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5.

ROMA: A CIDADE E O IMPÉRIO MUNDIAL

No Estado romano, que realiza a unificação polí­


tica de todo o mundo mediterrânico, devemos distin­
guir:
1) o ambiente originário no qual nasce o poderio
romano, isto é, a civilização etrusca que entre os sécu­
los VII e VI aC_ se estende na Itália desde a Planície do
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Pó até a Campânia;
2) a exepcional sorte de Roma, que começd como
uma pequena cidade sem importância, na fronteira
entre o território etrusco e o colonizado pelos gregos;
desenvolve-se depois até se transformar na urbe, a
cidade por excelência, capital do império;
3) os métodos de colonização usados pelos roma­

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nos em todo o território do império; em nosso campo
iremos descrever três grupos de modificações do territõ-
no:
a) as "infra O'struturas": estradas, pontes, aque­
,
dutos, linhas fortificadas;
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b) a divisão dos terrenos agrlcolas em quintas
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cultiváveis;
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c) a fundação de novas cidades; ...._.. . .
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4) a descentralização das funções políticas no fi­


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nai do império; daí as novas capitais regionais, e a
capital do Oriente, Constantinopla, onde o governo
imperial contin ua por mais dez séculos_ o
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Constantinopla torna-se posteriormente Istam­ ______

bul, a capital do império turco, e continua uma das


principais cidades do mundo ocidental até a época Fig. :"'>90. Tumba em forma de pOfoda ldade do Bronze, da Via Sacra
moderna. de Roma

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Fig. 342. Um fragmento da fonna urbis, onde se vêem (d esquerda)


três "domus " uma ao lado da outra.

Nesta cidade viveram, até o século III d.C., de cie de 30Ó4oo metros quadrados e compreendem um
700.000 a 1.000.000 de habitantes; a maior concentra­ grande número de cômados iguais, que olham para o
ção humana até agora realizada no mundo ocidental. exterior com janelas e balcões; os andares térreos são
Devemos imaginar, em volta dos monumentos públi­ destinados às lojas (tabemae) ou a habitações mais
cos, a multidão das casas, e analisar o funcionamento nobres (que são igualmente chamadas de domus); os
tDtal deste grande organismo. andares superiores são divididos em apartamentos (ce­
Os Catálogos Regionais fornecem, no fim do sé­ nacula) de vários tamanhos para as classes médias e
culo III, os seguintes dados estatísticos: 1.790 domus inferiores. Os exemplos escavados em Óstia (Figs. 374-

individuais tipicas das cidades mediterrânicas, oom um


e 44.300 insulae. As domus (Fig. 342) são as casas 376) dão uma idéia bastante precisa dessas casas.

ou dois andares. fechadas na parte externa e abertas para As insulae nasceram por volta do século IVa.C.,
os espaços internos; compreendem uma série de locais para hospedar dentro dos muros sérvios uma popula­
de destinação fixa, agrupados ao redor do atrium e do ção crescente, e se tornaram cada vez mais altas, até
peristüium, e cobrem uma superficie de 8()O.1.000 me­ que Augusto estabelece o limite mâximo de 21 metros,
tros quadrados, corno as bem conhecidas casas de isto é, de 6 a 7 andares, e mais tarde, Trajano fixa o
Pompêia e de Herculana (Figs. 347-368); são reserva· limite em 18 metros, istD é, de 5 a 6 andares. Os muros
das para as familias mais ricas, que ocupam, por si só, são de madeira: portantD, desabam com facilidade. Os
um terreno precioso. As insulae (Fig. 345) são oonstru­ cenacula não tém água corrente (que chega somente
çôe8 coletivas de muitos andares, cobrem uma superfi- aos locais do ardar térreo); não têm privadas (os habi-

1 63
tantes esvaziam seus urinóis num recipiente comum
dolium no patamar das escadas, ou como narram
muitos escritores, diretamente pelas janelas na rua);
- -

não têm aquecimento nem chaminés (para cozi­


nhar ou para se defender do frio são usados braseiros
portáteis, que aumentam os perigos de incêndio); as
janelas não têm vidraças, mas apenas cortinas ou
persianas de madeira, que excluem da mesma forma o
ar e a luz. Apesar destas limitações, os alojamentos na
capital são alugados a preços muito altos: no tempo de
César por uma domus pagam-se 30.000 sestércios por
ano, e para o pior cenaculum, pelo menos 2.000 sestêr­
cios: a importância necessãria para adquirir uma pro­
priedade agrícola no interior. As casas são construídas
por empresãrios privados, que fazem especulação, de
todas as maneiras, com os terrenos e as construções:
todos se lamentam por isso, desde os tempos republica­
no. O Estado impõe proibições e regulamentos, mas
não consegue corrigir as dificuldades da grande maio­
ria dos cidadãos.

