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MISTER GOLD
1ª Edição

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser


reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos ou
mecânico sem consentimento e autorização por escrito do autor/editor.

Capa: Will Nascimento Designer


Revisão: Lidiane Mastello
Diagramação: April Kroes

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
fatos reais é mera coincidência. Nenhuma parte desse livro pode ser
utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes – tangíveis ou
intangíveis – sem prévia autorização da autora. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98, punido pelo artigo 184 do
código penal.
Philip Snowland cresceu como o herdeiro de uma família bilionária,
mas decidiu ir longe dos negócios da família em Londres e se tornar um
neurocirurgião. Hoje, como um dos mais procurados na Flórida, leva a vida

como um solteiro convicto e ter um caso de uma noite com uma estranha
não é novidade. Mas quando ela aparece com um exame de gravidez e um

ultimato, ele fica sem saída e sua única opção é esperar até que a criança
chegue ao mundo para comprovar que a mulher é só mais uma golpista.

Porém, quando ele recebe um telefonema sete meses depois, dizendo

que o bebê havia nascido, quer desesperadamente ver a criança e descobrir


por si mesmo qual rumo tomaria sua vida a partir dali.

Ele só não esperava que ao chegar no hospital, a mãe do bebê não


tivesse resistido e pior: seu bebê foi roubado.

Ariana Simpson teve uma infância difícil e uma adolescência pior

ainda, correndo atrás dos sonhos do jeito que pôde, Ari não contava com
sua irmã aparecendo grávida e abandonada em sua porta. E pelo jeito o pai

da criança é um pesadelo, pelo que diz a irmã. Sua única saída é fugir com
o bebê, evitando a todo custo que o tal Philip coloque as mãos em seu

sobrinho.

Philip não sabe se a criança é sua ou não, mas isso não importa,
porque tomaram o que é dele, e ele nunca esquece o que lhe pertence.
sumário

nota da autora

prólogo

001

002

003

004

005

006

007

008

009

0010

0011
0012

0013

0014

0015

0016

0017

0018

0019

0020

0021

0022

0023

0024

0025

0026

0027

0028

0029
0030

epílogo

bônus

agradecimentos
“mantenho minha consciência limpa,

é por isso que sou tão magnética

manifesto isso, eu descobri

pego minha caneta e

escrevo algumas cartas de amor para o céu

assim como mágica

eu consigo tudo que eu quero porque eu atraio”

Ariana Grande – Just like magic


Sim, sou eu! A Nana que escreve drama, dark e adora tragédias!
Nesse livro e exclusivamente nele, resolvi apresentar um lado diferente, um
humor mais clichê, mais leve, um tipo de leitura onde você pode se divertir
em uma tarde e guardar as páginas no fundo do coração como lembrança.

Esse livro começou como uma brincadeira. Eu AMO ler sobre bebês,
pais solteiros, mães solteiras (Cobain James está aí para provar isso), e
acabava escrevendo Mister Gold sempre que os outros livros mais pesados

ficavam tensos demais. Era um escape, diversão. Mas de repente gostei


bastante dele e resolvi publicar junto com meus outros romances.

Não espere uma trama mirabolante, segredos e mistérios. Mister Gold

é uma leitura rápida, fofa, com doses de risada e um final feliz garantido!

Eu me apaixonei por Ariana e tenho certeza de que vocês vão amá-la

também!

De mim, para vocês.

Com carinho,
Nana.
“e se eu pecar?
e se eu desmoronar?
então eu serei o monstro?
apenas me avise”
monster, justin bieber ft. shawn mendes

— Eu não me importo com o que vocês precisem fazer, mas


encontrem o bebê! — gritei, fuzilando com os olhos o detetive que

encontrei para encontrar Suzanne.


— Senhor, já falamos com a maioria dos funcionários do hospital,

mas ninguém viu nada. Também conferimos as câmeras de segurança.

— Você quer que eu vá até aquela porra e descubra o que aconteceu

então? Que eu vá averiguar se ele nasceu andando e caminhou para fora do

hospital?

— Não, senhor. Continuaremos procurando.

Virando de costas, deixei claro que os queria fora dali. Acendi um

charuto, indo até a janela do escritório inutilizado e me acomodei na

poltrona de couro gasto, que estava em minha família há três gerações.

Traguei, soltei a fumaça e fechei os olhos, então me lembrei da noite

em que todo aquele inferno começou.

— Isso, Philip! Mais forte, mais rápido! Oh. Meu. Deus. Philip

oooooooh!

Parei de me movimentar e inclinei-me para a frente, colando meus

lábios no ouvido da minha secretária.

— Tente ficar quieta, ou o hospital inteiro vai pensar que estou

matando um gato aqui dentro.


Ela parou com o escândalo imediatamente, gemendo e falando
apenas o que saía naturalmente de seu corpo. Eu era bom. Muito bom. Mas

para isso, não precisava que uma mulher gritasse como se eu precisasse me

sentir o homem mais foda da Terra.

Ela não fodia comigo pelo meu bom humor, nem por minha simpatia,

até porque essas eram duas características que mais me faltavam

ultimamente. Talvez ela pensasse apenas que ia conseguir uma promoção


ou um cheque mensal para fazer compras e cabelo. Eu já tive mais respeito

pelas minhas colegas de trabalho, meses atrás julgava os médicos que

tratavam enfermeiras como bocetas descartáveis.

Parei novamente, ainda dentro de sua boceta escorregadia, decidindo

se queria ou não continuar. Estava entediado, cheio de estresse e raiva.

Mas eram assim todas as vezes, e isso sempre acarretava, em alguma


enfermeira com as calças até o joelho e eu metendo em algum canto do

hospital.

Ela torceu o pescoço para conseguir me olhar e empurrou a bunda

em mim.

— Vamos, Philip. Não pare, por favor, doutor.

Segurei sua cintura mais firme, decidindo que ia apenas terminar

daquela vez, para que pelo menos um de nós saísse feliz da sala, mas antes
que pudesse, meu telefone tocou.

Se fosse qualquer outra hora, eu teria ignorado, mas ultimamente eu


vinha atendendo esperando por qualquer notícia e daquela vez não foi

diferente.

— Philip! — ela gritou quando a deixei dobrada sobre a mesa.

Isso me enervou, porque diabos ela estava gritando, deixando o


andar inteiro saber que estava ali? Eu definitivamente precisava parar com

essa merda.

— Saia — rosnei e dei um passo em sua direção.

Percebendo que eu não estava brincando, ela rapidamente puxou a

saia para baixo e saiu.

— Philip — respondi na linha.

— Senhor, nós a encontramos.

Alívio me inundou.

— Onde?

— No hospital público de um bairro decadente da cidade.

— Ótimo, a traga para mim.

— Isso não será possível, senhor.


Franzi a testa, me perguntando que tipo de catástrofe poderia ter

acontecido para que algo se tornasse impossível para mim.

— E por quê? — perguntei calmamente.

— Porque ... ela não sobreviveu e o bebê...

Inspirei com força, tentando entender por que seu mistério para dar a

notícia sobre a criança me deixava tão aflito. Eu não queria ter nada a ver
com ela, afinal de contas. Com nenhuma das duas.

— O bebê desapareceu.
“minha presença é doce e minha aura é brilhante
diamantes são bons para o meu apetite
acho que simplesmente caiu a ficha numa noite
todos aqueles demônios me ajudaram a enxergar as coisas de forma
diferente
você sabe que soa tão idiota
então, talvez você devesse calar a boca”
shut up, ariana grande

Quem diria que bebês podiam chorar tanto? Droga! E comer também.

As minhas últimas economias estavam indo embora mais rápido do que eu

esperava, leite, fraldas, talco, lencinhos e toda a parafernália que um recém-


humano precisava. Se esse foi o trabalho que eu e Suzy demos à nossa mãe,

então eu começava a compreender porque ela nos abandonou.

Como se pudesse ler meus pensamentos, o bebê gritou, esperneando e

chutando no ar. O choro trêmulo era rotineiro e eu estava quase surda por

ouvi-lo todos os dias. O bebê não dormia. Não me deixava dormir. Não
estava feliz com nada.

— O que mais você quer da vida? Tem comida de graça, roupas

limpas e dorme na hora que quer! Eu tenho olheiras de uma semana e


preciso escolher qual refeição do dia comer!

Ele parou de chorar e ficou me olhando como sempre fazia. Os olhos

cor de caramelo derretidos quase derretiam meu coração. Eu abaixei até

minha testa encostar na sua e beijei o pequeno nariz.

— Sinto muito ter ficado brava, é só que eu não esperava que você

fosse dar tanto trabalho.

Ele fez um caminhão com a boca e babou no meu rosto, rindo quando

me afastei.

— Pequeno sacana.

Terminei de vestir seu macacão usado pelo segundo dia seguido e o

coloquei de volta no bebê conforto. Então lavei minhas mãos na pia e passei
pelo cabelo, lavando o rosto em seguida. Estávamos sobrevivendo com a
água da caixa, então eu a usava para ele, porque era aquecida, mas fazia as

minhas próprias coisas no bar que ficava embaixo da nossa casa.

Era uma casa com dois quartos, então o dono do bar vivia em um e eu

ficava com o outro. Ele tinha costumes nojentos, amigos mais nojentos

ainda e vivia... nojentamente. Eu odiava ter que viver naquele lugar com o

bebê, mas que escolha tinha? Não é como se eu tivesse parado num ponto
da vida e decidido ter uma criança, isso só aconteceu.

Em um dia, eu morava com uma colega de quarto, trabalhava em

eventos como modelo, gastava o que tinha em maquiagem, aluguel e

roupas. Conhecia muitos DJ’s, o que me acarretava, em ganhar ingressos

para as festas mais badaladas, conhecia tanta gente que não cabia na lista de

contatos do celular.

Mas no momento que minha irmã fracassada, que eu não via há

quatro anos apareceu na minha porta, grávida e pedindo abrigo, tudo

mudou. Não mudou imediatamente, mas conforme a gravidez avançava e

meu salário começava a ser dividido com ela, com coisas que ela precisava,

que ela se sentia sozinha e eu deixava de sair para ficar com ela, eu sabia
que ia mudar muito em breve.
Então, meses atrás, nós acordamos com seus gritos e a levei para o

hospital.

Num piscar de olhos, eu perdi minha irmã para uma hemorragia grave

e ganhei um sobrinho. O bebê.

Suas últimas palavras foram: Não deixe Philip encontrá-lo.

Seis meses da minha vida se passaram e eu nem vi o que aconteceu.

Eu tinha poucas informações sobre o pai do bebê. Mas do pouco que

sabia, não queria nem o ver de longe. Suzy o pintou como o diabo, e eu não
tinha curiosidade de confirmar se procedia ou o cara poderia ser um anjo.
Eu sabia que era podre de rico, então se minha irmã grávida fugiu dele

mesmo com dinheiro envolvido, tinha um motivo.

Muitas vezes, quando o leite estava acabando e eu começava a me

desesperar sobre como ia conseguir a próxima lata, o pensamento de ir


procurá-lo era quase mais forte do que eu, mas me mantive firme à

promessa que fiz a Suzy e nunca cedi a esse impulso. Eu passava


necessidade, mas o bebê não. Ele tinha tudo o que precisava. Tentei deixar
nossa casa-quarto o mais arrumada possível, limpava incansavelmente.

Sempre fui cuidadosa, e estava provando isso agora mais do que nunca.
Mas eu queria poder comprar o leite mais caro e consequentemente,

de maior qualidade, queria não precisar andar pela cidade inteira até
encontrar lojas com liquidação de quase 90% de descontos para comprar

suas roupinhas, queria um bebê conforto que não tivesse vindo de um bazar
decadente.

Queria tantas coisas, mas, por agora, precisava me contentar com o


teto sob nossa cabeça.
“eu não sei porque eu fugi
eu te faço chorar quando eu fujo
papaz, me aceite de volta porque eu quero ficar
guarde suas lágrimas para outra pessoa”
save tyour tears, ariana grande ft. the weeknd

— Ouvi o pirralhinho chorar essa manhã. — Eu dei um pulo e virei


para a frente, empurrando Nick para longe. Ele segurou meus braços e os

colocou para trás, encostando em mim novamente. Eu podia sentir seu

membro duro, e o bafo de bebida.

— Cai fora, Nick — rosnei, tentando me soltar.


— Vamos lá, Ariana. Eu sei que você precisa.

Meus olhos encheram de lágrimas, mas eu pisquei, as afastando. A


última coisa que precisava era deixar o imbecil me ver chorar. Nick era um

pé mais alto que eu, braços fortes daqueles ratos de academia e as pernas

finas, ele não era feio, mas não era nada exuberante. Tinha um rosto
comum, olhos comuns, uma boca comum, mas não havia nada de comum

em sua atitude.

Ele era um idiota folgado e eu tinha certeza de que ele deveria ser
agressivo. Mas eu sempre me afastava rápido o suficiente ou sempre estava

com o bebê, o que o impedia de fazer movimentos mais ousados.

Mas havia momentos que eu lhe dava uma liberdade limitada, tentava

fugir disso, mas ele parecia saber quando eu estava a ponto de quebrar, e
aquele era um desses momentos.

— Nosso garoto está sem leite, você vai realmente deixá-lo passar

fome?

— Não tem nada de “nosso” garoto! Eu já te disse pra nem olhar para

ele.

Apertando meus braços um pouco mais forte com uma mão, ele subiu

minha camiseta com a outra.


— Tudo bem, ok. Eu não tenho porque olhar o pequeno catarrento
quando sua mamãe gostosa está mais do que disposta a me dar uma visão

melhor.

Fechei os olhos, tentando conter minha raiva e fiz um esforço divino

para não cuspir em sua cara de panaca.

— Sente-se no sofá, você já sabe, não me toque. Eu juro por Deus,

Nick, se você me tocar, eu te mato. Entendeu?

Ele me deu um sorriso gigante, foi até a geladeira pegar uma cerveja e

sentou, como eu havia mandado.

— Minha atriz pornô. Minha própria pornografia ao vivo.

Ele pegou seu celular velho e colocou uma música, o que sempre me
preocupava, porque se o bebê acordar e não chorar, eu não saberia até entrar

no quarto novamente.

— Dança pra mim, minha vadiazinha. Me mostra esses peitões.

Eu odiava a voz dele. Odiava mais ainda o barulho de seu zíper

descendo e ele cuspindo na mão. Eu queria fechar os olhos, mas precisava

ficar atenta ao caso de ele levantar e tentar fazer algo. Sua mão agarrou o
próprio membro e ele fitou meu corpo inteiro, eu tirei a camiseta, dançando
de má vontade, meus seios saltaram livres e suas mãos ficaram mais

rápidas.

Eu morava com Nick desde que peguei o bebê no hospital e minha

“amiga” com quem dividia o apartamento disse que não aguentaria viver
com um recém-nascido sob seu teto. Aguentei pagar um hotel nas primeiras
três noites, depois nos mudamos para um motel fuleiro, e quando estava na

reserva de dinheiro, encontrei Nick saindo do quarto ao lado do meu. Ele


foi amigável, simpático e me ofereceu um lugar de aluguel barato.

Eu pagava com faxina, o que era uma benção e uma maldição ao


mesmo tempo.

Mas só de todo o pouco dinheiro que eu conseguia poder ser


unicamente usado com o bebê, já ajudava demais.

A primeira vez que Nick me ajudou, eu achei que era pela bondade de
seu coração, mas quando depois de me levar ao mercado para comprar um

valor de coisas para o bebê, ele apalpou minha bunda, eu soube que de
bondade naquela casa, só o bebê mesmo.

Eu dei um tapa na cara dele e ameacei ir embora e chamar a polícia,

mas Nick me convenceu a ficar, pedindo desculpas e dizendo que estava


bêbado. Eu sabia que ele não estava, mas o desespero de gastar dinheiro que

não tinha em um hotel, ou pior, ficar na rua, me fez voltar atrás.


Eu não sei como chegamos ao ponto de me tornar sua “atriz pornô”,

mas tinha algo a ver com as fraldas terem acabado, e o bebê chorando de
fome. Então Nick abriu a porta e balançou uma nota na minha frente.

Eu concordei com qualquer coisa que não envolvesse nós dois nos
tocando.

O que uma mulher desesperada fazia por seu bebê? E ele nem sequer
era meu!

Depois que aqueles momentos acabavam, eu tomava um banho, me


vestia dos pés à cabeça e deitava com o bebê na cama, abraçando-o bem

forte, me lembrando porque fazia aquilo, rezando para sairmos daquela


situação um dia.

— Eu vou gozar, ah, caralho, eu preciso gozar nesses peitos! — Ele

levantou e veio em minha direção em passos rápidos, eu mal pude falar, não
consegui reagir quando Nick agarrou meu cabelo e me forçou a ficar de

joelho, então em câmera lenta, eu vi sua mão direcionar o pênis em minha


boca.

Mas no próximo segundo ele estava no chão e o apartamento foi

invadido.
Barulhos, vozes e ordens sendo dadas me deixaram paralisada de
choque.

Eu olhei para todos os cantos, mas era tudo um borrão.

— Moça? — Um homem estalou os dedos na minha frente. — Ela


está em choque.

Eu pisquei, vendo que tinham cinco homens, um deles segurava Nick


e apontava uma arma para sua cabeça, enquanto ele gaguejava algo que eu

não compreendia.

— Tem certeza que é aqui?

— Sim, doutor. Veja a foto.

Então, como se fosse um sinal, um chorinho fraco soou e ignorando


todos eles, eu corri para meu quarto, pensando que a única coisa que podia

fazer era pegar o bebê e fugir dali com ele.

Ouvi gritos atrás de mim, mas meu foco era ele, e apenas quando o

peguei nos braços me acalmei. Lembrando imediatamente que estava


apenas com um shorts curto. Meu cabelo todo bagunçado, os olhos

chorosos e nada mais.

Joguei um lençol em minhas costas, segurando as pontas na frente e

envolvendo o bebê nele também. O choro angustiado quase me derrubou


quando ele esfregou o rostinho em meu peito e como se sentisse que aquilo
era o certo a fazer, tentou agarrar o bico.

— Me dê a criança.

A voz fria e grossa congelou até minha alma. Eu olhei para a porta,
vendo um homem alto e bem construído vestido num terno cinza. Os

cabelos castanhos caíam um pouco na testa, e um relógio que parecia bem

caro ocupava seu pulso. O queixo rígido, e a boca apertada numa linha fina,
as sobrancelhas franzidas.

Eu nunca o tinha visto na vida, mas ao olhá-lo, sabia exatamente

quem ele era.

Aqueles olhos. Os olhos de tom caramelo derretidos eram exatamente


iguais aos do bebê, a única diferença era que o brilho de um, não existia no

outro.

Aquele era Philip.

Ele era o pai do bebê.


“porque eu já tive de tudo
mas ninguém está ouvindo
e isso é terrivelmente solitário
estou tão solitário”
lonely, justin bieber

Primeiro, eu precisava convencer o meu pau que aquele não era um


bom momento de querer atenção, depois eu ia arrancar a cabeça daquele

maldito, e por último, mataria aquela mulher.

Mas antes, realmente precisava bater um papo entre cabeça de baixo e

cabeça de cima com meu corpo, ele estava com tesão na infeliz que roubou
a minha criança?

— Ele é meu, eu não vou te dar nada. — Sua voz fez meu traidor lá
embaixo pulsar. Ela começou a se explicar antes que eu pudesse dizer

qualquer coisa, o que por si só já me deixou alerta.

— Seu? Você não tem vergonha na cara?

— Eu acho melhor você sair daqui, antes que eu chame a polícia.

Dei risada, desacreditado da cara de pau daquela mulher.

— Faça isso, vou adorar esperar os policiais chegarem aqui e explicar

como uma bandida roubou o meu filho do hospital, sumiu com ele e o fez
viver nessa espelunca!

Ela ficou pálida, gaguejando nas palavras.

Eu não estava exagerando, o lugar era terrível. Dois andares, no

primeiro ficava um bar medíocre, cheio de bêbados velhos, e em cima,

aquele barraco caindo aos pedaços. Havia mofo no teto, e marcas de

infiltração na parede. A janela estava quebrada, com um pedaço de papelão

cobrindo o buraco no vidro.

— Você é uma prostituta? Pretendia vender o meu filho?

— O quê? — gritou, seu rosto contorceu e percebi que estava com

raiva. — É claro que não! Ele é tudo o que eu tenho!


— Ele é tudo o que eu tenho também, e você o está segurando com
força o suficiente para esmagá-lo.

Suas mãos tremiam.

— Eu o segurei desde que nasceu, cuidei, alimentei, vesti e mesmo

que não tenha sido nas melhores condições, fiz o que pude! Ele é minha

família, você pode chamar a polícia e até o capeta, de perto de mim o meu

sobrinho não sai!

Quando ela parou de gritar, eu queria ir até lá, empurrá-la na parede e

foder sua boca, mas me mantive petrificado, esperando que meu rosto

demonstrasse tédio e impaciência. Meu choque venceu a batalha ao ouvir

que se tratava da irmã da golpista que tentou levar a melhor sobre mim.

Quer dizer que a infeliz não conseguiu fazer a boa comigo e abandonou
meu filho?

— Então você é irmã de Suzy?

Eu não sabia, mas comecei a reparar nas semelhanças. Ela era mais

curvilínea, mas era magra, não a ponto de ver as costelas, mas todas as

curvas nos lugares certos. Os cabelos eram de um louro escuro, diferente de

Suzy, que tinha mechas para que ficasse mais claro. Os olhos das duas eram
verdes, exatamente iguais.
É claro que eram irmãs.

Uma golpista e uma bandida. Estava no sangue.

— Eu não vou chamar a polícia e você não vai a lugar nenhum. Vou

permitir que coloque uma camisa, então me seguirá para fora e entrará no
carro.

— Eu não vou a lugar nenhum com você!

Fiquei a um passo dela, a bandida até se assustou, vacilou para trás.

— Você vai fazer o que caralho eu mandar, ou vai para a cadeia ou


vai para minha casa, vou deixar que escolha.

— Eu não sou uma prisioneira! — gritou, apertando o bebê mais

firme.

— Você é sim, pelo menos até que eu encontre alguém mais

capacitado para cuidar dele.

— O quê?! Se está pensando que vou te entregar o bebê, está muito

enganado! Ele é meu!

— Não! — gritei de volta, avancei e a encostei na parede de volta,

segurando seu rosto. — Ele é meu! E até que eu diga o contrário, você
também é!
— Vá se foder!

Tirei a criança dela e dei um único passo atrás. Ela começou a falar
novamente, esticando os braços para ele.

— Vista-se.

Como se tivesse lembrado só então que estava nua da cintura para

cima, ela segurou os seios com as mãos. Eram fartos e vazaram por seus
dedos, a pele era macia só de olhar, o mamilo rosado estava duro, delicioso.

Meus instintos mais selvagens me diziam para entregar o bebê a Charles, o


detetive, depois jogá-la na cama e comer cada buraco daquele corpo.

— Vista-se agora — rosnei.

Ela piscou e contrariada, abaixou no chão, puxou uma bolsa debaixo


da cama e tirou uma camisa velha, a vestindo depois.

— Malas prontas? — perguntei.

— Preparada para fugir de você, desgraçado!

Eu sorri e apertei o menino nos braços, instintivamente. Preocupado


com a ideia de ele estar longe outra vez.

— Parece que finalmente vai usá-las então. Pegue o necessário, deixe


o lixo aqui, você tem cinco minutos. Se tentar fazer alguma gracinha, nunca

mais vai vê-lo novamente.


Saí do quarto, encontrando Charles enquanto saía daquela espelunca.

— Quais são suas ordens, doutor?

— Vamos para a cobertura, chegando lá, quero vigilância total vinte e

quatro horas por dia.

— Senhor, mas a mulher diz que quer ir embora.

— Ela vai aprender que comigo, nem tudo o que se quer, é o que se
recebe.

— E sobre o homem?

— Descubra se ele alguma vez encostou no meu filho, se fez, cuide

dele.

Eu não queria e não podia acreditar que meu pesadelo estava se


tornando real, usei todos os meus poucos e nada incríveis recursos para me
esconder, garantir que o maldito pai da criança não me encontrasse e ali

estava ele. Vestia terno, tinha seguranças, cabelo penteado e parecia limpo
— o que era um avanço com relação aos namorados da minha irmã que
cheguei a conhecer. Suzy não me deu detalhes de sua história com aquele
homem, mas falou o suficiente para que eu o temesse como o capeta e o

odiasse como um criminoso.

Ele saiu do quarto e me deixou sozinha para pensar em minhas

opções, que se resumiam em:

Fugir e virar de vez uma stripper ou prostituta, e, ainda assim, eu


provavelmente faria um trabalho tão ruim que meu sobrinho passaria fome

outra vez.

Começar a roubar para nos conseguir comida e roupas, além do mais

difícil — um teto, e arriscar, é claro, ser presa e nunca mais vê-lo


novamente.

E por fim, ir com aquele homem e proteger meu sobrinho de todas as

formas que eu conseguir, e sério, eu daria minha vida para que o bebê
ficasse saudável, seguro e conseguisse o melhor da vida que poderia ter.

— Não me resta muito o que fazer, não é? — perguntei para o meu

reflexo no espelho velho. — Droga.

Me vesti, peguei tudo o que tínhamos ali e segui para fora. O que me
aguardava depois que eu fosse com ele eu não tinha ideia, mas minha única
saída agora era pagar pra ver.
“pegue minha mão e aguente firme
me diga tudo que você precisa dizer
porque eu sei como é ser alguém que perde o rumo”
hold on, justin bieber

Nós chegamos em um prédio enorme, numa avenida onde só havia

edifícios e casas de luxo. O tipo de lugar que eu estava bem familiarizada

antes de Suzy aparecer com sua enorme barriga na minha porta. Bebê sugou
a mamadeira com mais força, e quando o olhei, os olhinhos brilhantes

piscaram, como de costume eu me inclinei para beijar seu rostinho macio.


Sentindo o peso de outros olhos sobre mim, me endireitei, olhando

para fora. Tinha um carro preto à nossa frente, e outro igual atrás. Eu queria
conseguir pensar num jeito de fugir, algo para me livrar daquele homem,

porque eu sabia que quando entrasse em sua casa, não teria volta, eu só ia

sair quando ele quisesse.

A porta abriu do meu lado e o homem que percebi ser mais próximo

de Philip me ofereceu a mão, eu recusei saindo por mim mesma, depois

peguei minha bolsa e segurei o bebê bem pertinho, para não dar chance de
ninguém tentar tirá-lo de mim.

Philip falou com o cara alguns minutos, depois sem me poupar um

olhar, foi para o elevador. Eu o segui de perto. Na garagem subterrânea só


tinha carros de luxo, o elevador era muito moderno, eu estava imaginando
como seria o apartamento também.

A partir dali tudo mudaria, seria uma vida diferente.

O bebê nem ia reparar, mas eu... eu precisava tomar cuidado para não

ficar confortável.

— Você terá seu quarto, tem cinco na cobertura, mas escolherei o seu.

— Eu durmo com o bebê.

— Por que diabos você o chama assim? Qual o nome dele?


Ele saiu do elevador e tirou uma chave do bolso, então abriu a porta
e... eu perdi a voz.

Era lindo, decorado, tinha cara de homem. Eu podia ver Philip

morando ali. Uma sala enorme e aberta, com uma ilha pra cozinha num

degrau. A janela da varanda era bem de frente, e as cortinas estavam

voando para dentro, dando um vislumbre de como seria ir até ali e relaxar.

— Qual o nome dele?! — A voz alterada me chamou de volta. Pulei


ao som.

— Ele não tem nome ainda.

— Como não tem nome?

— Eu não podia registrá-lo, você ia nos encontrar.

Ele franziu o cenho, parecendo querer me esganar.

— Eu encontrei de qualquer jeito e o garoto não tem a porra de um

nome!

— Estamos aqui agora, dê o nome a ele. Você não é o grande pai

dedicado que procurou por seu filho? Se vira! Onde é o nosso quarto?

Ele estava a ponto de espumar de raiva. E embora a situação fosse

bizarra, eu me peguei pensando em como Suzy era sortuda e burra. Ele era

bonito, rico e parecia querer o filho, por que diabos minha irmã fugiu?
— Fale comigo assim novamente, e vou te mostrar quem é que vai se

virar. Naquele corredor, fique na segunda porta à direita.

Comecei a ir para lá, mas ele falou, me parando:

— E o bebê fica do lado, não com você.

— Por favor, me deixe ir embora — falei, numa última tentativa —

Nos deixe ir embora.

— Ir para onde? Para seu namorado bêbado?

Nick, meu namorado? Deus, nãooo! Mas eu não ia dar qualquer


informação válida ao desgraçado, ele que pensasse o que quisesse.

— É melhor do que aqui.

Soltou uma risada dura, sem humor.

— Acha mesmo que vou deixar o meu herdeiro crescer numa


espelunca, que enquanto dorme, acontece um monte de putaria bem do
lado?

— Seu herdeiro? Você nem sabe se ele é seu.

Ele deu dois passos à frente, me olhando com raiva.

— Não é necessário olhar demais para ter certeza disso.


Ele não estava mentindo, o bebê era sua cópia. Olhos, boca, ele tinha

até uma falha na sobrancelha idêntica.

— De qualquer jeito, o que importa? Você não o queria, nunca quis!

— Você está brincando, porra? Realmente pensa que eu deixaria o


meu sangue perdido no mundo? Sua irmã não deve ter dito muito de mim

para você.

— Ela disse o suficiente. O bastante pra eu estar em pânico de viver

sob o mesmo teto que você.

Sem deixar que dissesse mais nada, fui para onde tinha apontado, em

direção aos quartos. Abri o meu primeiro. Era grande, confortável, mas
informal. Como um quarto de visitas. Uma estante, TV, sem quadros ou
flores. Não tinha uma varanda também, e me perguntei se ele fez isso de

propósito para evitar qualquer tentativa de fuga minha.

Saí do quarto e abri o próximo, que era do bebê. E ao vê-lo por

completo, meus olhos lacrimejaram. Eu odiava Philip tanto por tudo o que
Suzy havia me contado, quanto pela forma como estava me tratando, mas
ao ver o quarto todo decorado de bebê, meu coração aqueceu e abracei meu

sobrinho, admitindo que talvez, todas aquelas noites rezando, foram


ouvidas.
Tinha um berço de bichinhos, com um cobertor quentinho e um
travesseiro perfeito para o pescocinho delicado do bebê. Uma cadeira de
balanço perto da janela, estante de livros infantis e prateleiras de brinquedos

que mesmo que sua idade não o deixasse brincar, apenas olhar para tudo
dava uma ideia de como seria sua vida dali para frente.

— Quem em sã consciência fugiria disso? — questionei-me, mas


também pensei em Suzy, sabendo que devia estar se revirando no túmulo se
pudesse me ver ali.

Por que ela teria dito tantas coisas horríveis sobre Philip se ele de fato
não fosse um cara tão horroroso? Queria acreditar em minha irmã e disse a

mim mesma que um quarto decorado de bebê não anulava qualquer atitude
ruim que ele tivesse tido com ela.

Eu só precisava ficar para garantir que o bebê não sairia da minha


vista e arrumar um emprego, então, quando pudesse contratar um advogado,

brigaria com ele para garantir que meu sobrinho permanecesse onde deveria
estar: em família.

Até lá, Philip podia cheirar meu rastro.

Ou beijar minha bunda, que seja.

***
Lá pelas três da manhã, o bebê acordou pela segunda vez.

Eu já estava acostumada, sabia lidar com o mau humor dele nas


madrugadas, assim como adorava quando tinha a surpresa de ele estar feliz.
Saí do meu quarto temporário alongando os braços e sentindo os estalos nas

costas, afinal, fazia tempo que não dormia numa cama tão confortável.

Odiei Philip um pouco mais por isso. Estava até num sono pesado e

sabia que só tinha acordado porque deixei o aparelho da babá eletrônica —


mais uma novidade — do lado da minha cabeça, bem em cima do

travesseiro.

Deus me livre de não acordar e deixar Philip descontar sua raiva no


bebê.

— Menino, bonito, você fez cocozinho, é?

Beijei o pescoço, acalmando seu choro e depois o troquei, levando-o


para a cozinha para fazer uma mamadeira. Aquela era nossa rotina, mas

mesmo que eu quisesse fingir que não, tudo tinha mudado.

O leite que antes eu tentava economizar e era do mais barato,

encontrei o armário cheio de latas, a melhor marca e mais cara, que nunca
pude comprar para o bebê.
— Olha quanto leite você tem agora, meu amor. Estou tão feliz.

Ele terminou uma mamadeira inteira e fiquei aliviada quando não


estranhou e nem recusou o leite. Talvez até o bebê tão pequeno como era

reconhecia que eu não estava tão preparada assim para cuidar dele naquela

situação precária.

Suspirei.

— Não veja esse cara como um herói — sussurrei em seu ouvidinho,

os olhinhos já estavam pesados novamente, dormiria em poucos segundos.

— Logo vamos embora, só eu e você. Que tal ficar um pouco com a titia
agora?
“e se parece certo, prometo que não me importo
e se parece certo,
prometa que ficará aqui a noite toda
só deixa eu te amar, te amar”
let me love you, ariana grande ft. lil wayn

— Bom dia, senhorita. O café está na mesa.

Essa foi a primeira coisa que ouvi quando saí do quarto no dia
seguinte. A mulher que eu suspeitava ser a governanta estava andando pela

cozinha, mexia no forno e na geladeira, e me recebeu apontando para uma

cadeira quando entrei.


— Hum... bom dia.

— Eu sou Viviane. — Ela segurou minha mão com a feição séria,


desconfiada. — Cuido da casa do senhor Philip e vou ajudá-la no que

precisar.

Sentando-me em um dos bancos da ilha, tentei dar um sorriso. Ajeitei


o bebê em meu colo e o abracei com um pouquinho mais de força que o

normal.

— Obrigada, mas eu não pretendo ficar muito tempo.

— Ah, não? Senhor Philip disse que eu deveria deixá-la à vontade


pela casa, e mostrar todos os confortos para o bebê.

Para o bebê. Não para mim. Ele estava claramente me mandando uma
mensagem, eu só precisava ser esperta para entender.

— Estou bem só com meu quarto, a cama é confortável e tenho

roupas.

— Não funciona desse jeito, menina, se Philip disse para ficar à

vontade na casa, ele quer dizer para se acostumar, pois vai passar um tempo
por aqui. — Ela abriu o micro-ondas, tirando uma mamadeira aquecida e a

fechou antes de me entregar.


Hesitei por um momento, peguei e conferi a temperatura na mão antes
de deitar o bebê e colocar em sua boca. Tentei não me apegar ao fato de que

era a primeira vez que ele comia algo que não fui eu que preparei, mas

agora aquela era a vida dele, mesmo sabendo que seria difícil, agora ele

tinha um pai, uma governanta e aparentemente muitos seguranças.

— Qual o nome dele?

Limpei a garganta, envergonhada.

— Ainda não tem um.

Ela balançou a cabeça, rindo, mas não parecia achar divertido.

Provavelmente estava me julgando em silêncio como seu patrão fez.

— Não me admira que Philip tenha saído daqui bufando de raiva pela
manhã.

— Ele sempre sai muito cedo?

— O menino vive para o trabalho. Saiu às cinco da manhã em ponto.

— E você mora aqui?

Ela ficou séria, me medindo.

— O que é isso, interrogatório?

Ok, então a simpatia não era um ponto forte dos residentes por ali.
— Desculpe, só estou curiosa.

Ela me olhou de canto de olho, mexendo numa panela no fogo e com


a mão na cintura.

— Venho algumas vezes por semana.

— Entendi.

Ficamos em silêncio e ela continuou trabalhando. Eu mordisquei


algumas fatias do pão e algumas uvas, mas seu olhar pesado me deixava

desconfortável.

— Obrigada pelo café, vou pegar sol com ele.

— O patrão chega de tarde, lá pelas três. Eu saio às cinco, assim

coloco o jantar dele para esquentar.

Eu não sabia por que ela estava me explicando a rotina deles, mas

escutei com educação e assenti.

— Ok.

— Ele não chega sempre no mesmo horário. Virá mais cedo hoje,
pois disse que tem assuntos a resolver com a senhorita.

— Certo.
Eu tinha algumas desconfianças sobre o que poderiam ser aqueles

assuntos, mas não ia ficar até às três da tarde me remoendo. Saí da cozinha
antes que ela falasse mais, afinal, percebi que estava apenas sendo educada,

ela não parecia feliz em me receber e nem precisar “cuidar de me deixar


confortável na casa”.

Abri a porta de correr da varanda que foi a primeira coisa que vi


quando entrei na cobertura e sentei numa espreguiçadeira. O sol da manhã
estava perfeito para o bebê. Não era sempre que eu podia me dar ao luxo de

só sentar e ficar um pouco com ele, então já que Philip ia me forçar a ficar
ali, eu aproveitaria o tempo limitado que tinha da mordomia.
“baixe sua guarda, gata
você sabe que chegamos longe demais agora
garota, você é minha, posso dizer com certeza
no fim do dia”
safety net, ariana grande ft. ty dolla

Eu estava tentando equilibrar o bebê sentado no sofá, ajoelhada no


chão à sua frente quando Philip chegou. Era uma e meia, então eu não o

estava esperando por mais duas horas e estava fazendo exatamente o que

Viviane me mandou fazer: me sentir à vontade. Ouvi as vozes dos dois


antes de aparecerem na grande sala, ela estava falante e sorridente e tive

certeza de que realmente seu problema era comigo.

Philip parou ao nos ver, seus olhos me analisando por um momento e

depois passou para o bebê. O sorriso banguela deve ter mexido com ele,

pois seus ombros tensos caíram um pouco e ele veio em nossa direção.

— Obrigado, Viviane. Isso é tudo por hoje, o motorista vai levá-la

para casa.

— Tem certeza, senhor? Posso ficar para terminar o jantar.

— Não é necessário. Até quarta.

Suspirei aliviada ao saber que ela só voltaria dali a dois dias.

Assisti o homem se aproximar e desviei o olhar. É claro que quando o


vi pela primeira vez estava com tanto medo que não parei para me atentar

ao rosto do vilão da história, mas o analisando de perto conseguia enxergar

claramente porque Suzy abriu mão de sua filosofia de nunca engravidar e

teve um bebê com esse cara.

Ele era realmente lindo. Todo lindo. É alto, tem um rosto marcado e
rugas nos olhos, o que me diz que deve sorrir bastante, mesmo que eu ainda

não tenha visto nem uma sombra disso. É forte, mas não muito musculoso e

o cabelo castanho está jogado para trás bem penteado. Porém, o que mais
me chamava atenção nele eram os olhos. Desde a primeira vez, seus olhos
foram a única coisa que prestei realmente atenção.

Ele mexeu na mão do bebê, deixando-o segurar seu dedo e tentar

colocar na boca em silêncio, o olhava de perto, sem demonstrar reação.

Viviane saiu pouco depois e eu continuei ali segurando o bebê,

olhando seu rosto inocente. Queria enfrentar Philip novamente, mas tinha a

sensação de que estaria parecendo ingrata e mal-agradecida. Ele estava


sério, mas não tão irritado como ontem.

Ele não dizia nada e eu também não sabia o que dizer, então fiz a

única coisa que podia. Comecei a tagarelar. Sua presença só me irritava

antes, mas agora me irritava e me deixava nervosa.

— Você vai fazer um teste de DNA?

Sua expressão fechou na hora, levantou e cruzou os braços.

— Com quantos caras sua irmã transou que poderiam parecer

exatamente igual a mim?

— É você quem deveria saber disso já que foi você quem fez sexo

com ela.

Ele riu.
— Sua irmã foi uma boceta fácil que ficou me rondando por dias até

eu deixar ela me chupar, depois ela voltou para abrir as pernas e meses
depois, veio com essa história de gravidez.

— Como ela pode sequer olhar para você com essa sua boca suja e
machista? — perguntei, horrorizada com suas palavras.

— Se minha carteira não a convenceu, com certeza minha aparência

fez o serviço.

— Definitivamente quero estar longe de você.

Peguei o bebê e saí da sala, mas antes de fechar a porta do quarto, o


ouvi gritar:

— Volte aqui em vinte minutos!

Santo inferno.

— Por que ele não volta para o trabalho, bebê?

Ele bateu na porta como se a esmurrasse.

— Dezenove, Ariana! Nós vamos sair.

Tranquei para mantê-lo do lado de fora e deitei o bebê na cama. Ele

sabia meu nome! Vesti uma calça, tênis e uma camiseta simples e dediquei
minha atenção ao pequeno, vestindo com a melhor roupinha que pude

comprar para ele.

Depois de prontos, voltei à sala e esperei por Philip. Tinha meus

documentos e só algumas notas na bolsa. Me sentia uma irresponsável por


nem sequer ter os documentos dele, se algum dia fosse parada por uma

autoridade na rua, ele seria tirado de mim na hora, afinal, como provaria
que era meu?

Quer dizer, não meu, meu... mas meu.

— Espero que esteja pronta, estou saindo — ele disse ao me ver ali de

pé. Enfiava uma jaqueta de couro e os óculos logo depois.

— Eu estou — respondi de mal jeito. — Onde vamos?

— Registrá-lo, já passou da hora. Vamos resolver todas as pendências

de documentos e comprar algumas roupas.

Fiquei muda por um momento, observando-o de perto, surpresa com

suas palavras. Com o cuidado. Não imaginei nem por um segundo que se
preocuparia com nada disso. Com os documentos sim, mas em ir ele mesmo
comprar roupinhas de bebê?

— Obrigada — falei, sem saber o que mais podia dizer.

— Não me agradeça, é o meu filho.


— É — murmurei e o segui para fora.

Aquele grandalhão de terno que invadiu a casa de Nick estava


segurando as portas do elevador e desceu junto conosco.

