
põe anúncios em algum lugar?
— Ouve, querida, eu disse que não prometia nada e estava a falar a
sério.
— Flosse chamou—me «querida», você também me chama «querida».
Por favor, não se ofenda, mas ela e você são muito parecidas. Diria que são
«maternais». — Fez uma pausa para pensar. — A única referência que
Flossie fez ao seu atacante foi chamar—lhe Pequeno Lorde Fauntleroy, por
isso acho que deve ser muito mais novo do que vocês, provavelmente bem—
falante e bonito e também acho que não escolheu nenhuma das duas por
acaso. A avaliar pelo facto de você e Flossie terem a mesma idade e a mesma
aparência, ele estava claramente à procura de um tipo específico de prostituta.
O que significa que a deve ter engatado na rua, senão não saberia como você
é. Estou certa?
— Já há muito que não ando na rua, querida. — Samantha suspirou
novamente. — Olhe, arranje—me mais um rum com coca—cola e nessa
altura, talvez eu lhe conte.
— Eu não vou pagar novamente a não ser que me dê a certeza — disse
Blake com firmeza. — Isto não é oficial, sabe, estou a usar um dinheiro que
ganho duramente.
— Que parva. Ninguém lhe agradece nada, nos dias que correm.
— Quanto é que ele lhe deu para você ficar calada?
— Quarenta — disse Samantha — mas não é o dinheiro querida. Era
ele. Ele disse—me que me fazia tudo outra vez, se eu abrisse a boca e eu
acreditei. Ainda acredito, se é que isso lhe interessa. Estava completamente
louco.
—Quarenta — repetiu Blake verdadeiramente admirada. — Meu
Deus! Deve ter dinheiro para deitar fora. O que leva normalmente? Dez?
— Não houve resposta. — Então ele é um jovem rico, bem—falante e
bonito? — Mais uma vez não houve resposta. — Vá lá Samantha, como é
que você sabia como ele era? Diga—me isso pelo menos. Significa que posso
passar a palavra às outras raparigas para terem cuidado no futuro.
Ela empurrou o copo em direcção à mulher—polícia.
—Eu acho que você está a ver as coisas ao contrário, querida. Acho
que ele esperava uma mulher jovem e bonita e, em vez disso, encontrou
uma prostituta gorda. Tudo o que eu sei é que telefonou para o número do
meu cartão, e o cartão está em tantas montras, que não saberia dizer em qual
deles ele o viu, marcou um encontro, meteu—se na minha cama e ficou
doido. Disse que eu podia ser mãe dele e que eu não tinha nada que fazer
publicidade, fazendo—me passar por outra pessoa. Agora volte a encher o
copo, minha linda.
Blake pegou no copo e levantou—se.
— Então acha que ele procura as prostitutas regularmente, mas que só
bate nas mais velhas?
Ela encolheu os ombros pesados.
— Pensar nunca foi o meu forte, querida. Senão teria sido
neurocirurgião. Sabe, acho que o pai bate na mãe dele: «Diga—lhes que foi o
seu velho que fez isto», disse—me ele «e eles acreditarão.»
11
Domingo, 26 de Junho, Clínica Nightingale Salisbúria — 19.00 h
HELLINGDON HALL
NR FORDINGBRIDGE
HAMPSHIRE
facsímile: 27.6.1994
09. 45
uma página enviada
Caro Dr. Protheroe,
Se as instruções que recebeu estão para além das suas capacidades, por
favor, informe—me imediatamente. Julguei que a minha filha iria poder
recuperar, demorando o tempo que precisasse.
Atentamente, Adam Kingsley
12
Segunda—feira, 27 de Junho, Laboratório Forense Hampshire —
9.30 h
Simon Harris foi à porta e olhou, com algum desalento, para Frank
Cheever.
— Nós, isto é, o meu pai e eu — parou de falar, quando se ouviram
berros vindos da janela à direita.
— A minha mãe não está muito bem. Não consegue aceitar o que
aconteceu. Gostaríamos que ela fosse vista por um médico, mas ela não quer.
O problema é que está a fazer acusações graves e nós estamos preocupados
bem, francamente, está a acusar o pai de coisas terríveis e nós, quero dizer
eu... — calou—se quando a voz da senhora Harris se elevou num grito,
ouvindo—se as suas palavras claramente através da janela.
