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Poemas para leitura de Antonio Candido, O estudo analítico do poema.

Gazal em Louvor de Hafiz

Escuta o gazal que fiz,


Darling, em louvor de Hafiz:

— Poeta de Chiraz, teu verso


Tuas mágoas e as minhas diz.

Pois no mistério do mundo


Também me sinto infeliz.

Falaste: “Amarei constante


Aquela que não me quis.”

E as filhas de Samarcanda,
Cameleiros e sufis

Ainda repetem os cantos


Em que choras e sorris.

As bem amadas ingratas,


São pó; tu, vives, Hafiz!

M. Bandeira, Lira dos Cinquent’anos (1940).


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Belo belo

Belo belo belo,


Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.


E o risco brevíssimo — que foi? passou — de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro


Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,


Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.


Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:


Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,


Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

— Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.

M. Bandeira, Lira dos Cinquent’anos (1940).


Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número.
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

M. Bandeira, Libertinagem (1930).


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Leito de folhas verdes

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo Soneto II


À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas, Leia a posteridade, ó pátrio Rio,
Já nos cimos do bosque rumoreja. Em meus versos teu nome celebrado,
Por que vejas uma hora despertado
Eu, sob a copa da mangueira altiva O sono vil do esquecimento frio:
Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Não vês nas tuas margens o sombrio,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Fresco assento de um álamo copado;
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco, Não vês ninfa cantar, pastar o gado
Já solta o bogari mais doce aroma! Na tarde clara do calmoso estio.
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala. Turvo, banhando as pálidas areias,
Nas porções do riquíssimo tesouro
Brilha a lua no céu, brilham estrelas, O vasto campo da ambição recreias.
Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se Que de seus raios o Planeta louro,
Um quebranto de amor, melhor que a vida! Enriquecendo o influxo em tuas veias,
Quanto em chamas fecunda, brota em ouro.
A flor que desabrocha ao romper d’alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda Cláudio Manuel da Costa, Obras (1768).
Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lago ou terra,


Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Meus olhos outros olhos nunca viram,


Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arasóia na cinta me apertaram

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,


Já solta o bogari mais doce aroma;
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!

Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes


À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!

Gonçalves Dias, Últimos Cantos (1851).


Correspondances Correspondências
Charles Baudelaire (Trad. Ivan Junqueira)

La Nature est un temple où de vivants piliers A natureza é um templo onde vivos pilares
Laissent parfois sortir de confuses paroles; Deixam filtrar não raro insólitos enredos;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles O homem o cruza em meio a um bosque de segredos
Qui l'observent avec des regards familiers. Que ali o espreitam com seus olhos familiares.

Comme de longs échos qui de loin se confondent Como ecos longos que à distância se matizam
Dans une ténébreuse et profonde unité, Numa vertiginosa e lúgubre unidade,
Vaste comme la nuit et comme la clarté, Tão vasta quanto a noite e quanto a claridade,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent. Os sons, as cores e os perfumes se harmonizam.

II est des parfums frais comme des chairs d'enfants, Há aromas frescos como a carne dos infantes,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies, Doces como o oboé, verdes como a campina,
— Et d'autres, corrompus, riches et triomphants, E outros, já dissolutos, ricos e triunfantes,

Ayant l'expansion des choses infinies, Com a fluidez daquilo que jamais termina,
Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens, Como o almíscar, o incenso e as resinas do Oriente,
Qui chantent les transports de l'esprit et des sens. Que a glória exaltam dos sentidos e da mente.

Voyelles Vogais
Arthur Rimbaud (Trad. José Lino Grünewald)

A noir, E blanc, I rouge, U vert, O bleu : voyelles, A negro, E branco, I rubro, U verde, O azul: vogais,
Je dirai quelque jour vos naissances latentes : Explico um dia vossas origens latentes:
A, noir corset velu des mouches éclatantes A, negro corpete em moscas reluzentes
Qui bombinent autour des puanteurs cruelles, Que zumbem ao redor de fedores brutais.