— Este é Charles, meu chefe de segurança — Philip falou enquanto


mexia no celular. — Ele estará do lado de fora na maior parte do tempo, se

precisar de algo, vá chamá-lo.

Eu fitei o grande homem que me deu um aceno rápido e rígido.

— Oi, sou Ariana.

— À sua disposição, senhorita.

— Então, você vai ficar na porta, tipo um cão de guarda?

— Se for disso que a senhorita precisa, sim.

— Eu vou dirigir — Philip disse a ele, que lhe entregou uma chave e
seguiu para o carro atrás do que nós entramos.

Eu abri a porta de trás e joguei minha bolsa surrada com as coisas do


bebê, depois entrei.

— O que está fazendo? — perguntou com o rosto virado para mim.

— Ele não tem uma cadeirinha.


Philip estava de óculos, mas seu rosto ficou virado para mim por
alguns minutos.

— Merda. Esqueci completamente.

— Relaxa, você só é pai há um dia — murmurei de boa vontade. Ele


ia comprar roupas novas para o bebê e apenas por isso eu faria um esforço

para ser agradável.

— Graças a você e sua irmã.

— Estou tentando manter a decência, Philip — respondi bem séria, o

olhando com firmeza.

— Ah — disse, irônico. — Não se esforce tanto.

Decidindo ignorá-lo, olhei para fora, segurando o bebê confortável,


mas com firmeza. Nunca tinha andado de carro com ele, desde que nasceu

só conhecia transporte público e a caminhada no meu colo. Mas aquela era

a vida com o pai dele agora, carros, roupas novas e ser mimado. Fitei os
grandes olhinhos castanhos e sorri para ele, beijando a pontinha do nariz.

— Só... vá devagar.

Ele me fitou pelo retrovisor sem responder, mas foi bem devagar e eu

agradeci mentalmente por isso.


***

Eu tinha descoberto que Philip era um cretino aproveitador e cínico,

que usava sua aparência para conseguir o que queria. Não era uma novidade

já que minha irmã tinha me contado tudo sobre ele, mas vê-lo piscar os

olhos e sorrir torto para a menina do cartório apenas para conseguir as


coisas mais rápido me deu náuseas. Eu sabia que não deveria julgar, afinal,

minhas formas de conseguir suprir as necessidades do bebê nem sempre

foram certas.

Eu entreguei os documentos de Suzy a ele e fui me sentar, observando


de longe sua “magia acontecer”. Ele sequer tinha pegado uma senha. Os

documentos do hospital, é claro, estavam com ele, eu não sabia como

conseguiu, mas apostava que tinha dinheiro envolvido.

Mas pouco depois já não me importava, afinal, o bebê agora tinha um

nome.

Ele não me deixou ver até saímos do cartório, entramos no carro

enquanto eu quase implorava para saber que nome tinha escolhido, mas
com cortes e palavras bruscas, me mandou entrar no carro e voltou a dirigir.

Nós paramos depois no shopping, era enorme e um que eu só pude visitar

uma vez, pois era muito caro e havia luxos que eu só podia me dar poucas
vezes. Bem antes do bebê, é claro.
— Preciso trocá-lo — falei quando bebê começou a fazer caretas e se

contorcer em meu colo.

Philip tirou os óculos, franziu a testa e acenou.

— Certo, vamos.

— Ok, só preciso... — hesitei, pensando numa maneira de falar —, só

tenho que ir em um lugar antes.

— Então vamos.

— Olha, por que você não vai olhar a loja de bebês? — insisti, indo

em outra direção.

Ele estreitou os olhos, não achando nada engraçado. Mas eu não

queria que ele me seguisse, seria muita humilhação.

— Vou esperar aqui. — Ele encostou na parede de uma loja, bem ao

lado do vidro onde uma a foto de um modelo estava exposta na vitrine e

colocou os óculos de volta. Facilmente poderia ser confundido como um


modelo famoso que trabalhava para a marca.

Sem me deixar continuar pensando demais na beleza de Philip, fui o

mais rápido que podia para a farmácia e suspirei aliviada quando vi que não

estava muito cheia.


Tinha vinte dólares na carteira, tudo bem não era vinte, tinha

dezenove e alguns centavos, mas arredondando dava tudo certo. Até no


pensamento vinte era melhor que dezenove. Equilibrando o bebê — que eu

ainda não sabia o novo nome — e a cestinha, peguei os itens necessários e

fui para o caixa. Precisava tanto de um condicionador, lavava o cabelo


apenas com sabonete há dias e só na última noite tive o alívio do shampoo

do quarto que Philip me concedeu. O brilho de meus cabelos agora era

apenas passado. Parecia mais um emaranhado, uma bola de pelos cuspida

por um gato raivoso.

— São trinta e seis e cinquenta centavos. — A voz da moça do caixa

me tirou do devaneio com shampoos e eu olhei o monitor, muito

envergonhada. Sabia que nem se revirasse minha bolsa e os bolsos,


encontraria dinheiro para completar.

Olhei para trás vendo apenas uma senhora no caixa ao lado e falei

baixo.

— Olhe, eu tenho um cupom de desconto que peguei no site de vocês


e...

— Essa promoção já foi encerrada. — Entediada, ela falava alto. —

São trinta e seis e cinquenta centavos.

— Certo, certo. E o desconto da loja? Vou pagar em dinheiro.


— Esse valor já inclui o desconto da loja. Você tem cadastro?

— Não, posso fazer? Quanto eu consigo de desconto?

Ela suspirou.

— Ficaria trinta e cinco e noventa.

Ela estava brincando comigo?

— Ok. Então... eu posso escolher alguns itens mais importantes e...

De repente, uma mão bateu no balcão e uma nota de cinquenta

dólares foi deixada em cima.

— Embrulhe tudo e fique com o troco.

Eu fechei os olhos brevemente, não querendo enfrentar seus olhos.

Por que diabos ele me seguiu? Droga! Estava aliviada e ao mesmo tempo

constrangida e irritada.

Eu observei o pacote de fraldas, lenço umedecido e três pomadas para

assadura sendo postas nas sacolas e sabia que ele estava vendo também. A

mulher sorriu para ele, bem diferente de como fez comigo e eu quis rir da
cara dela ao ver que Philip sequer a olhou. Ele pegou as sacolas e deu um

passo atrás, me esperando passar na frente dele e me seguiu. Nem

respondeu o “boa noite” da arrogante.


Nós passamos direto pela loja de crianças e eu ia perguntar se não

pararíamos, mas ele respirava com força, andando rápido e sem me encarar,
então fiquei quieta e o segui até o carro.

Nós voltamos para sua cobertura em silêncio, marcava seis e meia da

noite e o bebê estava bem irritado. Ele era impaciente e quando não fazia

suas vontades, não tinha quem melhorasse seu humor. Até nisso parecia o
pai pelo que eu podia ver.

Fechei a porta e fui para a sala, quando cheguei lá e vi a expressão

dele, sabia que vinha bomba.

— Por que porra não me disse o que ia fazer?!

— Dá um tempo, Philip, tem coisas que eu vou continuar fazendo por

ele sozinha.

— Como o quê? Implorar um desconto em trinta dólares?

— Garantir que ele tenha fraldas e outras coisas.

— O pai dele, que por acaso sou eu, pode comprar a porra da franquia

de farmácias e você estava se humilhando por produtos da pior qualidade,


agora me diga por quê!

— Porque se quero continuar na vida dele tenho que provar que posso

ser tão boa como você! Porque você ia me tratar como lixo novamente se
soubesse que ele está tão assado porque só posso comprar produtos mais
baratos!

Sua expressão mudou levemente, talvez fosse culpa.

— Sei a diferença de nossas classes sociais, não vou te tratar como


lixo por isso.

— Ah, não? Nem sequer mereço saber o nome do meu sobrinho!

Ele tirou o papel do bolso e me entregou.

Eu segurei o bebê com um braço e abri, lendo.

Matthew Gerard Snowland.

Philip Gerard Snowland.

E bem debaixo estava...

Onde estava o nome de Suzy?

— Onde está o nome dela? Suzanne?

O fitei assustada, não era possível que logo quando o bebê finalmente
tinha um nome, fizeram essa besteira! Mas ao invés, ele me respondeu com
a maior cara de pau. Sem nenhum arrependimento.

— Não era necessário.

— O quê?
— Nome da mãe. Não tinha necessidade. Eu sou o pai, achei cabível.

Eu não sabia o que dizer além de todos os palavrões que passavam em

minha mente.

— Cabível? Você achou cabível?

— Não seja dramática sobre isso — afirmou com desdém.

— Dramática? Philip... tem noção do que fez? Ela é a mãe dele! Não
é alguém que você encontrou por aí e pagou para ter o seu filho e depois

sumir. Ele sequer tem o nosso sobrenome!

— Você está enganada — respondeu com calma. — Suzanne, é esse o

nome real dela? Bem, ela foi uma prostituta barata que sim, eu paguei
depois de comer e ela está morta. Ninguém além de mim tem direitos sobre

Matthew.

Segurando as lágrimas, engoli o caroço em minha garganta e fui para

o quarto. Dei um banho em... Matthew e o alimentei, logo ele dormiu.


Formei as barreiras de travesseiros e almofadas e fiquei por cinco minutos
para ter certeza de que estava mesmo dormindo. Então abri a porta e saí.

Ele estava na sala sentado no sofá com uma calça de moletom e sem

camisa. Tentei não me prender ao seu físico, mas foi quase impossível.
Assim como tinha pensado quando o vi pela primeira vez, ele era forte,
tinha os braços grandes e definidos em músculos e a barriga trincada com
poucos pelos escuros se escondendo mais baixo na calça.

Ele tinha a cabeça no encosto e os olhos fechados. A TV ligada num


jornal da noite fez meus passos não serem ouvidos e quando cheguei perto,

virei a bacia de gelatina em sua cabeça, vendo as camadas gosmentas


descerem por seu corpo e espatifar no sofá.

O choque térmico deve ter sido grande, pois Philip deu um pulo que
me assustou. Seus olhos me atiravam estacas.

— SUA FILHA DA... — rugiu.

— Você nunca mais vai falar da minha irmã como fez. Ela pode não
ter sido a melhor, mas está morta e merece respeito. E Matthew é um nome
bonito, mas se eu vou ficar aqui e vou cuidar dele, então você vai falar

comigo sobre decisões. É isso ou vou entrar na justiça e não interessa para
quem eu tenha que ajoelhar para ganhar a causa, mas eu vou. Entendeu?

Ele escorregou na gelatina quando foi tentar dar um passo à frente e


vendo que logo se firmava, decidi sair enquanto estava ganhando.

Corri para o quarto com meu nome vindo em um grito dele.


“então, você pode me abraçar?
se eu deixar, você pode me provar?
porque eu preciso que você me acalme, amor
tenho que sair da minha cabeça
tentar ser curada dessa dor
o amor está completamente fora de questão?”
off the table, ariana grande ft. the weeknd

Nós entramos numa rotina. Com o passar dos dias fui me

acostumando com a vista, com a presença de Viviane e as visitas de Charles


para conferir se eu precisava de algo. Mal via Philip, não sabia se ele me

evitava ou era realmente tão atarefado com o trabalho. Saía de manhã antes
de eu acordar e voltava quando eu já estava indo deitar, muitas vezes me

peguei indo para o quarto sem que ele tivesse chegado.

Por isso, comecei a deixar Matthew no quarto de bebê preparado para

ele. Era injusto deixar o bebê dormindo comigo se minha porta ficava

trancada, e claro, eu não queria que seu pai entrasse no meio da madrugada.
Minha privacidade era respeitada, o que foi uma boa surpresa.

Matthew já completava onze meses e eu nem sabia o que seu pai

fazia, mas mesmo convivendo tão pouco com Philip, via como ele amava o
filho. Nunca ia me esquecer de como Suzy o temia, mas começava a

desconfiar se tudo o que me disse era verdade. A forma como ele cuidava

do bebê me tocava a ponto de eu começar a esquecer a mágoa pela forma


como falou de Suzy e sua justificativa em não colocar seu nome na certidão
de nascimento e registro dele.

Mas prometi a mim mesma que quando ele tivesse idade para

entender as coisas, eu lhe contaria sobre sua mãe. Contaria coisas boas,

coisas que me fizeram rir algum dia e depois, ele riria disso também.

Matthew conheceria uma lembrança boa de sua mãe.

Nos finais de semana quando Philip ficava em casa, eu sempre saía a

fim de deixá-los sozinhos e poder viver um pouco minha vida pessoal. No

começo ficava com medo de deixar o bebê, mas depois me acostumei e


Philip sabia cuidar dele, quando acontecia algo ou tinha dúvidas, me ligava
e eu tratava de ajudar.

Depois de semanas insistindo, ele me convenceu a aceitar um

“pagamento”. Eu não queria dever nada a ele e muito menos queria ser paga

para cuidar do meu sobrinho, minha única família. Mas ele deixou claro que

se eu fosse trabalhar fora, ia contratar babá, portanto, minha presença

morando ali era desnecessária e eu poderia ver Matthew nos finais de


semana que ele não ficasse com o pai.

Chorei muito até aceitar, relutei, mas não tinha dinheiro e me vi entre

procurar um trabalho, voltar a viver minha vida ou permanecer com meu

bebê integralmente nela. A escolha foi fácil, eu só estava sendo orgulhosa

demais.

Eu não era a mãe de Matthew pelo destino, mas no meu coração ele

era meu.

Philip sabia e jogava com isso. Aceitei a mesada por um tempo,

dizendo que era apenas até que eu me reintegrasse ao ramo que já

trabalhava. Voltei a movimentar minha rede social onde podia postar

minhas fotos como modelo e assim tinha esperanças que logo os trabalhos
voltariam a aparecer.
E isso aconteceu. Mas era um contrato de viagem para outro estado,

então percebi mais uma vez que Philip venceu. Eu nunca poderia deixar
meu bebê para trás. O que ele disse fazia todo o sentido: enquanto ele

quisesse, eu era dele.

***

— Charles não estará aqui, mas Fredy ficará à disposição, chame-o se

precisar. — Ele me dava as instruções enquanto segurava uma mala e


ajeitava seu terno. Não me olhava, fitava Matthew no meu colo o tempo
todo.

Eu tinha certeza de que ele não precisava dos seguranças e os


contratou apenas para garantir que eu não fugiria com seu filho. O que eu

achava ridículo, mas inteligente. Se eu ficasse sozinha com Matthew por


dias, com certeza planejaria algo para nos arrumar tanto dinheiro quanto

fosse possível e sumiria no mundo.

— Tudo bem. Sobre o que é essa viagem? — perguntei como quem


não quer nada.

— Trabalho. Não se preocupe com isso.

— Que tipo de trabalho?


Estreitando os olhos em mim, ele ignorou a pergunta.

— Estarei de volta em poucos dias. Viviane vai vir três vezes por
semana, se precisar dela em qualquer outro, basta ligar.

— Certo — confirmei mesmo sabendo que não precisaria da megera


maior e isso era uma certeza.

— Se ele ficar doente, se precisar de dinheiro...

— Eu sei, Philip. Já sei.

Ele dizia o mesmo discurso todas as vezes que ia viajar por mais de
dois dias. Era fofo sua preocupação. Às vezes eu provocava perguntando se

havia esquecido que fiquei sozinha com o bebê por seis meses.

— Tudo bem, então até logo.

Ele chegou perto para beijar a bochecha de Matthew e senti seu

cheiro masculino e forte, controlei-me para não dar na cara o quanto


adorava o aroma. O bebê sentindo que o pai ia embora, tentou agarrar sua

camisa, tirando um sorriso do homem.

— Você vai sentir minha falta, garotão? Hein? — Ele beijou os

dedinhos pequenos. — Papai também vai.

Eu ainda não havia me acostumado com tanta beleza, por isso que

sempre que Philip reagia a algo que Matthew fazia, eu saía de perto.
Sempre desnorteada com as direções que meus pensamentos tomavam e
como meu corpo reagia.

Segurei as mãozinhas e o fitei brevemente, acenando.

— Tchau, Philip.

— Cuide-se, Ariana.

Então ele se foi e eu fiquei ali pela próxima meia hora acalmando
Matthew, mas não podia deixar de sentir que o bebê me acalmava por

aquela despedida também.

— Está tudo bem, Matt. Ele voltará logo.

Levantei para dar um banho nele, e quando estava quase no quarto o


interfone tocou. Meu coração acelerou ao pensar em várias possibilidades e
todas envolvendo o pai da criança no meu colo.

— Sim?

— Senhorita Ariana, tem um rapaz na portaria, ele diz que seu nome é
Edward Snowland.

Franzi a testa, pensando se já tinha ouvido o nome. Por Snowland,

sabia ser algum parente de Philip, mas ele nunca recebia visitas e tampouco
falava sobre seus conhecidos comigo. Na verdade, ele nem falava comigo

num todo. Eu era um enfeite. Meio enfeite, meio babá.


— Você pode revistá-lo ou algo assim?

O porteiro hesitou, falou com alguém e voltou a linha.

— Ele permitiu, senhorita. Posso autorizar a subida?

— Sim, por favor. Obrigada.

Conferindo se estava apresentável no espelho pertinho da porta,


verifiquei se Fredy estava onde Philip disse, mas não vi ninguém do lado de

fora. Talvez o segurança fosse chegar mais tarde ou tivesse ido almoçar.

— Quem será esse Edward? — Matthew respondeu palavras

incompreensíveis e eu esperei em frente a porta. — Se ele estiver mentindo

vou ser obrigada a usar a força.

Fiz uma careta, dando ênfase no que dizia e Matthew riu,


gargalhando.

Me tornei uma expert em falar sozinha, quer dizer, com o bebê. Ele

era meu maior ouvinte, e eu sabia do fundo do coração que adorava falar
comigo. A gente se entendia como ninguém.

Então voltei a atenção à porta, olhando através do olho mágico para

ver como o tal Edward chegaria. Não tinha porque estar nervosa, afinal, era

a família de Philip! Uma pena que se desencontraram. Por certo veio visitar
o dono da casa e ficaria decepcionado.
“então, quando você sair por aquela porta
não volte nunca mais
meu coração já se cansou dessa coisa de dar e tomar
e por mais que eu queira que você fique
você é um amor perigoso”
leave me lonely, ariana grande

Eu não esperava o homem bonito e bem arrumado que tocou a


campainha pouco depois. Ele tinha um sorriso lindo, cabelos escuros e um

ar despojado, mas nem as roupas informais podiam esconder que realmente

era parente de Philip, eram bem parecidos.


— Olá — respondi, já soltando sua mão e indo mais para atrás.

— Acho que não nos conhecemos — disse, ainda com o sorriso.

— Sou a Ariana. — Não sabia como explicar meu lugar ali sem entrar

numa longa conversa. — Philip acabou de sair pra uma viagem, sinto muito

que chegou atrasado em vê-lo.

— Não se preocupe, a recepção está sendo melhor do que seria com


meu irmão, disso eu sei. — Ele sorriu todo galanteador.

Corando, dei um espaço a ele.

— Você quer entrar? Tomar um café ou água?

— Claro.

Fui para a cozinha e ele me seguiu, manobrando Matthew no colo

resolvi ganhar tempo enquanto esquentava uma mamadeira pronta.

— Então... eu não sabia que ele tinha um irmão.

— É, a gente trabalha tanto que às vezes até esquecemos disso

também.

— Faz muito tempo que não o vê?

— Uns meses. Resolvi fazer a surpresa quando descobri pelos nossos

pais que tinha um novo membro na família.


Virei Matthew de frente balançando-o um pouquinho e ele abriu um
sorrisão.

— Bem... esse é Matthew.

Edward sorriu e segurou a mão do bebê.

— Uau, garoto. Você é tão bonito que nem parece ser filho do seu pai.

Eu ri do absurdo, Matthew era tão parecido com Philip e tão lindo

quanto, mas o tio dele deve ter pensado que ri em concordância, porque deu

de ombros.

— Acho que se parece comigo, o mais bonito da família.

— Nossa, discreto, sutil e muito modesto.

— Todo bonitão tem defeitos. Posso segurá-lo?

A tia protetora e desconfiada em mim quis negar imediatamente, mas

a porta estava fechada e ele nunca sairia do prédio com o bebê sem uma

autorização. Coloquei Matthew em seu colo e dei apenas dois passos atrás,

ficando perto.

Edward ergueu uma sobrancelha, tentando esconder o riso.

— Eu não vou fugir com ele, tigresa. Pode respirar.


Nem fiquei constrangida, não tinha como negar que era

superprotetora com ele. Dei de ombros.

— Costume, sabe como é.

— Na verdade, eu gosto de saber que ele tem loucos superprotetores


dos dois lados da família.

— Touché — brinquei.

— Ele não estranha outras pessoas?

— Ele não vê muita gente diferente, somos sempre eu e Philip,


Viviane também.

— E aquela rabugenta não o assusta?

Tampei a boca quando senti uma risada escapar. Matthew não ia


muito com a cara de Viviane e eu sabia que não era certo apoiar isso, mas

me sentia um pouquinho vingada. A mulher não tinha nenhum motivo para


não gostar de mim, mas nunca fez questão de esconder seu desagrado.

Edward deu-me um olhar conhecedor.

— Eu sabia que ela te daria problemas.

— Está tudo bem. Philip deixou claro que sou uma hóspede
temporária, então ela não precisa ficar puxando meu saco.
— É aí que está... ela não puxa o de ninguém. Na verdade, eu me

lembro de ela ser simpática apenas quando queria casar um de nós com sua
filha.

— Não sabia que ela tinha uma filha.

Ele balançou o bebê, fazendo-o rir de suas caretas.

— Ela tem. Karine fez tudo o que pôde para colocar uma aliança em
mim ou em Philip.

— Vejo que ela não conseguiu.

— É, por pouco — murmurou.

Eu queria perguntar mais, saber se a tal Karine ainda era presente.


Será que “por pouco” ele queria dizer que ficou tentado com ela? Ou teria
sido Philip? Uma inquietação começou no estômago ao me dar conta que

podia abrir a porta a qualquer dia e uma mulher aparecer se denominando


alguém importante para ele.

Que besteira é essa?

— Meus pais estão pensando em vir visitar — disse ele, tirando-me

dos devaneios. — Quase não consegui impedir que viessem hoje.

— Eles seriam bem-vindos, mas foi bom que não vieram, já que

Philip nem voltará hoje.


— Eles teriam gostado de te conhecer, mas foi realmente bom que
não tenham vindo, assim eu sou o único agraciado com a companhia desse
bebezão bonito e sua bela tia.

Corei, constrangida com a atenção que me dava.

— Philip e eu não conversamos muito, então não sei nada sobre

vocês. — Desviei do assunto. — Mas vou tentar conversar com ele sobre
convidar seus pais, afinal, se Matthew tem uma família grande é bom que
os conheça.

— Seria ótimo. Mamãe está louca para colocar as mãos nessa criança.

Ele olhou seu relógio e franziu a testa.

— Preciso ir agora, mas gostaria de voltar para visitá-los, tudo bem?

A ideia de que ele viria por mim também me fez sentir mais

envergonhada ainda.

— Matthew está aqui de domingo a domingo, em qualquer horário.

Edward me entregou o bebê e ficou me olhando por alguns segundos.

— Você e meu irmão não estão juntos?

— Hm... — A pergunta me deixou sem saber o que dizer por um


momento. — Não.
— Ele sempre foi burro.

Dei risada, abaixando os olhos para Matthew.

— Somos só companheiros de casa por algum tempo e mal nos

falamos.

— Ele a trata como uma babá, então.

Franzi o cenho, percebendo que realmente era desse jeito.

— Mais ou menos isso — murmurei.

— Sabe, Ariana, faz tanto tempo que estive nessa cidade que me

esqueci de quase tudo. Então, porque não dividimos o cargo de babá e

vamos passear hoje à noite?

Dei-lhe um sorriso, grata pela consideração, mesmo sabendo que


estava fazendo aquilo por ter ficado com pena de mim.

— Eu gostaria, mas não posso.

— E por que não?

— Philip e eu temos uma convivência saudável por amor a Matthew.

— Um encontro não vai interferir nisso. — Deu de ombros, era tão

tranquilo, seguro e despojado. O tipo de cara que eu adoraria ter conhecido

em alguma festa, ido a um encontro e visto onde ia dar.


— Eu tenho certeza que vai. Você é irmão dele, prefiro não me

envolver com pessoas da família.

— Injusto, ele se envolveu com a sua irmã.

— Essa comparação não faz sentido e você sabe. — Deixei escapar

um sorriso.

— Claro que faz, acho que você deveria igualar o jogo.

— Edward, você é bonito, parece ser muito legal e charmoso, mas

isso não é um jogo. E além do mais, nos conhecemos hoje, agora.

— Encontros servem justamente para conhecer alguém melhor.

Dei risada de sua persistência, mas estava bem decidida.

— Vamos deixar essa ideia de encontro para lá. Tenho certeza que

você vai encontrar opções mais interessantes em sua estadia por aqui.

— Duvido.

— Vai sim. Alguém que não vá cheirando a talco, com um pouquinho

de vômito no cabelo e tenha tempo de colocar uma roupa que combine com

os sapatos.

O telefone dele tocou e ele me deu um olhar por entre os cílios.

— Sua última chance de me agarrar, tem certeza disso?


— Vá para o seu compromisso e volte sempre que quiser ver

Matthew.

Ele me deu um beijo demorado na bochecha e fez o mesmo com


Matthew, dando-lhe um toque de mão.

— Obrigado por me receber, Ariana. — Tirou um cartão do bolso e

me deu. — Meu telefone está aí, chame se precisar de qualquer coisa,

inclusive se mudar de ideia.

— Vou me lembrar.

Ele me atirou um último sorriso e saiu, foi bem diferente de como

Philip tinha se despedido e me peguei pensando que enquanto para ele eu

era praticamente uma babá, eu ficava aqui desejando que quando saísse, se
despedisse com um beijo demorado também.
“você diz que não vou te perder
mas você não pode prever o futuro
porque certas coisas estão fora de nosso controle”
anyone, justin bieber

— Philip Snowland. — Eu sorri ao ouvir a voz de Faitlyn, a chefe de

cirurgia do hospital.

— Fai, como está?

— Exausta. — Ela sorriu — Que bom que conseguiu vir.

— Eu não perderia uma cirurgia nunca feita antes.


— E eu aqui pensando que tinha aceitado pelo seu bom coração. —

Ela revirou os olhos.

— Foi por isso também, mas sabemos que você não mobilizaria o

melhor time com cirurgiões de todo o mundo se não fosse um procedimento

imperdível.

— Vamos lá, Philip Snowland, veremos se sua competência é tão

grande quanto o ego e a fama.

Rindo, a acompanhei até a sala onde os outros médicos nos

esperavam.

Conheci Faitlyn na faculdade e nos tornamos amigos rapidamente

depois de eu dar em cima dela e descobrir que gostava tanto de mulheres


quanto eu. Combinamos de nunca tocar no mico estrondoso que eu paguei

tentando levá-la para sair, se eu a ajudasse na matéria que mais tinha

dificuldade. Naquela época nasceu uma amizade como eu nunca tive antes.

Sua relação com a família se tornou complicada quando ela se assumiu e

disse a eles que se relacionava com mulheres e aquilo provavelmente nunca

mudaria.

Portanto, eu a levava para casa comigo nos feriados e nas férias, e

passei cada aniversário ao seu lado. Nos tornamos irmãos. Eu fui ao seu

casamento e estive lá no divórcio também. E quando ela se apaixonou em


dias e resolveu que se casaria com a namorada na época em dois meses, eu
pude impedir, fazendo-a ver a razão.

Ela não se casou, mas noivou. E quando terminou, eu estava lá

também.

— Alguém que eu conheço veio?

— Lana Carton, Jimy Lecroix e Ayrton Chambers estarão na cirurgia.

— Lana é aquela que foi premiada no último ano?

Faitlyn sorriu.

— Ela mesma. E sabe o melhor?

— O quê? — perguntei, mas por seu sorrisinho cínico eu já

imaginava a resposta.

— Ela gosta de umas aventuras fora da zona hétero.

— Faitlyn — revirei os olhos —, e aquele papo de nunca se apaixonar

por uma hétero?

— Quem falou em paixão? — Deu de ombros, fazendo uma pausa


antes de abrir a porta onde os outros cirurgiões nos esperavam. — Eu só

vou mostrar a ela o melhor dos dois mundos.


Segurei o riso quando entramos na sala, cumprimentando os colegas

já assentados na grande mesa.

— Doutores, esse é Philip Snowland, nosso neuro na cirurgia.

— Philip — Jimy acenou. — Um prazer, amigo.

— Estou animado — devolvi o cumprimento, sentando-me na cadeira

livre.

Faitlyn tomou a frente, ligando os monitores na parede que

mostravam raio x e diversos exames da paciente em questão.

— Doutores, eu os chamei porque, de acordo com os últimos


comentários, vocês são os melhores nas áreas. Teremos além de Philip

como neuro, Lana como cardio, ela irá acompanhar a paciente durante todo
o processo já que o coração é um dos poucos órgãos não afetados. Doutor

Lecroix é cirurgião geral, e como nossa paciente tem apenas quatorze anos,
doutor Chambers prestará uma consultoria e estará perto para monitorá-la.

— Quais as chances dela? — perguntou Chambers.

Faitlyn respirou fundo.

— Eu gostaria de responder isso com um pouco mais de entusiasmo e


certeza, mas a vida dessa jovem tem sido difícil desde que nasceu. Foram

cirurgias para a retirada de tumores desde que aprendeu a falar, também


tivemos problemas que levaram a um complicado transplante e eu quero

fazer de tudo para evitar algo além do que o já planejado para esta cirurgia.
Preciso que seja a última vez que Claire entra num centro cirúrgico.

— Por quê? — perguntei.

— Porque ela desistiu.

— Como desistiu? — Lecroix questionou.

— Ela cansou de lutar. — Fai deu de ombros. — Tantos remédios,

tanta dor, tanto sofrimento ao seu redor. Ela me fez prometer que se essa
cirurgia não fosse como o esperado não tentaríamos de novo, que eu lhe

deixaria o mais confortável que pudesse e a deixaria partir em paz.

— Pobre menina — Lana lamentou.

Me levantei e fui até minha amiga, pegando o prontuário da sua mão.

— Faremos tudo ao nosso alcance para que não precise cumprir sua
promessa. Somos os melhores, certo? Podemos fazer isso.

Ela me deu um sorriso de canto.

— Obrigada, Philip.

— Bem — Chambers se levantou —, vamos ao trabalho.

— Qual o plano?
— Começaremos por aqui...

Caminhei pelo hospital tentando sentir o clima pelos últimos vinte


minutos. Me senti em casa, em paz, mas estranhamente faltou algo. Eu

sempre passei horas no centro cirúrgico, desviando de um paciente para o


outro, acompanhando pessoas que operei e as que ainda ia operar, e poderia

passar todos os dias fazendo a mesma coisa.

Desde criança tive a certeza que seria médico, consertaria o que


estava quebrado dentro delas só para dizer que tive uma parcela de

participação quando seguem suas vidas. Faitlyn tinha razão, eu era egoísta
pra caralho.

Mas hoje, rodando pelo hospital que minha melhor amiga chefiava,
eu me senti estranho como nunca, e após meus pés me levarem direto à

pediatria, percebi o porquê. Não podia mais chamar de casa um lugar onde
Matthew não estivesse. Tomei consciência de que precisava ficar mais

tempo em casa com ele, caso contrário, ele só conheceria rastros do homem
que o fez.
Porém, eu tinha um problema constante lá dentro chamado Ariana.
Como passaria um dia inteiro com aquela mulher se com apenas algumas
horas juntos ela conseguia me deixar louco?

— Pensando demais? — Faitlyn surgiu atrás de mim, me assustando.

— Pensando no que deixei em casa.

— Ah, sobre isso. — Ela assentiu. — Fiquei me perguntando se ia me

contar de uma vez ou eu teria que perguntar.

— Você podia ter perguntado.

— Tem coisas que precisam vir de você, Philip. Eu não posso me

intrometer em tudo pra sempre, e aliás, eu gosto de pensar que confia em

mim o bastante para me contar do seu filho.

— Como soube?

— Sylvia me ligou.

— Minha mãe é uma bela fofoqueira.

— Ela queria saber se eu já o conhecia, porque ao que tudo indica


você não quer que ela veja o neto. Vai me contar o motivo?

— Não tem nenhum motivo oculto, você conhece minha mãe.

— Conheço, por isso mesmo é que não entendo sua recusa.


— Preciso de um tempo antes que ela chegue em casa revirando tudo

e tomando decisões que não são dela. Quando ela sair de Londres para
conhecer Matthew, não sairá mais dos Estados Unidos.

— E isso seria ruim por quê?

— Minha privacidade vai pro buraco. Sabe disso.

Faitlyn balançou a cabeça, entregando-me um café.

— Isso é besteira, você só está falando ladainha que não tem nada a

ver e fugindo do assunto.

— E você continua se achando uma especialista em mim.

— Porque eu sou — encolheu os ombros —, alguma coisa aconteceu

e você não quer me contar.

— Eu tive um filho.

— Não, não é isso. Pelo menos não só isso.

— Fai, eu te diria qualquer coisa que me acontecesse.

Ela me olhou no fundo dos olhos, cheia de dúvidas.

— Meses atrás eu teria acreditado nisso, mas agora... agora não sei.
Só espero que quando estiver pronto venha conversar comigo. Eu estou

aqui para você assim como sempre esteve para mim.


Desviei os olhos, sem me surpreender que fosse tão perspicaz. Ela

parecia ler minha mente e descobrir tudo o que eu queria esconder, não

importava o que fosse. Algo tinha acontecido e me tirou completamente do


eixo, eu ainda estava me esforçando para voltar e quando estivesse em mim

de novo, contaria a ela. Se tinha alguém que me faria desabafar, esse

alguém era Faitlyn Morgan.

— Ainda temos tempo antes da cirurgia. Quer ver fotos dele?

Um enorme sorriso iluminou seu rosto.

— Claro que sim, filho da puta!

Rindo, peguei o celular no bolso e abri a galeria, mas antes pisquei

para ela.

— Nova York fez bem para você.

Faitlyn sorriu e me abraçou.

— E o seu filho está te iluminando de novo. É só ele ou algo a mais?

Desviei o olhar de novo quando a imagem do rosto de Ariana piscou


em minha mente. Entreguei-lhe o celular.

— Matthew é perfeito. Você vai conhecê-lo em breve.

***
MESES ANTES...

— Bom dia, Doutor Snowland.

— Bom dia, Mary. O que temos? Visitas?

— Na verdade, o senhor tem uma consulta na agenda.

Parei no meio do corredor.

— Não me lembro de nada agendado para hoje.

— A paciente deu entrada hoje e perguntou pelo senhor.

— Eu vou atendê-la, Mary. Obrigada. Onde ela está?

— Obstetrícia, doutor.

A notícia era tão estranha para mim, quanto para a minha residente,

mas minha curiosidade ganhou.

O único problema era lembrar da última vez que pisei na obstetrícia


me revirou o estômago. Era estranho e surpreendentemente assustador.

Quando desci no andar, me informei no balcão com as enfermeiras e

fui levado até a tal paciente.


— Bom dia — falei de cabeça baixa ao entrar no quarto, lendo seu

prontuário, mas não tinha nome, nem idade ou mais informações — Posso

aju…

Parei de falar assim que levantei a cabeça e a vi. Reconheci seu rosto
imediatamente, mas não lembrava seu nome, não importava o quanto

tentasse. Sei que dormimos juntos e que eu a deixei em um táxi com

dinheiro para ir para a casa, porque ela não quis carona para onde quer que
morasse.

Ela deixou o telefone e eu o descartei sem nem olhar o papel.

Não a vi mais e nem pensei que veria. Parece que as coisas mudaram.

— Você não se lembra de mim, não é?

— Apenas seu rosto. — Não havia porque mentir e estender o

assunto. Se ela estivesse doente, eu poderia ajudá-la, pois era a minha

obrigação, mas caso se tratasse de ideias de começar a me perseguir atrás

do que tivemos uma única noite… não aconteceria de novo.

Eu raramente repetia saídas com mulheres justamente para evitar

cobranças, afeto e principalmente compromisso. Deus sabe que a última vez

que tentei me firmar a algo sério isso quase me custou minha empatia e
amor a vida.
Não passaria por aquilo outra vez.

— Posso ajudar? — repeti quando ela ficou em silêncio.

A loira se levantou da cama e chegou perto.

— Você não se lembra de mim, mas eu vou dar um motivo para não

me esquecer nunca mais. — Ela tentava fazer com que o sorriso no rosto

fosse confiante e seguro, mas parecia assustada e em dúvida do que faria a


seguir.

Eu era um homem capaz de intimidar com apenas um olhar, já tinha

ouvido e provado isso diversas vezes, mas ela se manteve firme, ou pelo

menos tão firme quanto conseguiu.

— É mesmo?

— Não fomos tão cuidadosos daquela vez.

Franzi o cenho.

— Eu te machuquei? — Dei um passo à frente, agora preocupado. Eu


havia prejudicado aquela mulher? — Qual o seu nome?

— Suzanne. Suzy para os íntimos.

— Suzanne, eu te machuquei de alguma forma?


— Depende do que você considera machucar. — Ela riu, mas foi um
riso sem humor.

Eu a observei por um momento apenas.

— Eu realmente não tenho tempo para jogos.

— Estou grávida.

Ok.

Batidas do meu coração no ouvido.

Pulso forte e firme, acelerando aos poucos.

Pupila dilatada.

Espasmos na mão.

Eu não estava tendo um infarto, mas poderia ter se aquela tivesse sido

a primeira vez que ouvi aquelas palavras.

— Você me ouviu? — ela me questionou, empurrando o cabelo para


trás da orelha.

— Alto e claro.

— E então?

Enfiei a mão no bolso e peguei a carteira e o celular. Transferi para

um cartão pré-pago 20 mil dólares. Aquilo era dinheiro de gasolina e


gorjeta para mim. Esperei a confirmação no aplicativo do celular antes de
entregar para ela.

— A senha é 8133. Tem uma quantia generosa. Apareça quando a


criança nascer e faremos um exame de DNA.

— O quê? — perguntou, atônita.

— Se for meu, farei uma proposta em valor para ficar com ele. Se não

for, você sumirá da minha vida sem nenhum tostão. Entendeu?

— Philip. — Seus olhos lacrimejaram, mas, tudo bem, eu já tinha


visto um filme parecido antes. — Eu não faria isso. O bebê é seu!

— Tem certeza? — Me aproximei até estar a poucos centímetros dela.


— Eu me lembro das coisas que você falava e de como agia na hora do

sexo.

— Ser desinibida nas minhas relações sexuais não quer dizer que eu

seja uma golpista.

— Para mim você é, pelo menos até que eu prove o contrário. Até que
essa criança — apontei para sua barriga —, se é que ela existe, venha ao
mundo… você ficará longe de mim. Se tiver pelo menos um pouco de

decência não aparecerá novamente nem depois disso.


Só tive tempo de ver sua expressão atordoada antes de virar as costas
e deixá-la sozinha.

Me apoiei no balcão, acenando para Sue, a chefe das enfermeiras.

— Se essa mulher aparecer novamente procurando por mim, não


estou disponível.

Ela estranhou o pedido, afinal, eu sempre estava cem por cento à


disposição dos pacientes, mas não para essa em questão.

Não para passar por esse inferno outra vez.


“você me deixa desconcertada
não estou acostumada a me sentir assim
eu não sei o que dizer
essa merda sempre acontece comigo
termine com a sua namorada
porque eu estou entediada”
break up with your girlfriend, i'm bored, ariana grande

Os próximos dias passaram rapidamente. Entramos em uma rotina

que passou a se tornar neutra. O silêncio ainda era desconfortável, mas Matt
o preenchia com seus barulhos e chamados — que ainda não conseguíamos

entender completamente.
Não tive coragem de iniciar uma conversa com Philip para saber

qualquer coisa de cunho pessoal sobre sua vida e ele tampouco se


interessou pela minha. Soube que era médico porque Viviane deixou

escapar chamando-o de doutor, e entrei em seu escritório para conferir se

era verdade.

De fato, o pai do meu bebê não só era um neurocirurgião muito bem

renomado como um dos mais procurados do país. Já ganhou prêmios,

ganhava uma tonelada de dinheiro no hospital em que chefiava todos os


cirurgiões, mas também estava no meio de uma pesquisa sobre alguma

coisa envolvendo tumores. Ler metade dos artigos sobre ele na internet

quase pifou minha cabeça, mas também me deu uma nova visão de Philip.

Passei a vê-lo mais humano, mais presente. Honestamente, começou a


crescer em mim um desejo inquietante de conhecer o homem por trás da

carranca, mas ele não deixava. Saía do cômodo quando eu entrava, me

respondia como se fosse uma obrigação e pegava Matthew de noite apenas

quando eu estava dormindo, se era para evitar uma conversa comigo,

conseguiu, porque eu era idiota até certo ponto, depois disso me lembrava

de tentar manter um pouco da dignidade.

Quando vi faltavam apenas dois dias para Matt completar um ano. Ele

já estava querendo andar e balbuciava as palavras, eu estava ansiosa para


saber o que diria primeiro.

Cheguei num impasse. Nunca gostei de pedir dinheiro para Philip, em

todos os meses convivendo com ele, fiz o possível para me manter distante

e ele não reclamou, às vezes parecia até esquecer que eu vivia na casa.

Então chegar para lhe pedir algo nunca me pareceu legal, até mesmo

quando o bebê precisava. Eu sempre dava um jeito ou pedia a Charles.

Entregava uma lista do supermercado, dizia que era urgente ou algo do tipo.

Mas aquilo era diferente.

Nosso bebê... quer dizer, o meu bebê completaria um ano e aquilo

merecia uma celebração. Matthew era a alegria da casa. Até Viviane, em

um dia raro que estava feliz, deixou escapar um comentário positivo e disse

que Philip parecia mais animado com a chegada do bebê.