— Como te atreves a negá—lo? Achavas que eu não sabia como a
desejavas? Achavas que ela não me ia contar o que tu lhe fazias? Ela estava
doida para sair desta casa, estava doida para se afastar de ti. Foste tu que
fizeste dela o que ela foi, e agora atreves—te a acusá—la de fraqueza. Enojas
—me. Sempre me enojaste.
Charles Harris murmurou qualquer coisa, que não se conseguiu ouvir.
— Claro que vou dizer à polícia. Por que razão deveria proteger—te
quando tu nunca a protegeste? Seu nojento. — A voz dela elevou—se
novamente num grito. — Pedófilol — Ouviu—se uma porta a bater, seguindo
—se um silêncio.
Frank olhou para a cara chocada de Simon.
— Nada daquilo seria admissível no tribunal. Eu não podia jurar que era
a voz da sua mãe que estava a ouvir e não um programa de rádio, por isso não
se preocupe desnecessariamente. Como diz, ela está com os nervos em franja
e todos nós dizemos coisas que não queremos dizer quando estamos
zangados.
— Mas o senhor ouviu.
— Sim.
— É uma pura mentira. O meu pai nunca abusou de ninguém na vida e
muito menos da Meg. É a minha mãe que tem o problema. — A angústia
atormentava a sua cara já cansada. — Isto é horrível. Pergunto—me
constantemente porquê? O que fizemos nós para merecermos isto?
Frank foi poupado a responder, pois uma porta abriu—se atrás de Simon
e o pai pôs o braço à volta dos ombros do filho, puxando—o para dentro.
— Entre, Superintendente. Lamento que nos encontre nesta confusão. O
desgosto é muitas vezes a emoção mais egoísta.
MEMORANDO
De: Superint. Cheever
Para: CC
Data: Quarta—feira, 29 de Junho de 1994
Ref: Wallader/Harris
Abaixo seguem todas as informações importantes, que obtivemos até às
9.00 horas de hoje.
• Apesar de extensas investigações não conseguimos encontrar
testemunhas que tenham visto um indivíduo com roupas manchadas de
sangue nas proximidades de Ardingly Woods nos dias 12/13/14 de Junho.
Não foi encontrada qualquer arma. Foram vistos vários carros na área, mas
não há pistas verdadeiras. (NB: O exame de laboratório do carro de Jane
Kingsley não revela manchas de sangue).
• Os objectos pessoais de Wallader e Harris foram localizados em
Eagleton Street, 35, Chelsea.
• Foram encontrados os dois carros de Wallader. Um em Eagleton
Street e o outro numa garagem alugada em Camden. O carro de Harris foi
localizado na rua à porta do número 35. Todos os três carros estão a ser
examinados hoje pelo laboratório, mas uma pesquisa preliminar não revelou
nada de importante.
• A leitura dos diários de Harris, em conjunto com o testemunho de
amigos e conhecidos, sugere que Harris e Wallader tinham um
relacionamento sexual, que embora fosse irregular, já durava há mais de
onze anos. Além disso, sabemos agora que Harris teve um caso com Russell
Landy antes e durante o casamento deste com Jane Kingsley.
• Existem provas de que Harris fez um aborto em Fevereiro de 1984,
cerca de cinco dias depois do assassinato de Landy, embora não se saiba
quem era o pai. Pode não ter sido nem Wallader, nem Landy. Os seus diários
revelam que tinha uma personalidade promíscua, como foi confirmado pelo
testemunho do seu irmão.
• Existem dúvidas sobre a família Harris. Indicação clara de tensão.
Nem Simon, nem o reverendo Harris tinham muito tempo para Meg,
exprimindo ambos a sua preferência por Jane Kingsley (bizarro nas
circunstâncias); a senhora Harris, por outro lado, parece gostar muito de
Meg e está zangada ou tem ciúmes (?) de Jane.
• Uma avaliação psicológica de Wallader, de há vinte e cinco anos,
dada pela mãe, descreve uma criança com uma personalidade bastante
conturbada.
• Os Wallader mencionam uma discussão na segunda—feira, dia 30 de
Maio, durante a qual Leo disse que planeava casar com Meg. Telefonou mais
tarde para avisar os pais, para não divulgarem o facto até ele lhes dar
autorização para tal. Esta só foi dada no sábado, dia 11 de Junho, embora
Sir Anthony e Lady Wallader não percebam o atraso.