Golfes d'ombre ; E, candeur des vapeurs et des tentes, Golfo de sombra; E, albor de vapores e tendas,
Lances des glaciers fiers, rois blancs, frissons lanças de alto gelo, alvos reis, tremor de umbelas;
d'ombelles ; I, lacre, sangue em cuspe e rir de lábios belos
I, pourpres, sang craché, rire des lèvres belles Dentro da cólera ou do torpor penitente;
Dans la colère ou les ivresses pénitentes ;

U, cycles, vibrements divins des mers virides, U, ciclos, vibração divina em verde mar,
Paix des pâtis semés d'animaux, paix des rides Paz de animais no pasto, paz desse enrugar
Que l'alchimie imprime aux grands fronts studieux ; Alquímico na fronte de quem muito leu;

O, suprême Clairon plein des strideurs étranges, O, supremo Clarim de estranhos sons diversos,
Silence traversés des Mondes et des Anges : Silêncio atravessando em Anjos e Universos;
- O l'Oméga, rayon violet de Ses Yeux ! —Ô!, Ômega, raio roxo entre esses olhos Seus!
Estrela da manhã

Eu quero a estrela da manhã


Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã

Ela desapareceu ia nua


Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte

Digam que sou um homem sem orgulho


Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã

Três dias e três noites


Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário

Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos

Pecai com os malandros


Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto

Depois comigo

Te esperarei com mafuás novenas cavalhadas comerei terra e direi coisas de uma ternura tão simples
Que tu desfalecerás

Procurem por toda parte


Pura ou degradada até a última baixeza
Eu quero a estrela da manhã.

M. Bandeira, Estrela da manhã (1936).


Poemas de Manuel Bandeira

Contrição Eu vi uma rosa

Quero banhar-me nas águas límpidas Eu vi uma rosa


Quero banhar-me nas águas puras – Uma rosa branca –
Sou mais baixa das criaturas Sozinha no galho.
Me sinto sórdido No galho? Sozinha
No jardim, na rua.
Confiei às feras as minhas lágrimas
Rolei de borco pelas calçadas Sozinha no mundo.
Cobri meu rosto de bofetadas
Meu Deus valei-me Em torno, no entanto,
Ao sol de meio-dia,
Vozes da infância contai a história Toda a natureza
Da vida boa que nunca veio Em formas e cores
E eu caia ouvindo-a no calmo seio E sons esplendia.
Da eternidade.
Tudo isso era excesso.

A graça essencial,
A estrela Mistério inefável
– Sobrenatural –
Vi uma estrela tão alta, Da vida e do mundo,
Vi uma estrela tão fria! Estava ali na rosa
Vi uma estrela luzindo Sozinha no galho.
Na minha vida vazia.
Sozinha no tempo.
Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria! Tão pura e modesta,
Era uma estrela sozinha Tão perto do chão
Luzindo no fim do dia. Tão longe na glória
Da mística altura,
Por que da sua distância Dir-se-ia que ouvisse
Para a minha companhia Do arcanjo invisível
Não baixava aquela estrela? As palavras santas
Por que tão alta luzia? De outra Anunciação.

E ouvi-a na sombra funda


Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
Visita Noturna Improviso

Bateram à minha porta, Cecília, és libérrima e exata


Fui abrir, não vi ninguém. Como a concha.
Seria a alma da morta? Mas a concha é excessiva matéria,
E a matéria mata.
Não vi ninguém, mas alguém
Entrou no quarto deserto Cecília, és tão forte e tão frágil
E o quarto logo mudou. Como a onda ao termo da luta.
Deitei-me na cama, e perto Mas a onda é água que afoga:
Da cama alguém se sentou. Tu, não, és enxuta.

Seria sombra da morta? Cecília, és, como o ar,


Que morta? A inocência? A infância? Diáfana, diáfana.
O que concebido, abortou, Mas o ar tem limites:
Ou o que foi e hoje é só distância? Tu, quem te pode limitar?

Pois bendita a que voltou! Definição:


Três vezes bendita a morta Concha, mas de orelha;
Quem quer que ela seja, a morta Água, mas de lágrimas;
Que bateu à minha porta. Ar com sentimento.
– Brisa, viração
Da asa de uma abelha.