Mas é claro que parecia, porque de fato, estava. Quem não amaria

aquela criança perfeita?

Seus pais ainda não o tinham conhecido. Vir de Londres para a

Flórida se tornou uma missão que eles sempre ficavam impedidos de

cumprir por algum motivo. Mas em compensação, Edward começou a bater

o cartão no apartamento.
Philip nunca mencionou, então eu não sabia se ele estava ciente disso,

mas provavelmente sim, afinal, a casa era sua. Edward e eu conversávamos


diariamente. Mensagens durante o dia e ligações de noite, depois que o

bebê dormia a gente ficava até altas horas falando bobagem, e às vezes só
contando como foi o dia ou quais os planos da semana. Por isso, comecei a
ficar mais curiosa sobre ele, tentada a ir naquele encontro. Ainda assim,

temia como seria a reação de Philip, mas isso mudou numa noite em que eu
cheguei mais cedo com Matthew. Estava no telefone com uma amiga,

combinando alguns planos para o final de semana, já que eu finalmente


voltava à minha rotina de sair e ter uma vida social quase completamente.

O que surpreendeu tanto a mim, quanto ao bebê, foi abrir a porta e dar
de cara com Philip em uma sessão de amassos com uma loira em seu sofá.
A coisa estava realmente quente. Meu cérebro pifou. Decepção, raiva, mas

principalmente, uma sensação de desconforto tão grande que me deixou de


pernas bambas. Na minha cabeça — e eu sabia que não fazia sentido

nenhum — ele estava desrespeitando o nosso espaço. Nossa casa, nosso lar.
O lugar onde a gente via nosso menino crescer.

Jesus, eu estava louca.

Eu estava fantasiando uma família com aquele homem que me via

como uma babá.


O negócio estava tão bom que não nos ouviram. Charles estava na

porta quando cheguei, então provavelmente ele via a cena atrás de mim
também. Eu decidi que bastava quando Philip bateu na bunda da mulher,

que se esfregava em seu colo e puxava o cabelo dele para trás.

Bati a porta.

Eu fiquei muda, mas Matthew soltou um soluço e riu. Que bom que
alguém viu humor na situação.

Philip desgrudou, a boca inchada, olhos rápidos, dançando —


provavelmente em excitação.

— Merda.

— Ah, meu Deus! Philip, quem é essa?

Ele abriu e fechou a boca três vezes antes de responder. Ela levantou,

ajeitando o vestido e o cabelo, olhando-me e depois de volta para ele. Ela


olhava Matthew também com uma cara tão fechada que virei um pouco de

lado, escondendo o bebê de sua vista.

— Philip!

— Minha babá.

— O quê?!
— É o quê?!

Perguntamos juntas, e eu honestamente não sabia quem estava mais


surpresa com a resposta. Ela, meio sem reação. Eu, ultrajada.

Eu sabia que era menos que nada para ele. Só o cocozinho que um
cachorro fazia e ele tinha que ir limpar todas as vezes para não receber uma

multa. Até tinha uma noção — depois do que Edward disse — que eu era
como uma babá, mas ouvi-lo dizendo com todas as letras?

Poxa... isso foi doloroso.

— Uma babá? — a loira perguntou.

— Isso.

— Alguém para olhar um bebê? — insistiu na pergunta.

— Exatamente.

— Uma cuidadora? — De. Novo.

— Sim! — respondi eu mesma, cansada daquele bate e volta. — Uma


babá. — Fitei Philip. — Sou o inferno da babá dele.

Ele abaixou os olhos e levantou, segurando a mão da mulher.

— Querida, lembra aquilo que eu disse que precisava conversar com


você?
— Philip, não faça isso. — Ela fechou os olhos.

— Jheni, você se lembra.

Ela bateu no peito dele, o impedindo de chegar perto.

— Eu disse para não fazer! Não quero ouvir, quer saber? Vou fingir

que essa noite nem aconteceu.

Eu assistia como se eles fossem um casal de novela. Acompanhava o

capítulo decisivo na trama. Oi? Será que alguém se lembrava que eu estava
ali?

— Jheni, eu ia te contar. Estava esperando o momento certo. —

Tentou segurar a mão dela de novo. — Vamos falar sobre isso.

Ela pegou sua bolsa e o casaco no chão. Depois correu atrás do par de
sapatos, um em cada canto da sala.

Pelo jeito a coisa aconteceu no calor da selvageria.

— Falar sobre isso? Não Philip, isso definitivamente não é como eu

planejei.

Ela passou por mim voando, só tive tempo de desviar um pouquinho.

Philip olhou para o bebê comendo o meu cabelo e eu tentando o

impedir, depois para a porta.


— Olha só... — eu comecei. Ia consolá-lo, mas ele não me deixou

terminar, seguiu a loira.

Ok.

Engoli meu orgulho mutilado, comi o resto da dignidade e guardei na

bolsa do Matthew o restante do meu autorrespeito.

— Sim — murmurei enquanto fechava a porta. — Porque nem tenho


mais minha própria bolsa. — Carteira, celular, carregador e até meus

absorventes íntimos ficavam numa sacolinha dentro da bolsa dele. —

Ganhei até as estrias e nem fui eu que fiquei grávida. Vamos comer, a gente
acabou de estragar um encontro.

Eu juro que não queria, mas acabei rindo, e quando coloquei Matthew

na sua cadeirinha de alimentação, ele estava dando risada também.

***

Estávamos com nossa jantinha pronta, uma lasanha que não

queríamos parar até ver o fim, pelo menos eu não. A dele foi mais

adaptada, sem massa e apenas legumes.

— Abre a boquinha, meu amor.


Matthew balançou a cabeça, ele estava mais interessado no bolinho de

carne que Viviane fez.

— Traidor.

A porta de repente foi aberta e eu me recompus para quando Philip

entrasse na cozinha. Coloquei o cabelo de lado, visando que quando virasse

para vê-lo, alguns fios voariam e dariam um efeito de filme. Eu sabia que

não era decente me aproveitar da fragilidade de um homem rejeitado, mas


eu só tinha isso ou continuar sendo nominada como a babá.

— Ariana? — ele chamou. Eu me preparei.

— Bem aqui, Philip!

Quando ouvi seus passos mais perto, virei. Virei a cabeça com força.
Com impacto. Mas antes que pudesse concluir a virada completa, Matthew

enfiou a mão no meu prato de lasanha e atirou no meu rosto. Acertando a

bochecha e os fios de cabelo que estavam destinados a voar com uma


bomba de molho, carne moída e queijo.

— Ah, droga! — Levantei correndo direto para a pia, jogando água

no olho sujo e respingando por toda a minha camisa branca. O sutiã

começou a aparecer. Borboletinhas vermelhas no tecido branco ficaram


nítidas. E eu só tinha a minha vergonha quando encarei Philip.
Mas é óbvio que não seria apenas ele.

A loira bonita, extremamente bonita, muito bonita mesmo estava ao


seu lado. Ela segurava seu braço e me olhava com uma piedade que me fez

querer rir, e ao segurar o riso, um ronco saiu da minha garganta ou do nariz,

eu não sabia.

Mas Matthew riu uma gargalhada gostosa e depois voltou a comer seu

bolinho de carne como se não tivesse acabado de cavar a minha cova com

seu pai.

— Coitadinha — a loira falou e de repente, aproximou-se mim,


pegando um pano de prato e começou a passar pelo meu rosto, cabelo e

camisa. — Eu surtei e desestabilizei a coitadinha. Ah Adriana, sinto muito!

— Imagina — murmurei, me recusando a encarar Philip.

— É Ariana — ele disse atrás de nós.

— O quê? — perguntamos juntas.

— Você a chamou de Adriana, querida. O nome dela é Ariana.

— Isso, é Ariana — concordei como uma pateta.

— Ah. — Ela riu. — Sim, me desculpe. É que é com A né, e você


sabe. As coisas se confundem.
Eu sorri por educação.

Você não confunde “terrorista” com “trabalhador”. Nem sexo com

salafrário.

— Bem, eu sou a doutora Jhenifer Banks, mas pode me chamar de


Jheni. — Ela parou de me esfregar e estendeu a mão, sorrindo

brilhantemente.

Eu tinha certeza de que mencionar seu status chique de médica —

assim como Philip — era uma forma de me mostrar sua posição elevada
acima de mim. Funcionou, agora eu os via como o casal mais perfeito.

Eu era bem bonita, tá legal? A vida me disse isso. Mas me colocar em

frente a uma Jheni no momento em que eu estou cuidando de um bebê de


quase um ano, há meses sem alguém renovar minha autoestima batida e

sem pentear o cabelo a três dias, é pecado.

— Sou Ariana, a...

— Babá — Philip me interrompeu.

Eu não ia acabar com a mentira dele, não precisava se preocupar com

isso. Além do mais, Jheni não parecia o tipo de noiva que eu ia querer

afastar dele. Quer dizer, do meu sobrinho. Isso, minha única preocupação: o
bebê. Philip podia casar com quem quisesse, eu não estava me importando

com isso.

Mas...

Ela teve uma baita reação ao ver Matthew pela primeira vez, então

talvez eu devesse averiguar isso de perto pra decidir se está tudo bem ela

ficar com a gente.

— Sim, sou a babá. — Eu sorri forçado e fui pegar Matthew.

— Tudo bem, fico com ele agora — Philip disse.

Eu engoli em seco.

— Tipo agora? — Olhei dele para Jheni.

— É, agora.

— Mas ele precisa dormir, você sabe.

— Eu sei, Ariana. Ele vai dormir, só quero que a Jheni o conheça.

Ele queria? Claro que queria. E Matthew provavelmente ia querer


conhecê-la também, quem não ia querer?

— Certo. — Comecei a sair, mas voltei, sem conseguir me afastar de

verdade. — Você me manda uma mensagem ou algo assim quando eu puder


ir ao quarto dele? — Engoli meu orgulho pela segunda vez naquela noite
para lhe perguntar isso.

Ele assentiu, me fitando de um jeito estranho. Eu assenti de volta. E

ele assentiu de novo. Eu ia fazer mais uma vez, mas balancei a cabeça e me
inclinei para dar um beijo de despedida em Matthew.

— Boa noite, Ariana. Sinta-se à vontade para tomar café conosco

amanhã.

— Ah, obrigada! — respondi com falso entusiasmo e minha parte


imatura, super irritadiça bateu no ombro de Philip no caminho para a saída,

mas ele nem se moveu, eu que tropiquei para o lado.

Ela ficaria para tomar café da manhã. Inferno, os dois vão passar a
noite fazendo um sexo salafrário. Ao entrar no meu quarto, o odiei mais do

que nunca, odiei até mesmo minha cama confortável. A mais confortável
que já tive na vida.

A família que você fica fantasiando antes de dormir está acontecendo

na sala nesse exato momento, e adivinha só, babá? Você não é a mamãe
feliz!

Sim, eu sei. Jheni é. Droga. Aposto que ela penteia o cabelo todos os
dias.
“sinto meu sangue correndo,
juro que o céu está caindo
como eu sei se essa merda é inventada?
o tempo passa e eu não consigo controlar minha mente
não sei mais o que tentar,
mas você me diz todas as vezes
apenas continue respirando”
breathin, ariana grande

No dia seguinte eu acordei amarga feito um limão fresco. Viviane me

desejou bom dia e eu mentalmente a enviei aos quintos mais profundos do

inferno. Matthew não estava em seu quarto. Eu aproveitei a brecha de


momento quando a governanta foi arrumar meu quarto e enfiei a cabeça

pela cozinha, confirmando que ele em sua cadeirinha com Jheni lhe dando
café.

Ela não estava com cara de nojo e nem fingindo aquele sorriso.

Tirei minha dignidade do bolso e passei a mão no rosto. Cheguei ao


ponto de imaginar que alguma coragem me foi dada com isso.

Voltei ao meu quarto só pra pegar a bolsa com a carteira, mas não

tinha nenhuma minha, apenas a bolsa de Matthew onde as minhas coisas

sempre viajavam.

Não me importei.

Peguei a bolsa dele, pendurei no ombro e saí de casa. Realmente não


ia dar para aturar a família feliz.

— Bom dia — eu disse antes de sair, apenas para honrar a educação

que recebi.

— Bom dia, Ariana — Jheni respondeu com um grande sorriso,

empurrando uma cadeira à sua frente com a pontinha do salto.

Philip não disse nada, na verdade, ele nem reconheceu minha

presença. Um simples aceno teria sido o suficiente, mas nem isso recebi.

— Eu vou dar uma saída rápida, aproveitar que estão com o bebê.
— Ah, sim, não se preocupe. Philip e eu vamos olhá-lo durante o dia.

— Claro que vão — forcei um sorriso —, bem, eu já volto.

— Fique e tome café conosco, Ari!

Ari? Philip me dá um rápido olhar, depois a fitou, provavelmente

estranhando a intimidade assim como eu.

— Eu adoraria — menti — Mas preciso ir buscar uma coisa. Uma

coisa privada — continuei antes que ela com sua simpatia do tamanho de

um coração de mãe se oferecesse para me levar. — Uma coisa privada que

preciso fazer sozinha.

— Ah, é claro! — Jheni sorriu, então piscou como se me entendesse.

— Você está no seu período? Eu sou ginecologista, pode falar comigo em


privado se precisar.

Ok. Se eu chegasse um pouco mais perto daquela mesa me

esfaquearia.

Philip parou a xícara de café no caminho da boca e me fitou cheio de

constrangimento.

— Eu vou sair agora — falei sem encarar nenhum dos dois nos olhos

e corri para fora. — Deus me odeia — sussurrei, esperando o elevador.


Parei no primeiro café que encontrei, pedi um duplo e chorei. Eu me

conhecia chorando, então sabia que estava toda deformada, com as lágrimas
desesperadas saindo como se tivesse aberto as comportas de uma reserva e

os soluços que me faziam pular no sofázinho.

Um rapaz sentado à minha frente na outra mesa me olhou. Imaginei


que aquele era o momento em que ele ficaria curioso e viria me consolar. E

ele fez isso. Levantou, pegou um guardanapo e parou ao meu lado.

Se ele viesse flertar ou tentar conseguir meu número eu teria que dar

um fora, o que seria uma pena, pois ele tinha cara de gente boa. Ele sorriu e
me ofereceu o lenço.

— Ei — disse.

— Olá — respondi enxugando as lágrimas.

— Eu só achei melhor avisar que... bem... moça, tem um pouco de


chocolate, eu não sei, cocô talvez... no seu braço.

Eu parei de soluçar.

— O quê?

Ele ofereceu o guardanapo e apontou com certo nojo para meu braço.
Eu virei a bolsa, olhei meu braço e passei o dedo.

Era cocô.
Chorei mais um pouco.

***

Quando entrei na casa de Philip cerca de duas horas depois, já com o


braço limpo e a bolsa com uma bola molhada onde lavei o cocô de

Matthew, me senti um pouco menos abalada. Ele estava sentado na poltrona


perto da sacada e ficou me olhando sem dizer nada. Eu me dirigi ao quarto,

mas sua voz me parou a poucos passos.

— Acabo de receber uma ligação dos meus pais, eles vão vir nesse

final de semana.

— Sim, é o aniversário de Matthew. Devo sair da casa enquanto estão


aqui? — perguntei com ironia amarga.

— É claro que não, pode ficar na cobertura.

— Certo, mas sou a babá dele e devo me comportar como tal.

— Você é a tia dele.

— Ouvi algo diferente quando falou com a Jheni. — O nome dela

saiu extremamente anasalado, mas não foi de propósito.

— Se eu dissesse qualquer coisa diferente, o circo estaria armado.


— Que eu sou sua tia? Nossa, ela precisa ser bem louca para achar
que temos algo, já que nem nos falamos. Mas você está certo, é muito
melhor inventar uma mentira quando há sempre a possibilidade de ela

encontrar sua família e eles disserem quem eu sou realmente.

— Isso foi coisa de momento, Ariana. Vou corrigir. Eu só precisava

acalmá-la, o bebê por si só já é uma grande notícia.

Ele balançava Matthew de pé, quase dançando sem camisa e aquele


peito maravilhoso à mostra.

— Nossa! Não me diga? Quer saber, eu não sabia disso. Pensei que

um bebê fosse pouca coisa.

— Você não está me entendendo.

— Não. E você não está me entendendo. Eu vou ficar aqui porque

você me chantageia dessa forma e também vou fazer tudo do seu jeito, mas
a partir de agora, a babá aqui vai ter uma vida. Você entende isso?

Ele estreitou os olhos.

— Nunca te proibi de ter uma.

Aquilo era uma mentira, me fazer escolher entre ficar com Matt ou
trabalhar é uma proibição disfarçada. Ele sabe que sempre vou optar pelo

meu sobrinho.
— Ótimo, muito bem! Então se prepare, papai. Porque essa noite o
turno é seu!

Fui para o quarto, deixando-o falar sozinho.

— Espera, Ariana! Vamos conversar!

— Vamos conversar, Ariana — resmunguei, imitando-o enquanto


tirava a camisa e ia até o closet aberto, procurando um vestido que coubesse

naquela noite. — Vamos conversar! Agora esse pulguento quer conversar.

— Do que você me chamou? — Ele abriu a porta com tudo,

entregando a chave ao bebê que passou a balançá-la.

— Saia do meu quarto! — gritei, indignada ao descobrir que ele tinha

uma chave. Ele continuava usando o bebê como um escudo, e Matthew


adorava a sensação de ficar sendo levado de um lado para o outro. Achava

que aquela discussão era uma enorme brincadeira.

— Não até que você me ouça. E que merda é essa de “pulguento”?

— Não é nada. Saiu no calor da emoção.

Não saiu. Ele era um cachorro pulguento e vira-lata. E eu nem dizia

isso como uma ofensa aos vira-latas, pois já tive um. Eram os tipos de

cachorro que mais queriam atenção e mais pareciam precisar dela, o apelo
era irresistível, assim como o homem divinamente bonito e sem nenhuma

noção de sensibilidade à minha frente.

Vira-latas iam e vinham, assim como Philip.

— Ariana?

— Philip — rebati e fiquei encarando-o.

Ele me olhou de cima a baixo, tentando evitar seus olhos de caírem


para o sutiã, mas não conseguiu, então passou a olhar acima da minha

cabeça.

— Nós vamos resolver isso. Vou explicar a Jheni se te chateou tanto.

— Faça o que quiser, Philip. A minha única obrigação aqui é cuidar

do meu sobrinho enquanto você está ausente. Como você sempre fica em

casa de noite, é o momento da minha folga.

— Não funciona desse jeito.

— Claro que funciona. Eu preciso viver e caso você fique entediado,

chame a Jheni.

Comecei a avançar, e ele ia andando para trás, seus olhos desviando

da minha cabeça para o sutiã.

— Ariana...
— Diga que a babá ficou de folga.

— Droga, mulher!

Ele estava pra fora agora, e eu segurei a porta quando o olhei nos
olhos e coloquei a mão na cintura.

— Se prepare, Philip. Porque eu vou pentear meu cabelo todos os

dias.

Bati a porta com força, a tranquei e passei o fecho por dentro.

Segundos depois o ouvi gritar.

— Diabos! Vai fazer o quê?!


“eu chorei lágrimas suficientes
para ver meu próprio reflexo nelas
e então, ficou claro
não posso negar, realmente sinto falta dele
você é meu tudo”
my everithing, ariana grande

A primeira coisa que vi ao descer do táxi foi Edward conversando


com dois caras na porta da casa noturna, rindo, balançando as mãos

enquanto falava, bem à vontade. Fechei os olhos por um momento e vi seu

irmão, gritando comigo enquanto eu gritava de volta, e pensei que estava


fazendo a coisa certa. Eu ia rir, flertar inofensivamente — ou não — e

talvez eu até tirasse minha seca de beijar na boca.

Para a merda com o outro irmão. Eu não devia nada a ele, estava

plenamente consciente da minha capacidade como mulher e conhecia meus

limites. E essa noite eles estavam descontrolados. Ao me ver, ele parou a


conversa e me deu um sorriso enorme, se afastando dos amigos para

atravessar a rua e me buscar.

— Caramba, Ari!

— O quê?

— Você está... uau!

Isso era o que eu queria ouvir, droga!

— Você também não está nada mal, menino vampiro.

Ele riu e coçou a cabeça, confuso.

— É o quê?

Merda.

— Nada. Vamos entrar? Quer dizer, é aqui que ficaremos?

— Ah, sim! Sim, vamos entrar. — Ele me levou com a mão nas

costas, bem-educado. Polido e respeitoso. Eu estava querendo um


desrespeito essa noite, mas no momento aquilo serviria. Umas bebidinhas a
mais e ele perderia o cavalheirismo.

Eu esperava.

— Reservei uma mesa pra gente, lá dentro o som é bem alto, mas

imaginei que você ia querer um pouco de diversão ao invés de um barzinho

ou cinema.

— Nossa, você pensou em tudo!

Se ele me levasse ao cinema exclusivamente aquele dia, eu choraria

mais do que ao ver cocô no braço. Nós entramos e imediatamente fiquei

surda. Caramba. Eu adorava baladas, a agitação noturna, vivia em raves,

mas por algum motivo me senti tentada a sair correndo lá de dentro. A


música estava alta demais, as luzes estavam me deixando vesga e meu

acompanhante falava como se eu estivesse entendendo cada palavra. Mas,

mesmo assim, eu decidi ficar lá. Precisava provar não só para Philip, mas

para mim também que era muito capaz de curtir uma noite de doideira.

Meus planos incluíam voltar umas quatro da manhã e fazer a linha

misteriosa. Fingir que não estava me remoendo na ansiedade de que ele me

perguntaria algo e quando perguntasse, eu diria um belo “não é da sua


conta”. Ou “Ah Philip, você sabe como noitadas são”. Ou eu poderia até

dizer algo como “Olha, cada pessoa tem um experiência diferente, se você é
inexperiente nessa área da diversão adulta, eu posso te passar o endereço da

boate”. Então eu daria uma risada despreocupada, leve e tranquila.

— Ariana?

Voltei meu olhar para Edward, que me fitava com estranheza.

— Sim? — gritei de volta.

— Está tudo bem?

— Claro!

— Tem certeza?

Franzi a testa, rindo. Então percebi que enquanto dialogava em minha


mente, visualizando minha entrada triunfal na boate com cabelos ao vento,

estava, na verdade, parada ainda na porta, impedindo a entrada das outras


pessoas.

— Só tive um déjà vu. Nossa, sensação estranha essa! — Enrosquei o


braço no dele e apontei para o bar. — É lá que devemos ir.

Ele sorriu e revirou os olhos como se estivesse em êxtase.

— Falou as palavras mágicas!

***
Inferno, aquilo não estava indo como eu planejei.

Eu estava cheia de tequila na cabeça, o que, na realidade, foram só


três doses e antes do bebê eu aguentava seis, mas eram duas da manhã e eu

me sentia bêbada como um gambá no inverno.

Edward encontrou numa mesa ao lado da nossa, um casal em que

parecia muito mais interessante do que eu, porque eles sabiam conversar
sobre coisas intelectuais que eu nunca tinha ouvido falar na minha vida
maldita, então nós saímos da pista e fomos a um dos camarotes onde a

música não era tão estrondosa e as conversas podiam ser ouvidas.

Eles estavam falando sobre a gravidade de uma intoxicação pelos


peixes no mar.

Aparentemente um peixe condenava o outro, que condenava todos os

humanos. Eu comecei a desconfiar que os dois não eram essa esperteza


toda, e sim uma paranoia leve fantasiada de filosofias bem faladas.

Fiquei uma hora sentada e se disse uma frase inteira foi pouco. A
mulher — Tina ou Mina — eu sinceramente nem me preocupei em prestar
atenção, me olhava cada vez que eu abria a boca e dava um sorrisinho do

tipo “coitadinha, o que será que ela está falando?”, eu comecei a me sentir
uma retardada. Então falei pra Edward ia pegar uma bebida, na intenção de
que ele me seguiria e a gente poderia dançar, já que viemos em uma balada
para isso, mas ele me olhou e disse:

— Traz pra gente também?

Eles cantaram seus pedidos como se eu fosse a garçonete do lugar e


eu sorri, assentindo.

Não era possível. Philip tinha que estar em casa jogando todos os
tipos de praga para mim. Senti de repente minha orelha formigar, pegando

fogo. Mas não sabia se era isso realmente ou a paranoia do casal vinte me
contagiou.

Desci a escada com todo o cuidado, mas ao chegar no último degrau,


o fecho da tira da sandália enganchou no outro e eu fui com tudo pra frente,
exatamente em cima de um cara.

— Epa! — Ele riu, e gentilmente me segurou.

Eu olhei bem perto naquele rosto — cacete — bonito pra caramba e

percebi que eu conhecia aquele rostinho de bebê.

— Loui?

Ele franziu o cenho, chegando mais perto.

— Não é possível, merda! Ariana?


— Sim, eu — respondi feito besta, quase gaguejando.

— Não acredito que é você! Te procurei em toda parte!

— Ah, você sabe como é... A Califórnia se tornou cansativa. — A

risada despreocupada que eu tinha planejado para Philip, saiu para Loui. A
verdade era que eu não aguentei pagar o aluguel e sustentar minha irmã

grávida, então nós viemos para cá, onde ela já morava e tinha um

apartamento de um cômodo. Que depois eu descobri não ser dela e ela nem
sabia quem era o dono, só entrou.

— Poxa, as coisas deram uma acalmada depois que você foi embora,

gata. A galera começou a falar umas coisas.

— Ah, é? — Limpei a garganta, levemente preocupada sobre como


minha reputação ficou por lá. — Que tipo de coisas?

— Tracey disse que uma gata chegou na sua cola e você foi embora

com ela depois. Ela estava... você sabe. — Ele fez um movimento com as
mãos em frente a barriga.

— Ah, isso. Não, não... não foi nada.

— Então você não tem um chorão por aí nem nada, né? — Ele riu.

— Não! — Eu ri junto. — Imagina! Escuta, o que você está fazendo


por aqui?
— Eu me mudei. As festas aqui na Flórida estão pegando mais do que

na Califa. Vários DJ’s estão vindo pra cá. Vou montar meu set, fazer umas
filmagens.

— Bacana —eu falei animada, mas só conseguia imaginar sair algum

dia e encontrar ele e toda a galera sendo pega na mentira, porque sim, eu
tenho um chorão.

— Você podia trabalhar pra mim, gata. Divulgar meus lances, fazer

uma presença. — Ele ainda me segurava após a minha quase queda, e


chegou o rosto bem perto do meu. — De repente a gente curte de novo.

O apelo era enoooorme. Isso ele tinha.

Quer dizer, quando a gente se conheceu eu estava bem determinada a

me estabilizar nessa vida agitada, e Loui foi um grande passaporte me

ajudando nisso. A gente realmente se curtia, mas eu tinha algo agora,


alguém... e de repente a tequila meio que evaporou do meu sangue.

Eu imaginei meu chorãozinho em casa, chorando e eu aqui, tentando

me encaixar em uma realidade que por mais que eu tentasse, não era mais
minha.

Que mãe de bosta eu sou.


Bati a mão na testa com o pensamento. Eu nem sou mãe dele. O pai

do garoto podia me chutar a qualquer momento. Mas e daí? Eu amava

aquele menino porque passei os últimos meses infinitos e intermináveis


vivendo para ele e caramba, não me arrependia nem um minuto disso. De

repente me senti arrependida de ter saído de casa para provocar Philip,

fiquei com uma saudade louca de Matthew e envergonhada de mim mesma

renegando quem eu era agora: alguém que tinha um chorãozinho.

Tirei as mãos de Loui de mim e empurrei o queixo para cima.

— Eu sou tia de um bebê de quase um ano e ele é perfeito.

Ele ficou quieto por alguns segundos, depois riu.

— Ah, gata, para de piada.

— Não é piada.

— Você com uma criança? Você é aquela que fazia strip quando bebia

demais, Ari. A gente te conhece.

— Com licença, o que foi que você disse? — Ele não disse o que eu

ouvi.

Hum-hum.

Não podia ser.


— Gata, só estou dizendo o que todo mundo sabe — Ele ergueu as

mãos.

— Ninguém sabe de nada. Eu cuidei do meu bebê muito bem. Vocês

nunca me viram com uma criança, então você pode dizer esse tipo de merda

pra mim!

— Gata, eu te vi com a filha do Stuart, a menina engasgou do seu

lado e você ficou rindo achando que ela estava brincando.

Eu ia responder, mas resolvi que não podia desmentir a verdade.

Virei. Fui embora.

Quem se importa? Eu não. Eu não amava a filha do Stuart, e se a

garota não podia beber um suco sem se complicar a culpa não era minha.

Eu amava Matthew e ele nunca nem chegou perto de engasgar, quer dizer,

nunca tão sério assim.

Lá fora, peguei um táxi e fiz a melhor coisa que podia fazer. Fui para

a casa, esperando que Philip tivesse remédio para dor de cabeça em algum

lugar por lá.


“eu te faço sonhar
você fecha os olhos e grita
brinco com sua mente sem motivo
eu sei que você ama quando te provoco
por que você tem que me fazer rir tanto?
é ruim o suficiente nos darmos tão bem
apenas diga boa noite e vá”
goodnight n go, ariana grande

— Posso saber onde diabos você se meteu às... — ele pausou sua

indagação e fitou o relógio em cima da lareira. — Três e quarenta da

manhã?
Bem, ainda não eram quatro como planejei, mas quase lá.

— Não é da sua conta — comecei, mas senti que não era o suficiente.
— Ah Philip, você sabe como noitadas são. — Eu senti que ainda podia

mais. — Olha, cada pessoa tem uma experiência diferente, se você é

inexperiente nessa área da diversão adulta, eu posso te passar o endereço da


boate.

Ele franziu o cenho.

— Quanto você bebeu?

Não era pra ele responder daquela forma, mas os planejamentos nem
sempre davam certo. Eu soltei aquela risada que estava guardando e mexi

no cabelo, passando por ele para entrar na cozinha.

— O suficiente para me acordar. E agora estou bem desperta.

— Isso tem a ver com o meu irmão?

O fitei pela borda do copo d’água, e me surpreendi com o olhar

incrivelmente sério que me dava.

— Não seja bobo.

— Que merda você tomou? — Ele pegou o copo, segurou meu braço

virando-me para si e passou a mão na minha testa. — Está parecendo

perturbada.
— Eu não estou perturbada! — Bati na mão dele. — Estou sendo
superior!

— Certo. — Ele balançou a cabeça como se eu fosse retardada. —

Vem, você precisa deitar e amanhã vamos conversar muito sério.

— Não manda na minha vida. — Tentei me soltar, mas ele não me

deixava ir, insistindo em me arrastar para o quarto.

— Tem razão, mas mando na de Matthew.

— Isso não tem nada a ver com ele, eu não dei bebida para o bebê.

— Não, mas está colocando em risco a nossa — dez um movimento

com a mão entre nós dois —, convivência.

— Não me venha com nós, seu sem noção.

— Pare de me bater! — vociferou. — Quer saber? Se não quer

esperar para conversar civilizadamente amanhã, eu vou dizer agora e você

vai prestar muita atenção. — Ele aproximou nossos rostos de um jeito que

eu fiquei meio tonta, atordoada e tentada. — Se sair com Edward

novamente, não precisa voltar.

Bufei, rindo histericamente.

— Não seja ridículo! Eu não lhe faço escolher entre Matt e sua

namorada! Jheni, lembra?


— Isso é porque você não faz as exigências aqui, eu faço. Está

morando na minha casa, vive com o meu dinheiro e não vai dar para o meu
irmão.

— Seu estúpido idiota!

— Pensa que não sei o que planeja? Está tentando garantir mais um
bebê na família?

Ele não falou isso.

— Retire o que disse, Philip.

— Exatamente como sua irmã fez.

— Não acredito que disse isso.

— Que pena, não é? Descobri suas reais intenções.

Dei-lhe as costas e fui para o quarto. Tentei fechar a porta, mas antes
que pudesse, ele bateu a mão e entrou.

— Saia! — gritei, quase em lágrimas, mas de raiva.

— Eu estou na minha casa — falou sem se abalar, grosso.

— Então saio eu! — Dito isso, puxei minha mala debaixo da cama e a

abri, tirando as coisas que já tinha antes de irmos morar lá com ele.

— Deixe de cena, Ariana.


O ignorei e conferi nas gavetas o que mais levaria. Não era uma boba,

ia levar tudo o que me pertencia, mesmo o que foi comprado com o


dinheiro dele, mas por ora, peguei só o necessário.

— Ariana — chamou mais uma vez, porém foi mais rígido,


impaciente. — ARIANA!

— O que é, inferno?! — gritei de volta, jogando a única coisa que


tinha em minha mão na sua direção. — Me deixe em paz, Philip, já disse
tudo o que tinha para falar!

— Não, não disse! Não vou deixar até que entre em sua cabeça que se

sair, não volta mais e Matthew não irá a lugar nenhum!

— Qual é o seu problema? — gritei, sem conseguir mais conter as


lágrimas. — Quer me ver infeliz? Me faz escolher entre ele ou um trabalho,

ele ou um cara legal! Está tão miserável que quer me ver assim também?

Seu irmão não foi tão legal assim à segunda vista, mas ele com

certeza não precisava saber disso.

— Você — ele disse e começou a vir em minha direção, quando


estava a um centímetro de distância terminou: — Você é o meu problema!

De repente suas mãos estavam em minha nuca, segurando bem firme


no lugar e sua boca desceu com força na minha. Eu relutei, de início bati em
seu peito e o arranhei, mas isso só pareceu lhe dar mais força. Num suspiro,
ele conseguiu enfiar sua língua na minha boca explorando cada canto e
deixando o sabor do whisky marcante que bebia. Seu cheiro me rodeava,

assim como as mãos, os lábios exigentes e possessivos não separavam nem


para respirar.

Finalmente isso estava acontecendo, eu estava beijando Philip


Snowland.

De repente isso me bateu profundamente e tomei ciência do que

estava acontecendo. O bebê estava no outro quarto, minha mala estava


quase pronta em cima da cama e aquele mesmo homem que me beijava com

fervor, tinha dito as coisas mais absurdas para mim.

Entre o desejo e a razão, escolhi me afastar e desferi um tapa forte em

seu rosto. A pele alva foi marcada pelos meus dedos e seus lábios torceram
em desagrado. Mas ele não me machucaria, eu tinha certeza.

— Não me toque!

— Não se faça de santa, Ariana, não finja que não gostou.

Ele pegou minha mala e a virou, jogando tudo para fora, então abriu a
porta do quarto e me fitou por cima do ombro.

— Você não vai a lugar nenhum.


— Seu desgraçado! Venha aqui agora, Philip! Está vendo, é por isso
que sai com seu irmão, até em me ouvir ele é melhor que você!

Mentira também. Mas eu ia manter aquela ilusão.


“é por isso que quando o sol nasce eu continuo aqui
ainda deitada em sua cama dizendo
eu poderia ficar aqui a vida inteira
então, tranque a porta e jogue fora as chaves
não podemos mais lutar contra isso, somos só você e eu
e não há nada que eu possa fazer
estou preso com você”
stuck with u, ariana grande ft. justin bieber

Depois daquela gritaria na madrugada, eu dormi surpreendentemente

bem e acordei no dia seguinte com Matt ao meu lado rodeado de


travesseiros. Sabia que tinha sido providência do seu pai, mas não me

deixei levar pela atitude.

Ele me acusar de querer garantir outra criança na família, era muita

baixaria, até mesmo para ele.

Passamos o dia seguinte sem nos falar e eu aproveitei para planejar


toda a festa de Matthew. Tudo ficou horrível de caro por ser em cima da

hora, mas não me importei. O dinheiro era do seu pai incrivelmente rico e

estúpido, então ele que pagasse o quanto eu resolvesse gastar.

Como o bebê ainda não tinha amigos, eu convidei duas vizinhas e


seus maridos que viviam no prédio e eu já havia encontrado algumas vezes

e elas levariam seus bebês também. A família de Philip confirmou a

presença bem cedo, avisando que pegariam o voo às cinco da tarde. E


Edward, como eu não estava atendendo as suas ligações, deixou uma

mensagem.

Eu não sei o que houve, mas quero te ver de novo. Falaremos na

festa hoje.
A festinha em si não era bem uma festa. Comecei a decoração sem
esperar demais, deixei os convites na mão de Philip, afinal, eu não tenho

quem chamar, escolhi o bolo mais gostoso, mesmo que fosse deixar Matt

comer no máximo algumas garfadas, escolhi os docinhos mais bonitos e

bexigas combinando. Só uma mesa decorada e comidinhas, muitos

brinquedos de bebê e bebidas para os adultos. O que eu mais havia gastado

era de coisas para ele. Roupas, brinquedos, coisinhas que ele precisava. Se
o cartão de crédito de Philip tivesse limite, eu já o teria estourado.

Pelo menos inicialmente era simples, mas ele mandou Viviane me

avisar na tarde antes da festa, que seria uma recepção para seus amigos

mais próximos e alguns colegas de trabalho. Me recusei a abrir mão da

decoração de bebê. Bati o pé e por fim, ele deixou que as coisas

permanecessem daquela forma.

A sala estava toda amarela, branca e lilás. Havia um quadro de fotos

do bebê, enquanto eu o montava me impressionei com quantas fotos uma

criança podia ter em apenas um ano de vida. Quase não consegui escolher

só cem.

O primeiro aninho do bebê.

Quase não me contive.


— Hoje é um dia especial — eu disse a Matthew enquanto o troquei e

vesti a nova roupinha. A calça azul clarinha de sarja era uma graça, tinha
dois bolsos na altura do joelho e o casaco branco foi detalhado com azul

esverdeado. O tempo frio me deixou em dúvida entre uma touca ou um


cachecol e eu optei pelo cachecol. Já conseguia imaginá-lo nas fotos. —
Está parecendo um mocinho. Agora não faça xixi na tia, ok?

Os olhos de menino brilhantes e redondos me olhavam com


curiosidade enquanto babava seu dedo. Ele adorava quando eu falava com

ele. Parei o que estava fazendo e apenas o observei por um momento.

— Acha que ela acreditava que eu conseguia fazer isso? — Me referi

a Suzi, aproveitando que ainda podia falar mal dela vez ou outra enquanto
ele não entendia. — Eu acho que não, bebê. Acho que ela sempre duvidou
de nós.

Ele obviamente não tinha nenhuma resposta para me dar. Fez

barulhos com a boca, babando todo o queixo gordo e continuou batendo a


pomada de assadura na perna.

— Ela devia pensar que eu te deixaria para adoção, que ia te

abandonar em algum lugar, tocar a campainha e fugir.

Matthew sorriu como se todo o universo estivesse alinhado ao seu

redor, e eu sabia que estava. Ele era perfeito. A vida tem sido tão generosa e
mesmo com nosso começo difícil ele nunca foi carente de amor, algo que eu

esperava que Suzy visse de onde quer que estivesse descansando.

— Amo você, pequeno homem.

Ele gritou, jogando os bracinhos para mim e eu o abracei bem


pertinho, sentindo o cheirinho delicioso. Nunca neguei nada para esse

menino, principalmente quando se tratava de coisas tão simples como afeto.

Houve uma batida na porta e Viviane entrou. Diferente de suas roupas

casuais do dia a dia, ela vestia uma camisa social branca bem feminina e
uma calça jeans larga na barra, com um sapato de salto baixo. O cabelo liso

e loiro ficava preso com apenas uma presilha, e o restante todo solto. Ela
também fez uma maquiagem básica. Eu nunca tinha reparado em Viviane
muito bem, mas estava diferente. Queria que a personalidade mudasse

também, mas nem tudo são flores.

— Os convidados começaram a chegar.

— Claro. — Engoli em seco, sentindo um nervosismo maluco no


estômago. — Eu já vou.

— Todos estão perguntando do bebê.

— Eu já vou — reforcei, encarando-a nos olhos.

— Posso levá-lo para fora se ainda não estiver pronta.


— Não — eu disse sem delicadeza. — Ele fica comigo.

Com uma expressão de pouco-caso, ela assentiu.

— Como preferir, vou dizer aos convidados que ele está quase pronto.

Posso liberar a mesa de aperitivos?

— Sim, por favor.

Ela saiu e eu dei uma última olhada no espelho, conferindo meu


vestido azul e verde clarinho para combinar com a roupinha de Matthew.

Meu salto era de plataforma, escolhido para me deixar confortável enquanto


a festa durasse, eu era tão acostumada com saltos, mas pensar em usá-los

por períodos muito longos agora me dava arrepios.

— Vamos lá, homenzinho. Está pronto? — Matthew deitou a cabeça


em meu peito e eu deitei a minha nele. — Eu sei, bebê, também estou

nervosa, mas vamos dar força um ao outro, ok? Você toma um danone e eu
tomo algumas doses do que eles servirem de mais forte. Se eu ficar com

sujeira no dente você me avisa e se você tiver baba na roupa eu limpo,


fechado?

Ele caiu na gargalhada, sem entender nada do que eu disse, mas o


som me aliviou e me senti pronta para encarar a festa.
Saí do quarto, mas não fui longe, pois Philip me aguardava lá fora
com a mão erguida para bater na porta. Fiquei ali, presa em sua aparência
estonteante por um curto momento antes de piscar para longe, mas não

durou. Meus olhos voltaram a ele, na gravata verde combinando com a


roupa de Matthew e também com o meu vestido. Ele passou a mão no

tecido.

— Espero que não se importe, vi a roupinha dele e pensei que seria


melhor combinar.

— Foi legal. — Limpei a garganta. — Você está bem.

Ele não disse nada, só me observou por um momento.

— Você está linda, Ariana.