• Uma estimativa da fortuna de Wallader, nomeadamente em
propriedades, capital, acções e ouro é de um milhão de libras.
De acordo com o seu advogado, Wallader recusava—se a fazer um
testamento, por isso não existe nenhum.
• Harris informou os seus pais dos acontecimentos de sábado, dia
11 de Junho. No mesmo dia também telefonou ao seu sócio e a dois
amigos, para dar a informação. Não conseguimos encontrar ninguém que
conhecesse os factos anteriores ao sábado, dia 11. Ela disse ao sócio que
estaria no escritório na segunda—feira, dia 13 de Junho. (NB: as anotações
de Harris no diário são irregulares. Existem semanas vazias, seguindo—se
um dia ou dois, totalmente registados. Não há nada escrito depois de
segunda—feira, dia 18 de Maio e nenhuma referência a Leo Wallader desde
Dezembro de 1993, quando ela escreve que passados todos estes anos
finalmente apresentou Leo a Jinx.)
• De acordo com o sócio, não foi ao escritório na segunda—feira, dia
13 de Junho.
• NB: Registo no diário de Harris, a seguir ao casamento de Kingsley
com Landy: «Desde que Russell se tornou inatingível está muito mais
atraente.» O que foi recordado em Abril de 1994: «Jinx diz—me que vai dar
o passo decisivo. Sabia que havia de vir a arrepender—me de os ter
apresentado.»
• De acordo com os depoimentos do senhor e da senhora Kingsley na
terça—feira, dia 14 de Junho (a seguir ao acidente de Jane Kingsley) foram
informados pelo telefone no sábado, dia 11 de Junho, que o casamento da
filha fora cancelado. Isto foi corroborado pelo coronel Eric Clancey que
afirmou, também na altura do acidente, que Jane lhe falara no dia 11 de
Junho sobre a alteração dos planos de casamento.
• O senhor e a senhora Kingsley testemunharam (depois do acidente)
que Jinx passara a semana de sábado, dia 4 de Junho até sexta, dia 10 de
Junho, em Hellingdon Hall. Parecia estar bem—disposta, não mencionou a
discussão com Leo e falou sobre os preparativos para o casamento, como se
este se fosse realizar.
• Jane Kingsley testemunhou, numa entrevista feita a 28.6.94, que não
consegue lembrar—se de nada desde o dia 4 de Junho. Admite ter
conhecimento do envolvimento de Harris com Landy, embora afirme que só o
tivesse sabido depois de um ano . Diz que não se lembra de lhe terem falado
sobre Wallader e Harris, o que é posto em causa pelo testemunho dos pais de
Wallader, que diz que Leo lho contou na tarde de segunda—feira, dia 30 de
Maio, (i.e. antes da perda de memória a partir do dia 4 de Junho). O
inspector Maddocks está convencido de que ela se lembra de mais coisas, o
que parece ser confirmado pelo acima descrito.
• A menina Kingsley admite acreditar que o seu pai poderia ter
mandado matar Landy, mas não acredita que o tenha feito. Não consegue
arranjar provas que confirmem a sua suposição, a não ser a sua própria
convicção de que ele não permitiria que ela encontrasse o corpo. Há algum
mérito neste argumento se Kingsley gostar dela.
• Um acidente, que poderá estar relacionado, ocorreu na Clínica
Nightingale durante a noite de segunda—feira, dia 27 de Junho.
O doutor Protheroe, director da clínica, foi atacado por um intruso com
um malho. A menina Kingsley é sua paciente há cerca de dez dias e, além
disso, o doutor Protheroe recebera a visita do advogado de Kingsley durante
a tarde do dia 27 de Junho.
• Protheroe escapou relativamente ileso, no entanto a arma foi
encontrada mais tarde num pavilhão exterior, na Clínica Nightingale, por
um membro da sua equipa de segurança, que diz que ela pertence à clínica.