Fig•. 34�.346. Fragmento. da (orma urbia com planta. d� inau­


lae, t dOll elemento. do equipamento m6uel do. cenacula.: uma
lanterna e um fogareiro portátil.

164
AS ESTKADAS E AS PONTES gos (como o da Via Ápia ao longo dos pântanos ponti·
nos, com 60 quilõmetros); onde existe um relevo por
A construção das estradas segue pari passu ã demais acidentado cortam·se as rochas, de modo que a
conquista das provincias; serve para o movimento dos estrada possa correr o mais reta e plana possível (o
exércitos, depois para o tráfego comercial e as regula­ Monte Rachado entre Pozzuolj e Cápua; o Passo do
res comunicações administrativas.
A estrada repousa sobre um calçamento artificial Pisco Montano de Terracina, cortado por 40 metros de
I<"rlo onde a Via F1amínia atravessa o Apenino; o

de pedras batidas (rudus) coberto com saibro cada vez altura a fim deixar passar a Via Ápia entre a �crópole
mais fino e revestido por um manto de pedras ch atas e o mar); escavam-se galerias (a Gruta da Paz entre o
poligonais (gremiwn) (Fig. 388). A largura é limitada a lago do Averno e Cuma, com 900 metros e iluminada
4-6 metros, o bastante para perm itir a passagem dos por poços de luz).
pedestres (iter) e dos carros (actus); mas o pel'fil longitu­ A passagem dos cursos de água exige a construo
dinal, isto é, a sucessão das curvas e dos declives, é ção de numerosas pontes de pedra ou de madeira; mujo
tratado de modo a tornar o trânsito mais fácil e mais tas destas pontes ainda estão funcionando, como as
rápido. Onde não existem obstáculos naturais são pre­ cinco em Roma (Ponte Mílvio, Fig. 391, Ponte Hélio,
feridos os traçados retilineos mesmo que bastante lon- Ponte Sisto, e as duas da Ilha Tiberina), as duas na Via

Fig6. 390-391. A Via A ma nas proximidades de Roma, flanqueada


pelos b('puú:ros, e o Ponte Mílvio sobre (J Tibre, '10 início da Via
F1ominia.

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Fig. 392. Modelo da ponte romana sobre o Tejo em Alcântara.
dedicada a Trajano.

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Ftl(. 394. O aqueduto romalIo dp sPg6uia, derwmmado "ponte do


dtabo",
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CUS), com estações secundárias (mutatiaMs, para a


F1amlnia em Narni e Rímini, a de Ascoli sobre o Tron­
troca de cavalos) e estações principais (mansianes, pa­
to, a ponte de Pedra em Verona. A largura é sempre
limitada - no máximo 7-8 metros - enquanto existem
ra o pernoite, distantes um dia de viagem, com seis ou
sete mutatianes intermediárias). O cursus é reservado
exemplos de comprimento considerável (a ponte de
aos funcionários públicos e utiliza correios a cavalo
Mérida na Espanha, com 60 arcadas, chega a quase
800 metros); o vão das arcadas chega a 35 metros na
(speculatares), �arros leves ou pesados para as merca­

ponte sobre o Tejo em Alcântara (Fig. 392).


dorias. Os particulares podem organizar nas estradas
um serviço postal próprio, com tabel/ari (carteiros) a pé
Na rede de estradas romana funciona, a partir de
ou a cavalo.
Augusto, um serviço regular de correio (cursus publi-

Fig. 395. O Castellum de distribuiçdo do aqueduto de NifM'; pl6.t�


co de 1939.