O elogio foi inesperado, já que a única vez que chegamos perto disso

foi para dizer que eu cuidava muito bem de Matthew, o que era idiota dele

dizer, pois eu estava fazendo sua obrigação e não recebi nem mesmo um
obrigada. Mesmo amando meu sobrinho mais do que tudo e ele sendo

minha única família, seria bom ter tido um reconhecimento e menos

ingratidão da parte de seu pai.

— Obrigada. Eu não vou me importar se quiser mudar a gravata.


— Não — respondeu de prontidão. — Estou bem assim. A não ser

que queira que eu mude se te incomodar.

— Matthew vai gostar de ver isso nas fotos quando ele for grande o

suficiente para vê-las.

Ele sorriu.

— Eu também acho. Pronta?

— Sim. — Ajeitei Matthew em meu colo, mas dei dois passos e parei.

— São muitas pessoas?

Fora a boate, fazia muito tempo que eu não frequentava uma grande
concentração de pessoas, provavelmente já tinha me transformado em um

bicho antissocial. Era algo novo, mesmo já sendo velho é conhecido para

mim.

— Apenas algumas pessoas do hospital, minha família e Jheni.

— Ok. — Eu quis revirar os olhos na menção de sua noiva, e meu

estômago torceu na menção de sua família. — Quantas pessoas do hospital?

— Algumas — ele repetiu e apontou para a porta que nos separava

dos convidados.

Matthew resmungou e eu peguei sua mãozinha.


— Calma, rapaz, não seja impaciente, essa função já é do seu pai.

Ele resmungou novamente e Philip também o fez.

Dei risada.

— Ele sabe que tem algo acontecendo lá fora.

— Claro que sabe, ele é um espertinho — Philip se gabou. Ele enfiou

as mãos nos bolsos e me observou.

— O quê?

— Você será uma ótima mãe um dia.

Meu coração deu um pulo e eu sei que deveria encarar como um

elogio, mas a frase apenas me irritou e lhe dei as costas com uma expressão

azeda, sem responder.

Serei uma ótima mãe um dia? Eu sou uma ótima mãe agora. Eu sou a

mãe de Matthew! Por um momento me deixei esquecer que ele me chamou

de babá para a sua noiva, namorada ou peguete, sei lá o que ela era. Me

deixei esquecer que para ele eu sou descartável e substituível. Que me fez
escolher entre trabalhar ou estar com o meu sobrinho.

Philip não era o herói. Ele era o vilão da minha história. Um vilão

muito gostoso, mas continuava um vilão.


Assim que saímos e eu avistei pelo menos vinte pessoas espalhadas

pelo grande espaço da sala, comecei a ouvir burburinhos e suspiros


direcionados ao bebê e ele todo dado como era, começou a bater palmas e

pular no meu colo. Dei risada, encantada, assim como todos ao redor. Não

importava o que Philip dizia, nem sua insistente mania de me colocar nos
papéis que não eram meus: cuidadora, babá. Matthew era meu filho.

Não só porque cuidei mais dele em sua gravidez do que sua própria

mãe biológica, mas porque ela confiou a mim e você não confia a coisa

mais preciosa de sua vida a um estranho. Se isso não fosse verdade, ela teria
passado toda a gravidez e o deixado na porta de um orfanato, mas ela correu

para mim. Sabia que eu cuidaria do bebê como se fosse meu e ele se tornou.

Uma mulher mais velha se aproximou e eu a reconheci imediatamente


como a mãe de Philip. Ela tampava a boca e os olhos brilhavam com

lágrimas.

— Oh, meu Deus — sussurrou. — Meu bebezinho! — Confirmei

minhas suspeitas e me senti leve. Ela parecia uma avó. Seu cabelo loiro
com mechas brancas, os olhos gentis e o sorriso sincero me acalmaram e

me deixaram confortável. Ela olhou para mim bem de perto e depois para o

bebê. — Eu posso?
Dando um sorriso fechado e com um pouquinho de insegurança, eu o

entreguei a ela. Matthew me olhou como se quisesse ter certeza mesmo em

sua pouca idade, se podia ir. Eu dei um beijo em sua bochecha,

confirmando que estava tudo bem e ele foi. Atrás da senhora Snowland, um
homem mais velho, mas parecidíssimo com Philip a segurava nos ombros,

fitando o bebê encantado. Ele sorria feito bobo. Os dois estavam assim.

Edward de repente se aproximou e se endireitou ao meu lado.

— Agora você conhece os meus pais. — Segurou minha mão e deu

um beijo, chamando a atenção de sua mãe, que nos olhou de olhos

franzidos, mas não parecia incomodada, só curiosa.

— Desculpe minha falta de educação — disse ela. — Eu estou tão


empolgada. Você é Ariana, certo? Tem cuidado do meu neto.

— Ela é irmã de Suzanne.

— Eu ouvi histórias sobre sua irmã, mas não posso dizer nada sobre

ela porque não a conheci, porém, posso falar que estou grata a ela por ter
trazido esse milagre ao mundo. E a você, principalmente, por ter cuidado

dele todo esse tempo.

— Mãe — Philip a chamou, como se ela estivesse falando demais.

— Não me venha com “mãe”. Você é bem-vinda na família, Ari.


— Obrigada, senhora Snowland. Tentei fazer o melhor pela minha

irmã que não resistiu ao parto. Matthew é tudo o que tenho agora.

— Isso não é verdade, você tem a nós. Essa família. Sei que meu filho

pode ser difícil, mas não desista dele. — Seu marido limpou seu rosto das

lágrimas com um lenço retirado do terno e ela deu risada. — Eu quero

conhecê-la, vamos marcar um almoço. Que tal?

— Você voltará para Londres em breve, mãe. — Philip a cutucou,

parecendo querer encerrar qualquer ideia de nos aproximarmos.

— Não vou não. Agora que sei que tenho um neto aqui, meus planos

mudaram completamente. — Ela voltou a me observar. — E você vai me


chamar de Sylvia, não senhora Snowland. Somos família, lembre-se disso!

— Obrigada, eu vou adorar almoçar com a senho... com você — me

corrigi.

— Faço das palavras da minha esposa as minhas, garota — disse o

pai dele, me estendendo a mão. — Sou Rick Snowland. Saiba que qualquer

coisa que precisar, basta dizer. Você tem a nossa eterna gratidão.

— Obrigada, senhor Snowland.

— Apenas Rick. Ou papai.


— Por Deus, pai — Philip resmungou e sua mãe riu, acompanhando
Rick.

Embora eu tenha dado risada também, não pretendia chamá-lo de

papai. Não, não mesmo. Não ia acontecer.

— Se importa se eu andar um pouco com ele? — Sylvia me

perguntou. — Sou a avó orgulhosa que quer exibir o neto a todos.

— Claro. — Eu sorri. — Fique à vontade.

Philip me deu um breve olhar e fitou seu irmão quando os pais se


afastaram. Eu não podia negar que queria estar junto apresentando o bebê e

até ser apresentada como alguém importante para ele. Eu só queria que as

pessoas soubessem que eu era mais do que a babá. Que era para mim que
ele chorava e pedia colo, que passava os dias e as noites juntos.

— Aproveite a festa — Philip disse ao irmão, o dispensando.

— Estou bem aqui. Vou ficar com Ari, temos o que conversar.

— É Ariana. E eu duvido que tenham algo a falar.

— Ah, mas nós temos. Você nos dará licença ou devo falar na sua
frente?

— Ele vai sair — os interrompi, tentando intimidar Philip com um


olhar sério.
— Não vou. Pode falar.

— Não seja infantil, Philip.

— Ela é a tia do meu filho, não vou deixar que faça dela uma de suas

aventuras e a machuque.

— Eu vou machucá-la? — Edward sorriu com ironia. — Não é Jheni


te esperando do outro lado da sala?

— Cuide de sua própria vida — Philip rebateu, ignorando a menção

da outra mulher.

— Por que foi embora correndo ontem? — Edward também o

ignorou, voltando a atenção para mim.

— Era com ele que você estava?

Arregalei os olhos, sem saber o que dizer ali. É claro que era muito

fácil dizer que eu o enfrentaria quando falava num momento de revolta em


meu quarto, mas a realidade era diferente.

— Sim, era comigo.

— Por que não disse nada? — Philip novamente falou comigo.

Eu estava vendo aquilo se tornar um barraco épico.


— Ela não tem que te falar nada, é adulta e toma suas próprias
decisões. Certo, Ari?

— É claro que posso. Philip, o que está fazendo? Isso não tem nada a
ver com você!

— Tem a ver comigo quando você mora debaixo do meu teto.

— Isso não é uma escolha minha! Não posso ir a outro lugar se quiser
estar na vida do meu sobrinho, de acordo com suas regras idiotas!

— Como é que é? — Edward perguntou.

— Fique fora disso!

— Nós estamos saindo, você não é responsável por ela! Eu sou.

— Ninguém é responsável por mim. — Revirei os olhos para Edward,

e me voltei para Philip. — Estou na sua casa, sim, mas não é direito seu
ditar como vivo minha vida. A única coisa que nos une aqui é Matthew!
Você não é meu pai ou meu irmão mais velho.

— Tem razão, eu não sou — rosnou, e deu um passo em minha


direção. Edward fez o mesmo, encarando-o de frente. Os dois tinham a

mesma altura, a mesma cor de cabelo, tão parecidos e tão diferentes.

Eu me senti Elena Gilbert no meio de Stefan e Damon Salvatore.


Que pensamento ridículo. Precisava confessar que sempre que assistia
a série achava Elena burra por não ficar com os dois ao mesmo tempo, já

que podia escolher, mas estando ali na mesma situação, passei a entendê-la.

Não que eu tivesse a intenção de ter algo com Philip, claro. A


analogia só fez sentido em minha cabeça por 1 segundo.

— Querido? — Jheni apareceu ao lado de Philip de repente. — Sua


mãe está apresentando Matthew. Você não quer se juntar a ela?

— Não, Jheni. — Ele respirou fundo, ainda me encarando nos olhos.

— Oh, Ari! Como você está? Espero que esteja melhor das cólicas.

Eu queria responder, mas fiquei tão constrangida que nem sabia

como.

— Ela está ótima — Edward confirmou.

— Cunhado, como vai?

— Muito bem, Jhenifer, obrigado. Por que não leva meu irmão para
beber algo? Ele parece estar com a garganta seca.

Ela riu.

— É para já. Vamos, querido. — Ela o puxou pelo braço, mas parou
por um momento. — Por que não dispensou a babá? Ari, fique à vontade
para sair, tem muita gente aqui para olhar o bebê.

A expressão de raiva no rosto de Philip dissipou, e uma de vergonha

assumiu o lugar. Ainda assim, ele não disse nada que corrigisse as palavras
de sua namorada, só deixou que ela o levasse dali. Senti a mão de Edward
em meu ombro como se me confortasse. Eu queria chorar.

Não.

Eu queria pegar Matthew, fugir dali e chorar. Nessa ordem.

— Qual é o problema dele?

— Foi mimado demais na infância — Edward respondeu, lembrando-

me que estava ao meu lado. Me senti culpada, mas era difícil me concentrar
nele quando Philip estava de mãos dadas com a médica linda, bem-sucedida
e que provavelmente se casaria com ele em breve. Me fazia pensar em

como seria quando eles morassem juntos.

Philip dividiria a guarda de bom grado comigo ou eu teria que lutar


por ela?

— Você não foi mimado? — perguntei.

— Não. Eu sou mais velho que ele, tive que trabalhar ao lado do meu

pai para ver as coisas darem certo se quisesse ser alguma coisa.

— Eu imaginei que vocês todos fossem médicos.


— Minha mãe foi uma cirurgiã neonatal. Eu cursei medicina, mas
quando cheguei na hora de escolher a especialização, desisti. Era tempo
demais estudando e se eu ainda não sabia qual caminho seguir, significava

que estava no caminho errado.

— E o que você faz hoje?

— Trabalho com o meu pai no ramo de galerias de arte.

Administramos galerias. Posso te levar a uma delas, se quiser. Terá uma


exposição esse final de semana. É aberta ao público, mas te levo antes do
horário de estreia.

— Não, eu gosto da experiência completa. As pessoas, as conversas,


o barulho.

— Claro — ele sorriu —, só me diga quando quiser ir.

Eu não queria, por isso não falei mais nada. Caramba, ele era tão
gentil comigo. Será que conseguia sentir meu desinteresse?

Desviei o olhar para Philip, depois procurei Matthew entre as pessoas.


O encontrei numa rodinha, no colo de uma mulher sorridente. A campainha

tocou e eu observei Viviane atender, dando espaço para um casal entrar.


Todos ali pareciam tão ricos e sofisticados. Eu me sentia completamente

fora de lugar.
— Imagino que não seja fácil ser tratada como a babá do seu
sobrinho. Por que deixa Philip fazer isso?

— Eu não deixei, só aconteceu. Estou dando um tempo para ele ser


honesto com a namorada.

— Noiva — Edward me corrigiu. — Ela é noiva dele.

Maravilha.

— Ela parece gente boa. — Engoli em seco, fingindo que a nova


informação não me afetava. — Ela parece tranquila, não sei por que ele não
se corrige de uma vez.

— Eles têm um relacionamento conturbado. Mas agora — Edward


segurou meu braço, virando-me para si delicadamente —, me fale sobre

você.

— Falar o quê?

— Sonhos, planos. O que quer da vida.

— Eu sempre fui mais do tipo que vive o momento. Nunca fiz planos
até Matthew aparecer, mas agora me preocupo com isso.

— Por quê? Admiro uma pessoa que sabe viver a vida com calma e

leveza. Tenho o próximo ano inteiro planejado e férias não estão inclusas. É
estressante.
— Bem, tem um lado bom — dei de ombros —, mas quando penso
que eu mal conseguia alimentá-lo direito antes do seu irmão aparecer, me

sinto uma inútil.

Ele segurou meu rosto na pontinha do queixo.

— Você não é inútil, está bem longe disso. Matthew tem sorte de tê-la
e nós somos mais sortudos ainda por esse acréscimo na família.

— Obrigada — sussurrei. Fiquei realmente tocada com suas palavras.

Eu poderia até mesmo beijá-lo. Será que eu deveria? Só uma bitoquinha


para provocar seu irmão?

— Agora me diz, fugiu ontem. Por quê?

— Eu não estava conseguindo me adaptar bem.

— Eu nem parei pra pensar nisso, Ari, se soubesse que não é seu
estilo teria te levado em outro lugar.

— Não! Não é isso, eu costumava adorar baladas. Frequentava raves


e reclamava quando acabavam. Só acho que Matthew me mudou de mais

formas do que eu pensava e só vou descobrir com o tempo, conforme for


experimentando tudo de novo outra vez.

— Claro. Bem, estou te devendo um segundo encontro, então. Eu já

ia convidá-la, mas agora é questão de honra.


— Ariana. — Virei ao encontrar a voz nada amigável de Philip. Ele

estava a poucos metros de nós com os punhos fechados ao lado do corpo,


todo hostil. Fuzilava o irmão com os olhos. Eu dei um passo atrás, deixando
cair a mão de Edward.

— Eu já volto. — Caminhei lentamente até o pai do meu sobrinho,

dizendo a mim mesma que não colaboraria com a cena que ele estava
querendo causar. — Sim?

— Pare com isso — rosnou.

— Parar com o quê? — perguntei, mas no fundo eu já sabia a

resposta.

— As conversinhas, os toques, os olhares, tudo. Pare com tudo.


Afaste-se do meu irmão.

— Eu não sei do que você está falando.

— Não seja cínica. Eu não gosto disso.

— Você não gosta de muitas coisas que eu gosto. — Ele deu mais um

passo à frente. — Não chegue mais perto. Não queremos que sua noiva
pense que está de segredinhos com a funcionária, não é?

— Não seja ridícula!


— Eu sou? — Dei risada. — Você está sendo ridículo e
inconveniente. Já parou pra pensar que sou a única figura materna que
Matthew tem e você está me colocando numa posição horrível? Fui

dispensada da festa que eu mesma organizei!

— Eu já disse que vou resolver isso.

— Então, resolva! É isso o que deve fazer, cuidar dos seus assuntos e

da sua vida. Para a sua informação, eu e seu irmão ainda nem chegamos na
fase de pensar em dormir juntos. — Ele franziu o cenho, sem entender
porque eu disse aquilo do nada. Merda. Por que eu falei mesmo? — Não,

quer dizer, nós pensamos. Não... ele deve ter pensado, mas eu não tenho
cabeça para isso limpando cocô o dia todo e fazendo mamadeiras a cada

poucas horas.

Philip cruzou os braços, arqueando a sobrancelha esquerda.

— O que isso quer dizer? Fizeram sexo enquanto cuidava de


Matthew? Aqui?

— Não! — Elevei a voz — O quê? Não foi o que eu quis dizer!

— Você disse que pensou nisso enquanto fazia mamadeiras e limpava


cocô.

— Não, eu não pensei nisso enquanto cuidava de Matthew.


Ele rosnou.

— Então você pensou enquanto não cuidava de Matthew?

— Não. — Revirei os olhos. — Estou dizendo que é natural


pensarmos em sexo, mas eu ainda não pensei. Em sexo. Com ele. Antes eu
pensaria, claro, mas agora...

— Antes quando? Antes de conhecer Jheni?

— Philip, você está me irritando.

— Você está me irritando mais.

— É neurocirurgião, certo? Devia fazer um raio x, ou algum exame

na cabeça que procure por problemas, porque você está perturbado. — Ele
segurou meu braço quando me virei para me afastar. — Philip, não faça
uma cena aqui! Seu irmão está me esperando.

— O meu irmão vai dar o fora daqui ou eu vou quebrar a cara dele na

frente de todas essas pessoas.

Puxei meu braço.

— Se resolva com sua noiva e não me venha cobrar coisas que não
são seu direito cobrar. Eu sou a tia de Matthew, não sou nada sua.
“me diga algo que eu preciso saber
depois tire meu fôlego e nunca deixe ir
se você me deixar invadir seu espaço
eu ficarei com o prazer, junto com a dor
porque se você quiser continuar comigo
você tem que me amar mais”
love me harder, ariana grande ft. the weeknd

Afastei-me dele indo até a mesa de comidas. Peguei um pratinho para

colocar algumas coisinhas salgadas e observei discretamente Jheni se


aproximando dele, mas fui pega no flagra, pois ela não deixava de me

observar. Não estava mais lá o sorriso simpático, havia só desconfiança,


curiosidade e hostilidade, graças ao show que seu noivo acabara de

performar.

Os pais dele se divertiam com Matthew em sua própria bolha no meio

da sala. As pessoas se aproximavam para brincar e conhecê-lo, e deixaram

presentes numa mesa perto da porta. Vi que já não cabiam mais presentes,
por isso começavam a se espalhar pelo chão. Pelo menos amanhã teríamos

um dia divertido abrindo tudo e descobrindo o que os amigos ricos de seu

pai riquíssimo escolheram para ele.

Quer dizer, eu mesma não saberia o que dar a um bebê de 1 ano, um

ano atrás. Provavelmente passaria num petshop e compraria um daqueles

bichinhos que faziam barulho. Crianças e cachorros eram praticamente a


mesma coisa, certo? Eles comiam, dormiam, faziam cocô e gostavam de
coisas que faziam barulhos, além de preferir brincar com coisas que não

eram brinquedos.

— Santo Deus — murmurei comigo mesma, pensando que minha

lógica estava totalmente fora de ordem. Me servi do vinho que parecia

menos ruim e comi alguns salgadinhos. — Essa é a graça da festa —


comentei sozinha ao mastigar algo azedinho. Revirei os olhos com o sabor.

— Delícia.

Escutei uma risada atrás de mim.


— Foi o que eu disse antes de vir buscar mais desses.

Olhei para a mesa antes de encarar a loira de olhos azuis outras vezes.

— São os últimos — falei séria. — Não sei se posso deixar que leve.

Ela deu risada, pensando que eu estava brincando, mas era sério, eu

lutaria por aquelas bolinhas deliciosas já em extinção da mesa.

— Eu te entenderia completamente. Vou pegar meu segundo favorito

— disse, apontando para outro.

— Isso, deixe para mim. Vocês, médicos fodões podem contratar esse

bufê caro qualquer dia da semana só por diversão, já eu não posso me dar

esse luxo.

Ela riu e me estendeu a mão.

— É um prazer. Sou Faitlyn.

— Ariana. — Eu dei um sorriso sincero, aliviada por encontrar pelo

menos uma pessoa que notou minha presença na festa.

— Eu duvido que vivendo aqui com Philip você não possa comer
essas belezinhas quando quiser.

— Eu vivo com ele há pouco tempo. — Dei de ombros. — E, mesmo

assim, não costumo frequentar esses lugares.


— Esses lugares?

— É. Lugares chiques que servem vinho caro e espumantes. Festa de


médicos e donos de galerias de arte.

— E o que você costuma frequentar?

— Ultimamente parquinhos de diversão, mas antes eu gostava de

raves.

Erguendo as sobrancelhas, ela se esforça para não rir de mim.

— Nunca fui em uma rave, mas tenho curiosidade.

— Um dia te levo em uma — prometi, sabendo que não aconteceria.

— Perfeito. Então, você é a tia?

— Finalmente alguém que sabe que não sou a babá.

— Philip é ridículo — revirou os olhos —, acredite em mim... esse


noivado vai acabar de novo quando ele contar a verdade a ela.

— De novo?

Eu adorava uma fofoca, se fosse detalhes íntimos de Philip que ele


nunca me contaria então...

— Eles terminaram oito vezes nos últimos seis meses.

— Seis? Caramba! Como isso é possível?


— Podem ter sido mais, mas só estou sabendo dessas. Quando seu

noivo é totalmente indiferente a maioria dos seus dramas e você faz dramas
desnecessários demais, as ideias geralmente não se batem.

— Eu os via como perfeitos um para o outro — refleti. — E como é


que sabe tanto? É parente dela ou dele?

Ela riu.

— Eu sou a melhor amiga dele desde sempre.

Desviei o olhar, imaginando o tipo de amizade que os dois podiam ter.

— Ah, claro... entendo.

— O que você entende?

Dei de ombros.

— Ele só não parece o tipo de cara que tem amigas.

— Ele não é mesmo, mas já diziam “As Branquelas”, da fruta que ele

come eu chupo até o caroço — ela contou rindo.

— Você é sapatão?

Ela caiu na gargalhada, e quando recuperou o ar, me fitou com olhos

brilhantes.
— Nós não costumamos usar essa palavra para definir, mas sim... eu
gosto de mulheres. Philip é unicamente meu amigo.

— Ah. — Sorri estranhamente aliviada. — Isso é legal.

Ela me fitou com curiosidade, mas assentiu.

— Estudamos juntos na faculdade e ele meio que me tomou como


parte sua família. Eu preferia conhecer o bebê quando não tivesse todas
essas pessoas aqui, mas ele me obrigou a vir hoje.

— Estou feliz que você veio, pelo menos não estamos sozinhas aqui.

— Também acho. Por que não sentamos e esperamos para ver o

desenrolar daquela história ali? — Ela apontou para o meio da sala, onde
dava para ver Philip tentando levar Jheni para a cozinha, mas ela batia o pé,
se negando a ir.

Estava vermelha de raiva.

— Acho que ele contou que não sou uma babá.

— Eu acho que sim. — Faitlyn inclinou a cabeça. — Quer apostar?

— Com certeza. — Apertei a mão dela e voltei a observar a cena.

A noite tinha tudo para ser torturante, mas acabara de começar a ficar
divertida.
“você é como uma constelação inteira
prometo que ainda vou te amar quando você acordar de manhã
eu só quero ter tempo para você
juro que é o certo para você
como se essa buceta fosse projetada para você
nota 10 de 5 pra você
sei que eu assinaria na linha por você”
nasty, ariana grande

Acordei no dia seguinte com uma dorzinha de cabeça chata,

consequência das várias taças de vinho e espumante da noite anterior. A

festa se tornou surpreendentemente divertida quando Faitlyn apareceu.


Depois de algumas horas deixando Matthew com seus avós, eu o peguei de

volta para trocar sua fralda e ver se estava com fome de algo além dos
salgados e docinhos na mesa e aproveitei para abraçar e beijar meu bebê.

Parte de mim queria garantir que ele não fosse me esquecer vendo

tantos novos rostos por perto.

Sabia que era exagero, mas meu coração estava apertado e aquele

pequeno momento com ele me consolou.

A mãe de Philip ficou por perto quando eu o troquei e mudei sua

roupa para um pijaminha de galáxia confortável. Fiquei aliviada que ela não
pediu para fazer as tarefas, pois ainda não estava pronta para isso. Sabia que

em breve sua presença se tornaria recorrente e teria que me acostumar, mas

prometi a mim mesma que esses surtos de carência seriam momentâneos.

Ignorei o fato de que sempre fui um lixo em cumprir promessas.

Além de Faitlyn, conheci alguns outros médicos presentes, e todos

eles só tinham coisas boas para falar sobre Philip. O que me surpreendeu.

Sabendo que ele era o chefe de cirurgia do hospital, esperava que fosse

alguém difícil de lidar profissionalmente, afinal, foi o que sempre aparentou


para mim em nossos meses convivendo juntos, mas pelo jeito não era

assim. Todos falavam dele como uma pessoa rígida no trabalho porque

tinha que ser desse jeito.


O que me fez pensar que deveria ser particular comigo.

Tomei meu banho devagar, sabendo que quando saísse, Philip, Jheni e

meu sobrinho me aguardavam como a mais nova família feliz do pedaço.

Ninguém merece.

Eu queria encontrá-lo sozinho, na verdade, para questioná-lo de seu


surto da noite anterior e sobre aquela mania ridícula de querer mandar em

minha vida. Eu daria um basta. Contaria que estava disposta até mesmo a

entrar na justiça e ter meus direitos quanto ao meu sobrinho se ele não

parasse de achar que ditava as regras em mim; uma mulher adulta e muito

capaz. Eu lhe fiz um favor por meses porque ele foi um cretino com a

minha irmã ou lhe fez se sentir um lixo. Ele devia ser grato e não me tratar

daquele jeito.

A água estava tão quentinha que ao invés do meu banho rápido pensei

em expandi-lo, aumentando meu show além de três músicas. Gostaria de

cantar umas dez, deixando a água relaxar meus músculos.

Saí do chuveiro e coloquei um vestido do verão, pois o tempo estava

louco. Depois do frio de ontem, estava fazendo sol lá fora.

Contrariando meus medos e me deixando sem ação, encontrei Philip

sozinho na mesa, alimentando Matthew com um sorriso no rosto.


— Hum... bom dia?! — falei mais como uma pergunta do que uma

saudação. Nem Viviane e nem Jheni estavam à vista.

Eu morri e fui para o céu?

O sorriso dele morreu ao me ouvir e me encarou com seriedade.

— Bom dia, Ariana.

Me aproximei devagar e me sentei junto a ele, fitando-o com suspeita.

— Onde está todo mundo?

— Quem é todo mundo? Só moramos eu e você aqui, além de


Matthew e todos estamos presentes.

Cínico.

— Você me entendeu.

— Na verdade, não. Fala dos convidados? A festa acabou e foram


embora, como é natural de acontecer, mas é claro que estava bêbada demais
para perceber isso quando eu ajudei Faitlyn para levá-la ao seu quarto.

Era verdade.

— Eu não me sentia daquele jeito há muito tempo.

— Como? Motivo de chacota?


— Eu não fiz nada demais e sei que está querendo me machucar com

essas suas palavras, mas não vai conseguir porque eu sou uma nova mulher.
Hoje acordei decidida a dar um rumo diferente na minha vida — ele me

observou com o cenho franzido —, e você, Philip, tem muitos pontos a me


recompensar por tudo o que tenho passado desde que cheguei a essa casa.

— Ah, eu tenho? — Riu com ironia, deixando o garfinho de Matt no


prato e levantando-se.

Ele estava sem camisa e cruzou os braços, fazendo os músculos

contraírem e ficou duas vezes o meu tamanho. Engoli em seco, tentando me


concentrar em seu rosto.

— É, eu acho... que... — Perdi um pouco do meu raciocínio, mas


tentei me recuperar antes que ele percebesse. — Eu só bebi e tentei me

divertir, assim como todos. Não sei se percebeu, mas não eram exatamente
pessoas com quem eu me enturmo. E eu nem fiz nada, só fiquei no canto

com Faitlyn.

— Uma perfeita amizade você foi escolher.

— Ela é ótima — a defendi. — E pelo que sei é sua melhor amiga.

— Eu não disse que não era, mas assim como você, Faitlyn não tem
limites. Parece uma criança que não sabe o que pode ou não pode fazer.
— Eu não sou uma criança, você é que é um bombado idiota que acha
que tem que me dizer as regras do papai, mas adivinha só, eu sou uma
adulta! Na verdade, sou tão adulta que... você se surpreenderia caso se

permitisse ter uma conversa comigo.

— Uma conversa? — zombou.

— Sim!

— Ok. — Ele se sentou novamente, recostando na cadeira. — Vamos

ter uma conversa.

Oi?

— O que... agora?

— Sim, por que não? Tenho que agendar?

— Não, mas...

— Você não é adulta? Um adulto está preparado para falar do que

surgir.

— Eu não tenho que provar para você que sou grande e responsável.

— Não, não tem — concordou. — Mas se quer provar, estou mais do

que feliz em deixá-la me mostrar que tenho sim que ficar cuidando de você.

Limpei a garganta, entendendo seu argumento como uma ofensa.


— Ok. Certo.

Será que ele vai perguntar sobre o mercado financeiro? Merda, eu


nem sabia mais fazer contas simples de divisão. Nunca decorei a tabuada,

nem sei os pretéritos, mas isso ok, porque ninguém sabe, né?

Ou talvez ele fosse me questionar sobre quem veio primeiro, o ovo ou

a galinha?

Ou se a crise em alguns lugares no mundo está tão grande, porque os


países simplesmente não imprimiam mais dinheiro? Eram dúvidas

recorrentes na minha cabeça, mas eu nunca parei para pesquisar.

— Estou preparada.

— Isso não é uma entrevista de emprego, Ariana. Só vamos


conversar.

— Eu sei, só estou dizendo que estou pronta. — Dei de ombros,

tentando passar uma imagem de relaxada e tranquila.

— O que você...

— O ovo — respondi sem pensar, fazendo Philip ficar mudo por um

instante. Ele então balançou a cabeça e a abaixou. Por um momento pensei

que estivesse escondendo o riso. — Desculpe — murmurei. — O que ia


dizer?
— Eu ia perguntar o que fazia para viver antes de vir para cá?

— Antes? Tipo, antes do Matthew? — Philip assentiu. — Eu era


modelo, principalmente, mas fazia várias coisas.

— Tipo modelo de passarela, fotográfica?

— Não consegui chegar às passarelas — admiti com vergonha, aquele

tinha sido um sonho. — Eu fazia presença VIP em eventos que precisavam


de atendentes bonitas, também fotografei algumas vezes. Quando eu

consegui um teste para a passarela, onde minha carreira realmente

aconteceria... — Fitei Matthew e não consegui terminar de falar.

De alguma forma, dizer em voz alta que não fui ao teste, porque sua

mãe me ligou do hospital e eu precisei fugir com ele, fazia parecer que eu

me ressentia. O que não era o caso de jeito nenhum. Eu abandonaria minha

carreira mesmo se já fosse uma modelo reconhecida se fosse para cuidar


dele. Eu faria tudo por Matthew. Tudo.

— Matthew aconteceu — Philip completou.

— Sim — sussurrei. Limpei a garganta. — Não foi uma gravidez


fácil e minha irmã precisava de mim, então eu... bem, não tive muito tempo

para dedicar a carreira. — Forcei uma risada, tentando amenizar o clima

pesado.
Que ideia ridícula de conversar foi essa que tive?

— E gostaria de voltar a se dedicar? Tentar de novo?

— Claro que sim, quer dizer, talvez. Eu não poderia deixar Matthew.

— Você não precisaria. — Philip suspirou, olhando entre o bebê e eu.


— Estou disposto a fazer um acordo com você.

— Outro acordo? Já sei onde isso vai dar. Você se beneficiando e eu

me ferrando outra vez.

— Não será assim. Eu concordo em dividir o tempo de Matthew com

você, contando que não veja mais Edward — ele fez uma pausa, e limpou a

garganta —, na verdade, seria bom se você não tivesse encontros com

ninguém.

Levei um momento para que as palavras fizessem sentido, então

comecei a rir do absurdo, mas Philip continuava sério. Fitando-me sem

paciência.

— Com ninguém? — repeti.

— É a melhor saída.

— Melhor para você! Quer dizer que antes eu podia trabalhar, mas

não veria Matthew, e agora eu posso trabalhar e ver Matthew mas tenho que
virar uma celibatária?
— Exatamente.

— Eu tenho cara de quem tem potencial para ser freira, por acaso?

— Eu estou lhe fazendo um favor, Ariana. Namoros tendem a

atrapalhar a carreira, isso é mais do que comprovado. Eu só não quero que

tenha distrações que te atrapalhem outra vez.

— Matthew não foi uma distração que me atrapalhou, ele salvou


minha vida.

— Você entendeu.

— Philip, percebe que está mais uma vez me chantageando? Por que
não fala esse tipo de baboseira para a sua noiva? — Me levantei e empurrei

a cadeira. — Você é o maior cretino que já conheci nessa vida e olha que

conheci muitos! Sério, você é o maior deles, com certeza! — Me esforcei

para não gritar na frente de Matthew, mas estava difícil.

Ele fechou a cara, espumando de raiva.

— Mas é com o cretino que você está vivendo, é do cretino que você

depende. Vai aceitar o acordo ou não?

— É claro que não! — rosnei. — Sabe o que você faz? Liga para a
sua noiva, chama ela aqui e tenta colocar essa focinheira nela, babaca! Eu

não vou aceitar mais. Era exatamente disso que eu falava hoje cedo, você
tem um trabalho, tem tudo e todos à sua disposição, mas, ainda assim, quer

me ver infeliz! O que minha irmã te fez de tão ruim para que toda a raiva

que não pôde descontar nela, você desconte em mim?

— Ariana...

— O que eu fiz para que me odiasse e me humilhasse assim? Eu não

sou sua prisioneira e não sou sua escrava! Você age como se eu fosse o

maior pecado dessa terra.

— Eu nunca disse que era.

— Tem coisas que não precisam ser ditas.

— Ariana.

— Não me venha com Ariana. Eu vou procurar um trabalho. Sei que


em breve isso aconteceria quando você se casasse, mas...

— Não vou me casar tão cedo.

— Vai sim, você está noivo. Não adianta querer me enganar. Sei que

vai me chutar daqui sem que eu tenha para onde ir de última hora, devo me
preparar para isso. Começarei a preparar minha vida, minha casinha que

mesmo sem ser uma grande cobertura, será perfeita para receber Matthew

nos meus dias de ficar com ele.


Philip deu a volta na mesa, começando a se aproximar lentamente

enquanto eu falava. Quando ele estava a poucos centímetros, segurou meu


rosto, e antes que eu percebesse ou lutasse contra — se é que faria isso —

seus lábios estavam no meu. Segurei seu ombro com um primeiro instinto

de empurrá-lo, de afastar seu corpo, porque era a coisa certa a fazer depois

de chamá-lo de cretino e ditador, mas não resisti muito tempo.

O beijei de volta.

O beijei como se estivesse pegando fogo.

Gemendo em sua boca enquanto nossas línguas se enrolavam uma na

outra. Ele me abraçou, acariciando minha cintura, minhas costas e agarrou


minha nuca, segurando-me como se quisesse nos fixar juntos. E eu deixei.

Apertei seus músculos da barriga, arranhei as costas, entregando-me ao

beijo com tudo o que tinha. Mesmo sabendo que deveria lhe dar um tapa,
pegar Matthew e correr daquela casa até que os bombeiros da salvação

apagassem o fogo da minha calcinha. Mesmo sabendo que alguém que me

tira do chão só com um beijo e depois me faz querer gritar de raiva, não
podia ser bom para mim.

Mas eu o deixei fazer sua mágica até que nos faltou ar e nos

afastamos.

— O que... o que está fazendo? — gritei. — Isso não pode acontecer.


Ele me deu as costas, passando as mãos no cabelo, fitando Matthew e
me olhando por cima do ombro.

— Eu sei.

— Me beijar... eu sou uma piada pra você? Acha que toda vez que
fizer isso e depois voltar a me tratar como me trata, vai me fazer ceder ao

que quer?

— Não é assim.

— É sim e para mim está claro. Não vai mais acontecer.

Fui até Matthew e o tirei da cadeirinha, pegando seu pratinho de

frutas. Agora eu sabia que passaríamos o dia no quarto. Eu falei e falei e de

nada adiantou. Philip sempre encontrava um caminho para que tudo saísse
do seu jeito.

Fiz uma pausa no caminho para o quarto, deixei o pratinho na mesa e


lhe dei um tapa no rosto, antes de pegar o prato novamente. Ele franziu o

cenho, tropeçando um passo atrás.

— Mas que porra!

— Não fale comigo a menos que seja estritamente necessário. —


Ergui o queixo e saí. Tranquei a porta do meu quarto e me sentei na cama

com o bebê, tentando me distrair contando os pedaços de fruta.


Mas o fogo transformado em água em minha calcinha não se
resolveria sozinho e nem tão cedo.

Eu odiava aquele homem.


“cada olhar, cada toque
me faz querer te dar meu coração
eu estou apaixonada por você, querido
continue do jeito que você é
eu nunca soube
que era possível segurar o luar com as mãos
até a noite em que eu te abracei
você é o meu luar”
moonlight, ariana grande

Coloquei um Matthew adormecido em seu berço e voltei para o meu


quarto, mas quando entrei, fui surpreendida com Philip sentado em minha
cama. Ele vestia uma calça de moletom baixa nos quadris, exibindo um V

perfeito e sem camisa.

— Philip. — Empurrei a voz pela garganta, segurando a baba. — São

onze da noite e eu quero dormir, não vou discutir com você de novo.

— Não vou discutir. Não vim para isso.

— E o que quer?

— Conversar como adultos civilizados, acha que podemos?

— Não sei, me diga você.

Com ele sem camisa eu com certeza não conseguiria pensar direito,
mas tentaria. E eu estava jurando que seria pelo bem da convivência em

respeito a Matthew, mas quem eu queria enganar?

— Sem gritos ou ofensas.

— Sem chantagem — completei.

— Isso.

— Seria bom — concordei. Nós ficamos por dois minutos encarando

um ao outro nos olhos, ele devia estar pensando muito bem no que falar

sem me irritar, enquanto eu encontrava maneiras de manter meu foco acima

de seu pescoço, mas tudo foi para o buraco quando ele desceu os olhos para
meu mini shorts de dormir, depois subiu lentamente, fitando meu top acima
do umbigo.

Para completar minha vergonha, só faltava ele ver que meus mamilos

estavam duros.

Ele deu um passo à frente.

— Nós estamos criando um bebê juntos.

— Uhum.

— Eu disse a Jheni ontem que você não era a babá, mas sim a irmã da

falecida mãe biológica.

— Oh — fiquei surpresa —, honestidade é sempre o melhor caminho.

— Ela não aceitou. Exigiu que eu te colocasse para fora porque em


suas palavras você é uma jovem muito tentadora para um homem como eu

ter em casa e meu filho não precisava de você. Ela se dispôs a vir morar

comigo para cuidarmos dele juntos.

Meus olhos encheram de lágrimas e eu me preparei para fugir com

Matthew novamente.

— Vocês não podem — falei baixinho, quase chorando.


Agora eu entendia o que Faitlyn disse sobre ser um relacionamento

conturbado. Ele, um chantagista de primeira linha e ela, uma intimidadora


que exigia coisas a seu gosto.

Que belo casal para criar meu sobrinho eles seriam juntos.

Mas claro, Philip não parecia um cara que acatava ordens.

— Nossa história foi longa e conturbada, mas ontem foi o ponto final
para mim.

— Eu sou a tia dele, ela deve saber que não há nenhum problema
disso.

— Ela sabe que tem.

— O quê? Como?

— Porque além da forma como eu te olho, eu contei a ela que te

beijei e acabaria beijando outras vezes..

Choque me atingiu.

— Philip...

Ele se levantou e se aproximou e eu queria ir para trás, queria evitar o

que aconteceria, mas não podia. Demoramos até demais para chegar aqui.
Os olhares, a raiva, tudo, parecia uma grande preliminar.
— Eu continuaria te roubando beijos escondidos pela casa, desejaria

seus tapas e seus gritos, porque eu queria você desde a primeira vez que te
vi. E eu não poderia parar por ali, Ariana, não sou um homem tão bom

assim.

— As coisas não são tão simples — sussurrei.

— São. — Ele envolveu o braço em minha cintura e me puxou com


tanto impacto contra seu corpo que minha respiração escapou com um
gritinho. — Eu não te queria com o meu irmão, porque desejava te ter só

pra mim. Eu queria ser o único a te foder em cada canto dessa casa e queria
que você me olhasse, que me sentisse. Não vou mais evitar isso.

Dessa vez quem deu o primeiro passo fui eu.

Com meu interior latejando, agarrei seus cabelos da nuca e juntei

nossas bocas. Faminta para beijá-lo e deixar que fizesse tudo o que quisesse
comigo.

— Não vou mais perder tempo com você — sussurrou em meus


lábios e me agarrou pela bunda, levando-nos pela cama. Ele me beijou pelo
que pareceram horas, me alisando, acariciando meu corpo, puxando o

cabelo, tirando o meu juízo até que tocou minha calcinha e eu estava
pingando entre o tecido e seus dedos.
Philip se deitou na cama e me puxou para cima de seu corpo,
aproximando minha boceta de seu rosto. Quando me dei conta do que ele
pretendia fazer, tentei escapar, mas sem sucesso. Ele usou uma de suas

mãos para prender meus braços ao mesmo tempo que, com a outra, colou
meu quadril contra seu rosto.

— O que está fazendo?