O que foi corroborado por testes de laboratório preliminares, que não
encontraram nem sangue, cabelos ou tecido no malho, mas restos de tinta
vermelha do carro de Protheroe, que ficou muito danificado durante o
assalto. Isto sugere que o assaltante conhece bem a disposição dos terrenos
da clínica e aponta para um paciente antigo ou actual, ou possivelmente um
visitante. Protheroe descreveu o seu atacante como sendo um homem com
cerca de
1,78 m ou 1,80 m e de constituição média. O assaltante estava vestido
de preto e usava uma máscara de esquiador ou algo parecido.
• A menina Kingsley mede 1,78 e é magra. No entanto (1) o ataque foi à
noite, (2) Maddocks acha que Protheroe está a fazer o possível, por qualquer
razão, para proteger a sua paciente, (3) a menina Kingsley podia estar a
usar chumaços. Um indicador que poderá valer a pena considerar,
assumindo que o incidente tem a ver com os assassinatos de
Landy/Wallader/Harris, é que a menina Kingsley ficou sem dúvida muito
fraca a seguir ao seu acidente, e Protheroe defendeu—se facilmente. O
doutor Clarke não põe de lado a possibilidade de uma mulher ter atacado
Wallader e Harris. Além do mais, as marcas dos saltos perto do declive,
onde os corpos foram encontrados, parecem indicar que uma mulher esteve
presente.
• Em relação ao assassínio de Landy: o álibi da menina Kingsley para
essa tarde e início da noite do dia 1 de Fevereiro de 1984, foi dado pela
menina Harris. À luz dos novos testemunhos, de que Harris e Landy estavam
a ter um caso, e que a menina Kingsley poderia saber, este álibi não é assim
tão claro como parecia na altura. Vale a pena analisá—lo melhor. (NB: O
diário de Harris não menciona o assunto, nem sequer fala do assassínio de
Landy.)
CONCLUSÃO:
1. Meg Harris tentou que ambos os homens voltassem para ela depois
de terem assumido compromissos sérios com Jane Kingsley. Só temos a
palavra de Kingsley, que diz não saber de nada sobre isto e não guardar
ressentimentos.
2. Parece que Wallader e Harris não revelaram os seus planos de
casamento até pouco tempo antes da sua partida para a relativa segurança
em França.
3. Jane Kingsley também achou melhor guardar segredo.
4. O assassino levou—os, provavelmente, para Ardingly Woods no
carro dele/dela.
5. Na data mais provável para as mortes de Wallader e Harris, Kingsley
bateu com o carro num pilar de betão, apenas a trinta e dois quilómetros de
Ardingly Woods.
6. Pouco tempo depois de Kingsley dar entrada na Clínica Nightingale,
o doutor Protheroe foi atacado com uma arma semelhante à que foi usada
contra Landy/Wallader/Harris.
A equipa de investigação está a concentrar os seus esforços para
descobrir os movimentos de Wallader/Kingsley/Harris entre o dia 30 de
Maio e 13 de Junho. Todas as pessoas relevantes serão questionadas
novamente, para podermos estabelecer uma sequência dos acontecimentos.
Cumprimentos,
Frank
O chão à volta dos pés de Jinx estava cheio de jornais, quando Alan
Protheroe bateu à porta às nove e meia.
— Fui eu que os encomendei — disse ela com um sorriso débil. — Já
viu o que está a acontecer?
Ele acenou com a cabeça.
— Vi as notícias ao pequeno—almoço. As acções começaram
novamente a descer, logo que o mercado abriu.
— Pobre Adam, é muito injusto disse ela com amargura. — Há anos que
estão mortos por o colocar no seu lugar e agora tiveram essa oportunidade.
— Juntou as mãos no regaço. — Sabe o que mais me irrita? é todo este
disparate sobre o facto de não haver sucessor. É uma forma pouco digna de
expor as fragilidades da família. Três pessoas da presente administração. São
perfeitamente capazes de dirigir a empresa, se alguma coisa acontecer ao
Adam, e a City sabe isso. Nunca se falou em Miles, Fergus ou em mim para
lhe sucedermos. Ele não queria. Trabalhou demais para ver os filhos
destruírem o que ele construiu. — Suspirou. — Bem, de qualquer maneira,
estamos a destruí—lo. O que eu fiz não teria qualquer importância, se se
pudesse contar com Miles ou Fergus.
— O que foi que você fez, Jinx?