OS AQUEDUTOS
Os aq uedutos, como as estradas, também são Ao longo do percurso e na chegada dos aqued u­
considerados um serviço público; são construídos em tos se encontram os reservatórios de decantação (pisci­
todas as cidades pelo Estado ou pelas administrações nae úmarzae), onde a água deposita as impurezas; em
locais para satisfazer os usos coletivos, e apenas secun­ s�gUlda passa pelos tanques de distribuiçào (castel/a,
dariamente os usos individuais. Fig. 395) onde é medida passando através dos calices
Os romanos utilizam, de preferência, água de de bronze, e daí às tubulações da cidade, feitas
de
nascente, ou água fluvial filtrada; canalizam-na num pedaços de tubos de chum bo (fistulae) com 10 pés
em
cond uto reta ngular (specus) revestido com reboco de médi":,, .ou seja, cerca de 3 metros. Para algun
s usos
tijolos em pó (apus signinum) coberto mas passível de esp�clalS eXl tem reservatórios maiores (a Piscin
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ser inspecionado e arejado, com declive o mais cons­ mlravel de Miseno, para as necessidades do porto
mili­
tante possível (de 10 a 0,2 por mil, segundo as caracte­ tar, pode conter 1 2.600 m').
rísticas do percurso) de maneira que a água flua livre­
mente (Fig. 397). Os romanos, como os gregos, conhe­
cem o uso do sifão e o aplicam em certos casos com As obras de arte construídas na província - co­
virtuosismo técnico (no an tigo aqueduto de Alatri, de mo as pontes de várias ordens de ", �adas tlus aquedu­
1 :34 a.C., se alcança a pressão de 1 0 atmosferas e foram tos de Terragona e de Segóvia, na Espanha, e de Ni­
usados encanamentos de alta resistência; no aqueduto mes na França (Figs. 394 e 398-399) - parecem ser
de Lião existe um tríplice sifão com tubulações de devidas, em certos casos, não a neces idades técnicas
chumbo). Mas preferem que a água chegue na cidade a mas á vontade de deixar obras monumentais e impres­
pressão red uzida, para não superar o limite de resistên­ sionantes; de fato, na Idade Média, quando será impos­
cia das tubulações de distribuição; por isso o aqueduto, sí vel construir man ufaturados deste gênero, as popula­
quando atravessa um vale, é elevado sobre uma ou ções continuarão a chamá-Ias de "pontes do diabo" e a
mais séries da arcadas. considerá-Ias obras de um poder sobrenatural.
Fig. 396. As ruinas do aqueduto de Cláudio; pode-se ver, ao alto, a

seção do conduto para a água.

Fig. 397. Axonometria do conduto do aqueduto Anio Vetus em


Roma.

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FIl':s. .198-.199. A Pont du Gard nas proximidades de Nimes, na. Gália


merldionol: l'ista pm perspectiva, prospecto e secções.

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AS LINH AS FORTIFICADAS

Nos confins do império, onde' os romanos renun­ Os limites mais importantes dizem respeito as
ciam a estender suas conquistas, consolidam as fron­ fronteiras setentrionais do império: o limes germânico
teiras alcançadas, construindo os limites, que são um construído além do Reno e do Danúbio por Tibério,
conjunto de , benfeitorias espalhadas em uma faixa Germânico e Domiciano, que é antes um caminho de
mais ou menos profunda, defesa ao longo de uma fronteira aberta (Fig, 402); o
O elemento essencial do limes é uma estrada, limes de Adriano, entre a Inglaterra e a Escócia, que é
aberta em zonas de matagal, ou sobrelevada em zonas ao con trrno uma fortificação guarnecida (Fig, 400), O
pantanosas, a fim de permitir a passagem dos exérci­ primeiro tem mais de 500 quilômetros, o segundo cerca
tos, A fronteira é reforçada com um fossa tum (uma de 1 10, Vistos dentro do quadro geral, devem ser consi­
escavação artificial, onde não existe a defesa natural derados como complementos artificiais para realizar a
de um rio) e com um valium (um muro continuo de continuidade da fronteira marcada pelos mares, pelo
madeira, de terra, ou de pedra), Ao longo de seu percur­ Reno e pelo Danúbio; fica assim confirmada a analo­
so ou mais recuadas se acham as instalações militares: gia do império com a cidade, do orbe com a urbe, O
acampamentos (castra), presídios menores (castella), im pél;o também tem suas estradas, seus muros, seus
bases fortificadas (burgi e turres); com o sistema de serviços em escala geográfica, como os da cidade em
defesa colaboram as cidades fortificadas nas retaguar­ escala topogrâfica,
das (oppida),

Fig. 400. As obras públicas romanas na Britânia: estradas. canaIS,


cidades, e o vale de Adriano na fronteira com a Escócia.

