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Poemas – Pablo Neruda

Cem Sonetos de Amor, extrato I


Matilde, nome de planta ou pedra ou vinho,
do que nasce da terra e dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio rebenta a luz dos limões.

Nesse nome correm navios de madeira


rodeados por enxames de fogo azul-marinho,
e essas letras são a água de um rio
que em meu coração calcinado desemboca.

Oh nome descoberto sob uma trepadeira


como a porta de um túnel desconhecido
que comunica com a fragrância do mundo!

Oh invade-me com tua boca abrasadora,


indaga-me, se queres, com teus olhos noturnos,
mas em teu nome deixa-me navegar e dormir.

As estrofes acima são apenas o trecho inicial de um longo poema de amor,


dos mais celebrados de Neruda. Aqui a premissa de louvar a
amada aparece com um elogio ao seu nome, esse é o ponto de partida
para elevar suas virtudes.

Encontramos ao longo do poema uma série de elementos que


fazem referência à natureza (a terra, os frutos, o rio). Profundamente
simbólico, o enaltecimento ao nome ganha contornos poéticos
inimagináveis.

Terminamos a leitura suspirando, admirados com a potência do amor e


com o talento de Neruda para transmitir através de palavras a magnitude
do sentimento.

2. Soneto LXVI
Não te quero senão porque te quero
e de querer-te a não querer-te chego
e de esperar-te quando não te espero
passa meu coração do frio ao fogo.
Quero-te apenas porque a ti eu quero,
a ti odeio sem fim e, odiando-te, te suplico,
e a medida do meu amor viajante
é não ver-te e amar-te como um cego.

Consumirá talvez a luz de Janeiro,


o seu raio cruel, meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego.

Nesta história apenas eu morro


e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero, amor, a sangue e fogo.

Nos versos acima Pablo Neruda recorre a um modelo literário bastante


convencional, o soneto. Condenado a uma forma fixa, portanto, o poeta
chileno tenta traduzir para o leitor como é a sensação de estar apaixonado.

Sublinha, por exemplo, as contradições do sentimento, o fato do coração


passar do frio ao calor e do afeto oscilar rapidamente entre o ódio e o
amor.

Aqui não está tanto em questão a figura da amada, mas sim a sensação que
a sua presença desperta.

3. Tenho fome de tua boca


Tenho fome de tua boca, de tua voz, de teu pêlo
e por estas ruas me vou sem alimento, calado,
não me nutri o pão, a aurora me altera,
busco o som líquido de teus pés neste dia.

Estou faminto de teu riso resvalado,


de tuas mãos cor de furioso silo,
tenho fome da pálida pedra de tuas unhas,
quero comer teu pé como uma intacta amêndoa.

Quero comer o raio queimado em tua formosura,


o nariz soberano do arrogante rosto,
quero comer a sombra fugaz de tuas sobrancelhas.

E faminto venho e vou olfateando o crepúsculo


buscando-te, buscando teu coração quente
como uma puma na solidão de Quitratúe.

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