— E que tal isto para começar? — disse ela sarcasticamente. —
Consegui escolher como vítimas de assassínio, marido, noivo e melhor
amiga. Implica que há qualquer coisa de podre no reino da Dinamarca,
quando três corpos juncam a entrada, não acha?
— Sim.
Fez—se um breve silêncio.
— Sabe por que razão eu odiava tanto a Stephanie Fellowes e porque é
que não me empenhava na sua psicologia estúpida? — perguntou Jinx
friamente. — Porque ela não acreditava que eu não tivesse nada a ver com a
morte de Russell. Ela escreveu isso nos apontamentos?
— Não.
— E você está a anotar o seu cepticismo nos seus apontamentos? Doeria
menos, se ela gostasse menos dele?
— Não.
— Mas está a tirar apontamentos? — Ele anuiu. — Então o que escreve
sobre mim, doutor Protheroe?
— São notas particulares. — As fantasias sexuais de um homem que
está a ficar maluco por ser celibatário... Está bem, Russell soube puxar os
cordelinhos certos, mas excitava—a?... Como é você na cama, menina
Kingsley? — Ontem, por exemplo, escrevi: «É uma pena que Jinx não sorria
mais. Fica—lhe bem.»
Ela franziu imediatamente o sobrolho.
— Em vez de dizer «sim», porque é que não disse: as probabilidades
contra você ou a sua família são inquietantes, Jinx, mas existem? O que o
leva a pensar que eu sou tão forte, que não preciso de ser tranquilizada,
mesmo que seja por um filho da mãe como você?
Ele fez—lhe um sorriso amarelo:
— Porque provavelmente você me teria criticado por ser paternalista.
Sabemos ambos que você não é uma pateta e que terá de enfrentar problemas.
A única coisa que posso fazer, na ausência de alguma coisa de concreto para
trabalhar, é apontar—lhe os perigos de que você poderia não suspeitar. Agora
você é livre de escolher como quer negociá—los.
— É condescendente dizer que sorrir me fica bem.
— Era essa a intenção, mas se é assim que prefere entendê—lo, então
assim seja.
— Odeio o existencialismo.
— Claro que sim — disse ele. — É por isso que você o utiliza tão bem.
— Tocou nos jornais com a ponta do sapato. — O que vai acontecer à
Franchise Holdings?
— Se não conseguirem fazer parar a queda das acções, Adam terá de se
demitir — disse ela sem mostrar qualquer emoção. — Certamente que não
vai ficar de braços cruzados, enquanto os auditores analisam a companhia. De
facto, se tiver algum dinheiro agora é o momento de comprar acções. São de
borla neste momento. Garanto que o preço vai começar a subir no momento
em que o pânico diminuir.
— E os rumores sobre irregularidades financeiras?
— Aposto que não há nenhuns, ou nenhumas que possam ser provadas.
Adam disse uma vez que se o «Nipper» Read da Scotland Yard não tinha
conseguido nenhuma prova contra ele, então ninguém conseguiria.
— E você vai comprar algumas acções? Os olhos dela tiveram um
sorriso perverso.
— Já comprei. Telefonei ao meu corretor esta manhã. Vai vender tudo
da minha carteira de acções, para poder comprar da Franchise Holdings.
— E se você estiver enganada e perder tudo?
— Será por uma boa causa — disse ela. — Pelo menos saberei que
declarei em quem acreditava, quando era importante.
— O motivo é realmente tão puro quanto parece? Ela olhou desconfiada
para ele.
— O que significa isso?
— Verónica Gordon disse—me que a sua madrasta veio cá ontem à
noite. Pensei apenas se não haveria um bocadinho de maldade misturada com
o altruísmo.
Verónica ficara muito mais chocada com a crueldade de Jinx, do que
com o facto de Betty estar bêbada.
«Acho que a subestimei, Alan.» Comentara. «Acho que é tão implacável
como o pai dela.»
— Que tipo de maldade?
— Do tipo que salta para cima e para baixo e diz: Olhe para mim,
Adam, estou a apoiá—lo. Olhe para ela, ela não está.
Jinx acendeu um cigarro.
— A oportunidade de o fazer seria excelente, não acha? Será que
alguma vez a vou ter? Não me lembro de Adam cá vir, mas talvez isso seja
outra coisa que eu esqueci.
— Convidou—o?