Chama e fumo Letra para uma valsa romântica

Amor – chama, e, depois, fumaça... A tarde agoniza


Medita no que vais fazer: Ao santo acalanto
O fumo vem, a chama passa... Da noturna brisa.
E eu, que também morro,
Gozo cruel, ventura escassa, Morro sem consolo,
Dono do meu e do teu ser, Se não vens, Elisa!
Amor – chama, e, depois, fumaça...
Ai nem te humaniza
Tanto ele queima! e, por desgraça, O pranto que tanto
Queimado o que melhor houver, Nas faces desliza
O fumo vem, a chama passa... Do amante que pede
Suplicantemente
Paixão puríssima ou devassa, Teu amor, Elisa!
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor – chama, e, depois, fumaça... Ri, desdenha, pisa!
Meu canto, no entanto,
A cada par que a aurora enlaça, Mais te diviniza,
Como é pungente o entardecer! Mulher diferente,
O fumo vem, a chama passa... Tão indiferente,
Desumana Elisa!
Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor – chama, e, depois, fumaça...

Porquanto, mal se satisfaça,


(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...

A chama queima. O fumo embaça.


Tão triste que é! Mas, tem de ser...
Amor?... – chama, e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...
Variações sérias em forma de soneto A dama branca

Vejo mares tranquilos, que repousam, A Dama Branca que eu encontrei,


Atrás dos olhos das meninas sérias. Faz tantos anos,
Alto e longe elas olham, mas não ousam Na minha vida sem lei nem rei,
Olhar a quem as olha, e ficam sérias. Sorriu-me em todos os desenganos.

Nos recantos dos lábios se lhe pousam Era sorriso de compaixão?


Uns anjos invisíveis. Mas tão sérias era sorriso de zombaria?
São, alto e longe, que nem eles ousam Não era mofa nem dó. Senão,
Dar um sorriso àquelas bocas sérias. Só nas tristezas me sorriria.

Em que pensais, meninas, se repousam E a Dama Branca sorriu também


Os meus olhos nos vossos? Eles ousam A cada júbilo interior.
Entrar paragens tristes tão sérias! Sorria como querendo bem.
E todavia não era amor.
Mas poderei dizer-vos que eles ousam?
Ou vão, por injunções muito mais sérias, Era desejo? – Credo! de tísicos?
Lustrar pecados que jamais repousam? Por histeria… quem sabe lá?
A Dama tinha caprichos físicos:
Era uma estranha vulgívaga.

Era… era o gênio da corrupção.


Canção das duas Índias Tábua de vícios adulterinos.
Tivera amantes: uma porção.
Entre estas Índias de leste Até mulheres. Até meninos.
E as Índias ocidentais
Meus Deus que distância enorme Ao pobre amante que lhe queria,
Quantos Oceanos Pacíficos Se lhe furtava sarcástica.
Quantos bancos de corais Com uns perjura, com outros fria,
Quantas frias latitudes! Com outros má,
Ilhas que a tormenta arrasa
Que os terremotos subvertem – A Dama Branca que eu encontrei,
Desoladas Marambaias Há tantos anos,
Sirtes sereias Medeias Na minha vida sem lei nem rei,
Púbis a não poder mais Sorriu-me em todos os desenganos.
Altos como a estrela d’alva
Longínquos como Oceanias Essa constância de anos a fio,
– Brancas, sobrenaturais – Sutil, captara-me. E imaginais!
Oh inacessíveis praias!... Por uma noite de muito frio,
A Dama Branca levou meu pai.
Vou-me embora pra Pasárgada Momento num café

Vou-me embora pra Pasárgada Quando o enterro passou


Lá sou amigo do rei Os homens que se achavam no café
Lá tenho a mulher que eu quero Tiraram o chapéu maquinalmente
Na cama que escolherei Saudavam o morto distraídos
Vou-me embora pra Pasárgada Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Vou-me embora pra Pasárgada Confiantes na vida.
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado
De tal modo inconsequente Olhando o esquife longamente
Que Joana a Louca de Espanha Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Rainha e falsa demente Que a vida é traição
Vem a ser contraparente E saudava a matéria que passava
Da nora que nunca tive Liberta para sempre da alma extinta.

E como farei ginástica


Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d’água.
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo


É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste


Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

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