Ele sorriu com tanta malandragem que revirei os olhos e o quadril ao


mesmo tempo, recebendo um tapa na bunda.

— Vou chupar essa boceta como ela nunca foi chupada antes.

— Mas assim? — Segurei seu cabelo, impedindo-o.

Philip começou a me chupar no mesmo instante, me devorando com


uma fome que parecia nunca acabar. No começo eu me remexi para tentar

fugir, todas as terminações nervosas da minha boceta pareciam protestar de


tanto prazer. Eu gemia seu nome, pedia para parar, mas a sensação que

tinha, era que poderia morrer se ele realmente parasse.

Em certo ponto, minhas tentativas de escapar se tornaram reboladas

contra a boca dele, e me vi entregue no exato momento em que percebi o


olhar faminto dele sorrir para mim.

Era muito.
Demais.

Ele me tocava como eu de fato, nunca fui tocada antes.

Com tanta intensidade, com uma perversidade quase romântica.

Meu corpo reagia em puro instinto, percebi que estava tão necessitada

da língua dele que nem me importei em me esfregar como se fosse um


animal no cio, sabendo que tinha me tornado uma confusão de lubrificação,

saliva e lágrimas de puro prazer.

Ninguém nunca havia feito algo assim comigo, ninguém nunca havia

me dado tanto prazer desmedido.

A sensação do orgasmo nasceu no meu baixo ventre de forma quente

e me fez tremer por inteira, se arrastando sob toda a minha pele. Por mais
que eu torcesse mentalmente para que Philip me deixasse pelo menos

respirar um pouco, eu sabia que ele não me daria descanso, não com toda a

ferocidade em seus olhos.

Ele conseguiu me deitar na cama sem mal precisar afastar sua boca da

minha boceta e quando eu estava pronta para implorar por descanso ele

começou a subir sua boca por meu corpo, beijando, lambendo e mordendo

minha pele até alcançar meus seios, os abocanhando como se fossem uma
fruta madura e deliciosa.
— Esse é o único jeito que quero te fazer chorar — ele murmurou ao

largar meu seio esquerdo, levando seu polegar para secar minhas lágrimas.

Fechei meus olhos um pouco, perguntando-me o que viria a seguir, e

quando os abri, Philip estava me acariciando dos lados, beijando meu

pescoço e eu sentia seu pau coberto por uma camisinha se esfregar contra a
minha boceta sensível.

— Esperei demais por isso, Ariana, agora eu vou foder você —

sussurrou contra a minha boca, para então deslizar dentro de mim.

Meus olhos se fecharam com o prazer cru que me desestruturou.

Eu decidi que podia ficar presa naquela torre de marfim de pernas

abertas dando para aquele homem pra sempre.

Ele foi delicado de primeira, mas quando meus gemidos se tornaram

gritos e exigências de mais forte, mais rápido, mais, mais e mais, Philip me
virou de bruços e se sentou em minhas coxas, deslizando para dentro outra

vez.

Ele estapeava minha bunda com uma mão e a outra usou para enrolar
meu cabelo no punho, me fodendo rápido e forte, assim como eu pedi.

— Isso Philip... que delícia!


Rebolei rápido para combinar nossos movimentos, ouvindo gemidos

que ecoavam no quarto. Philip me fodia sem dó, sem parar, parecia uma

máquina do sexo. Mergulhava em minha boceta como se a conhecesse há


anos, encontrando pontos de prazer que nem eu sabia que existiam.

— Que gostoso foder você, caralho, Ariana!

Ele virou meu pescoço, se inclinando para me dar um beijo feroz,

engolindo meus suspiros e gemidos, rosnando cada vez que eu soltava um


grito de surpresa com seus movimentos lá embaixo. Seu pau enorme me

enchia até o útero e eu jurava que o sentiria dentro de mim pelos próximos

dias.

Me apoiei nos cotovelos, empinando a bunda para que ele fosse ainda
mais fundo e Philip não parou, de repente começou a bater repetidamente

num ponto dentro de mim que me fez gritar sem controle e meu corpo

começou a cair lentamente. Ele passou os dentes pela minha nuca e ombros,
segurando minha cintura com força enquanto se enterrava em mim algumas

últimas vezes e rosnou em meu ouvido, gozando.

Ele caiu em cima de mim e ficamos ali.

Eu pensando em toda a merda que aquele sexo incrível podia dar e


ele... bem, vai saber. Ele só começou a me comer de novo minutos depois.
“antes de você chegar,
eu estava indo muito bem
normalmente, eu não me importo
e quando aconteceu, eu estava olhando nos seus olhos
e de repente eu posso sentir isso por dentro
eu tenho uma febre,
você pode verificar?”
fever, dua lipa

Eu estava sentada na cama nos últimos dez minutos pensando se

levantava e enfrentava as consequências da noite mais safada da minha vida


ou deixava o desejo de morte me arrebatar. Que merda eu fiz? Sério, que

merda.

Simplesmente transei com Philip, o pai do meu sobrinho. Aquele que

até ontem eu planejava meios para conseguir lutar pela guarda do meu bebê.

Aquele que tinha uma noiva e o homem que abandonou minha irmã. O
homem que eu prometi a Suzy nunca deixar pôr as mãos em Matthew.

Tudo bem que o noivado acabou e minha irmã estava morta, mas eu

tinha o peso de dez homens na consciência.

— Me perdoa, Suzy, foi mais forte que eu.

Deus sabe que eu sempre tive um fraco por homens decididos e que

pareciam propícios a quebrar meu coração, mas eu nunca, nunca quis


envolver Matthew numa situação tão complicada. Eu precisava ser adulta e

parar por um minuto. Pensar que tudo deveria ser feito da melhor forma

para ele. A única prova que estive com ele era o lençol úmido porque eu

tive um squirt, sim, como eles chamam nos filmes pornôs.

Nunca aconteceu comigo, o que fez de Philip o melhor sexo da minha

vida até hoje.

— Eu vou me matar.
Assim que estiver com minha vida em ordem eu procuraria alguém
para substituí-lo do posto, era questão de honra. Eu não podia ter esse

homem como minha referência de sexo fantástico. Fechei os olhos,

esfreguei o rosto e me levantei da cama. Precisava me distrair, fazer algo

que me tirasse do looping das imagens daquela madrugada.

Philip já devia ter fugido para seu hospital, como provavelmente

sempre fazia quando eu — seu atual principal problema — me tornava


demais, mas eu não tinha tal saída, portanto, tomei um banho e saí do

quarto, indo atrás do meu bebê.

— Bom dia. — Ouvi a voz de Viviane assim que apareci na sala.

Ela recolhia os brinquedos de Matthew da sala e me encarou com o

mesmo desgosto de sempre. Sério, qual era o problema daquela mulher? Se


ela estivesse aqui ontem eu desconfiaria se não me ouviu com o seu chefe,

já que pra ela eu era a maior pecadora do mundo, mas com a convivência

aprendi que não precisava de motivos. Ela simplesmente escolheu me odiar.

— Bom dia, Viviane.

— O café está na mesa, Philip está comendo.

Parei de andar.

— Ele está aqui?


— É claro que está, é a casa dele.

— Você tem um problema comigo que quer resolver? — Não sei o


que me deu, mas acabei perguntando, a surpreendendo.

— Não, não tenho. — Ela ergueu o queixo e bufou, me virando as


costas em direção ao corredor.

Por um momento senti um breve desespero de que ela fosse entrar no


meu quarto e descobrir tudo o que aconteceu ontem, mas empurrei o

sentimento. Eu não era uma criança como Philip insistia em insinuar. Era
responsável por meus atos e mesmo que me envergonhasse de ter dormido
com ele não ficaria me castigando pelo passado.

Já foi.

Eu só precisava prometer a mim mesma que não faria de novo.

— Não deve ser tão difícil.

— Falando sozinha de novo? — Ouvi a voz de Philip e dei um pulo.

— Porra, você é louca.

Me virei para encará-lo e fiquei sem voz. Tive certeza de que Deus

me odiava, porque o filho da mãe era muito gostoso.

Tipo, muito.
Para piorar agora eu sabia como ele fodia.

— Você não tem uma camisa ou uma burca para te cobrir?

— Eu estou na minha casa.

— É, tá, já sei disso — revirei os olhos —, você e sua Pinscher não


me deixam esquecer.

Desviei dele, passando exageradamente longe para não encostar e


entrar na cozinha.

— Minha Pinscher? — Havia riso na voz de Philip.

— A governanta. — Matthew estava na cadeirinha comendo

biscoitinhos e bebendo iogurte natural, seu favorito de morango. — Bom


dia, bebê!

— Viviane é assim na sua cabeça?

— Ela é assim na vida também — murmurei e me inclinei para pegar

Matthew.

Ele sorriu para mim, acariciando meu rosto. Philip nos observava de
longe com as mãos na cintura.

— Perdeu alguma coisa? — perguntei.

— Você está estranha.


— Não estou não, sou a mesma de sempre. — Ele continuou parado
em silêncio, me olhando. — Vá tomar banho e trabalhar, Philip, ou fazer
coisas que tem que ser feitas. Tipo se reconciliar com a sua noiva.

E parar de me atentar sem camisa pela casa.

— Talvez seja melhor.

Virei para olhá-lo com tudo.

— O quê?! — Assustei Matthew com meu tom e passei a mão em sua

cabecinha.

— Sua sugestão, não acha melhor? — Ele tentou esconder um sorriso

e eu me senti uma idiota.

— Vá embora, não é da minha conta.

— Para de dar voltas, Ariana. Sabemos o que fizemos ontem.

— Não foi a minha melhor escolha — falei.

— Podíamos ter sido mais sensatos — concordou.

— Bem — falei, irritada. — Você foi até o meu quarto sem camisa
com aquele papo de desejo e toda a sua baixaria de médico safado!

Suas sobrancelhas ergueram em humor.

— Baixaria de médico safado?


— Isso mesmo! Doutor safado! E isso não é um elogio.

Ele caiu na risada, inclinando-se para apoiar na cadeira. Eu não vi um


pingo de graça.

— Poderíamos ter ficado sem — disse ao se recompor, dando de


ombros. — Não fazer e tal.

— Então... você não faria de novo?

— Faria o quê? — Cruzou os braços.

— Sexo comigo.

— Está me convidando? Pensei que eu fosse o doutor safado.

— Eu estou dizendo hipoteticamente! Nós já concordamos que foi

besteira e não deveríamos ter feito. Pelo bem de Matthew.

— Então — disse ele. — Você não faria sexo comigo novamente?

Ele não estava em dúvida, estava tão convencido de que eu dormiria

com ele sem pensar duas vezes — e ainda que estivesse cem por cento certo

— isso me irritou.

— Em uma outra vida. — Revirei os olhos. — Num outro cenário e

tal, se não tivesse muito o que fazer, eu faria. Talvez.

— É claro — concordou, cheio de ironia.


— Tire esse sorrisinho convencido daqui antes que eu jogue essa

caneca no seu rosto, babaca — rosnei, sentando-me e acomodando


Matthew.

— Ele já comeu, mas como é um monstrinho cheio de fome deve

querer mais.

— Tchau, Philip.

— Ele me lembra a tia dele. Insaciável.

Bati a mão na mesa, dando-lhe um olhar assassino e ele saiu rindo,

dando-me tempo e espaço para observar os músculos das costas se


contraírem. Caramba... A lembrança de estar agarrando aqueles braços

ontem à noite...

Ele fez uma pausa e me olhou por cima do ombro. Eu rapidamente

desviei o olhar.

— A propósito... Eu estava dizendo que provavelmente é melhor

tomar um banho e ir trabalhar.

— Claro. — Limpei a garganta, dando de ombros. Ainda que eu


fingisse indiferença, me incomodei com o alívio que senti ao saber que ele

pretendia ir ao trabalho e não ir atrás de Jheni em busca de uma

reconciliação.
Obviamente eu me sentiria usada se ele voltasse para ela agora, mas

ele não era nada meu, e ontem não me prometeu nada. Éramos dois adultos

solteiros com vontades e desejos que não podiam mais ser ignorados.

Tudo estava muito claro.

— O que eu faço bebê? — perguntei a Matthew bem baixinho, ele me

olhou com atenção. — Seu pai não podia ser feio? Olha a enrascada que

você me meteu.

Ele arregalou os olhos caramelos e deu risada.

— Se você for bonito igual a ele quando crescer, já prevejo as

meninas chorando na nossa porta. Seja um bom menino e não saia

quebrando corações por aí. Garanta que só vai pedir alguém em casamento
quando tiver certeza de que ela é a pessoa certa. — Eu o peguei novamente

e apertei seus bracinhos e pernas gordinhas, fazendo-o sorrir. Era o bebê

mais sorridente que já vi na vida.

Ele nem fazia ideia de que cada um de seus sorrisos aliviavam cada

parte angustiada de mim.


“ultimamente, tenho estado em uma montanha russa
tentando controlar minhas emoções
mas tudo que sei é que preciso de você por perto
e eu vou gritar a plenos pulmões por aquilo que amo
sou intensa, mas não dou a mínima
eu admito que sou um pouco problemática
sou obsessiva e amo demais
sou boa em pensar demais com meu coração
como você acha que chegamos tão longe?”
needy, ariana grande
Tomei banho, me vesti e vesti Matthew após decidir dar um passeio

com ele para conhecermos mais da cidade. O ventinho estava gelado lá


fora, mas havia sol. Coloquei uma camisa fina e camiseta fofa de manga

curta, guardando uma blusa de inverno. Mamadeiras e fraldas já estavam na

bolsa, assim como uma toalha reserva.

Me acostumei a carregar além de seu peso gordinho, a bolsa cheia de

coisas que eu sempre acabava precisando. Assim eram as mães, nós nos

acostumávamos.

Estávamos saindo quando eu fui parada na porta por Philip.

— Aonde vai?

— Tenho que anunciar todas as minhas saídas agora?

— Sim.

— Philip — falei em tom de aviso.

— Você é muito nervosinha, dona esquentadinha.

— E você ainda não viu nada.

Ele me olhou da cabeça aos pés.

— Toda arrumada. Vão passear? — O maldito mordeu o lábio

inferior com aquela cara de sem-vergonha. Será que sabia que eu tive um
squirt? E que ele foi o primeiro?

— Seria bom levar alguém com você.

— Tchau, Philip.

Ele correu e se enfiou na minha frente.

— Ari, espera. — Segurou meu braço. — Me diga onde vão.

— Vou levá-lo no zoológico, no aquário e talvez no parque.

Ele franziu os olhos e junto com um pequeno sorriso, seu rosto

adquiriu a expressão mais leve que já vi.

— Isso é... isso é muito legal. Minha babá costumava me levar nesse

tipo de passeio. Minha mãe foi algumas vezes, mas ela era uma mulher

ocupada. Eu adorava.

— Ok. — Aquilo tinha se tornado estranhamente pessoal e

emocional, e eu mal pensei quando perguntei: — Quer vir com a gente?

Você não precisa, mas tudo bem se quiser vir. É o primeiro passeio real dele

fora de casa.

Dizendo isso em voz alta eu me senti uma inútil ao perceber que

demorei tanto para levá-lo para conhecer os lugares e mostrar como o

mundo podia ser bonito, pelo menos em algumas partes.


— Eu tenho que trabalhar — ele olhou o relógio no pulso, parecendo

frustrado —, mas... talvez eu possa pedir que minhas cirurgias sejam


remarcadas.

— Eu não quero atrapalhar seu trabalho.

— Não vai. Viviane? — Ela apareceu segundos depois, vindo da


cozinha.

— Senhor?

— Eu preciso que ligue no hospital e diga que tive um imprevisto.


Tenho três cirurgias e elas precisam ser remarcadas para amanhã a qualquer
horário.

Ela me estreitou os olhos, mas Philip não viu, pois voltou a olhar para
mim e o bebê.

— O senhor nunca faltou ao trabalho.

— Para tudo tem uma primeira vez, Vivi.

— É claro, Philip. — Ela cruzou as mãos, ainda me encarando. —


Mas os pacientes não são urgentes?

Ele parou de brincar com Matthew ao ouvi-la, mas não a encarou.


Percebi que não gostou de estar sendo tão questionado.
— Isso é mais urgente.

— O senhor nunca desmarcou uma cirurgia...

— Viviane, você vai fazer o seu trabalho ou continuará a me

questionar? — Ele não lhe deu a chance de dizer mais nada, abrindo a porta
e nos levando para o elevador, mas o olhar que Viviane me deu, me fez

pensar que precisaria tomar muito cuidado andando na rua.

Vai que um carro me atropela, ou caio num buraco de tanta praga que

devia ter me jogado ali.

Nós descemos o elevador em silêncio até a garagem. Philip guardou a

bolsa e me ajudou a colocar Matthew na cadeirinha. Me sentei ao seu lado,


cantando baixinho uma música da Dua Lipa tocando no rádio enquanto o
bebê segurava meu dedo.

— Você faz muito isso.

— O quê?

— Cantar.

— Oh. — Eu não sabia que ele reparava. — É uma paixão. Além

disso, sempre consegui acalmar Matthew ao fazê-lo, então virou algo nosso.

Ficamos em silêncio até parar em um farol.


— Sou grato que ele tenha você. — Me surpreendi com suas palavras,
ficando quieta para ver o que viria a seguir. Aprendi que com Philip tudo
podia acontecer. — Eu não conheci Suzanne além do... você sabe. Sexo.

Mas venho conhecendo você — ele hesitou —, não fui justo em todas as
coisas que falei no passado.

— Isso é uma tentativa de pedido de desculpas?

— Pelo bem da convivência. E estamos juntos, criando Matthew.

Olhei para fora da janela, tentando me distrair com a música pop


tocando no rádio. Não tínhamos muito assunto. Eu sabia que tinha mil

coisas rodando na cabeça para dizer e perguntar, mas sabia que ainda não
era a hora.

— É legal da sua parte — murmurei, encerrando o assunto tenso.

Deixei Matthew brincar com o elefantinho que fazia um barulho


insuportável que um dos médicos lhe deu na festa e ignorei seu pai. Me

esforcei para não cantar nenhuma música que tocava no rádio.

— Se quiser conectar seu celular ao som — ele sugeriu.

— Estou bem, obrigada. — Verifiquei minhas notificações nas redes


sociais e vi meu último vídeo rendendo bem.

De repente parei.
Será que ele já viu minhas redes sociais? Porque eu olhava o
instagram dele direito. Era fechado e desde que eu o conheci não tinha mais
de doze fotos, também não mudou o número de seguindo e seguidores. Não

mudou a foto de perfil e nem colocou nada na bio. Ele era um completo
mistério até que você o pesquisava no google e descobria tudo sobre sua

carreira, mas nada da vida pessoal.

Nós chegamos ao aquário e me impressionei com o tamanho do lugar.

— Pensei em virmos aqui primeiro — disse ele. — Depois podemos

ir ao zoológico. Tem um restaurante delicioso lá dentro.

— Eu não sei — torci o nariz —, eu não me sentiria bem comendo no

zoológico.

Philip riu.

— É vegetariano.

— Perfeito — menti. Sério, eu tinha zero condições psicológicas de


completar uma refeição com Philip.

Minha dicção falhava a cada minuto de nervoso e eu não tinha foco,

portanto, se ele me perguntasse sobre a comida, eu poderia facilmente estar

pensando sobre lhe dar um boquete e verbalizar isso.

“— Gostou do mousse?”
“— Amei, tem a textura do seu pênis.”

Eu sou aquela pessoa, todos sabemos.

Philip estacionou e pegou a bolsa enquanto eu segurava Matthew.

Caminhamos lado a lado. O bebê olhava tudo maravilhado, atento a cada

pessoa e a cada enfeite do lugar. A curiosidade brilhando nos olhinhos


caramelos era fascinante.

Meus olhos encheram de lágrimas, mas pisquei até dissolvê-las.

Nós entramos e fomos recebidos com as opções de passeio livre ou

tour guiado.

— Você quer ir com a equipe ou prefere caminhar? — Fiquei surpresa

que tivesse me perguntado, mas grata.

— Quero andar livremente.

Ele acenou um agradecimento ao funcionário e seguimos sozinhos.

— Eu já te adianto que não sou um especialista e não saberei o nome

de mais de três peixes.

— Eu estou no lucro com você — falei rindo. — Não sei o nome de

nenhum.
— Podemos dar nomes a eles, certo? — Paramos em frente a um

espaço com peixinhos de várias cores e tipos perto do vidro. — Aquele ali é

o Nemo.

Olhei através do enorme vidro, em meio a corais, pedras e a água

limpinha, vi vários peixes. No meio deles tinha um grande com barbatanas

cinzas e um biquinho preto.

— Ele é o Nemo? — perguntei.

— Ele é — Philip confirmou.

— Ok — sorri —, então aquele verde vindo atrás é Dory.

— Perfeito. Aquele menorzinho ali embaixo que quase não desgruda

dos corais é Betty.

— Betty — repeti. — Eu gosto. Mas e se Nemo e Dory nunca forem

buscá-lo, ele ficará ali embaixo sozinho?

— Uma hora ele encontrará um jeito de subir e vai fazer amigos. —


Encarei Philip sem acreditar que estivesse sendo tão fofo. — Ou talvez ele

seja pescado e vire almoço.

Meu sorriso morreu e eu lhe dei um tapa no braço.

— Você é uma pessoa horrível, ainda bem que seu filho ainda não
entende.
Ele deu risada, seguindo atrás de mim.

— Já te disseram que você parece a Dory? Personalidade, eu digo.

— E você é um tubarão feio e cruel. — Revirei os olhos, deixando-o

para trás.

Nós andamos todas as voltas no primeiro andar fechado, depois

subimos para ver as focas e os outros animais. Era encantador. Matthew


quase não se continha em meu colo e eu prometi a mim mesma que o

levaria a cada ano, para que ele crescesse cultivando amor e respeito pelos

animais.

Quanto a Philip, eu gostei daquele lado dele. O sorridente, divertido,

aquele que gostava de conversar e me tratava como uma pessoa real, não

um incômodo em sua casa. Será que sexo tinha tanto poder assim?

Será que eu transava tão bem?

Ou ele sabia que eu tive um squirt? Eu deveria dizer?

Parei no meio do corredor, as pessoas continuavam andando dos

nossos lados. Ele parou também e se aproximou.

— Está ficando enjoada? Porque se estiver é normal, podemos sair. —


A delicadeza de Philip era tocante. Muito estranha, na verdade. — O

zoológico não fica muito longe.


— Eu li uma vez em algum lugar que quando você faz sexo com um

homem o pênis dele continua energeticamente dentro de você por 48 horas

— comecei a falar sem pensar. Foi como se eu estivesse em câmera lenta e

as palavras só fizessem sentido depois que eu terminava de falar. — Isso


quer dizer que o seu pênis ainda está misticamente dentro de mim.

O olhar atordoado de Philip poderia virar uma figurinha famosa do

WhatsApp.

— Eu ainda me sinto cheia e eu tenho essa coisinha entre as pernas,

mas — fiz uma pausa, ajeitando Matthew —, enfim, você já leu isso

também?

Philip franziu o cenho, olhando ao redor parecendo preocupado de


que alguém nos ouvisse. Ele abriu e fechou a boca algumas vezes. Acho

que eu o deixei em choque.

— Caralho, você é muito louca, porra.

Fui responder, mas ele me impediu com uma gargalhada alta. Pegou
minha mão livre, levando-me para o canto onde não atrapalhássemos a

passagem e se encostou na parede. Rindo como se não pudesse parar.

— Eu sou uma piada pra você? — murmurei.


— Um pênis místico. — Ele apoiou as mãos nos joelhos, rindo igual

um idiota.

— Você é um imbecil.

Recomecei minha caminhada até a saída.

— Espera, Ariana. — Ele segurava o riso, tentando falar sério. — Eu

não sei nada sobre energia mística, mas se isso foi uma maneira de me dizer
que quer transar comigo de novo, nós podemos providenciar que meu pênis

volte para dentro de você pelas próximas vinte e quatro horas sim.

Balancei a cabeça, beliscando sua barriga. Ele me soltou e eu voltei a

andar.

Ouvi sua risada atrás de mim por todo o caminho.

— Babaca.

Matthew começou a rir no meu colo, junto com o pai.

Ótimo.
“deixei cair meu coração
e enquanto ele caía, você se ergueu para reivindicá-lo
estava escuro, e eu estava acabada
até que você beijou meus lábios e me salvou”
set fire to the rain, adele

— Quer parar no caminho para comprar algo de comer? — Philip


perguntou quando paramos em um farol já na volta pra casa. — Viviane não

estará em casa agora.

— Claro, mas Matthew está cansado, precisa ser rápido.


— Vou passar no drive thru. Geralmente não como essas coisas, mas

vou abrir uma exceção se você não se importar.

— Eu também não como muito — menti, mas foi só uma mentirinha

de nada. Deus sabia como eu amava fast food.

Ele me fitou pelo canto dos olhos.

— Eu queria dizer novamente que gostaria que as coisas tivessem


sido melhores no começo. Você chegou num momento ruim.

— Já passou.

Comparado as migalhas de Nick em troca de uma dança seminua,


estar voltando para uma cobertura de luxo num carro super chique não era

nada mal.

— Eu nunca sei quando você está sendo irônica.

— É passado, Philip, não fica pensando nisso, porque eu também não

fico. — Eu sabia que já tinha jogado na cara dele várias vezes que cuidei de

Matthew sozinha, mas não era por amargura ou por me arrepender, mas

para magoá-lo e mostrar que eu tinha tanto direito na vida do bebê quanto
ele como pai.

Eu queria acreditar que o sexo incrível e aquela paz que

começávamos a viver melhorariam mais ainda a convivência — que por


agora se baseava em pisar em ovos constantemente.

Philip comprou comida chinesa em quinze minutos e chegamos em

casa em vinte. Ele abriu a porta do carro, ajudando-me com Matthew, mas

levou tanto o bebê quanto a bolsa. Quando entramos em casa, Matthew já

estava dormindo um sono pesado e eu endureci ao sentir a mão de Philip

em minhas costas, seguindo-me para o quarto do bebê.

— Eu vou arrumar a comida na cozinha enquanto você o ajeita aqui.

Assenti ligeiramente, estava sem fala. Eu não me acostumava com a

delicadeza vindo dele, a gentileza era estranha, mas eu não reclamaria. Nós

jantamos na sala, assistindo ao jornal e ficamos em silêncio.

Eu queria falar algumas coisas, continuar os assuntos inacabados do


aquário e do zoológico, queria ver com ele as fotos que tiramos de Matthew.

Honestamente, eu não queria que o dia terminasse.

Philip colocou o seu copo na mesinha de centro e recostou no sofá,

atento a TV, ou pelo menos parecia estar.

Será que ele queria fazer sexo? Pensei de repente e me levantei do

sofá.

— Você está sendo bom comigo pra transar?


Philip levou dois segundos para me olhar, e quando o fez, encarou-me

dos pés à cabeça.

— Eu não preciso fazer jogos pra comer você.

— É o quê?! — Ergui a voz.

Philip ficou de pé, elevando-se em altura sob mim.

— Não comece com a gritaria, maluca, ou daqui a pouco seremos


expulsos do prédio.

— Não me chame de maluca — resmunguei, batendo a ponta do dedo


em seu peito. Ele pegou meu pulso e me puxou para si.

— Eu gosto de te ver assim, brava, doidinha. É incrível como te faço

perder a cabeça tão fácil.

Engoli em seco.

— Eu tive um squirt, mas isso já aconteceu antes, então não é grande


coisa — falei sem pensar. Philip começou a rir.

— Sempre falou tudo o que dá na cabeça?

Assenti e puxei meu braço, andando depressa por trás do sofá e indo

em direção ao quarto.

— Finge que não ouviu isso!


— Deixa a porta aberta, Ariana. Eu vou entrar!

De jeito nenhum!

— Vou acordar cedo amanhã. Matthew e eu temos planos. — Nós não

tínhamos, mas eu arrumaria algo só para passar o dia fora de casa e fugir
dele.

— Eu vou junto.

— Não! — gritei.

Quando entrei no meu quarto, fechei a porta e me encostei nela. A


tentação era grande, mas eu venci. Só a madeira pesada o impedia de entrar

e eu de sair, e é claro que ele podia usar sua chave a qualquer momento.

Qual o meu problema? Eu queria matá-lo antes, nós nos odiávamos!


Estava impossível lidar comigo mesma. Toda confusa, irritada, com meus

pensamentos embaralhados em mil ideias. Nenhuma mulher lidava com tal


pressão.

Inferno, parte de mim torcia para que usasse, mas eu sabia que se
estivesse dormindo as chances de que algo acontecesse seriam menores, aí
sim eu resistiria. Corri para o banho, relaxando por poucos minutos antes de

sair enrolada na toalha.


Mal saí do banheiro, fui agarrada e levantada sob minha cômoda de
canto. Perfumes, maquiagem e minha toalha caíram ao chão. As mãos de
Philip viajavam do meu tornozelo ao joelho e subiu acariciando minhas

coxas até a cintura. Ele passou o polegar levemente pela minha pélvis,
fazendo arrepios me subirem dos pés à cabeça.

Philip apertou meus seios me olhando nos olhos, e tomou um na boca


com as íris caramelo fixas em mim. Ele chupou até que deixou uma marca,
para então agarrar o outro. Segurando seus cabelos, envolvi as pernas ao

redor de sua cintura e apertei com força, procurando alguma coisa, qualquer
coisa que me estimulasse onde eu precisava.

— Paciência — sussurrou.

As mãos firmes agarraram minha cintura enquanto ele ia se

abaixando, mas antes que chegasse lá embaixo eu balancei a cabeça.

— Minha vez. — Eu sorri, tentando esconder o medo de ser ruim pra

caramba e a insegurança. Ele já devia ter transado com inúmeras mulheres e


várias muito experientes. Eu não tinha tanta vivência sexual assim.

— Ariana, Ariana... doida pra chupar um pau — provocou, passando


o polegar em meu lábio inferior.
— Só o seu. — Engoli em seco e ele me segurou, colocando-me no
chão. Desci devagar, olhando-o nos olhos. Ele deslizou as mãos em meus
cabelos, sem apertar, só segurando-me com firmeza ali. Passei os lábios

devagar, dando leves beijinhos, só provocando. Philip respirava pesado, os


olhos entreabertos não desviavam de mim.

Eu o abocanhei quando ele não esperava, fazendo um gemido rouco

lhe escapar. Meus olhos reviraram ao ouvir. A cabeça inchada vazou e eu


pressionei os lábios um pouco mais forte, descendo até onde eu alcançava e

acariciando o resto da extensão com as mãos. Girei a língua sob o buraco e

gemi. Philip apertou mais os dedos em meus fios, levando seu pau mais
fundo em minha garganta.

Eu engasguei.

Ele adorou.

De repente me perguntei onde Philip gostaria de gozar. Será que eu


podia escolher? Quer dizer...

Puxei a cabeça para trás, soltando seu pau com um barulho. Ele

cerrou os dentes.

— Eu tenho um óculos de grau guardado.


Ele franziu o cenho, parecia zonzo, não tinha ideia do que eu estava

falando. Como era fácil tirar o foco de homens só com uma chupada, Deus
do céu.

Eu o abocanhei de novo, chupando mais fundo, mais forte, sugando

como se fosse um pirulito Pop, meu favorito. Meus lábios estavam cheios, a
cabeça batia no interior da minha bochecha, eu engasgava, e cada vez que

fazia uma dessas coisas, eu era agraciada com seus gemidos roucos.

Seu pau latejava em minha boca, ele parecia que ia gozar a qualquer
momento e... me tirou. Fui erguida sob a cômoda novamente, Philip abriu

um preservativo, o deslizou sobre si mesmo e abriu minhas pernas,

olhando-me nos olhos antes de entrar.

— Eu vou te foder com força. Você me deixa louco, porra!

No instante seguinte ele estava me penetrando, eu revirando os olhos


e suas mãos fortes agarrando meu cabelo da nuca, puxando para trás,

dando-me a certeza de que eu acordaria sentindo Philip por dentro e por

fora — e não de um jeito místico.

Ele engoliu meus gemidos e gritos num beijo de tirar o fôlego,

bombando seu pau em minha boceta sem dó. Caramba, eu nunca fui fodida

assim. Nunquinha.
Se Philip tivesse um dom seria o do sexo. Se tivesse um superpoder,

era a super trepada. Eu estava cheia até o punho, seu corpo grande e forte

me engolia conforme deslizava para dentro e para fora. As bolas batiam em


minha bunda, meu coração corria uma maratona e eu perdi o fôlego,

entregando-me ao prazer quando Philip deslizou as mãos entre minhas

pernas e beliscou meu clitóris, massageando-o no ritmo das estocadas.

— Ai, droga, isso! Philip...

— Comigo, Ari — rosnou. — Juntos.

— Eu não... não consigo. — Eu sentia minha cabeça girando e os

tremores começando a tomar conta do meu corpo, eu queimava. Calor

emanava de mim.

Quando eu pensei que nada podia ser melhor, Philip pressionou um

dedo no outro buraco e eu não tive sequer uma reação, pois ele afundou lá

dentro e eu gritei, gozando e apertando seu pai como se fosse espremê-lo


dentro de mim.

Ele rosnou o próprio prazer, me fodendo mais rápido algumas últimas

vezes, me apertando em seu peito e mordendo meu ombro. Vi estrelas, caí

mole sobre ele. Estava suada, cansada e muito bem fodida.


Meus olhos estavam fechados, mas fui tirada da cômoda e colocada

na cama. Segundos depois seu corpo aninhou o meu e senti seu sopro em
meu ouvido.

— Descanse um pouquinho. A noite será longa.


“não me deixe triste, não me faça chorar
às vezes o amor não é o bastante”
born to die, lana del rey

Quando saí do quarto — sozinha, pois Philip já devia ter saído para o

trabalho —, tive uma surpresa. Na mesa do café da manhã, vi Viviane rindo


e conversando alegremente com uma outra mulher.

— Será que você tem visita, bebê? — perguntei baixinho para


Matthew e ele fez bolhas de baba em resposta.
— Aí estão eles. — Me surpreendi ao ver Philip na cozinha quando

entrei. Com uma xícara de café na mão, estava vestido para o trabalho.

— Bom dia — falei, desviando o olhar para a morena sentada na

mesa. Ela tirou os olhos dele lentamente e me fitou, deixando o sorriso cair,

mas logo se esforçou para recuperá-lo.

Ali estava. Eu conhecia um desafio, provocação e cheiro de

concorrência de longe. Não que ela fosse para mim, mas pela forma como

me media de cima a baixo, percebi que eu era tudo isso para ela.

Ela observou Matthew e eu quis voltar para o quarto e escondê-lo. Ela


ficou de pé, vindo em nossa direção e eu tomei aquele momento para

analisá-la. Alta, com cabelos cheios até a cintura e um corpo malhado, ela

vestia um vestido chique e sapatos altos. Ah, não. Mais uma das mulheres
de Philip.

Dessa vez era ainda pior do que Jheni, porque ela estava aqui

tomando café depois de eu ter passado a noite transando com ele como uma

coelha.

— Ariana. — Viviane me olhava mais feio do que nunca. Se eu fosse


uma formiguinha ela me esmagaria ali sem dó nem piedade. — Essa é

Karine, minha filha.


— Oi? — Foi a única coisa que consegui dizer, pois lembrei na hora
de Edward falando sobre a filha que tentou fisgar um dos dois irmãos.

— Ela queria conhecer Matthew, como trabalha no hospital como

residente, aproveitou para vir ver a mãe e conhecê-lo — Philip continuou.

Eles trabalhavam juntos?

— Olá. — Ela me estendeu a mão e eu peguei, mesmo sem querer. —

Você deve ser a tia do bebê, certo? Eu estava viajando, estudando e

assistindo conferências sobre minha especialização, mas assim que pude

voltei para conhecer o bebê de Philip.

— Bem — forcei um sorriso —, eu venho no pacote.

Um silêncio tenso se instalou, mas Philip não pareceu perceber.


Homens.

— Essa é a tia de Matthew, Ariana Simpson — ele disse olhando em

meus olhos, o que me aliviou um pouco.

— Prazer em conhecê-la, Ariana. Matthew é lindo, Phil, ele tem seus

olhos e cabelo também.

Philip sorriu.

— É muito parecido comigo, não é? Impressionante.


Ela olhava para ele como se quisesse abraçá-lo e declarar amor

eterno. Como Philip não via isso?

— Impressionante — falei um pouco mais alto, chamando a atenção

dela, que limpou a garganta e pegou a bolsa na cadeira.

— Bem, eu preciso ir. Tenho uma prova importante chegando e


preciso estudar.

— Boa sorte, Karine — Philip disse enquanto mexia em seu celular,

sem lhe dar um olhar. — Será fácil pra você.

Tanto ela, quanto Viviane deram risada.

— Eu não quero nada fácil, Phi. Não vejo graça em coisas fáceis,

prefiro o trabalho de conquistar. — Ela me fitou. — Me consola saber que


sempre consigo o que quero.

Certo, eu senti o tom de ameaça, ela realmente não precisava ser mais
clara.

— Filha. — Viviane a alcançou, ajudando-a com o casaco. — Você


não precisava passar no shopping para procurar um presente para sua
amiga?

— Não tenho tempo agora, mãe.


— Bobagem. — Viviane sorriu. Isso era bizarro. — Leve Ariana com

você, eu posso cuidar de Matthew.

— Na verdade, é uma ótima ideia — Philip concordou. — Ari precisa

de amigos na cidade.

— Eu já tenho amigos — falei sem delicadeza. Não era mentira e

nem verdade. Minha lista se resumia a Edward e Faitlyn. Ainda que eu


ainda não tivesse dito a Edward com todas as letras que seríamos
exclusivamente amigos ele devia ter pego a dica. E Faitlyn, bem... ela

morava em Nova York.

Enfim, eu tinha amigos o suficiente e por experiência própria, eu


sabia que estava melhor assim. Amigos nunca foram uma fonte muito
benéfica para mim, eu devia ter nascido com a bunda virada para o meu

inferno astral num regime perpétuo.

— Bobagem, amigos nunca são demais — Viviane insistiu, o que me

faz estranhar ainda mais. A mulher sempre me odiou e agora queria que eu
saísse com sua filha?

Eu poderia pensar que tudo não passava de implicância minha, e uma

mania de perseguição, mas foram meses vivendo com ela e sem nenhum
motivo, Viviane sempre me detestou.
Philip se aproximou de mim e pegou Matthew.

— Não aceito um “não” como resposta. Karine é ótima e será bom


conversar com alguém da sua idade.

Eu queria perguntar o que ele queria dizer quando a chamava de


ótima. A conhecia tão bem assim? Será que Karine já teve um vislumbre do

meu pênis místico?

— Seu pênis — falei, fazendo Philip franzir o cenho.

— É o quê?

— Cacete. — Fechei os olhos ao perceber que me corrigi em voz alta.

Ele olhou ligeiramente por cima do ombro, depois me fitou


novamente.

— Meu pênis está reservado para você, maluquinha. Não se preocupe

com isso.

Eu vi o olhar de descontentamento que Karine me deu ao nos ver tão


perto e me senti bem.

— Ok — concordei por fim. — É só um passeio no shopping, né?

Ele assentiu.
— Seu cartão. — Ele me entregou um cartão de crédito preto, mas me
recusei a pegar. — Tem seu nome por uma razão, Ariana. Já passamos dessa
fase. Pegue.

— Eu não quero o seu dinheiro — murmurei.

— Veja como um empréstimo, quando começar seus trabalhos poderá

ser independente de novo.

— Vou poder te pagar de volta?

— Claro — ele respondeu rápido demais. Mentiroso.

Philip riu.

— Pegue logo e vá com ela. Aproveite o dia. — Ele se inclinou até

meu ouvido. — Compre uma lingerie sexy para mim.

— Temos que ir — disse Karine, claramente me apressando.

— Só preciso de cinco minutos para colocar uma roupa melhor.

Ela nem sequer me respondeu, grudou em Philip enquanto eu me

afastava. Atrás dele, vi Viviane sorrindo para os dois e quando bateu os


olhos em mim ficou séria outra vez.

Falsa.

***
O motorista de Philip dirigia e tanto eu, quanto ela ficamos em
silêncio. Vesti a roupa mais sofisticada que eu tinha para acompanhá-la,

mas ainda me sentia a dama de companhia de Karine.

Minha insegurança tinha o poder de fazer eu me sentir o cocô do


cavalo do bandido.

Eu tentei usar o máximo da minha educação com ela, mas além de

andar muito rápido, todas as vezes que falei com ela, me respondeu

monossilábica. E por fim, acertei minhas apostas: ela queria Philip e me ver
na casa dele, minou qualquer possibilidade de simpatia entre nós duas. Ela

faria qualquer coisa para tê-lo, inclusive me tratar como lixo.

Eu só queria que Karine encontrasse logo o maldito presente e

fôssemos embora.

— Nós vamos procurar uma bolsa ou uma joia — falou de repente. —

Estou entre essas duas opções de presente para a minha residente chefe.

— Muito bacana — comentei sem nenhum interesse.

— Você já fez compras em um lugar assim? — Me mediu de cima a

baixo novamente, com um ar de deboche que me fez querer jogar uma

fralda suja de Matthew em seu cabelinho bem penteado.


— Já, antes do bebê eu tinha uma vida bem diferente.

— Ah, sim... e quando pretende voltar à sua antiga vida?

— Não pretendo. — Ofereci-lhe um sorriso brilhante. — Matthew é


minha vida agora. Vou me dedicar única e exclusivamente para criá-lo,

onde quer que ele esteja. — E dormir com seu pai gostoso de vez em

quando também, mas isso ela não precisava ouvir. A não ser que eu

quisesse ser empurrada do segundo andar abaixo. — Então, você é médica.


Qual sua especialidade?