Ela sorriu debilmente.
— Também não convidei o Simon Harris, e ele veio. Não convidei o
Miles ou o Fergus, mas eles vieram. Porque é que Adam precisa de um
convite? Com certeza que os pais afectuosos visitam as suas filhas doentes,
naturalmente.
— Talvez ele tenha medo da rejeição, Jinx.
— Duvido. Se tivesse, não seria tão rápido a rejeitar todas as outras
pessoas. — Voltou a falar sobre o facto de ele pôr em questão os motivos
dela. — De qualquer maneira, maldade seria redundante no que diz respeito à
Betty. Ela não pode voltar atrás e está a afundar—se, e eu não vou levantar
um dedo para a ajudar.
Então porque estás tão triste?, pensou ele.
— Existe uma hipótese de ela saber sobre o caso da Meg com o Russell
na altura do assassínio — disse Fraser devagar. — Segundo Hennessey, ela
falou—lhe sobre isso depois de ter perdido o bebé, mas se se lembra, a
história dela foi que tinha encontrado algumas cartas de amor no sótão um
ano depois.
Maddocks colocou as mãos em cima da secretária do superintendente e
debruçou—se agressivamente.
— Tenho a certeza de que não foi a única mentira que ela nos disse. Juro
por Deus que ela nos está a controlar completamente.
— Refere—se ao álibi que a Meg Harris lhe deu?
— Porque ela a convenceu de que estava inocente. Bolas, ela quase o
convenceu a si e o senhor mal a conhece.
— Há cinco minutos atrás você argumentava que ela não tinha morto o
Russell.
— Há cinco minutos não havia provas de que ela soubesse do adultério,
mas nunca se arranja um motivo melhor para assassinar, do que simples
ciúmes. Bolas, tudo o resto que eu disse se confirma. Nada melhor, se foi a
querida Jane que ficou impune pelo assassínio de Russell, podia ligar os
outros assassínios a esse e dizer: «Mas o Met provou que eu não estive
envolvida. Sabem que foi o meu pai.»
— Mas ainda não há provas de que ela soubesse do caso antes do
acontecimento — lembrou Fraser. — Se Hennessey disse a verdade, então
tudo o que temos são indícios de que ela sabia na altura do aborto e isso foi
duas semanas depois do assassínio.
— Existe alguma razão para pensar que ele não está a dizer a verdade?
— perguntou o superintendente.
Fraser abanou a cabeça.
— Não, mas eu não gostaria de contar com ele como testemunha. Ele
está bastante excitado neste momento, tanto está zangado com a Meg por o
abandonar numa situação complicada, como está angustiado quando se
lembra de que ela morreu, passando para uma espécie de protecção amuada,
sempre que o nome da menina Kingsley é mencionado. Eu acho que ele
pensa que a Jane é responsável, mas também penso que culpa a Meg por a ter
levado a fazê—lo. Acho que ele gostava das duas e não sabe a quem culpar.
Frank desenhou um boneco no bloco à sua frente.
— Gostava como?
— Ele conhece—as há muito tempo. — Consultou o bloco de
apontamentos. — Trabalhava com a Meg numa companhia chamada
Wellman & Hobbs, quando Jane era casada com o Russell.
— Quer dizer que ele dormia com alguma delas?
Alan Protheroe dormiu mal naquela noite. Às seis horas desistiu de lutar,
saiu da cama com um gemido, vestiu—se e foi fazer jogging nos terrenos da
clínica. Tinha chovido durante a noite e a relva estava ensopada debaixo dos
seus pés. A água passava através do tecido dos ténis, a cara doia—lhe onde
os pedaços de vidro tinham cortado a pele e o ombro magoava—o a cada
passo que dava. Que diabo estava ele a fazer? Jogging era para masoquistas,
não para médicos cínicos de meia—idade, que sabiam que a morte não
escolhia sistematicamente e que era tão injusta como as políticas de saúde do
governo.
Sentindo—se aliviado por ter tomado uma decisão, encaminhou—se
com dificuldade até um banco no terraço e sentou—se a olhar a paisagem
cheia de neblina. Lá ao longe, para além dos limites da clínica, montes baixos
elevavam—se roxos contra o céu pálido de Verão. Mais perto, a majestosa
torre da maravilhosa catedral de Salisbúria mostrava—se acima dos vários
tons de verde das árvores. Olhou, como sempre, com um pessimismo
cansado. Talvez conseguisse sobreviver à terrível intromissão do homem e
aos artifícios humanos, mas ele duvidava.