Fig. 401. O palácio dos tribunos, no acampamento de Xanten (Cas­


tra Vetem), na Alemanha.
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� ___ Estradas

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........ Canais . .

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Cidades secundArias

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• Cidades principais
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no século II Fig. 4U2. O limes romano na Alemanha, entre o Reno e o Danúbw


sob Domiciano 51-96
Csstella
estradas mUitares

em grifo: nomes modernos

Figs. 403-404. Os sinais da coloniza<�ào romana na paisagem de


hoje: o limes romano nas proximidades de \Vel.zhelm. no Württem­
berg, e a centuriatio romana na campanha emiliana.

I ! J:.!
A COLONIZAÇÃO DOS TERl}ENOS AGRÍCOLAS mado grama (Fig. 405). Os textos � re acion �m com a �

ciência augurai etrusca, e com a diVlsao do ceu segu ­
do as direçôes dos pontos cardeais. Mas a onentaça?
Os traçados retílineos das estradas principais
dos decumani e dos cardines não segue, nonnalmente,
servem de linhas de referência para a divisão racional
os pontos cardeais, e é inclinada para aproveitar da
do território cultivãvel (a centuriatio), onde este é atri­
melhor maneira a forma do território. Da zona aSSim
buido aos colonos romanos ou latinos enviados aos
territórios de conq uista.
dividida, preparava-se uma planta de bronze, da q u �
uma cópia permanecia na capital do distnto da colo­
A centuriatio está baseada numa grade de estra­
nia e outra era enviada para Roma.
das secundárias (também chamadas limites): os decu­
Os limites, como dissemos, são ao mesmo tempo
mani, paralelos ã dimensão maior do territólio ou à
fronteiras cadastrais e estradas públicas: realizam as­
estrada Plincipal; os cardines, perpendiculares a estes
sim um imponente sistema de vias secundárias, que
e mais cUltoS. Uns e outros têm entre si 20 actus de
nào tem precedentes no mundo antigo e que garantem
distância (o actus é a unidade de medida agrária, igual
a penetração capilar do sistema agrário, econômico e
a cerca de 35 metros), isto é, uns 700 metros, e determi­
administrativo romano.
nam outros tantos lotes quadrados chamados centu­
riae, que têm a superfície de 200 juge ri . cerca de 50
O quad.iiculado de centuriatio romana ainda é

hectares. Cada uma pode ser altibuída a um úmco . perfeitamente legível em muitas zonas plana � do imp�
rio e sobretudo na Itália Setentrional (Emlha e Ve­
proprietário, a 2, a 4 ou a um número maior; num �aso
(na colônia de Terracina de 329 a.C.), a 100 propneta­ , to
ne ), nos arredores de Florença. na Planície de Cápua,
na Tunísia, na França Meridional (Figs. 404 e 407408)
rios.
De fato, os limites de propriedades, as estradas e os
Esta operação é executada por técnicos especiais, canais continuaram imitando esta trama mesmo de­
os agrimensori ou gromatici, com um instrumentocha- pois do desaparecimento do sistema agrícola antigo.

Fig. 405. A groma, que serviapara traçaro� alirlha,�entos perpel1di­


cuiares da centuriatío e dos planos das CIdades. J:..ra formada por
,
quatro listéis de madeira. com cerca de 45 cm de compri mento, os
quais sustinham quatro fios de prumos; a haste Q,ue os sustent� va
era fincada no terreno de maneira que o centro estwesse na vertical
do aro grauado na pedra.

FIg. 406. A centuriatio di' Minturno. como é repreSefttada no livro


dos Gromatici veteree..

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