— Ainda sou uma residente. — Ela faz um som de cansaço, como se

ter que me aturar fosse um sacrifício. — Serei cirurgiã cardiotorácica. É

difícil explicar, mas para ficar mais fácil pra você... vou operar corações.

Dei risada e ela não entendeu o porquê. É só que eu não acreditava no

poder da arrogância daquela mulher.

— Eu sei o que é.

Graças a Greys Anatomy, House, e por aí vai, mas ela não precisava

saber também.

— Claro que sabe — ironizou. — Philip deve estar te ensinando

muitas coisas.
— Nós não — comecei, mas parei —, é, aprendo cada dia mais com

ele. Nós somos um time incrível. Sintonizados e unidos. — Não era verdade
e nem mentira, só um pouquinho das duas coisas.

Ela parou de andar e virou para me encarar.

— E como Jheni está com tudo isso?

— Eles não estão mais juntos, mas tenho certeza de que você já sabe
disso.

Eu duvidava que Viviane teria perdido tempo em contar. Eu apostava

que ela voltou porque sabia que não havia ninguém no caminho e pensou
que poderia investir nele. Só que nem ela e nem sua mãe se prepararam para

mim. Eu não me via parte de uma competição, mas ela claramente via.

Karine deu de ombros, sorrindo torto.

— Já passava da hora.

Não respondi, o melhor remédio para pessoas assim era a falta de

atenção. Não se dava palco para doido contar história.

Nós entramos direto numa loja da Prada e ela começou a olhar tudo

por cima. Tinha cada bolsa incrível que meus olhos brilharam. Eu só tive
uma na vida, e foi graças ao desapego que uma colega da amiga de uma

amiga fez na Califórnia. Foi a última peça de valor que vendi quando
comecei a me desfazer de tudo o que conseguia para comprar as coisas que

Matthew precisava.

Aquilo foi o mais próximo de ter um item de luxo que cheguei.

Karine olhava tudo com desdém e nariz em pé. Era de se esperar que
por sua mãe ser uma mulher trabalhadora — ainda que desagradável — ela

soubesse dar valor ao fato de poder entrar em uma loja daquelas e comprar

algo, mas ela nem sequer respondeu a consultora que veio falar conosco.

— Boa tarde — respondi quando ela não o fez.

A moça deu um sorriso discreto.

— Se precisarem de algo, estou à disposição.

— Obrigada.

Por fim, ela escolheu uma pequena bolsa de seis mil e a comprou à

vista no cartão. Acenei para as mulheres atrás do balcão antes de sairmos e

segui Karine para fora, ignorando o olhar estranho que me lançou.

A próxima loja era uma Tiffany & Co, e ao lado tinha uma Victoria’s
Secret, onde bati o olho em uma lingerie incrível e me arrependi levemente

de ter deixado o cartão que Philip ofereceu em meu quarto.

— Você vai ficar parada aí ou vai entrar? — Olhei para a frente,

vendo que Karine me esperava. Passei por ela e entrei na loja.


Havia tanto brilho, tantas pedras e tantos diamantes, que passei a

caminhar devagar com medo de esbarrar em qualquer coisa e precisar


pagar. Eu poderia vender um rim, mas não sabia se meu rim cobriria o

custo.

Nós andamos ao redor por alguns minutos, até que ela pareceu se

decidir e fomos ao caixa.

— Olá, eu vi a foto de um colar ali na frente e gostei. Ele tem um

diamante azul.

A vendedora sorriu.

— É presente ou será para a senhora?

— Presente. — Karine sorriu, por incrível que pareça. — Combinará

com os olhos da minha amiga.

— Vou pegá-lo para você, já sei de qual está falando.

Nós ficamos ali paradas enquanto a moça foi para a frente da loja. Eu

a observei procurar a joia, mas de repente algo pareceu errado. Ela ficou

pálida, caminhou até o segurança e conversou com ele. Minutos depois se


reaproximou de nós.

— Eu preciso pedir que aguardem aqui um momento, senhoritas.

— Algum problema? — Karine questionou.


— Eu odeio ter que pedir, mas é o protocolo. — Sua expressão se
dividia em constrangimento e medo. — Preciso revistar suas bolsas.

— O quê?! — Karine elevou o tom de voz.

— Podemos fazer isso discretamente lá no fundo da loja.

— Isso é um absurdo! Eu tenho cara de quem roubaria uma joia? Sou


uma cliente da Tiffany há anos!

— Senhora, eu...

— E minha babá também não faria tal coisa!

Exatamente! Espere... o quê? Babá?

Olhei para ela, indignada, mas Karine nem sequer reconheceu o que

fez. Estava furiosa demais debatendo com a funcionária.

— Bolsas, por favor.

Bufando, Karine entregou a sua. O segurança observava de perto,

esperando para se meter caso precisasse. Caramba... agora que eu queria


sair de lá mesmo! Entregaria minha bolsa e deixaria aquela mulher para
trás.

— Não queremos envolver a polícia.

— Houve um roubo, é isso? Vocês estão achando que fui eu?


— Não achamos, mas precisamos revistá-las. Nossa equipe está
procurando nas câmeras em horários mais cedo também. Não é nada
pessoal, apenas segurança.

— É ridículo. Você não precisa entregar a sua, Ariana. Vamos chamar


a polícia.

— Eu não me importo.

Não peguei nada mesmo, então que revistassem e me deixassem sair


em paz. Entreguei minha bolsa tranquilamente e ela analisou lá dentro. Ela
ergueu a cabeça, fitando-me, e eu sorri, pronta para pegar de volta. Mas a

expressão da mulher não era de que estava tudo bem. Em câmera lenta, eu a
vi puxar um colar para fora.

Ela me olhou de modo tão acusador que tive vontade de cavar um


buraco e me enfiar.

— Mas... — gaguejei, incrédula. — Isso não pode ser! Eu juro que

não... eu não... — As palavras não saíam de forma clara, simplesmente não


se completavam.

— Oh, meu Deus! — Karine lamentou ao meu lado. — Sinto


muitíssimo por isso! Podemos, por favor, deixar essa situação...

— Nós temos que chamar a polícia, senhora.


Karine balançou a cabeça e me fitou.

— Ok.

— O quê?! — O segurança apontou para um corredor, onde havia

uma porta branca e sinalizou para que eu fosse até lá. — Karine!

Eu olhei por cima do ombro, buscando seu apoio, mas quando a

observei melhor, vi como me olhava tão friamente e entendi tudo o que


acabara de acontecer. Fiquei em choque, estática.

O segurança me colocou sentada, fechou a porta e ficou atrás dela de


pé. Eu não tinha meu celular, dinheiro, nada. Ele fitava a parede acima da

minha cabeça. Me senti uma criminosa.

Não sabia o que aconteceria agora, mas não seria nada de bom. A

única coisa que eu tinha certeza era... Karine armou para mim.
“mas há um lado seu que eu nunca conheci
todas as coisas que você disse
Nunca foram verdade
e os jogos que você jogava
você sempre ganharia”
set fire to the rain, adele

O relógio parou de fazer sentido após 1 hora presa naquela sala. O

segurança saiu, entrou, saiu novamente e eu recebi meio copo d’água,

porque aparentemente era assim que funcionava se você fosse pego


roubando. Eu não estava dizendo que era injusto, mas se tinham câmeras na

loja porque ninguém apareceu para dizer que foi um engano? Algum ângulo
tinha que ter pegado aquela pilantra armando para mim!

Eu me preparei para começar a exigir os meus direitos com o

segurança, mas fiquei completamente muda ao ver Philip atrás dele. A


funcionária que me pegou “em flagrante” o seguia, e colocou minha bolsa

em cima da mesa.

— Mil perdões pelo inconveniente, doutor Snowland.

Meu coração parou.

— Estamos acertados, então?

Os olhos de Philip estavam cheios de… nada.

Não havia o carinho de hoje cedo e nem os conhecimentos que

tínhamos um do outro. Ali, ele me lembrou de quando me encontrou na

casa de Nick meses atrás.

Odiei aquela sensação.

— Sim, doutor. A senhorita está liberada.

Ele me deu um olhar nada agradável e estendeu a mão.

— Ariana.
— Philip…

— Vamos, agora. — Desviando o olhar de mim, ele caminhou para

fora da porta. Parecia tão envergonhado e decepcionado que meu peito

doeu. Me senti um lixo mesmo sem ter feito o que fui acusada.

Antes de segui-lo, parei em frente a mulher.

— Eu sei que não vai adiantar nada dizer que não fiz isso, mas peço

desculpas de qualquer forma — hesitei, mas resolvi continuar —, vocês

deveriam averiguar melhor esse tipo de situação.

Ela forçou um sorriso, acenando.

— O doutor Philip vai ajudá-la com o que precisar.

O que ela queria dizer?

Parecia até que eu era uma louca prestes a receber tratamento.

— O que…

— Ariana! — O ouvi me chamando lá fora e corri para encontrá-lo.

— Phili…

— Agora não.

Nós atravessamos o shopping em silêncio até o estacionamento. Não

vi Karine em lugar nenhum, o que agradeci, mas estava doida para


perguntar se ela tinha ido embora de bom grado depois de me ferrar ou se

ele a dispensou.

Será que estava bravo comigo porque acreditava nela ou bravo com

ela porque descobriu o que houve de verdade?

Eu esperava de coração que fosse a segunda opção.

— Nós temos que conversar.

— Não quero falar sobre isso.

— Mas precisamos! Philip, eu juro que…

— O que aconteceu foi desnecessário, imaturo e inconveniente. Me


deixou perplexo. Eu estou tão furioso que não consigo nem te olhar, simples

assim.

Espera… ele não acreditava em mim?

— Você não vai nem me perguntar o que aconteceu?

— Um colar de dezenas de dólares foi encontrado em sua bolsa. Eu te

disse para levar o maldito cartão, mas esse seu orgulho só nos coloca em
problemas!

— Acha que eu roubei um colar porque não quis pegar seu cartão? É
claro que não quero usá-lo, assim como não queria a droga da joia! —
Precisei tomar um fôlego para segurar as lágrimas que ameaçavam começar

a cair. — Já passei por muito nessa vida e nunca precisei pegar nada de
ninguém, não é agora que vou começar!

— Foi um flagrante e você deu sorte que eu estava disponível no


telefone, caso contrário teria ido daquela sala para uma delegacia. Eles não

pegam leve com furtos assim.

— Eu não roubei nada! — gritei.

— Então, o que aconteceu? Alguém colocou na sua bolsa pra te


incriminar? Não estamos numa novela, Ariana, isso aqui é a vida real e não

é porque tenho dinheiro que vou poder te livrar desse tipo de merda!

— O quê? Aquela lambisgoia colocou na minha bolsa!

— Pelo amor de Deus…

— É a verdade! Foi Karine, ela me odiou no momento que me viu!

Philip bateu no volante, parecendo indignado e ainda mais bravo.

— Era só o que me faltava.

— Aquela dupla na sua casa vai fazer de tudo pra agarrar você, como

pode ser tão cego que não vê o óbvio?

— Você é mais louca do que eu pensei.


— Você é que é cego ou lento demais! A Madrasta está lá tramando
debaixo do seu nariz, tentando te casar com a Drizella, agora que Anastasia
saiu da jogada!

Era muito claro para mim onde Viviane, Jheni e Karine se


encaixavam naquela história.

— Eu vou internar você, inferno. Louca da porra.

— Desde que eu pisei na sua casa Viviane me odeia, porque ela me

viu como concorrência. E outra, não é muita coincidência que Karine tenha
perguntado justamente do colar que eu supostamente roubei para a

funcionária da loja? De tantas joias, ela quis logo aquela?

— Pode ter sido uma coincidência.

— Sério, Philip? Olhe para mim — pedi no momento em que

paramos em um semáforo, mas ele não o fez. Eu me inclinei e segurei seu


queixo, virando-o para mim. Os pelinhos crescendo na barba coçaram a

ponta dos meus dedos, e eu queria poder acariciar sua pele pelas próximas
horas sem parar, mas então fitei os olhos estreitos e me lembrei que pelo

jeito, não havia nenhuma confiança ali. — Philip… eu sei que é a palavra
de alguém que surgiu do nada contra a de alguém que você conhece há
anos, mas passamos os últimos meses juntos. Eu nunca me aproveitei de

você, nunca fiz nada a não ser amar meu sobrinho e aguentar os desaforos
de Viviane. Nunca pedi nada! É tão difícil assim me dar o benefício da
dúvida?

Seus olhos se tornaram angustiados por um momento e ele balançou a

cabeça, se livrando do meu toque quando voltou a dirigir.

— Eu quero.

— É ridículo que você não acredite sem que eu precise me explicar.

— Você quer confiança cega é isso é algo que nunca dei a ninguém.
Coloque-se em meu lugar.

— Eu faço isso. Me coloquei em seu lugar diversas vezes, inclusive

quando deixei de lado todo o medo que minha irmã colocou em mim sobre

você e decidi te conhecer por mim mesma. Confiar que você poderia ser um
bom pai para Matthew.

— E eu não sou?

— Você é. É um ótimo pai para ele. — Me virei para a frente,


observando os carros na estrada. — Mas o meu erro foi pensar que você

seria bom para mim também.


“eu fico pronta, eu me visto toda
para ir a nenhum lugar em especial
não importa se eu não sou o bastante
para o futuro ou para as coisas que estão por vir”
love, lana del rey

Os dois dias que se seguiram foram dominados por um clima infernal.


Eu não sabia o que dizer e fazer, voltei a pisar em ovos dentro da casa que

vivia. Philip mal parou por perto e quando ficava, levava Matthew para seu

quarto, excluindo-me completamente.


Eu não sabia qual parte das coisas que eu disse o tinha feito se afastar

tanto, mas talvez tenha sido bom. Não tinha futuro e eu fui errada em
pensar que algumas transas, ainda que fenomenais, mudariam isso. Ele era

um homem que vivia além do que eu conseguia pensar. Estudado, com uma

carreira dos sonhos, tinha um nome a zelar e uma fila de mulheres à


disposição.

Já eu, me encaixava no papel da mulher idiota o suficiente para ser

incriminada dentro de um shopping e nem conseguir se defender. O pior era


que eu já tinha visto aquele clichê em tantos filmes…

Como foi que não pensei que Karine e Viviane não me convidaram

por bondade? Como me escapou que tramaria algo vendo que ela
praticamente me avisou que me tiraria do caminho do jeito que fosse.
Aquela foi uma lição de que eu precisava colocar a cabeça no lugar,

arrumar um emprego e dar um jeito em minha vida, agora mais do que

nunca.

Minha estadia naquela casa tinha data de validade e todos viam isso,

menos eu. Pelo menos acordei a tempo.

Era quinta-feira quando eu tomava café com Matthew na cozinha,

ignorando completamente a presença de Viviane. Eu sequer estava lhe

cumprimentando como fazia antigamente.


Queria que ela se fodesse.

Philip entrou e parou ao me ver sentada. Seus olhos demoraram um

pouco em mim, observando-me de perto como não tinha feito desde aquele

dia no carro.

— Bom dia.

— Bom dia, doutor.

Não respondi, só acenei, sabendo que ele veria. Matthew começou a

dar gritos entusiasmados ao ver o pai e Philip se aproximou. Nossos dedos

encostaram quando pegou Matthew, e eu rapidamente afastei a mão. Me

levantei, pegando o prato com as frutas que dividia com o bebê. Eu

precisava sair.

Teria chegado ao quarto e poderia me esconder se não fosse sua voz

me parando no meio da sala.

— Ariana.

— Sim? — perguntei sem me virar.

— Arrume-se hoje à noite. Eu tenho uma cirurgia, mas quando voltar


do hospital quero levá-la para sair. Precisamos conversar.

Segurei o prato com as duas mãos bem forte. Eu estava tremendo e

pânico se apossou de mim. Eu queria correr atrás dele e implorar para dizer
qual o assunto ou minha ansiedade me mataria até o anoitecer, mas ele

chegou até mim, entregou-me Matthew e deu um beijo em sua testa antes
de sair sem dizer mais nada.

Eu olhei para cima ao ouvir um barulho e vi Viviane cortando


legumes com tanta força, que provavelmente devia estar imaginando que
me fatiava naquele balcão.

Fui para o quarto mantendo uma falsa postura de calma e coloquei


Matthew na cama, com o prato entre as perninhas gorduchas.

— É isso, chegou a hora. Ele vai me dizer que tenho que ir embora,
não é isso?

O bebê sorriu, deliciando-se com um pedaço de mamão.

— Você é filho dele, tem que estar sabendo de algo pela conexão de

vocês dois. Ele vai me mandar embora ou só vai me dar um aviso? Tipo…
tenho 10 dias para sair de casa, ou 15? Seu pai não é muito delicado, mas se

ele me expulsar não será para sair imediatamente, né?

O bebê tombou a cabeça para o lado, me observando. Parecia que


realmente estava prestando atenção e me entendendo.

— Você é perfeito. Lindo como ele. Eu amo você e ele… — suspirei


—, seu pai encontrou um jeito de entrar no meu coração, Matt.
Passei o dia quebrando a cabeça com teorias e suspeitas, e quando deu

a hora de Viviane ir embora fiquei aliviada, mas antes de ir, ela apareceu em
meu quarto.

— Olá, querida. — Meu Deus, como era falsa. Não respondi e nem
me virei para olhá-la. — Eu vou cuidar de Matthew essa noite.

— O quê? Por quê?

— Você e Philip tem um compromisso. — Ela pareceu engasgada ao

dizer aquilo, e eu senti um doce gostinho de vitória.

— Eu pensei em levá-lo.

— Não, Matthew fica. Ordens do doutor.

— Claro. — Forcei o sorriso mais cínico que consegui.

Eu estava cansada das “ordens do doutor”, principalmente depois da

minha humilhação no shopping. Embora eu estivesse com ódio e quisesse


gritar com Viviane sobre o quão safada e pilantra sua filha era, eu estava

ainda mais brava com Philip, porque era obrigação dele acreditar em mim
independente do que elas dissessem.

— Ele já chegou?

— Não — ela disse simplesmente e saiu do meu quarto.


— Megera — murmurei, mostrando o dedo para a porta.

(…)

Uma batida na porta interrompeu minha tentativa de um penteado


super elaborado e eu me virei rapidamente, fingindo que não estava
tentando ficar tão bonita quanto possível.

Philip parou ali de jaleco, com uma maleta na mão e o estetoscópio


no pescoço.

Deus do céu.

Que pecado. Eu estava me sentindo com começo de infarto de


repente, será que ele me examinaria todo uniformizado daquele jeito?

— Ok?

— Oi? O quê? — Balancei a cabeça, percebendo que falava comigo e


acabei não ouvindo nada.

— Estou atrasado.

— Ah, tudo bem. Se quiser ir outro dia…

— Não, hoje. Me dê 10 minutos.


Eu queria dizer que já que ia tomar banho, para não passar perfume,
assim eu talvez conseguiria focar em algo além de como ele era gostoso.

“Philip, você consegue ir feio? Pode se esforçar?”

Ele fez menção de sair, mas parou e me olhou dos pés à cabeça.

— Você está linda.

Fique quieta, fique calada. Fique quieta, Ariana!

— Obrigada. — Assim está ótimo, apenas agradeça, fique quieta. —


Comprei o vestido numa liquidação especialmente para isso. Hoje.

Ele deu um pequeno sorriso, parecia tão cansado.

— 10 minutos — repetiu.

Fechei o YouTube onde assistia o tutorial do penteado no celular e


peguei minha bolsa, colocando dentro um gloss, meu carregador portátil e

um absorvente interno, ainda que eu odiasse usá-lo.

***

Fiquei brincando na sala com Matthew no sofá sob o olhar atento de

Viviane, ela realmente não dava um tempo. Matthew tentou puxar meu

brinco, o vestido e até brincar com minha bolsa. Acabei colocando um


desenho no meu celular para que assistisse. Acariciava sua cabeça

encostada no sofá.

Philip apareceu pouco mais de 10 minutos depois. Usava uma camisa

social, calça jeans escura e um coturno preto. Eu fiquei de boca aberta e

quando percebi foi tarde demais.

— Você o faz dormir tão fácil. — Acariciou a cabeça de Matthew.

A pior ou melhor parte, dependendo do ângulo que se via, era que eu

já o tinha visto nu. Via a beleza do lado de fora, mas também sabia como

era de perder a cabeça pelado. Eu queria lambê-lo como se ele fosse um


pirulito e montá-lo como se estivesse no touro maluco.

— Ariana!

— Eu!

— Vamos.

— Claro. — Me levantei e imediatamente inalei o cheiro do perfume.

Droga.

Vi a sombra de um sorriso em seus lábios. Ele sabia que eu era uma

besta babona. Essa sim era a pior parte.

— Viviane, fique à vontade.


— O doutor demora a voltar?

Ele fez uma pausa perto da porta ao ouvi-la.

— Você tem compromisso? Se tiver eu posso ligar para a minha mãe,


ela não se importará de passar a noite com ele.

— Não! — ela rebateu de imediato. — Está tudo bem, só pergunto

porque, bem, é perigoso a noite.

Philip ergueu as sobrancelhas.

— É perigoso o tempo todo. Até mais tarde.

Não me importei em me despedir e saí quando ele abriu a porta.

Ele mesmo foi dirigindo e por ficar assistindo vídeos na internet

daqueles homens musculosos com a mão no volante, me peguei enfeitiçada


pelos movimentos dos dedos longos deslizando no couro, as veias saltadas

no antebraço, a concentração nos olhos. Tudo nele era tão sexy!

Ele não tinha nenhuma tatuagem, mas as veias e o relógio grosso de

ouro compensavam.

Alô, Deus, sou eu de novo!

Desviei o olhar.

— Tudo bem? — perguntou.


— Sim! Só estou nervosa.

— Por quê?

— Por nada. Nada demais — me enrolei, passando as mãos no

vestido. — Só quero chegar logo e ir ao banheiro.

— Ir ao banheiro? — ele hesitou —, está com problema intestinal?

— O quê?! Não! Eu… — Merda! — Só quero saber logo o que você


tinha a dizer que não podia ser dito na sua casa.

— Na nossa casa — ele me corrigiu. — Você também mora lá.

— Moro? — Franzi as sobrancelhas, cheia de confusão na cabeça. —


Então isso não é um aviso prévio?

— Aviso prévio? Você não é minha funcionária para ter aviso, que

besteira é essa?

— Você parecia muito nervoso hoje cedo, e eu pensei que depois do


que aconteceu na loja da Tiffany, tivesse cansado de mim.

— Eu não me canso de você, Ariana. — Ele fez uma curva que fez

nossos braços se encostarem e eu percebi como senti falta de tê-lo tão perto.

— Na verdade, estou muito longe disso. Essa é a sua preocupação? Por isso
está com dor de barriga?
— Não estou com dor de barriga. — Revirei os olhos.

— Ansiedade geralmente da dor de barriga, se quiser podemos passar

para comprar bom ar e voltamos para a casa.

Agora ele estava me provocando, e por mais que fosse ridículo, me


aliviou de um jeito que eu nem podia explicar.

— É claro que não! — Tampei o rosto com as mãos e ele começou a

rir. — Só dirija, Philip. Apenas dirija.

— Como é que vou me cansar de você, garota?


“eu falo que te amo baixinho
mais vezes do que você poderia aceitar
há música toda vez que ouço seu nome
sua cabeça apoiada no meu peito
o Sol nasceu, mas ainda não consegui descansar
não quero fechar meus olhos,
estou com medo de perder muito
não quero dormir, prefiro me apaixonar”
2 much, justin bieber

Ele estacionou quando chegamos ao restaurante e fomos levados a

uma mesa já reservada. Me perguntei se ele tinha deixado reservada para


nós ou tinha marcado com outra pessoa e acabou dando errado, por isso me

chamou.

Eu odiava quando pensava esse tipo de coisa. O bichinho da

insegurança irritante me comia viva. Eu era bonita pra caramba, por que

não conseguia acreditar que alguém genuinamente se interessaria por mim?

Nós bebemos nossa água, aceitamos uma taça de vinho e pouco

depois o garçom voltou. Eu pedi uma salada e o prato especial da casa e

Philip ficou com uma massa recheada de picanha, com molhos variados.
Quando os pratos chegaram, eu roubei um pouco de cada coisa para

experimentar. Ele pegou alguns pedaços do meu bife, torcendo o nariz.

— Muito comum.

— Deixe o chef ouvir isso e ele colocará pimenta na sua sobremesa.

— O que achou do meu?

— Delicioso. — E realmente era. Eu queria comer mais o prato dele

do que o meu.

Philip sorriu e cortou mais um pedaço, surpreendendo-me ao levar o


garfo perto da minha boca. Eu hesitei.

— Não fique tímida comigo, Ariana, já passamos dessa fase.


Eu aceitei a comida na boca e tomei um gole do vinho, era
surpreendentemente gostoso. Ou talvez eu estivesse muito cheia de Philip

na cabeça e tudo se tornava doce.

Eu estava inquieta, segurando a coxa para não ficar batendo o pé no

chão. O restaurante era lindo, as pessoas pareciam finas e ricas — assim

como Philip —, mas eu estava tão desconfortável, ou insegura. Um pouco

dos dois.

— Você está estranha — ele falou de repente.

— Impressão sua.

— Não te conheço muito, mas conheço o suficiente para saber

quando algo não está certo. Vamos... me diga. Viemos aqui para conversar.

Encolhi os ombros.

— Nada, eu só... Eu não sei em que fase estamos. Você já me revirou

sexualmente e eu vi cada partezinha sua nu, o que é muito bonito. Mesmo.

Só que fora isso, não sei mais nada.

— Não é verdade.

— Claro que é. Nós também discutimos muito e você sabe cada tom

dos meus gritos, mas isso não é conhecer. Muito menos avançar fases. E

quer dizer... nós queremos avançar?


Philip recostou na cadeira acolchoada e pegou sua taça. Coçou a

barba, olhou para o líquido em seu copo.

— É seguro para mim dizer que você é provavelmente a pessoa que

mais me conhece na vida. Você mora comigo, sabe tudo o que é preciso
saber, mas eu estou em desvantagem aqui. Não sei nada sobre você.
Estamos na fase de você me contar um pouco da sua vida antes de Matthew

acontecer. Eu quero saber de onde é, sua família além de sua irmã, quais
eram seus sonhos antes de ter um bebê jogado em seu colo.

— Ele não foi jogado em meu colo.

— Você entendeu a minha pergunta. Sei que ele é a sua vida, mas

quem era Ariana Simpson antes?

Eu suspirei. Fazia tanto tempo que alguém não se interessava por

mim e coisas profundas como aquelas que eu nem sabia por onde começar.
Não queria assustá-lo, então pensei por um momento em inventar algo feliz

com um final triste, ele não teria ninguém para perguntar e me desmentir
mesmo. Mas eu conseguiria viver sabendo que criei uma fantasia? A vida
me ensinou que a verdade era sempre o melhor caminho, mesmo que

assustasse.

— Bem... Suzanne e eu fomos criadas por uma vizinha. Nossa mãe

nos deixou com ela um certo dia com alguns poucos dólares e disse que já
voltava. — Lembrar da história já não era algo que me deixava triste, fazia

tanto tempo. — Minha mãe nunca foi um exemplo, ela sempre foi distante,
uma estranha. Meu pai era um bêbado, ele foi embora cedo.

— Você se lembra dele? — A expressão de Philip era pura


concentração. Podia explodir uma bomba ao redor de nós e eu acho que ele

não teria desviado os olhos de mim.

— Tenho algumas lembranças da minha mãe cozinhando e esperando


que ele voltasse para jantar, mas nunca acontecia. Com o tempo isso foi

tirando a alegria dela, a matou por dentro. Suzy e eu não fomos capazes de
preencher o vazio. Quando o meu pai desapareceu por três semanas, minha

mãe começou a sair para procurá-lo e nos deixava com a senhora Riley.
Suzy não ficava, mas eu tinha medo demais de fugir.

— Ela também te abandonava?

— Ela era mais velha. Queria sair com os amigos e ir às festas. Isso

durou até que minha mãe se preparou para sair numa manhã, nos arrumou
melhor do que nunca e deixou alguns dólares em minha mochila. Ela levou
nós duas até a casa da senhora Riley e nós esperamos até a noite. Ela havia

prometido fazer um bolo, pois eu tinha feito aniversário alguns dias antes.
— Philip engoliu em seco e seus olhos estreitaram levemente. — Três dias
depois a senhora Riley entrou na casa com um envelope onde tinham
algumas poucas notas de dinheiro e um bilhete.

— Da sua mãe?

Eu assenti.

— Ela havia escrito que encontrou o meu pai e não podia voltar sem
ele, então nos desejava boa sorte, mas ela tinha que ficar com sua alma
gêmea. Anos depois eu entendi que para ela nunca ter voltado, ela deveria

estar vivendo uma situação igual a dele. Dois viciados vivendo de migalhas
nas ruas.

— Sinto muito.

— Já passou — balancei a cabeça —, isso me fez forte. É claro que


deixou alguns traumas também. Antes de Suzy aparecer grávida eu dizia

que nunca teria filhos e nem me casaria. Eu sabia que na minha genética
teria alguma coisa estragada e eu ia ferrar a criança. Eu também raramente

bebo, só quando estou em situações de muita pressão, tipo a festa de


Matthew com todos os seus amigos e família. Eu também não me envolvia

com homens que fumavam e bebiam. E até mesmo maconha que na


Califórnia a maioria das pessoas da minha idade fumam, eu acabava
fugindo deles.
— Eu te entendo — disse ele, tentando me consolar com um sorriso
fechado. — Não consigo imaginar como deve ter sido sua infância e
adolescência. Nenhuma mãe deveria fazer isso com o filho. E essa senhora,

a vizinha, foi boa para você e sua irmã?

— Sim. — Eu sorri ao pensar nela. — A senhora Riley nos deu mais

amor em poucos anos do que recebemos em casa a vida inteira. Suzy saiu

de casa aos 18 quando conseguiu emprego em um restaurante chique. Eu


fiquei e estudei até fazer 19. Foi quando comecei a trabalhar como modelo.

Voltei pouco depois quando ela adoeceu e não tinha ninguém para cuidar

dela.

— Ela se recuperou?

— Não. — Aquilo sim me dava um aperto no peito. Ela era a única

parte daquela história que tinha o poder de me machucar no presente. —

Mas ela faleceu dormindo, sem dor e sem sofrimento. Ela não tinha filhos e
nem ninguém, então deixou a casa para eu e minha irmã. Acho que

preenchemos esse espaço vazio no final de sua vida.

Ele franziu o cenho.

— Por que não ficaram na casa quando Suzanna te procurou? Por que
veio para cá?
— Nós a vendemos e dividimos o dinheiro. Ele durou alguns anos, eu

consegui economizar bem, mas... um tempo depois Suzy começou a


aparecer e pedir empréstimos que nunca foram devolvidos. Demorou um

pouco para que eu conseguisse cortar isso e dar um basta. Tipo, ela era

minha irmã mais velha e eu não tinha obrigação de sustentá-la. Isso fez com
que ela saísse da minha vida por alguns anos, até que voltou. Grávida. O

restante do dinheiro eu usei com sua gravidez.

Philip abaixou a cabeça e se inclinou sobre a mesa, pegando minha

mão.

— Eu não tenho palavras para dizer o quanto sou grato por você.

— Eu sei — sussurrei.

Eu não tinha mais tristeza ou rancor sobre o meu passado, apenas

perguntas que nunca teriam respostas. Por exemplo, se nossos pais tivessem
ficado e nos criado as coisas teriam sido diferentes?

Para pior?

Para melhor?

— Às vezes eu acordo no meio da noite e vou até Matthew, o seguro

e agradeço por ela ter ido te procurar, por não ter dado o meu filho ou o

abandonado. Eu não sabia que queria tanto ter um até que tive.
Eu encarei nossas mãos juntas, sabendo que aquele era o momento de

confrontá-lo sobre o que ouvi dela.

— Ela me disse que você a humilhou. Que a tratou como uma


prostituta e a acusou de estar tentando te dar um golpe.

Ele fechou os olhos por um breve momento e assentiu.

— É verdade.

— Por quê? — perguntei baixinho, vendo o brilho dos olhos de


Matthew nos seus.

Philip respirou profundamente, e um silêncio caiu sobre nós por

alguns minutos. Eu sabia que ele começaria a falar em breve, mas fosse o

que fosse que ia dizer, não parecia bom. Não se mexia tanto assim com ele.

— Em um dos meus términos com Jheni, acabei dormindo com uma

enfermeira do hospital. Ela era discreta, extremamente profissional e todos

os médicos gostavam de trabalhar com ela. Quando ela me procurou dois


meses depois e disse que estava grávida, eu acreditei na hora. Ofereci tudo.

Minha casa, dinheiro, o melhor plano de saúde, um carro melhor para que

ela se locomovesse mais confortavelmente. Eu acompanhei cada consulta,

estive ao seu lado quando ela contou para a família, fiz tudo. A única coisa
que não pude prometer foi o meu coração, um compromisso.
Eu tinha um estranho pressentimento de onde aquela história estava

indo. Apertei sua mão e coloquei a outra por cima.

— Você não precisa terminar — falei, mas eu queria tanto que ele

continuasse!

— Não, tudo bem. — Limpando a garganta, ele finalizou o vinho e se


endireitou na cadeira, ainda segurando meus dedos. — Nós nos

preparávamos para a cesariana quando a bolsa rompeu, eu estava me

vestindo antes de entrar na sala e fui surpreendido quando um colega, outro

cirurgião entrou e me disse que aquilo tinha ido longe demais. Que tinha
sido um covarde, mas ele assumiria seu filho.

Ai, merda, foi totalmente por um caminho que eu não estava

esperando. Achei que ele diria que ela perdeu o bebê, ou morreu em algum

acidente, mas isso? Não era de se estranhar que desconfiasse de Suzanne


num primeiro momento.

— Ela fingiu que o bebê era seu ou tinha dúvidas?

— Ele não quis assumir, então ela aproveitou que eu tinha sido o mais
próximo das datas com ele e empurrou o bebê para mim. Eu assisti o parto

da galeria, e esperei um exame para confirmar a paternidade. Quando voltei

para a casa ainda com a roupa da cirurgia, entrei no quarto todo preparado,

cheio de roupinhas e senti meu mundo desabar. Eu passei meses o


planejando e esperando por ele. Abri seu fundo fiduciário, marquei reuniões

com meus advogados para incluí-lo em tudo o que era meu. Senti seus

chutes, vi seu crescimento. Era o meu filho. E ela me arrancou aquilo da

forma mais cruel. Eu saí do hospital quando cheguei lá num dia e vi os dois
passeando com o bebê, apresentando-o a todos.

— Meu Deus, Philip.

— Eu fiquei devastado e me afundei no trabalho. Peguei cirurgias que


ninguém se arriscava a fazer, ganhei um prêmio por tamanha ousadia por

inovar. Há quem diga que a desgraça pessoal foi o foguete da profissional.

— Eu não acho que uma coisa compensa a outra. Você se via como

pai dele, tudo bem sofrer.

— Eu sei, hoje eu sei. Sua irmã apareceu três meses depois. Eu estava

bebendo demais, estava isolado de Faitlyn, que na maioria das vezes sempre

me ajuda a recuperar o juízo quando preciso, e excluí minha família

também. Estava envergonhado de contar que fui feito de idiota. Sem a


minha rede de apoio eu chegava em casa todos os dias e encontrava aquele

quarto vazio pronto para receber um filho que nunca tinha sido meu, bebia

até dormir. Hoje sei que fui injusto com ela, assim como fui com você.

— Esqueça isso.
— Não, Ari. Tenho cometido mais injustiças com você do que posso

contar.

Eu já estava chorando, mas quando ele disse aquilo, foi que desabei

mesmo. Philip sorriu sutilmente e passou a mão no meu rosto, limpando as

lágrimas.

— Não chore. Não por mim.

— Não imaginei que tivesse sido assim, eu sinto muito pelo que você

passou.

— Nós dois passamos por muita merda até que chegamos aqui, a esse

momento. Hoje eu vejo que foi bom. Se eu não tivesse me revoltado e


transado com todas as mulheres que via pela frente, eu não teria

engravidado sua irmã.

— Esse é um jeito muito prostituto de ver a situação — murmurei,


torcendo o nariz.

— E se eu não a tivesse mandado embora, ela não teria ido até você.

Eu não te conheceria.

— Isso é verdade. — Encolhi os ombros. Não conhecer Philip... a

ideia fazia meu estômago revirar.


— Matthew foi um presente, mas você foi um bônus pelo qual eu
nunca vou conseguir agradecer o suficiente. E sobre o que aconteceu na

Tiffany, eu acredito em você, sempre acreditei. Só foi mais fácil jogar a

culpa em você do que lidar com ela. Fiquei irritado comigo mesmo por ter
deixado você ir, aquela situação podia ter acabado de maneiras muito

piores. Não sei por que ela se comportou dessa forma.

— Não sabe? — Arqueei a sobrancelha.

— Edward sempre achou que ela se insinuava para nós, mas eu a vi

como uma criança desde sempre. Não é uma mulher com quem eu

consideraria ter algo, nem mesmo uma noite e nunca lhe dei esperanças do

contrário.

— Você não tem que me explicar isso.

— Tenho. Tenho porque nós estamos construindo algo e eu quero


continuar. Quero ver onde vai dar.

Arregalei os olhos.

— Estamos?

Ele sorriu.

— Eu gosto de você e gosto dessa bagunça que você é.

— Eu não sou uma bagunça. — Ok, talvez eu fosse um pouquinho.


— Tudo bem, linda. Eu sou um cirurgião, gosto de bagunça.

Dei risada e Philip me acompanhou. No mesmo momento o garçom

se aproximou, oferecendo a carta de vinhos.

— Traga-nos um espumante. — O rapaz assentiu, saindo com os


pratos vazios. — Vai querer sobremesa?

— Hm — fiz uma pausa, pensando comigo mesma se era muito cedo

para sugerir o que eu realmente queria.

Philip sorriu de canto, parecendo ler meus pensamentos e os olhos


caramelo adquiriram novamente aquele brilho.

— Por que não levamos a sobremesa para casa e comemos


especificamente na minha cama?

Inclinei-me para a frente, dando uma olhadinha para os lados.

— Você está falando do doce ou de mim?

— Os dois. Juntos. — Ele piscou.

— Acabou de ler meus pensamentos, doutor.

Seus olhos dançaram em excitação.

— Você vai ter que me chamar assim mais tarde.

Rindo, eu concordei.
— Ah, eu vou.
“você sabe que eu posso ver através de você
eu posso ler sua mente
quem diria que é possível
fazer amor por telepatia”
telepatía, kali uchis

Eu senti Philip acordando antes de ouvir os sons que ele fazia ao


despertar. As pernas debaixo das minhas tentaram escapar devagar e ele se

movia levemente, preocupado de me acordar caso eu estivesse dormindo.

Quando conheci Philip, pensei que ele fosse um monstro, que minha vida e
de Matthew seria um inferno dali para a frente, mas eu estava tão enganada.
Fora as turbulências do começo, ele só me mostrou o melhor. Ele não

deixou de me surpreender e lá estávamos nós, começando mais um dia


acordando juntos.

A rotina era sempre a mesma, tinha sido assim pela última semana

desde o nosso jantar. Ele levantava, tomava um banho e ia para o seu quarto
se arrumar, pegava Matthew e olhava se ele precisava ser trocado antes de

deixá-lo na cama comigo, então ele me dava um beijo e saía.

Poucas foram as vezes em que eu estava realmente dormindo quando


ele acordou e se levantou, mas quando eu estava acordada eu fazia questão

de que soubesse, e ele parava tudo para fazer amor comigo antes de sair.

Porém, hoje eu queria acompanhá-lo quietinha, ouvir seus passos,

identificar seus movimentos, queria ver se descobriria algum detalhe que


ainda não conhecia. Cada dia ele tinha um horário diferente. Fazia parte de

sua profissão, e estava tudo bem para mim, mesmo que eu começasse a

sentir saudade desde a hora em que ele saía de debaixo do edredom comigo.

— Bom dia. — Ele me olhou deitada em cima de seu peito com os

olhos ainda estreitos de sono.

— Bom dia, linda. Dormiu bem?


Ele perguntava a mesma coisa todos os dias e na única vez que eu
disse “não”, ele se atrasou para me fazer uma massagem antes de sair de

casa que me fez ficar não só bem, mas perfeita.

Às vezes mesmo acordada, no meio do dia, eu me perguntava se

estava sonhando.

— Tudo bem. — Eu o abracei, beijando o pescoço. — Pensei em

mentir para conseguir uma massagem, mas vou ser justa com você.

— Ah, justiça é algo que eu não faria por você, linda. Você é melhor

do que eu em todos os sentidos. — Ele deu um tapa leve em minha bunda,

puxando-me completamente para cima de seu corpo. — Vem aqui, eu quero

te sentir.

Ele pegou a barra da sua camisa que eu vestia e a puxou por cima da

minha cabeça.

— Você vai se atrasar.

— E daí? Eu sou o chefe.

Dei risada e deixei que ele me levasse.

Ele era o chefe. Qual é a grande coisa afinal?

***
Eu estava deitada na cama com Matthew tomando sua mamadeira e

observava Philip se arrumar mais do que o normal para o trabalho.

— Chegarei um pouco mais tarde hoje.

— Algum problema? — Eu não entendia nada de seu trabalho, mas


me tornei uma boa ouvinte.

— Terá um coquetel no hospital, eles estão procurando novos jurados

para um prêmio importante da medicina e como o hospital é um dos


maiores do país e muito bem reconhecido em questão de cirurgias, eles

querem conhecer os médicos que atuam lá.

— Uau, isso é muito bom.

— É sim — ele concordou, mas não havia entusiasmo na voz.

— Você não parece empolgado.

Philip suspirou.

— É publicidade boa, mais dinheiro, mais pacientes é muito bom para

mim, o chefe de cirurgia. Qualquer médico escolhido vai tirar a sorte


grande.