— Está muito pensativo — disse Jinx, deixando—se escorregar para o
lugar ao seu lado.
Estava vestida de preto, com um chapéu de lã preto puxado para a testa.
Ele observou os sapatos molhados dela durante um momento, antes de acenar
com a cabeça em direcção à torre da igreja.
— Estava a pensar sobre a destruição ao homem — disse ele — e
quando se chegar a esse ponto, como certamente acontecerá, se ele se
destruirá primeiro a si próprio ou aos seus artefactos.
— Acho que não tem muita importância — respondeu ela, seguindo o
olhar dele. — A natureza ocupará o que deixarmos, por isso os nossos
artefactos deixarão de existir, quer os destruamos ou não.
— É bastante deprimente, não é? Ela riu—se.
— Não vai acontecer se o homem aprender a viver com os seus meios e,
se não conseguir aprender, então não merece este lugar no planeta. Não estou
sentimentalmente ligada à humanidade como espécie. Diria que, em geral,
somos um dos piores produtos da selecção natural. — Apontou para as
árvores à volta da demarcação. — Não fazem senão bem. Nós só fazemos
mal.
— Elas não têm escolha — disse Alan.
— Sim — disse ela devagar. — O livre—arbítrio é uma chatice, não é?
Ficaram sentados, em silêncio, durante algum tempo.
— Bonito chapéu — disse Alan finalmente.
— O Matthew emprestou—mo para proteger a cabeça contra o frio.
Decidiu não lhe perguntar se ela o tinha usado na segunda—feira à
noite.
— Onde é que andou? — perguntou em vez disso.
— A passear.
— É muito corajosa. Segundo Matthew, este lugar está cheio de
prováveis assassinos. Não acredito que ele não a tenha alertado para esse
perigo, quando se deu ao trabalho de me avisar a mim.
Ela acenou com a cabeça.
— Ele já lhe falou da raposa na armadilha, aquela que estava a morder a
própria perna para se libertar?
— Não.
— Morreu de medo. Não quero morrer de medo.
— Então foi dar um passeio, para provar que não tem medo.
— Sim. — Olhou para ele rapidamente, depois continuou a observar a
torre da catedral. — Mas de qualquer maneira não consegui dormir. A
banheira de Matthew não era muito confortável.
— Raramente são — murmurou ele. — Há alguma razão em particular
para querer dormir na banheira de Matthew?
— Claro. Não tenho o hábito de fazer nada sem uma razão.
— Vai—me dizer qual é?
— A casa de banho dele tem uma fechadura.
— Estou a ver. Outro silêncio.
— E onde estava o Matthewr?
— Provavelmente na minha casa de banho, a não ser que fosse
suficientemente corajoso para dormir na minha cama.
Ele esperou.
— Vai explicar — disse ele finalmente — ou está à espera que eu
continue a cansar o meu pobre cérebro exausto e bastante confuso?
— Eu substituo a raposa dele. Ele tornou—se muito mandão nos últimos
dias e eu culpo o existencialismo por isso. Matthew acha que assumir a
responsabilidade significa ser capaz de controlar. — Ela virou—se para olhar
para ele e o seu riso baixo produziu um sopro.
Meu Deus, Protheroe, pensa em sacos de gelo. Ela é uma paciente, por
amor de Deus.
Aeródromo de Stoney Bassett, New Forest, Hampshire — 7.30 h
Ouviu—se um ruído enorme, quando um carro, que estivera parado na
estrada desde a madrugada, se dirigiu a toda a velocidade, batendo no pilar de
betão. Não houve nenhum sobrevivente. Também não estava por perto
nenhum casal a namorar, para os salvar. O carro incendiou—se quase
imediatamente após o impacte, provavelmente porque estava cheio de bidons
de gasolina abertos e, quando um motorista ao passar viu o fumo e chamou os
bombeiros, o único ocupante — que ia ao volante — estava morto.
EPÍLOGO
FIM
Table of Contents
A CÂMARA ESCURA
PRÓLOGO
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
EPÍLOGO
FIM