— Mas...
— Eu vou com Karine. Combinamos que ela seria minha

acompanhante seis meses atrás. E eu financiei sua bolsa, investi nela


profissionalmente. Sou praticamente seu padrinho no hospital. É natural que

ela fique perto de mim, que cheguemos juntos.

— Karine. — Eu não gostava da ideia e ele percebeu isso tanto em

meu tom de voz quanto em minha expressão que fechou na hora. — Não
tenho muito o que dizer, não é? Ela trabalha com você.

— É uma situação temporária, Ari.

— Não, não é. Além de trabalhar com você, ela também é filha de

Viviane. Eu só torço para que ela não apronte mais nenhuma das que fez no
shopping, quem sabe da próxima vez seja algo mais difícil de explicar, não
é? E eu acabe realmente tendo que pagar pelas consequências do que ela

poderá fazer comigo por ciúmes de você, obsessão ou o que quer que ela
sinta.

— Eu prometo que isso não vai acontecer.

— Você não tem como me prometer algo assim Philip, eu não confio
nela. Não confio nela perto de mim, nem de Matthew e nem de você.

— Então confie em nós, eu vou dar um jeito.


Ele terminou de arrumar o cabelo, pegou o celular e sua maleta. Hoje
ele usava uma de pendurar no ombro. E ele parecia tão sexy com seu
sobretudo cinza, calça social e uma camisa fechada.

Que homem lindo.

— E o que eu faço, espero você voltar? Não mereço nem ser

convidada para ir junto.

— Você está convidada, pode levar Matthew, tudo o que quiser.

Fiz um bico.

— Isto foi muito fácil.

Ele deu risada.

— Eu não sou um garoto, Ari, e nem um homem que faz joguinhos.


Se eu falei para você que estávamos construindo algo, eu falei sério, mas é

meu dever avisar que será o dia inteiro falando sobre medicina. Entre uma
cirurgia e outra não há muito o que fazer, honestamente.

— Parece chato.

— Isso porque é para pessoas de fora, para médicos é tipo — ele

hesitou, estalando os dedos —, uma casa de swing. Acho que dá pra


comparar com isso?
— Bem, eu não sei, nunca fui a uma casa de swing.

— Imagine algo que você gosta muito e que poderia passar o resto da
vida fazendo.

— O resto da vida?

— Alternando horários com minha namorada e meu filho, é claro.

— Namorada — repeti, engoli em seco. — Eu não ouvi um pedido.

— Eu não sabia que precisava de um pedido quando você mora na


minha casa há meses e nós estamos transando há semanas.

— Namoro não é apenas isso, você sabe.

Ele se aproximou e se inclinou sobre nós, dando um beijinho na testa

de Matthew e depois me olhou.

— Tem razão, é muito mais. E nós temos tudo isso também.

— Você tem uma lábia, doutor...

— Eu sei.

Ele me beijou bem devagar, acendendo partes de mim que eu ainda


não reconhecia, mas logo se afastou e passando uma mão carinhosamente

pela minha bochecha. Acenou uma última vez e saiu do quarto.

De repente parei com Matthew no colo e tive uma reflexão tardia.


Ele quis dizer que também poderia passar o resto da vida numa orgia?
“amor, queria que você me abraçasse
ou dissesse que é meu
mas isso está me matando lentamente
foda-se, eu te amo”
fuck it i love you, lana del rey

— Agora estamos só eu e você homenzinho, o que quer fazer?

Ele não respondeu, claro, só falou suas palavrinhas aqui e ali. Eu

peguei Matthew e fui para a sala, onde uma Viviane sorridente cantarolava,
mas é claro que não tinha nada a ver comigo ou estar na mesma casa que

eu. Provavelmente estava imaginando que mil coisas aconteceriam entre a


sua filha e Philip, já que passariam o dia juntos em um congresso

superimportante e especial para ambos.

Eu queria provocá-la e dizer a ela que os últimos dias mesmo tendo

aguentado sua filha constantemente me provocando e aparecendo na

cobertura como se fosse dona, não me deixei abalar. Por isso, Philip e eu
estávamos construindo algo que ela não tinha como interferir. Que o que

Karine tentou fazer em anos, eu consegui em meses.

Seus planos não iam vingar.

A Cinderela vence. Ponto.

Mas antes que eu caísse em tentação, a campainha tocou.

— Eu atendo.

Viviane me olhou por cima do ombro e o sorriso deu uma diminuída,

mas eu ignorei. Fui até a porta assobiando, feliz e entusiasmada com o que

ainda estava por vir. Sylvia gritou assim que me viu.

— Olá, moça bonita!

— Sylvia. — Eu a abracei como consegui com Matthew no colo.

— Meus olhos brilham ao ver vocês dois, são o meu pacotinho

favorito. Olá, Vivi — gritou por cima do meu ombro.


— Senhora Snowland. Vou servir um café.

— Não, não, sem café. Só vim buscar a Ari. Como sei que meu filho

está fora hoje, é minha missão distraí-la para não vermos o tempo passar.

Eu sorri com a oferta.

— É muito fofo da parte dele ter te pedido isso, Sylvia, mas não
precisa. Eu sei que você deve estar ocupada com outras coisas.

— Philip não me pediu nada, querida! Imagina só. E o que poderia ser

mais importante do que passar o dia com o meu neto e sua tia?

— Tem certeza?

— Eu estive desocupada pelos últimos anos da minha vida, Ari, e

agora que tenho meu neto pertinho com você de brinde, não vou
desperdiçar um minuto. Não sei quando Philip vai convencer meu marido a

voltar para Londres, preciso aproveitar cada chance possível. — Ela bateu

palmas e pegou Matthew. — Agora vá se trocar.

— Mas agora?

— Rápido, rápido!

Ela não me deu escolha, empurrando-me até metade da sala para que

eu fosse ao meu quarto. Eu vesti uma roupa casual e aproveitei para usar

uma blusa que tinha aparecido no meu closet. Presente de Philip, é claro.
Ele sempre adicionava algo novo como se eu não fosse perceber, assim não

reclamaria.

Eu ficava me perguntando se ele comprava porque via nas lojas e

lembrava de mim, se gostaria que eu usasse para ele ver. Era fofo e
romântico, duas coisas que eu ainda não conseguia acreditar que Philip
tinha nas veias. Passei apenas um blush, constatando que uma simples

corzinha no rosto tinha o poder de reviver uma pessoa.

Voltei para a sala e encontrei Sylvia já no hall, esperando-me com as

portas do elevador abertas. Ela olhava para Matthew conversando enquanto


ele balbuciava. Os dois eram encantados um pelo outro. Se Philip já não

fosse o suficiente, saber que ele tinha dado uma família completa para o
meu bebê fazia meu coração explodir.

— Estou pronta. Está bom assim? — Abri os braços e dei uma


rodadinha.

— Linda como sempre, querida. Vamos. Até mais, Vivi!

Ela desceu cumprimentando todos que passavam por nós, assim como
eu fazia, e Sylvia percebeu que eu também tinha tal costume quando as

pessoas me chamavam pelo nome. Ela sorriu enigmaticamente. Vai saber o


que passava na cabeça da mãe de Philip.
O motorista nos encontrou na rua e abriu a porta.

— Boa tarde, Stuart.

Ele assentiu, dando-me um breve sorriso.

— Senhorita.

Quando nos acomodamos, ele seguiu viagem sem que ela precisasse

dizer onde íamos.

— Eu estou tentando sequestrá-la para passarmos o dia pela última

semana inteira, mas Philip sempre encontra uma desculpa. Soube que ele
não tem ido ao hospital também, pelo menos não além de rápidas passagens

por lá. Está tudo bem ou estão com problemas?

Ela falava rápido, várias coisas de uma vez e ainda alternava a voz
entre uma de adulta e a de bebê, como se estivesse incluindo Matthew na

conversa. Eu não conseguia parar de sorrir.

— Não, estamos bem — confirmei. Estávamos mais do que bem.

— Isso é ótimo, mas eu quero que saiba que não importa o que
aconteça, eu estou do seu lado. Estou no seu time, Ari. Como é que os

jovens dizem? Team Ari!

— Você é muito bacana comigo, Sylvia, mas — hesitei, sem saber se

podia dizer aquele tipo de coisa a ela. Não éramos íntimas, ainda que ela
gostasse de mim. Ela percebeu minha hesitação e abriu um grande sorriso,
levando a mão à boca.

— Está acontecendo, não é? Você e Philip.

Como é que ela sabia?

— Isso é algo que lhe desagrada?

— Não! Não, de jeito nenhum. O meu filho é um homem bom, ele


merecia alguém tão bom quanto ele e eu não preciso que você me diga que

é boa, eu vejo isso. Eu sinto. Sou muito sensitiva com as pessoas e Rick
vive dizendo que é bobagem, mas acredito demais em energias.

— Eu também acredito!

— E além disso, você me trouxe meu neto e meu filho de volta. —


Ela piscou várias vezes, espantando lágrimas que se agruparam. — Essa é a

história de Philip e eu espero que ele te conte um dia, mas passamos por um
período sombrio nos últimos tempos. Pensei que fosse perdê-lo.

— Ele já me contou. Não posso acreditar que ele sofreu tanto.

— Ele contou? — Uma lágrima deslizou por seu rosto. — Isso é um

alívio, Ari.

— Por quê?
— Porque ele não contou nem para mim. Eu tive que ir ao hospital e
descobrir por boatos o que tinha acontecido. Ele me afastou, afastou seu pai
e também Edward, que era seu melhor amigo. Isso causou uma rachadura

enorme na família e por um tempo eu pensei que não tivesse mais solução.
Até que poucos meses atrás ele ligou brevemente e disse que estava com

saudades. Depois eu soube porque ele ligou e porque estava parecendo mais
leve.

— Por causa de Matthew.

— Por vocês dois. Esse pacote!

Cortava meu coração saber que não só Philip, mas toda a família

passou pela mentira daquela mulher.

— Eu realmente sinto que tudo isso tenha acontecido. E fico feliz por

todos terem recebido Matthew tão bem.

— Você era uma jovem totalmente independente, e de repente teve


sua liberdade limitada. Nem todas lidariam como você lidou.

— Ele é o meu bebê.

— Exatamente — ela sussurrou, perdendo a voz. — Ele é o seu bebê,

você não é tia dele, é mãe. E uma mãe das boas! Obrigada por tudo, pelo
meu neto, pelo meu filho de volta e por você que independente do que
acontecer com Philip, é parte dessa família. Eu sou a principal torcedora

para que dê certo, mas qualquer obstáculo na jornada, saiba que minha casa
está à sua disposição. Jovem linda e brilhante. — Ela apertou minhas mãos

e acariciou minha bochecha.

Eu não me contive, a abracei forte. Ela era exatamente o tipo de mãe


que eu queria ter tido e que eu queria ser para Matthew. Porque sim, eu era

mãe dele. Ele se parecia mais com minha irmã do que comigo, ele nasceu

dela, mas eu sentia aquele garoto em minha alma e meu coração. Ele era

meu, não importava o que o exame de DNA dizia.

Eu o acolhi.

Eu cuidei dele.

Eu criava.

Todos me viam como um anjo por ter assumido a responsabilidade,


mas a verdade era que Matthew foi o anjinho que me salvou mesmo sem ter

a menor ideia de que estava fazendo isso.

Nós passamos a tarde no shopping, entre cafés e pausas para ir ao


trocador. Passeamos com ele no carrinho, no colo, passamos no parque de

eletrônicos e também no carrossel, que ele amou as luzes. Deixei até que

fosse no tobogã.
Matthew se divertiu tanto e eu tirei incontáveis fotos para que Philip

visse. Enviei uma para ele na hora, nela, o bebê andava apoiado no

cercadinho da piscina de bolinhas.

“Precisamos voltar aqui, o sorriso dele contagia todos!”

Enviei uma de sua mãe em seguida e escrevi: “ela é incrível.”

Guardei o celular e voltei para os dois. Comprei um churros,

escolhendo um de Ovomaltine enquanto ela pegou o de doce de leite.

— Eu me esqueci que isso existia! — disse rindo. Àquela altura

Sylvia já tinha soltado o cabelo do coque e comprou um chinelo de dedos

para acompanhar Matthew melhor. — Eu vivo em um eterno dilema,

querida, sei que estou ficando velha e preciso me cuidar. Mas também
penso em largar mão e aproveitar o resto da vida que me sobra.

— Você ainda tem muita vida pela frente, Sylvia.

— E muitos netos! Edward me dará um, sei disso. E você e Philip


aparecerão com o segundo em breve.

Eu fingi que não ouvi, porque ela estava sonhando muito alto.

Nós tentamos ir ao cinema assistir uma animação, mas passou apenas

30 minutos antes que Matthew começasse a chorar, assustado com o


tubarão na tela. Nós saímos, mas quando estávamos quase fora da área do

cinema, ele quis voltar.

Assistimos o filme completo. Acabou que assistimos mais um que ele

também adorou, mas dormiu no finalzinho. Quando dei por mim já eram

dez da noite.

— Não sei se Philip já estará em casa, essas coisas costumam

demorar. Por que você não vai comigo até a casa de uma amiga buscar

umas coisas que eu já havia marcado e depois te deixo na cobertura?

Olhei para Matthew dormindo em meu colo, mas concordei. Não era
sempre que fazíamos longos passeios, e eu nunca fui do tipo super regrada.

— Ok — concordei.

— Será rápido, prometo!

Assim que chegamos na casa dessa amiga, Matthew acordou. Ele


ficou doido com o shitzuh da mulher que mais parecia um ursinho de

pelúcia.

Depois daquilo, eu com certeza queria outro cachorro e precisava


lembrar de falar sobre com Philip.

Uma hora tomando chocolate quente e batendo papo em frente à

lareira com Viky e Sylvia passou voando, e de repente estávamos tomando


vinho.

Matthew estava dormindo confortavelmente no segundo andar e eu

tinha assunto com as duas como se fôssemos conhecidas há anos. Meia-

noite eu ainda não tinha recebido nenhuma mensagem de Philip, então


enviei uma perguntando se estava tudo bem. Não tive resposta vinte

minutos depois. Enviei outra.

“Você já deve estar em casa, chegarei em breve.”

— Está tarde não é, querida. — Eu sorri meio sem graça, não queria
atrapalhar a noite das duas. — Eu acho melhor levá-la para a casa.

— É claro.

— Viky, como sempre foi um prazer. E desculpe por perdermos a


noção do tempo.

Ela abraçou Sylvia.

— Pare com isso, você sabe que amo sua companhia, e agora temos

um acréscimo! — Viky me abraçou forte. — Adorei você, ótima escolha a


de Philip! Syl, conte comigo na organização do casamento.

Arregalei os olhos em pânico e as duas caíram na risada. Todos

naquela família eram tão apressados assim?


Nós saímos com a promessa de voltar em breve e eu pretendia

cumpri-la.

Cochilei no carro de tão cansada, e Stuart me chamou quando

chegamos. Me despedi de Sylvia.

— Precisamos fazer isso muitas outras vezes!

— Eu também acho.

— Muito obrigada por hoje.

— Eu que agradeço. — Ela beijou minha mão e se inclinou para

beijar o rostinho apagado de Matthew.

Stuart me ajudou a subir com o carrinho e a bolsa.

— Obrigada, Stuart, vá com cuidado.

— Boa noite, senhorita.

Eu estava sentindo uma felicidade tão genuína. Meu coração não

ficava cheio assim há tempos. Se antes nas raves e fazendo fotos quando eu
sonhava em estar estampada em outdoors, já ficava feliz… hoje eu podia

dizer que não sabia o que era felicidade.

Isso sim é felicidade.

Família, amigos… amor.


Usei minha chave na porta e a fechei devagar, não queria acordar
Philip caso estivesse dormindo. Deixei o sapato perto da porta junto com o

carrinho e a bolsa.

— Vamos ver o papai — sussurrei para o bebê dormindo.

Eu ia deixá-lo com seu pai para tomar um banho e deitar com eles, e

amanhã falaríamos sobre tudo. Todos os detalhes do seu dia e do meu.

O café da manhã seria bem movimentado.

Nós fomos andando bem devagar, eu estava boba de sono e não


queria correr o risco de tropeçar e cair com o bebê.

Mas embora tivesse tido todo o cuidado, isso quase aconteceu de

qualquer jeito.

Quando parei na porta do quarto de Philip que ele raramente usava,

agora que passava as noites comigo.

Toda aquela felicidade de cinco segundos atrás evaporou como se


nunca tivesse existido e eu me senti a pessoa mais idiota do mundo.

Ele estava deitado na cama com o peito nu, com o lençol cobrindo-o
da cintura para baixo. E ao seu lado, também nua estava Karine.

Eu dei um passo atrás, esbarrando no vaso de flor e me inclinei para


segurá-lo antes que caísse. Olhei de volta para a cama. Nenhum dos dois se
moveu. Eu pisquei, apertei os olhos juntos com força e quando abri ainda
via a mesma coisa.

A cueca de Philip estava no chão e perto da porta tinha um sutiã


vermelho. Um vestido branco estava jogado na beirada da cama, deslizando
como uma cachoeira para o chão.

Eu só sabia que estava reagindo de alguma forma, porque sentia as

lágrimas fazendo cócegas em meu rosto enquanto caíam. Com todo o


esforço, apertei o bebê um pouco mais forte e me apressei de volta para a
porta.

Peguei a bolsa dele e calcei meu tênis. Tirei o celular do bolso e


rapidamente liguei para Sylvia.

Eu não tinha outra opção e esperava que o que ela disse sobre estar ao
meu lado fosse verdade.

— Querida? Tudo bem?

Eu não conseguia falar direito.

— Vocês estão longe… já estão longe daqui? — Meu soluço invadiu


a linha.

— Ari, fale devagar, o que houve?

— Você pode voltar? Pode voltar aqui?


Eu ouvi o som abafado de vozes e o carro fazendo uma curva bruta.

— Querida, eu estou vendo que não está conseguindo falar, mas desça
o elevador com calma e nos espere no saguão, ok? Não saia do prédio.
Estarei aí em cinco minutos.

— Eu sinto muito — sussurrei.

— Não sinta, só faça o que estou pedindo e eu estarei aí em breve.

— O-ok.

Desliguei, enfiei o celular no bolso e em transe fiz o que ela pediu.

Voltei ao térreo.

Queria esquecer o que tinha acabado de ver, mas mesmo de olhos


fechados não estava tudo escuro. Estava nítido a luz do quarto e os dois na
cama.

Philip e Karine.

Se eu fosse tão inteligente quanto era estúpida e iludida seria uma


deusa.
“se eu não posso estar perto de você
eu vou me contentar com o seu fantasma
e se você não pode estar perto de mim
sua memória é êxtase
eu sinto sua falta mais do que da vida”
ghost, justin bieber

Abrir os olhos no dia seguinte pareceu uma missão. Eu os fechei


novamente. Nem mesmo as cortinas fechadas escondiam a luz do sol

brilhando lá fora. Me amaldiçoei por ter dormido até tarde e provavelmente

ter perdido a hora de uma cirurgia que já tinha sido desmarcada uma vez.
Eu odiava falhar com meus pacientes. Pior do que ter uma cirurgia

malsucedida era não aparecer para realizá-la.

Kevin era um bom menino e muito compreensivo, eu sabia que

entenderia o motivo da minha ausência. Se eu pelo menos tivesse um para

dar, mas como dizer a um paciente que faltou por estar de ressaca?

Eu nem me lembrava de ter bebido tanto. Nunca exagerava e,

principalmente, não em compromissos de trabalho. Recusei até mesmo o

conhaque que os diretores do hospital me convidaram para tomar numa sala


VIP.

Fiquei apenas na água com gás a noite toda. O que diabos aconteceu

comigo?

Me espreguicei, alongando o corpo. Meu corpo todo estava mole, e

uma dor de cabeça forte começava a dar sinais.

Mas que porra era essa?

Virei para o lado, mas parei ao sentir um corpo. Ariana. Ultimamente

ela se tornou tudo o que eu precisava para ficar aliviado, e não apenas no

sentido sexual.

Conversar com ela, rir e apenas vê-la se tornou o melhor remédio para

meus dias turbulentos.


As coisas mais simples que ela fazia, como escolher minha gravata
me fazia sentir grande pra caralho. Era para mim que aquela mulher tinha

escolhido dar um pouco de sua atenção.

— Bom dia, linda.

Ouvi um ronronar estranho, e quando ela virou para mim e me

abraçou, eu pulei da cama, ignorando a dor excruciante na cabeça.

— Bom dia, querido.

— Karine? — gritei, quase caindo com a tontura que me atingiu. Ela

atravessou o quarto, colocando a mão em meu peito.

— Phil, você está bem? Sente-se, eu vou pegar uma água.

Ela deu um passo atrás para ir para a cozinha, mas eu segurei seu
pulso. Estava completamente nua e aquilo me irritou ainda mais.

— Que porra você está fazendo na minha cama?!

Ela fitou os lençóis amassados, depois me olhou.

— Você não se lembra?

— Me lembrar do quê? — rosnei.

— Você chegou muito bêbado e nós dormimos juntos.

— Não, isso não aconteceu.


— Não nesse sentido. Você me pediu para ficar e eu fiquei, apenas

dormimos. Eu não ia me aproveitar assim Philip, nossa primeira vez será


mais especial que isso.

— Eu mal bebi!

— Não era isso que seu estado dizia, querido. — Ela tentou se
aproximar outra vez e tocar meu peito. — Tive ainda mais certeza de que

nós somos certos um para o outro.

— Não me venha com essa de nascemos para qualquer porra!

— Você reluta por causa da minha mãe, mas ela sabe que sou
apaixonada por você desde que nos conhecemos!

— Você não me conhece para ser apaixonada por mim. Não diga
bobagens, inferno.

— Eu te vi saindo com várias mulheres por anos e todas elas se


foram, mas quem sempre ficava? Eu! Você não vê? Eu até estudei o que

você mais ama para que passássemos mais tempo juntos, Phil.

— Isso é doentio, Karine. E a única coisa que eu vejo aqui é que algo
aconteceu. Não se esqueça que eu posso testar meu sangue e confirmar que

não coloquei um pingo de álcool na boca! — Seus olhos arregalaram,


assustados, e ela finalmente deu uns passos para trás.
— Isso não foi nada, eu só precisava de uma chance para mostrar que

o que temos é especial!

— Eu tenho algo especial com alguém e não é você, saia da porra da

minha casa e faça um favor a si mesma e suma do meu hospital antes que
eu a faça sair!

— Você está falando daquela puta interesseira? Só você não vê que


ela te usa para tirar vantagem de você! Ela não é ninguém.

— Não abra a boca para falar dela, Karine!

— Ela é uma puta aposentada que cuida do seu filho, mas eu posso

cuidar dele muito melhor. Se você quiser abandono a faculdade para ser
mãe em tempo integral. Você quer alguém dependente? Eu posso me tornar,
Phil! — Ela agarrou meu pescoço, tentando me puxar para baixo e eu

segurei seus pulsos, afastando-a.

— Tire a porra das suas mãos de mim. Saia daqui. Coloque sua

cabeça no lugar e suma. Eu não quero ver você pintada em minha frente.

— Phil… — Lágrimas começaram a deslizar pelo rosto dela, mas


nada daquilo me comovia.

— Isso é absurdo, Karine. Você está fora de si.


— Eu vou sair agora para que a gente se acalme, mas vamos
continuar essa conversa, Philip. Reflita sobre nós dois.

Ela saiu do meu quarto recolhendo as roupas pelo chão e de cabeça

erguida. Eu saí pouco depois, torcendo para que Ariana não tivesse visto
aquilo.

— Até que não demorou muito. — Me detive de sair ao ouvir a voz


de Edward no meio da sala.

— Não preciso dessa merda agora.

— E do que precisa? Companhia que não é, vendo que a filha da sua

empregada acabou de sair correndo do seu quarto.

— Foi um mal-entendido.

— Claro que foi — falou com ironia.

Ignorei meu irmão porque nada de bom viria de uma discussão com
ele naquela hora.

— Você a viu? — Me rasgou por dentro perguntar, mas ele poderia


estar ali por muito tempo.

— Ah, eu vi. — Edward sorriu sem humor. — Mas por que não tenta
ligar? Talvez ela considere te deixar ver Matthew antes de sumir no mundo.
— Não diga bobagens.

— O que você esperava depois de ter fingido se importar e passado a


noite com outra?

— Eu não passei a noite.

— Eu diria que a cena na sua cama era bem clara. Fui olhar para não
restar dúvidas quando mamãe me ligou e mesmo que eu não seja a mulher

com o coração partido por sua causa, ainda assim, me senti enojado com o
que vi.

— O que você acha que viu não aconteceu e outra, eu não devo

explicações a você. A única pessoa com quem preciso falar sobre isso é

com a Ariana e se ela não está eu não vou ficar aqui perdendo tempo com
você. Onde ela está? — Eu queria gritar, socá-lo, mandá-lo embora e pedir

que me ajudasse a encontrá-la, tudo ao mesmo tempo.

— Pela primeira vez corra atrás do seu prejuízo sozinho, irmãozinho.


Você sabe que ferrou tudo com ela.

— E imagino que você não perdeu tempo em tomar partido contra

mim. Sabe que só conseguirá uma chance com ela se eu estiver fora da

jogada.
Edward me observou de perto, balançando a cabeça como se estivesse

irritado com minhas palavras.

— Desde quando nós brigamos por mulher?

— Quando nos tornamos irmãos que brigam por qualquer coisa. —

Dei-lhe as costas voltando ao quarto. Eu precisava me vestir e ir atrás dela.


Agora.

— Você fez isso. — Edward me seguiu, gritando em meus ouvidos.

— Você ferrou tudo.

— Eu já sei! — gritei de volta. — Eu vou consertar tudo com ela. Se


quiser ir atrás e tentar eu não vou impedir, mas vá sabendo que ela não te

dará uma única olhada.

— Não seja idiota, Philip. Não estou falando dela! — Eu parei por um

momento, virando para encará-lo. — Falo do nosso elo.

Engoli em seco. Embora suas palavras machucassem era a mais pura

verdade. Eu tinha afastado ele, minha mãe e meu pai. Nós sempre fomos

uma família unida. Nunca fui o tipo de homem sombrio que se escondia
cheio de segredos, mas me tornei ao ganhar um filho e perdê-lo em seguida.

Ter meu sonho realizado e depois tê-lo arrancado de mim. Foi como se

tivessem me tirado cruelmente um pedaço. Minha forma de defesa foi


afastar todos que insistiam em me dizer que tudo ficaria bem. Eles não

entendiam a minha dor e apenas agora eu começava a me recuperar.

Graças a Matthew. Graças a Ariana.

Ariana…

Eu precisava encontrá-la.

— Eu não sou seu inimigo — ele continuou. — Se você a quer, se a

ama eu estarei ao seu lado para fazê-la ver que merece uma segunda
chance, mas se realmente ferrou tudo… não posso. Ela é uma garota boa,

Philip.

— Karine me drogou. — Era tudo o que eu ia dizer.

Ele franziu o cenho.

— Bem, então estamos na mesma página, eu estou com você. Não

contra. Sinto muito pelo que você passou, Philip. — Ele se aproximou

passo a passo até que estava em minha frente e segurou meu ombro. Vi em
seu pulso uma corrente fina que eu o presenteei em nossa primeira viagem

juntos, tivemos inúmeras aventuras juntos com a certeza de que éramos

irmãos além do sangue. — Nunca tive a chance de te dizer isso.

Edward tinha razão. Eu nos destruí e só agora percebia o quanto me


arrependia.
— Eu não sei como consertar as coisas.

— Ela vai te ouvir.

— Não estou falando dela. Estou falando de você, Faitlyn e nossos

pais.

Sua expressão suavizou.

— Somos família.

Meu irmão sempre foi gentil, paciente, o oposto de mim. Sempre fui

direto sem medo de ser grosso, imediatista. Até mimado.

Edward era clássico, do mundo das artes. Eu era bruto, ganhava a


vida me lavando no sangue das pessoas que cortava e costurava

diariamente.

— É fácil consertar as coisas conosco, agora explicar porque tinha

uma mulher nua em sua cama… esse é o verdadeiro desafio.

Eu suspirei, frustrado.

— Onde ela está?

— Na casa dos nossos pais, mas está cedo, vamos deixar que Ari

descanse e reponha o sono perdido.

— Ficou maluco? Eu já esperei tempo demais!


— Tudo o que ela quer agora é te dar um soco, vai por mim. Eu a vi

ontem de noite, em sua cabeça você a traiu.

Inferno!

— Como ela estava?

— Chorando, brava pra caramba. Pegou uma almofada do sofá e

começou a socar, eu imagino que estivesse vendo o seu rosto no lugar.

— Isso soa bem Ariana — murmurei.

Edward sorriu.

— Não posso me conter, cara, ela é exatamente o que eu sempre

imaginei que você acabaria junto.

Estreitei os olhos.

— E o que foi aquela jogada de tentar algo com ela?

— Eu sabia que você ia precisar de um incentivo para fazer as coisas

acontecerem ou só continuaria a ignorando.

— Então foi só um jogo? Não tinha interesse nela?

— Não posso dizer isso. Ela é linda, engraçada pra caralho e muito

dedicada, mas eu soube que ela era sua assim que a vi.
— Ela é perfeita. Eu sabia que um dia ia querer me casar, ter filhos e

família, mas não pensei que seria tão cedo!

— As coisas acontecem assim, irmãozinho.

— Quando eu a encontrei podia ter imaginado tudo, menos isso.

Menos…

Me apaixonar.

Merda. Admitir aquilo para mim mesmo era louco.

— Acha que ela está apaixonada por mim?

Ele revirou os olhos.

— Se você não acha, está cego. Apenas lhe dê um tempo. Tome um


banho e sairemos daqui depois das 10. Deixe que ela descanse, uma pessoa

descansada fica mais calma.

— Não posso esperar tanto!

— Philip, não vou deixar que saia daqui antes disso. Portanto, pense
no que vai dizer a ela e se acalme. Eu vou falar com mamãe e ver se o

terreno está suave para você pisar, se estiver nós vamos.

— Ela ainda vai me matar.

— Então será uma bela morte, irmão. Ela parece valer a pena.
— Ela vale — confirmei sem dúvidas e sem precisar pensar na
afirmação.

Eu só esperava não ter percebido tarde demais.


“não é assim tão difícil,
gostar ou até mesmo amar você
você é inacreditável
se você está ficando louco,
apenas me agarre e me leve
eu o seguiria para baixo”
million dollar man, lana del rey

Fui tirada da cama cedo pela falta de sono. Estava cansada, mas o

medo de dormir e sonhar com Philip e Karine era maior. Não consegui
pregar os olhos por mais de dez minutos, acordava assustada, corria para
procurar Matthew e só então me lembrava que ele dormia no quarto com os

avós.

Eu chorava tanto que Sylvia se ofereceu para cuidar dele enquanto eu

tentava me acalmar. Não funcionou, eu só fiquei pior. Me sentia um lixo

física e emocionalmente, não aguentava mais me perguntar o que


aconteceria dali em diante. Estava tudo acabado. Eu não conseguia entender

por que Philip tentou me iludir e enganar se não pretendia ter nada comigo,

além do sexo fácil para voltar para suas médicas.

Eu não tinha uma profissão e nem era independente financeiramente,

mas me orgulhava da mulher que me tornei, com diploma ou sem. Se isso

não era o suficiente para ele, a culpa não podia recair em mim.

Eu ainda me lembrava a cada minuto de vê-los deitados. A facada que


senti no peito e a angústia do meu castelo de ilusões caindo aos meus pés.

Me apaixonei por aquele homem e agora via que da parte dele tudo não

passou de um engano. Talvez eu tivesse sido uma piada. A tia do bebê fácil

de enganar, bobinha, ingênua, que se deixava cair em qualquer jogo. Era

carente, nunca tive amor e nem cuidado.

Ele me ofereceu tudo o que não tive. Cuidado, proteção e o falso

amor.
Eu odiava homens como Philip, e agora o odiava. Entendi porque
Suzy queria que eu ficasse longe dele com o meu sobrinho.

Houve uma batida na porta e Sylvia entrou.

— Bom, dia querida, eu deixei algumas roupas e vejo que vestiu. —

Ela sorriu, mas preocupação brilhava nos olhos.

— Bom dia, Sylvia.

— Não conseguimos conversar ontem, mas Edward me disse o que

aconteceu, você quer conversar?

— Não. — Tentei falar o mais suave possível.

— Você e meu filho estavam juntos, sinto pelo que aconteceu. Philip

sempre foi impulsivo, não pensava no que estava fazendo. Eu o avisava


constantemente que poderia perder coisas importantes por isso.

— Também sinto — sussurrei. Ele acabou com algo que podia ter

sido bonito.

— Sei que ele virá aqui em breve e vocês vão poder conversar.

Neguei veemente.

— Não quero conversar com ele. Essa é a última coisa que passa em

minha cabeça. Tenho um respeito enorme por você e Rick, mas Philip... eu
não quero o ver nem pintado. Vou dar um jeito em minha vida e encontrar

uma forma de nos ajeitarmos quanto a Matthew, mas...

— Você ficará aqui — me interrompeu. — Se não for voltar à

cobertura, ficará aqui. Você e meu neto e nem adianta tentar discutir
comigo.

— Não vou tentar afastá-la de Matthew, Sylvia. Sei o quanto vocês o

amam.

— Mas eu não falo apenas por Matthew. — Chegando mais perto, ela
segurou minha mão. — Falo por você. Não sei onde sua mãe está, querida,
mas todos precisam de alguém. Eu vou garantir que esteja bem e em

segurança até que possa andar sozinha confortavelmente.

— Mas eu...

— Não tem, mas. — Ela sorriu, dando tapinhas em minhas mãos. —


Rick está lá embaixo fazendo café da manhã. Ele é um ótimo cozinheiro.

Matthew já está comendo suas frutas com um mingauzinho que o vovô


preparou.

Dei risada, esforçando-me para conter o fluxo de lágrimas que parecia

interminável.

— Obrigada por tudo. Eu prometo que não vou abusar.


— Abuse! Fomos apenas eu e Rick por muito tempo. É ótimo ter

mais alguém na casa.

Eu a segui até a cozinha. O cheiro de comida foi refrescante, eu me

senti mais em casa do que nunca. Era tão diferente de encontrar Viviane
todas as manhãs. Acho que era assim que uma família deveria ser.

Alívio e paz.

— Querido, quero meus ovos daquele jeito caprichado.

— É pra já. — Ele deu um beijo no rosto dela e acenou para mim. —
Bom dia, Ari. Me diga como gosta dos seus ovos.

— Hum... — Eu não sabia o que responder. Nunca tive alguém


fazendo questão de cozinhar para mim além da senhora Riley. — Não tenho
preferência.

— Eu vou fazer o especial do chef.

— Isso será ovos com bacon. — Sylvia fingiu sussurrar escondido e

ele começou a rir. — Ele diz que faz essa combinação melhor que qualquer
um.

— Perfeito. — Dei risada, segurando a mãozinha de Matthew. —


Bom dia, meu amor. Titia sentiu saudades.
Ele segurou minhas mãos e me olhava no fundo dos olhos com aquele
sorrisinho de dois dentes.

Eu costumava dizer que Deus havia se esquecido de mim, mas

naquela manhã pude ver seu cuidado. Talvez o Todo Poderoso tivesse
decidido que eu merecia um pouquinho mais de atenção.

— Você não vai conseguir me segurar aqui por muito mais tempo, me

deixe sair.

— Eu te falei que vamos às dez horas. Não vamos sair de casa antes

desse horário, agora sente e espere.

— Eu não vou esperar porra nenhuma! Me deixa sair, Edward!

Ele suspirou.

— Mais dez minutos e eu deixo.

— Mais dez minutos e eu vou ter quebrado a sua cara, e o painel

desse carro inteiro para abrir a porta.


— Não seja tão amargurado, você tem muitos motivos para ser a
criatura mais doce dessa família.

— Não me teste, meu irmão.

Percebi tarde demais que me resolver com meu irmão não foi uma
boa ideia, ele sempre foi intrometido, extremamente grudento e eu só me

lembrei disso agora, com ele ali me perseguindo e me fazendo seguir suas

regras idiotas. Edward se achava o cupido do amor, portanto, vendo a si


mesmo como o especialista em mulheres tinha certeza de que Ariana iria

me perdoar se eu lhe desse um tempo para pensar, mas eu não acreditava

nessa coisa de tempo.

Eu queria vê-la logo, falar com ela o mais rápido possível e deixar
claro que o que aconteceu na noite anterior não passou de um engano.

Aproveitei o momento em que um carro passou ao lado do nosso buzinando

e roubei a chave, destravando o carro.

— FILHO DA... — ele gritou, mas já era tarde para dar uma resposta,

pois pulei do carro correndo em direção a casa dos meus pais.

— Ariana — gritei. — Ari! Arian...

Parei ao passar pelo portão e logo na varanda, na mesa com sofás e


poltronas do lado de fora, vi meu pai com minha mãe ao seu lado e Ariana
na frente deles segurando Matthew. A visão me fez parar no lugar, fiquei

abalado, emocionado e me senti ambicioso, me senti extremamente inquieto


para tornar aquela visão uma realidade diária na minha vida. Eu a queria ali

comigo, na casa dos meus pais, na minha casa tomando café com eles,

comigo, com todos nós juntos.

Eu precisava fazê-la acreditar que nada do que viu foi no contexto

que imaginou.

E eu sempre conseguia o que desejava ter.

Eu ouvi o tom alarmado de Sylvia mandando Ricky parar Philip antes

que ele entrasse e me visse, mas já era tarde e além de tudo ele não fez

nenhum movimento para levantar. Parecia até que queria que o filho fosse

até nós. Ricky piscou para mim como se dissesse que eu podia contar com
ele em seu esquema de cupido fraudulento

Eu me virei para ver Philip.


Ele estava com olheiras fundas, os olhos vermelhos e o cabelo todo

bagunçado, usava um tênis de corrida, uma calça de moletom e uma camisa

branca. Parecia ter vestido a primeira roupa que viu na frente.

Eu tinha que admitir que me senti feliz por seu desespero.

Se era por Matthew ou por pensar que eu não estaria mais disponível

como sua funcionária vinte e quatro horas por dia com benefícios sexuais,

eu não fazia ideia.

— Ari. — Ele se aproximou e ajoelhou ao lado da minha cadeira.

— Philip — disse Sylvia. — Você deve sair, filho, quando Ariana

estiver pronta ela te chama. Eu te aviso.

— Mãe, por favor, não se meta nisso.

— Olha como fala com a sua mãe, menino.

— Pai, me deem licença, eu tenho que resolver isso agora.

Engoli em seco, engoli o choro e as palavras ofensivas presas na

garganta

— Eu não tenho nada para falar com você.

— Ah, tem sim, temos assuntos pendentes.


— Está falando de Matthew? Você é o pai dele, podemos resolver isso

facilmente.

— Não, eu não estou falando de Matthew, estou falando de você. De

nós e da nossa família.

— Nossa família. — Dei risada. — Tá brincando comigo, né Philip?


Como se não bastasse me enganar e tentar me iludir só para garantir que eu

ficaria por perto sempre para fazer suas vontades, você ainda insiste em

voltar aqui mesmo quando eu já vi a prova de suas mentiras, de que você é

um mentiroso!

— Eu não sou um mentiroso.

— Eu vi você na cama com ela mesmo quando ela fez o que fez

comigo!

— Você acha que viu alguma coisa, mas não foi bem assim. Eu não
posso entrar na sua cabeça e te mostrar como tudo aconteceu, mas preciso

pedir que baseado na confiança que eu te dei quando te contei coisas da

minha vida que nunca falei para ninguém você vai acreditar que eu não
faria isso, não quando pouco antes eu estava fazendo planos com você.

— Planos? — Sylvia perguntou. — Que planos?

Philip balançou a cabeça.


— Quieta, querida — Ricky disse a ela dando tapinhas em sua mão.

— Não me mande ficar quieta.

Ricky parecia interessadíssimo na conversa.

— Mãe. — Philip revirou os olhos, então me olhou de volta. —


Vamos conversar, por favor. Em privado.

— Eu não estou pronta. Você me tem na sua mão de um jeito muito

fácil, me faz querer coisas que eu nunca quis antes, tem um poder sobre

mim que eu nunca deixei que ninguém tivesse e isso não é bom, eu não
gosto de estar vulnerável com você.

— E você acha que eu não fico vulnerável com você? Ariana eu abri

as portas da minha casa no pior momento da minha vida. Deixei que


conhecesse a pior parte de mim, algo que ninguém conhecia ainda. Não tive

tempo de te mostrar o melhor, não me tire isso, não vá embora sem me dar

outra chance.

Meus olhos lacrimejaram e eu balancei a cabeça.

— Eu não posso, agora não.

Peguei Matthew e dando um olhar de desculpas para Sylvia, entrei na

casa. Seus olhos imploravam para que eu o ouvisse, mas eu também já

implorei por muitas coisas e ele nunca me deu razão. Talvez em um outro
momento quando meu coração estivesse mais calmo eu poderia lhe ouvir,

mas agora eu precisava colocar a cabeça no lugar.


“porque você me tem
e vou te mostrar como quero estar
em seu coração tatuado”
tattooed heart, ariana grande

Philip acabou se tornando um especialista em me perseguir. Eu passei


a última semana na casa de seus pais, o dispensando a cada chance que tive

e não foi por maldade. Eu apenas ainda não me via fazendo dele a minha
prioridade outra vez.

Provavelmente nunca mais faria.


No segundo ou terceiro dia ele entendeu isso, ou fingiu entender e

parou de tentar me forçar a voltar para a cobertura. Começou então, a me


dar pequenas dicas. Me levava para perto, mas não forçava, ficava comigo

algumas horas com a desculpa de querer passar o tempo com Matthew, mas

não entrava em assuntos que eu não queria falar.

Ele apareceu todos os dias para tomar café da manhã antes do

trabalho. Parecia um teste de sanidade para mim, vendo que ele era lindo de

todos os jeitos. Tinha dias que chegava atrasado e quase não conseguia
tomar mais do que um rápido café e Sylvia uma vez o questionou sobre.

— Você tem estado atrasado, tem dormido menos para fazer todo o

trajeto daqui até o hospital, filho. Pare com isso ou começará a prejudicar
seu bem-estar.

— Além de colocar pacientes em risco — Rick completou.

Eu me senti mal, mas o que podia fazer? Não o obrigava a fazer tal

coisa. Philip simplesmente olhou para mim de forma intensa e sorriu.

— Eu sei, mãe. Valerá a pena.

Quando ele foi embora naquele dia eu e Sylvia não falamos sobre,
afinal, ela estava levando muito a sério a promessa de Team Ari. Ainda que
fosse seu filho do outro lado da moeda, mas eu via o quanto ela queria me
aconselhar a conversar com ele e tentar fazer as coisas se ajeitarem.

Philip me levava sonho com açúcar, donuts frescos, às vezes

croissants de presunto e queijo, meus favoritos. Tudo aquilo me fazia sentir

horrível. Aqueles esforços eu não podia mais ignorar. Depois de oito dias

morando com seus pais e fazendo de tudo para fingir que não me importava

com ele, eu caí na real de que não podia mais fazer isso. Precisava encará-
lo.

Peguei meu celular assim que Matthew fez a pausa para sua soneca e

mandei uma mensagem para Philip.

“PODE VIR NA CASA DOS SEUS PAIS HOJE A NOITE?

ACHO QUE ESTÁ NA HORA DE TERMOS AQUELA


CONVERSA.”

Antes que Philip chegasse eu queria pegar um ar, ir lá fora e comprar

algumas coisas das quais precisava. Avisei Sylvia, junto com um rápido

comentário de que havia pedido para Philip ir até lá naquela noite.

— Eu sei que prometi não me intrometer e deixá-la tomar suas

decisões quanto ao meu filho, eu só preciso dizer que nunca vi Philip assim,
lutando tanto por algo ou alguém. Você tem mudado o meu filho, Ari. Ele

sempre foi ótimo, mas o que está fazendo com ele é algo a mais.
— Nós vamos conversar e descobrir uma solução para tudo isso, por

bem ou por mal, Philip e eu estamos ligados para sempre.

Ela correu e me abraçou.

— Tudo dará certo.

Eu peguei um Uber até o mercado, dispensando o motorista e em

menos de quarenta minutos comprei frutas para Matthew, inclusive


melancia e batata doce, o que ele mais amava. Comprei saladas para a

minha nova fase fitness, afinal, eu precisava de algo para manter minha
cabeça ocupada e longe de Philip, então começaria a me dedicar a coisas
para mim.

Como meditação e exercícios em casa. Eu sabia que as chances de


parar com menos de uma semana eram grandes, mas tudo começava de uma

tentativa, certo?

Quando voltei para a casa, vi o carro de Philip e fiquei surpresa,

imaginando que tivesse vindo na hora que viu minha mensagem. Perto da
porta as vozes estavam altas, e além de Sylvia quase gritando, tinha uma
segunda voz — que reconheci imediatamente.

Entrei devagar, com o pânico começando a crescer no estômago. O


que ela estava fazendo ali?
Quando vi Karine frente a frente com Philip, deixei as sacolas caírem.

— Eu não acredito que está fazendo isso comigo!

Ele me fitou com preocupação ao mesmo tempo que ela sorriu. Eu

não entendia a necessidade de me provocar daquela forma, sabendo que eu


já tinha ido embora, eu saí do caminho. O abandonei, deixei sua casa. O que

mais ela queria? Me humilhar?

— Querida... — disse Sylvia, já pronta para me acalmar.

— Eu vim falar com você como pediu.

— E a trouxe junto para me humilhar mais? Não foi o suficiente?

— Eu já te disse que não... — Ele fechou os olhos, cerrando os


punhos. — Deixe-me falar o que houve!

— Tudo está muito claro, Philip.

— Você pensa que está, mas eu ainda não disse nem a metade. Se

você me escutar vai ver que é simples.

— Todos aqui sabem que essa mulher quase foi presa? Sylvia,
honestamente. — Karine me apontou o dedo, cheia da razão. — Uma

mulherzinha desse tipo cuidando de seu neto, vivendo aqui!


— Sylvia, eu juro que não foi assim! — Ela me fitou com surpresa,
mas se manteve quieta. — Ela armou para mim em uma loja. Eu fui
ingênua, Philip sabe a verdade.

— Do que ela está falando, Philip?

Me magoou que não tivesse perguntado para mim, mas tentei

entender.

— Foi um acidente, mãe.

— Philip passou a maior vergonha da vida dele — Karine continuou.


— Um segurança da Tiffany encontrou um colar na bolsa de Ariana. Eu a

levei para procurar um presente, eu quis ser gentil e levá-la para passear...

— Isso não é verdade!

— Não me interrompa! — Fiquei tão chocada com seu tom raivoso

que me calei, mas não porque mandou e sim pelo choque e pela raiva que
senti. Se ninguém ia me defender, eu precisava fazer por mim mesma.

— Eu não acredito nisso — disse Rick. — Há algum engano.

— Karine, vá embora — disse Philip. Seu tom era cortante, frio e não

dava espaço para discussões, mas ela não desistiu.

— Eu ficarei do seu lado, querido. Vamos falar com seus...


— Você não tem que estar aqui para nada — falei baixo, quase
rosnando. — Philip sabe o que aconteceu. Sylvia, eu gostaria de dizer que
você tem que acreditar em mim, mas sei que não tem nenhum motivo para

isso. Eu roubei seu neto no hospital, fugi de seu filho e sim, um segurança
encontrou uma joia em minha bolsa, mas ela — apontei para Karine —, a

colocou lá em algum momento de distração.

— Por que Karine faria isso?

Meu coração acelerou ao perceber que nenhuma ficha daquele jogo

estava na minha mão.

— Porque ela quer Philip — sussurrei. — E fará de tudo para tirar do

meu caminho.

— Não, Ari. — Sylvia se aproximou, ficando ao meu lado. — Eu

perguntei a ela. Porque a filha de Viviane, uma moça que conhecemos há

anos, colocaria alguém em risco de ir para a cadeira por causa de um


homem.

— Exatamente — Karine falou alto. — É uma história absurda...

— Eu não queria acreditar, mas acredito. Acredito em Ariana, eu não

acho que a moça que cuidou do meu neto mesmo sem meios para isso
roubaria alguém. Conheço você há anos Karine, mas... parece que não te

conheço em nada além do nome e a profissão.

— Sylvia — Karine estava em choque —, você me disse para correr

atrás dos meus sonhos, para lutar por tudo o que eu quisesse!

— Eu disse isso quando pensei que você tinha a cabeça no lugar. Mas
agora vejo que só colocaria Philip em risco. Se o conhecesse, saberia que

ele jamais deixaria uma mentira como essa ser o pé inicial de uma relação.

Por respeito a todos os anos de sua mãe com essa família, vou pedir que se
retire da minha casa.

— Sylvia...

— Agora. — A voz de Philip a fez pular e dando um último olhar a

todos, ela colocou a bolsa no ombro e saiu. Talvez agora ela acreditasse que

tudo o que planejou com Philip era uma fantasia unilateral.

Sylvia me abraçou.

— Querida, sinto muito que ela tenha feito isso!

— Já passou. Philip estava lá.

Ela fitou Philip por cima do ombro e alisou meus braços.

— Não magoe essa menina outra vez, ela é o tipo de nora que eu

sonhei.
— Obrigado pela dica, mãe. Assumo a partir daqui.

Rick a levou para fora, dando-nos espaço.

— Isso tudo foi inesperado — falei, sem ter mais o que dizer.

— Eu não dormi com ela.

— Philip, eu vi.

— O que você viu foi o meu corpo sob efeito de um tranquilizante

aplicado no hospital. Ela me levou para a casa e montou uma cena. Eu tive
anos para dormir com ela, porque faria isso agora?

— Curiosidade. Vontade de riscar da lista.

Ele inclinou a cabeça, dando-me um olhar de “sério?”.

— Eu não sou um homem que cai em tentação. Caí com você, é claro,
mas eu não te magoaria. Principalmente depois daquele jantar onde te falei

coisas que nunca dividi com ninguém. Depois dos últimos dias vividos

como uma família. Não há outra mulher ou curiosidades, eu sempre soube

que quando encontrasse a pessoa que me tiraria do eixo, ficaria apenas com
ela. E isso aconteceu, Ari. Você está aqui.

— Eu não sei o que dizer — sussurrei, encantada.


— Diga que está apaixonada por mim como estou por você. É um

bom começo.

Eu fiquei em choque, sem conseguir dizer algo ou me declarar de

volta. Apenas o encarei pelo que pareceram horas. Philip riu, balançou a

cabeça e me puxou pela cintura, beijando-me.

Naquele beijo eu disse tudo.

Que também o amava, que cair na tentação foi a melhor coisa que fiz,

que tudo o que eu devia ter feito era resistir a ele, para honrar as vontades

da minha irmã, mas nem isso importava mais. Me apaixonei tão rápido que
parecia surreal. Em uma outra vida talvez eu teria sido uma Karine para um

homem como Philip, mas nessa... eu estava tão apaixonada por ele do jeito

certo.

Comecei a sonhar alto enquanto ele me abraçava e me beijava.

Ele se inclinou e me pegou no colo, levando-me para cima. Seus

sapatos batendo na escada seguiam o ritmo da minha risada e do ar sem

fôlego. Eu me divertia com ele como nunca, nem nas baladas e festas mais
famosas. Eu não sentia tanto êxtase quanto sentia com Philip.

Ele se sentou na cadeira em frente a lareira acesa e me aconchegou

em seu colo, puxando uma colcha em cima de nós.


— Eu nunca imaginei que tudo isso aconteceria quando minha irmã

bateu na minha porta.

— Imagine eu — ele riu —, nem sequer pensei que você ficaria

quando comecei a procurar Matthew.

— Você acha que teria se apaixonado por ela como fez por mim?

— Não — disse com firmeza. — Eu nunca me apaixonei.

— E Jheni?

— Jheni era uma opção segura. Seria facilmente aceita, teríamos


filhos quando a hora chegasse e eu não me apaixonaria por ela. Ela não era

espontânea ou divertida como você.

Eu não queria ficar me sentindo com os elogios, mas foi impossível.


Sempre me vi como uma pagadora de mico profissional, mas Philip via

como qualidade e eu adorava.

— Eu não planejava querer você ou desejar estar com você, mas

quando meu irmão te levou para sair eu caí na real. Quis matar Edward de
tanto ciúme. Comecei a imaginar as infinitas possibilidades de você com

outra pessoa e percebi que não podia deixar acontecer.

— Acho que todo o resto apenas se encaixou. — Me aconcheguei

ainda mais perto de seu peito, enrolando meus braços em seu peito e
pescoço. — Está pronto para isso? Para nós?

— Mais pronto do que me sinto no centro cirúrgico.

— Eu não entendo nada disso, mas imagino que seja uma referência

positiva.

Ele sorriu em meu pescoço.

— Ótima. — Virei-me para ele e Philip me beijou novamente, mas


dessa vez não ficou só nós beijos. Ele segurou a barra da minha camisa,

puxando para cima. Eu já começava a fazer o mesmo com a sua, liberando

o peito bronzeado das roupas.

Ele era todo meu e estava apaixonado por mim, como dizia minha
irmã; uma completa doida varrida.

Abracei Philip enquanto beijava meu pescoço e o segurei perto,

segurando sua pele.

Parecia que eu segurava meu coração fora do corpo.


“sou feita de vidro, assim você vê através de mim
você me conhece melhor do que eu
não consigo esconder nada de você
o jeito que você toca minha alma pelo lado de fora
permeia meu ego e meu orgulho
eu quero me amar do jeito que você me ama
por toda a minha beleza
e todos os meus lados feios também
eu adoraria me ver do seu ponto de vista
eu quero confiar em mim
do jeito que você confia em mim
porque ninguém nunca me amou como você ama
eu adoraria me ver do seu ponto de vista”
pov, ariana grande
Quando completamos um mês juntos, eu fui surpreendida por Philip

que chegou do hospital depois de um plantão de mais de vinte horas e nem


dormiu. Só tomou um banho rápido, me deu um beijo e me pediu para ser

rápida ao me trocar, pois íamos sair.

Comecei a chorar assim que estacionou em frente ao cemitério onde


Suzy foi enterrada.

Eu não esperava tal gesto dele. Nunca tinha nem comentado que a

visitava sempre para simplesmente desabafar ou contar as novidades.


Nunca tive uma religião, mas sempre acreditei em tudo, principalmente nas

presenças sobrenaturais em nossas vidas.

Eu acreditava que minha irmã podia ver, ouvir e sentir tudo o que

acontecia comigo, mas também acreditava na possibilidade de que estivesse

sozinha e sofrendo, então se esse fosse o caso, eu podia oferecer consolo de

formas simples. Por isso, quando me pegavam falando sozinha, era sempre

com ela. Suzanne poderia me ouvir e saber que ainda que não tivesse sido
perfeita, eu encontrei perdão para ela. Ter me dado Matthew foi a chave

para consertar nosso passado quebrado juntas.

Queria que soubesse que houve perdão pelo abandono e pelas falhas,

assim como esperava que me perdoasse se tivesse pelo que ao me ver


cuidando de seu filho como se eu tivesse dado à luz a ele.

— Philip, você não precisa — falei quando ele abriu a porta para

mim.

— Vamos, é só uma visita. Acho que também tenho coisas a me

desculpar com ela e não queria estar sozinho.

Era mentira, ele não se importava com Suzy e eu não julgava seus

sentimentos, ele não a conheceu. Ele só queria que eu tivesse alguém para

estar lá.

— Eu queria ter cremado, mas eu não tinha meios, então… —

funguei —, fiz o que pude, sabe? O que estava ao meu alcance.

Minha voz era trêmula e hesitante. A expressão de Philip mostrava


que ele sofria pelo meu sofrimento. Ele me abraçou, escondendo meu rosto

em seu peito com palavras de carinho.

— Nós vamos cuidar disso, faremos o que você quiser. Dinheiro

nunca mais será um problema. Nunca.

Após alguns minutos chorando em sua camisa eu me recompus e

fomos de mãos dadas andando bem devagar até o corpo enterrado de minha
irmã.

Suzanne Simpson — Mãe e Irmã


Comecei a chorar de novo. Eu estava com tanta raiva dela por ter me

abandonado com uma responsabilidade tão grande, tinha tanta raiva.

— Eu estava amargurada e não quis colocar algo como mãe e irmã

amorosa, ou dedicada. Eu só queria que acabasse logo.

— Você não tem que se explicar para mim. Eu te trouxe aqui para
consertarmos isso juntos. — Philip abriu o casaco e tirou duas folhas de

papel. — Suzanne, não tive a chance de conhecê-la muito bem e não escutei
muitas histórias. Parte disso é por sua irmã achar que te odeio ou que vou

perder a cabeça se ouvir seu nome, mas a verdade é que sou grato a você.
Minhas razões são egoístas. Eu sou egoísta. — Ele me observou cheio de

esperança. — Você me deu um filho e me deu a sua irmã, que é a mulher


mais gentil, engraçada e incrível que já conheci. Não sei bem em que
acredito nessa vida, mas acredito em boas pessoas e sei que luz como a de

Ariana não passaria despercebida. Não há nada que eu possa dizer a você.
Eu deveria ter sido um homem melhor.

Eu chorava sem controle agora. O amava mais a cada palavra.

— Philip — sussurrei, engolindo minhas lágrimas. Literalmente.

— Se tudo fosse diferente, talvez você poderia ter sido madrinha de


casamento da sua irmã, que em breve vou propor.
Dei risada, mas ele estava falando sério. Fiquei levemente em choque.

— Ela está assustada agora, não sei se você pode ver isso. Mas eu
vim aqui para pedir na sua frente que ela faça uma escolha. Se quer

continuar sendo a tia de Matthew e colocar o seu nome nos documentos


dele, ou se Ari toparia ser a mãe no papel, na lei. Ter os mesmos direitos

que eu, não importando o que aconteça conosco. Pode soprar uma resposta
no ouvido dela, Suzanne? — Ele piscou e sorriu. — Ari, quer assinar a
adoção de Matthew e ser a mãe dele além da vida e coração?

Eu não conseguia falar, como sempre. Minhas pernas fraquejaram e


eu caí no chão ao lado de minha irmã.

Philip só me abraçou sem saber o que fazer.

— Ari, fale comigo. Isso é choro de tristeza ou alegria? Fiz algo

errado?

Balancei a cabeça, fungando o nariz.

— Não fez nada errado, Philip, Droga! Você é perfeito.

Nós não fomos para a casa naquela noite, ao invés disso, Philip me
levou a um restaurante chique — com as roupas de cemitério, o que nos fez

rir como dois criminosos — e me alertou que o lugar era reservado pela
presença de muitos famosos que frequentavam.
Eu achei que ele estava brincando comigo até estar comendo a
sobremesa e ver Bella Hadid entrando com The Weeknd.

— Pare de encarar. — Philip me cutucou, rindo.

Eu estava quase furando um buraco na cabeça dela.

— Eu pensei que eles tinham terminado!

— Como é que você sabe tanto sobre essas pessoas? Eu não faço
ideia de quem ela é.

— Tá louco, Philip? Ele canta aquela “starbuck”, sabe your.

— Você não devia saber coisas só dos Simpsons?

Parei de rir quando ele fez a piadinha idiota que sempre insistia em
contar.

— Hahaha. Você fez curso ou já nasceu palhaço assim?

— Não me ofenda, Ariana. Hoje eu te dei seu maior presente.

Eu sabia que ele estava apenas me provocando sobre o papel assinado


em minha bolsa. Matthew era meu filho oficialmente.

Meus olhos marejaram.

— Eu amo você — falei sem pensar e soltei o garfo, tampando a boca


quando percebi.
As sobrancelhas de Philip saltaram e ele abaixou a cabeça, sorrindo.

— Não é a primeira vez que fiz isso, linda.

— O quê? Mentira! Quando? Ontem, hoje.

— O tempo todo quando dorme.

— E você não me contou?

— Por que contaria? Era algo que eu queria ouvir de você sem

pressão. Eu já sabia que me amava.

— Eu te conheço há cinco minutos e parece que passei a vida toda

com você.

Ele sorriu, pegando minha mão.

— Aprendeu essa filosofia de vida sozinha ou fez curso? — ele


devolveu a piadinha.

— Sou uma excelente aprendiz da vida.

— Ah, mas isso eu também sou. Como por exemplo, sei que se

esperarmos até que eles terminem de comer, podemos pedir uma foto.

— Não, não, não!

— Por que não? Você é fã ou uma pousada?


— Poser — o corrigi, rindo. Era tão fofo o quão ignorante sobre o

mundo do pop Philip podia ser. — Eles não gostam disso. Não são
obrigados a interromper sua privacidade para dar atenção aos fãs.

Principalmente em um jantar de reconciliação.

— E quando você for modelo vai dar atenção aos fãs?

A esperança de Philip em mim me iluminava.

— É claro! Direi: venham fãs, não fiquem com vergonha! Tenho

calcinhas para todos!

Ele parou de rir na hora e pressionou minha mão.

— Sem calcinha! — Caí numa crise de risos. — Fica me provocando

pra ver.

— Eu serei punida? — Balancei as sobrancelhas.

— Com certeza, linda. Você tem o médico e o monstro, e essa noite

acabou de despertar o monstro.

Eu não via a hora.


“perfeito
você é bom demais para ser verdade
mas eu cansei de correr, que se foda
agora, estou correndo com você
essa é uma coisa que geralmente eu não faço
mas, para você, eu meio que quero
conheça meu amor infinito, nada que eu não faria”
positions, ariana grande

2 ANOS DEPOIS
Meu bebezinho fazia aniversário hoje. Era louco como a vida corria
quando tudo ia perfeitamente bem e num piscar de olhos, eu estava

descendo as escadas da minha nova casa para receber os convidados da

festa do meu filho.

Se perguntassem o que eu esperava quando estava sozinha com

Matthew, com certeza não seria isso.

Meu filho correndo lá fora com os amiguinhos da vizinhança,

médicos por todos os lados e modelos que conheci nos últimos anos de
trabalho. Meu agente, que fazia tudo por mim, também se juntou a nós.

Ele tinha paciência comigo como ninguém. Dizia “Ari, como vai se
tornar a próxima Giselle Bundchen se não faz sacrifícios?” quando eu não

queria ir para um trabalho longe que não podia levar Matthew.

— A vida não é sobre sacrifícios, Alpha, é sobre viver cada parte dela

sem sacrificar nenhum pedaço — eu dizia em resposta e acreditava naquilo

com todo o coração.

Quando eu me lembrava de Nick e meu quarto em sua casa do bar, as


roupas de segunda mão de Matthew e os abusos, sentia uma vontade de

chorar, um medo profundo pela Ariana do passado, mas então alívio me


inundava quando eu era abraçada pelo meu marido superprotetor, neurótico
e obcecado.

Philip fez questão de me pedir em casamento logo que oficializamos a

adoção do bebê, eu achei que era loucura, mas segui em frente. Eu o amava

tanto.

Faitlyn — que havia se tornado uma grande amiga — e Sylvia

estiveram ao meu lado o tempo todo, e as duas disseram-me que era


bobagem ficar considerando tempo quando já tínhamos vivido tanto em tão

pouco.

Eu parei para pensar e realmente… quem é que se encontra e se

apaixona por quem roubou seu bebê?

Fala sério.

Já estava escrito.

Levei três dias para dar meu “sim”, e eu o gritei com doses de

declarações de amor. Philip não me disse as três palavras de volta, o que me

aterrorizou e reforçou o pensamento de que eu estava sendo impulsiva, que

Matthew sairia machucado daquela situação, mas, então, quando eu menos


esperava ele chegou em casa com uma chave, me enfiou no carro com

Matthew e me levou em uma nova casa, duas vezes maior que a cobertura.
Tinha até mesmo um estúdio fotográfico quando eu quisesse trabalhar em

casa para não deixar o bebê.

Eu olhei para ele quando vi tudo e o abracei, e quando ia dizer as três

palavras ele me surpreendeu.

— Eu amo você. Desculpe a demora, eu queria que fosse o momento


mais especial para nós. Eu senti isso por muito tempo, mas tinha que ser

aqui e agora. Nós podemos procurar outra casa se não gostar dessa. Eu
queria dizer que não vou ser sempre perfeito e tenho minhas falhas, mas

convenhamos... eu sou. Além do mais, tenho isso. — Colocou a mão sob o


coração. — E isso. — Revirei os olhos quando ele segurou seu pênis. — O

pau místico.

Eu precisei me acostumar com seu ego gigante e a fixação em ter tudo

do seu jeito, mas deu certo. Nós fazíamos dar certo diariamente.

— Meu Deus, com que tipo de babacão eu fui me casar?

Philip estreitou os olhos e se abaixou, jogando-me em seus ombros.


Ele ignorou meus gritos e protestos levando-me escada acima, me
colocando no chão só quando entramos em um grande quarto, onde havia

apenas uma cômoda perto da janela. E nela, tinha um aquário.


— Você não fez isso! — Me aproximei, constatando que tinham três

peixinhos — Dory, Nemo e...

— Betty — completou ele, abraçando-me por trás. — Eu fui até o

aquário buscar Dory, porque ela é sua melhor representação e acabei vendo
Betty sozinha no mesmo lugar — eu comecei a rir —, eu confiei nela,

pensei que conseguiria subir e fazer amigos por lá, mas acontece que foi
preciso uma forcinha. Esse pequeno aquário vai forçá-la a se conectar com
Nemo e Dory.

— Você é absurdo. Louco, fofo e absurdo tudo ao mesmo tempo. —


Segurei seu rosto. — Você é o pior e o melhor homem desse mundo. Acabei

de constatar isso.

— Ah, é? Não precisa do meu pênis místico pra ter certeza?

— Eu preciso dele, mas não para isso.

— Mama! — Voltei ao presente ao ouvir Matthew me chamando lá

fora. Ele me viu pela janela de vidro do chão ao teto do hall. Corri para
encontrá-lo.

— Feliz aniversário, meu amor.

— Ota veiz?
— Mamãe vai te parabenizar muitas vezes! Não brigue comigo, vem
cá me dar amor.

— Não, mama.

— Sim, mama! — Arregalei os olhos, fazendo uma careta. Matthew


gargalhou.

— Encontrei vocês — Philip me agarrou por trás, assustando-me.

— Papai — Matthew gritou. — Você trouxe Noah?

Ele falava sobre o primo, o bebê de Edward.

— Eu trouxe e ele está logo ali com o tio Edward, por que você não

vai pegá-lo? Antes que tia a Faitlyn o roube e se esconde em algum lugar
dentro de casa.

— Eu não vou deixar. — Ele abriu os braços, como se mostrasse sua

força.

— Então corre, Deadpool, vai, vai, vai!

— Você sabe que a maioria dos meninos quer ser o Homem-Aranha,


o Capitão América ou o Batman, né?

— Você deveria agradecer que eu o convenci a esquecer o Hellboy.

— O Hellboy é legal.
— Não mais do que o Deadpool.

— Isso é o que você diz, mas você já é velho. Eu sou nova e sei o que
digo. Agora com licença, eu tenho convidados para encantar com minha

presença.

Eu saí rindo, mas Philip me alcançou, enrolando o braço em minha

cintura.

— Você não vai longe, mamãe. Vamos lá em cima dar uma.

— Não!

Ele riu e pegou minha mão onde a aliança de casamento estava.

— Senti sua falta — falei baixinho.

— Eu só estive longe por algumas horas. — Ele beijou meu anel.

— Ainda assim, eu sinto sua falta mesmo quando você está no

banheiro e eu na cozinha.

— Você quase não fica na cozinha.

— Eu sei, certo? Devia ficar mais. Sou uma mãe. — Encolhi os


ombros, meus hormônios estavam loucos o suficiente para que eu

começasse a chorar com aquelas pequenas coisinhas fofas que ele dizia.
— Isso é porque você é uma droga cozinhando — ele disse de um

jeito fofo, como se não quisesse me irritar. Eu estapeei seu braço, mas não
podia acusá-lo de ser mentiroso. Eu era horrível na cozinha e desisti depois

de até mesmo uma professora de gastronomia dizer que não podia me

ajudar após algumas aulas que não deram certo. — Mas é perfeita em várias
outras coisas.

— Tipo o quê?

— Pescando elogios?

— Sim, qual o problema?

— Nenhum. — Ele segurava o riso. — Eu te elogio tantas vezes que

você enjoa. Por que está carente?

— Não estou. — Elevei o tom de voz.

Philip cerrou os olhos.

— Você está carente, choramingando pela casa. O que foi? Se vier

dizer que quer o divórcio vou mandá-la dormir. Amanhã é outro dia.

— Eu não quero o divórcio! Você quer? — Estreitei os olhos,

beliscando seu peito. — Por que tocou na palavra proibida?

— Eu não quero, senhora Snowland, é só que quando alguma mulher

fica assim…
— Assim como? — o interrompi. — Já viveu com alguma mulher

assim ao seu lado?

Eu sabia a causa da minha carência e os choramingos pela casa. Ele


ainda não sabia a causa, até porque eu só tinha confirmado naquela manhã.

Eu estava um caos. Fiz um teste apenas porque estava me sentindo

ainda mais doida. Em um momento eu era um Ursinho carinhoso e no

próximo virava a Docinho das Meninas Super Poderosas.

Meus hormônios estavam um inferno. E eu era uma só.

— Vamos falar com os convidados — ele desconversou, sabendo que

ia me deixar louca de ciúme, mesmo que eu soubesse que não tinha

ninguém antes de mim que ele tivesse chegado a ter tanta intimidade.

Não era egocêntrico da minha parte reconhecer que eu fui seu melhor

achado. Viky dizia que eu e Philip estávamos destinados e eu acreditei

totalmente nisso. Sentia isso.

— Você acha que conseguimos expulsar todos até às três da tarde?

Alguns de seus amigos ouviram e deram risada, porque ele não fez

questão de esconder seus pensamentos.

— Não! — minha amiga, Cleo, gritou.


De fato, havia pelo menos 70 pessoas espalhadas pelo jardim, fora as

crianças. Claro que iam querer aproveitar a festa. Eu mesma não saía de
uma festa até que não houvesse mais comida.

— Eu tentei. — Philip deu de ombros e pegou Matthew, colocando-o

sentado em seu pescoço e fomos para atrás da mesa, onde havia um


carnaval de personagens de desenhos, desde Marvel a DC e até a Kim

Possible.

Matthew era a criança mais aleatória que eu já tinha conhecido na

vida. Tudo bem que foi a única que conheci de verdade, mas ele era muito
maluquinho. Seu pai dizia que tal parte da personalidade foi desenvolvida

todinha por influência minha. Eu gostava de pensar nisso, que ele teria as

partes mais importantes de mim.

Até que eu era boa naquela coisa de criar crianças.

— É verdade — concordei com meus pensamentos em voz alta.

— Falando sozinha ou com um de seus mil amigos imaginários? —

Philip questionou enquanto se equilibrava entre segurar Matthew e acender


as velas do bolo.

— Eu sou uma boa mãe, não sou? Uma mãe legal?

— Sim! — Matthew gritou. Eu sorri para ele e apertei sua bochecha.


— O que você acha? — perguntei a Philip.

— Claro que é, linda. Eu sempre te digo isso — ele fez uma pausa —,

quer dizer, tem vezes que você é meio fora da casinha, mas, ainda assim,

uma excelente mãe.

— Philip... — alertei.

Ele riu.

— Vamos cantar parabéns.

— Espera! Então você não acha que foi um caso de sorte eu ter me
dado bem com Matthew? Ele já era uma criança incrível sozinho ou eu

ajudei para que ficasse assim?

— Desembucha, Ariana Snowland.

— Eu só estava pensando — encolhi os ombros —, dizem que um

raio não cai duas vezes no mesmo lugar, né? Quais as chances de eu ter

criado uma criança superlegal por sorte e fazer outra tão bacana quanto? Ou

foi só sorte e a próxima será uma criança porcaria?

— Ari... — Ele me observou com atenção. — O que você está

falando?

Eu coloquei minha mão por cima da sua em meu rosto.


— Estou grávida. Eu sei que nunca falamos sobre isso e não era o

plano. Quer dizer, talvez fosse, mas se não... é isso. Podemos estar
esperando uma criança porcaria que gosta de Capitão América ou Hulk, ao

invés da Kim Possible e do Barney.

Philip estava muito confuso. Sem palavras, mas então, quando

entendeu o que eu estava dizendo, passou Matthew para seu colo e me


agarrou.

— Eu amo você, linda. Amo você. Amo, amo e amo.

— Isso quer dizer que está feliz? Não é pena ou desespero?

Ele jogou a cabeça para trás, rindo.

— Claro que não, Ari. Eu estou com você pra tudo. Seremos eu, você,

nossa criança legal e a criança porcaria contra o mundo.

Nossos convidados estavam nos encarando sem entender nada,


esperando uma explicação.

— Isso vai ser muito legal.

— Vai — ele concordou.

— Então, você concordou, acha que vai ser mesmo uma criança
porcaria?
— Bem, se for, nós podemos interná-lo num hospício até ele ficar
maluquinho como a mãe e o irmão e vamos pegá-los de volta.

— Ou podemos ser pais horríveis e consequentemente ele ficará legal

pra não querer parecer nós dois — eu continuei, levando a sério as opções.
— Podemos fazer uma simpatia. Você conhece alguma bruxa ou algo

assim?

— Ari. — Philip me parou. Às vezes eu precisava que ele me parasse


ou minha mente voava longe e eu começava a verbalizar coisas que nada

tinham a ver com o momento. — A criança será incrível. Como nós.

Eu o abracei, conseguindo colocar os dois em nosso aconchego.

Philip e Matthew.

O meu doutor safado da baixaria e meu bebê roubado.

Suzanne estava me vendo de algum lugar e eu me perguntava se


estava cuidando da minha criança porcaria enquanto o bebê fosse apenas

um anjinho. Eu soltei Philip e encarei os convidados.

— Vocês sabiam... — comecei, e logo ouvi risos e palavras de


expectativa.

— Lá vem ela — alguém disse.

— Meu Deus.
— Que uma fada nasce cada vez que um bebê dá risada?

Alguém parou a música de fundo, como se quisessem ouvir muito

bem o que eu dizia. Philip não parava de rir ao meu lado.

— Ah, não. — Ouvi a voz de Faitlyn. — Alguém tira ela daí.

— Não viaja, Simpson — Edward comentou.

— O que eu quero dizer é que algum bebê perto daqui sorriu, porque
eu tenho uma fadinha ou um vagalume crescendo dentro de mim.

Eu sorri cheia de expectativa, esperando as reações com a notícia.

— O que ela quer dizer? — um cirurgião amigo de Philip perguntou.


— Está com verme?

— O quê?! Não! — Balancei a cabeça. — Eu estou grávida! — Virei


para olhar meu marido. — Do Philip!

Ele franziu o cenho e coçou a testa.

— Isso não é algo que precisa ser dito, Dory. É óbvio para todos.

— Vai saber. — Dei de ombros, provocando-o. As pessoas fizeram


menção de vir me abraçar, mas eu os parei, não querendo que o aniversário
do meu filho bacana fosse esquecido. — Vamos cantar parabéns!
Meu marido me puxou para trás em seu peito, rindo como louco em
meu ouvido enquanto os convidados cantavam para Matthew. Eu comecei a
rir também, acompanhando todos nas palmas.

Cresci como uma criança abandonada, virei uma adolescente sem

perspectivas ou esperanças, roubei um bebê e odiei aquele cara de primeira,


mas agora estava ali aninhada em seus braços com um filho dele na barriga.

E se os risos de bebês na região colaborassem eu teria mais alguns,


não para prendê-lo comigo, mas para que o nosso amor produzisse mais e

mais crianças bacanas e até porcarias.

Me lembrei de algo que Philip disse sobre Betty, que ela podia até
ficar no fundo das águas sozinha por um tempo, mas quando resolvesse

subir e fazer amigos, ela começaria a se conectar, então seria amada como
nunca imaginou antes.

Eu acho que não era Dory no fim, eu era Betty.

E eu nunca fui tão amada antes.


“às vezes o amor dura,
e às vezes, fere”
someone like you, adele

Eu tinha 20 mil no bolso e um plano concreto na cabeça, ia fazer


aquele dinheiro durar e talvez até fazer rendê-lo até que o bebê nascesse,

depois eu ia atrás dos nossos direitos com o pai dele.

Mas então eu fui roubada pelo meu ex-namorado.

Eu tinha — no passado — 20 mil.


Agora eu contava com zero.

Não podia nem o cobrar porque àquela altura ele já teria usado para
pagar seus traficantes para não morrer, ou comprou mais drogas com outro

fornecedor, aumentando ainda mais suas chances de uma morte iminente.

— É aqui mesmo, senhorita?

— Sim.

— A corrida ficou…

Antes mesmo que o taxista terminasse de falar eu abri a porta e corri.

Entrei no prédio decadente — sem segurança e sem elevador — correndo.


Subi os dois andares desesperadamente, ouvindo-o me chamar a vários

passos atrás de mim. Comecei a bater na porta do apartamento 88, onde eu


sabia que ela estava e bati como louca.

— Ei, que isso! — ela gritou lá de dentro. — Aqui não tem três

porquinhos não! Vai derrubar?

— Ariana! — berrei, batendo mais forte. — Abre logo!

Houve apenas silêncio antes da porta abrir. Eu empurrei minha irmã,

não lhe dando tempo de engolir que era eu e fechei a porta, encostando-me

na madeira.
Respirei fundo. Fechei os olhos. A barriga nem tinha começado a
crescer e eu já não aguentava uma corridinha daquelas. Eu estava tão

fodida.

— Ouvi dizer que você estava morando por essa área — falei para a

minha irmã ainda chocada. Ela me olhava de perto, incrédula.

Se eu não estivesse numa situação de merda seria engraçado.

— Suzanne?

— Irmãzinha, quanto tempo.

— Anos!

— Eu sei, eu sei. Preciso de ajuda, Ari, estou muito encrencada dessa

vez.

— Ei, ladra! — o taxista gritava do lado de fora, batendo nas portas.

— Eu tenho filhos para alimentar, sua bandida!

Ariana arregalou os olhos.

Ela estava bonita, bem cuidada, bem diferente de mim. Diferente da


menininha que abandonei sem nenhuma palavra anos atrás.

— O que você fez? Em que está metida?

— Shiu! Fica quieta que ele já vai embora.


— Você roubou alguém?

— Não roubei, foi só uma corrida e nem foi tão caro assim.

— Droga, Suzanne! — Ela correu até uma caixinha na estante e abriu,

pegando uma bolsinha preta de lantejoulas.

Voltou e me empurrou da porta.

— Ariana, não precisa!

— Fica na sua — resmungou, apontando-me o dedo. — Eu não vou

deixar que traga desonestidade para a minha casa.

Dito isso, ela saiu.

— Moço?

— Garota, você viu uma mulher alta e loira com umas roupas velhas?

— Sim, ela está aqui. Por favor não chame a polícia.

— Ela me deve!

— Quanto é?

O velho disse o valor e eu ouvi atenta para ver se não passaria a perna
nela, mas ele falou exatamente o que tinha marcado no taxímetro. Os dois

trocaram mais algumas palavras e ele foi embora.


Quando Ariana entrou, ela me encarava num misto de raiva,

preocupação e insegurança.

— Eu sei que esse não foi o reencontro que você deve ter imaginado,

mas…

— Eu não imaginei reencontro nenhum.

— Não?

— Pra quê? Você é como o papai e a mamãe para mim, passado. Eu

não fico atrás do passado quando preciso me preocupar com meu presente
diariamente.

— Foi mal — falei sem culpa. Eu entendia seu lado, mas eu fiz o que
tinha que fazer. Também quis correr atrás do meu naquela época, e ela
acabou sendo prejudicada, mas pareceu se virar bem sozinha.

— O que você quer?

— Eu estou grávida — soltei sem rodeios. — O pai da criança é um

bilionário, tipo, ricaço pra caramba.

— Grávida?! — gritou, agarrando os cabelos. — Você não conseguiu

cuidar nem da sua irmã adolescente, e arrumou um bebê?

— Eu vou reparar meus erros, tá legal? Não cuidei de você, mas

encarei isso como uma segunda chance. O pai dele é muito rico.
— Ah. — Ela riu sem humor. — Estou vendo que a sua segunda
chance vem de um lugar muito profundo, né? O bolso do pai.

Eu apenas a encarei. Será que ela não percebia que se eu tivesse outra

opção nunca teria batido em sua porta?

— É o que é. — Encolhi em ombros.

— Suzanne, cai fora. Eu não queria te ver anos atrás e não quero
agora também.

Ela foi em direção à porta, mas eu a segurei.

— Não faz isso, eu não tenho mais ninguém. Se você me expulsar eu

vou acabar na rua com o seu sobrinho.

Sabia que não era certo jogar com chantagem emocional, mas sempre
funcionou com ela. Ariana era a boazinha, esperançosa de nós duas. Ela era

toda fofa, doce e simpática. E eu a impaciente, rancorosa, atrasada. A


ovelha má da família.

Porém, eu não era ruim, sabia que estava levando problemas à sua
porta quando ela não tinha uma situação excelente de vida, mas estava

melhor do que eu. Pelo menos tinha um teto.

— Eu preciso de você — insisti.

— Eu precisei de você.
— E aí agora o quê? Vai me dar as costas? — Deixei por um curto
momento que ela visse minha preocupação e o medo do que seria de mim lá
fora se não me deixasse ficar, e quando ela suspirou e abaixou a cabeça,

soltando a maçaneta, eu vi que tinha conseguido.

Ariana sentou-se no sofá e me olhou nos olhos.

— Me conte o que aconteceu.

Encolhi os ombros, tinha acontecido tantas coisas…

— Conheci esse cara…

— Não — me interrompeu. — Desde anos atrás, desde que me

deixou. Quero saber tudo o que aconteceu na sua vida.

— Ah, isso. Nada demais.

— Esse é o acordo, Suzy. Se quiser ficar, eu tenho que te conhecer. Te

conhecer de novo.

Ela falava sério e eu não tinha para onde correr. Me sentei na cadeira

à sua frente e pensei em como amenizar as palavras duras que eu tinha pelas
próximas horas.

O importante era que eu consegui um lugar seguro para ficar e

proteger o meu potinho de ouro na barriga até que meu bilionário fosse me
buscar.
Sentia muito por Ariana, mas nem tudo era sobre família, amor e

esperança. A vida é o que é.

Nem todos podem ser bons.

Algumas pessoas não encontram a luz no fim do túnel.

Ela estaria livre de mim em breve. Eu levaria meu filho e meu futuro

marido, e Ariana poderia voltar a sua vidinha simples e sozinha.

Eu sorri.

Minha esperança começou a brilhar…


Mila, Pri, Lidiane Mastello (que me atura mesmo quando quer me
matar).

Monstrinhas, obrigada por receberem essa história em Dark City.

Toooodas as meninas da central @romancesnanasimons. Celeste, Gi e

todas já citadas acima.

Santinhas Kardashians, por terem me dado o ponta pé inicial de


inspiração para esse livro. Nada mais é como antes – e eu tenho uma grande

parcela de culpa nisso –, mas sempre vou amar vocês quatro.

Para a minha namorada que aguentou todo o meu caos durante a


loucura que foi finalizar esse livro.

Preparem-se para Nina e Aarão.

Love uuuuuu
Não esqueça de AVALIAR!!!!!!

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