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RIO DE JANEIRO

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O URBANISMO COMO MODO DE VIDÁ 91

urbana, pois a cidade não SOmente é, em graus sempre cres­


centes, a moradia e o local de trabalho do homem moderno,
como é o centro iniciador e controlador da VIda econõmica,
política e cul1ural que atraiu as localidades mais rmotas do
mundo para dentro de sua órbita e interligou as diversas áreas,
o URBANISMO COMO MODO DE VIDA • os diversos povos e as diversas atividades num un:verso.
é"tll. O cresc:mento das cidades e a urbanização do mundo é
'-, 0« um dos fatos mais notáveis dos tempos modernos. Apesar de
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ser impossível precisar-se qual a proporção do total estimado
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LoUIS WIRTH da população mundial de aprox:madamente 1.800.000.000 que
é urbana', 69,2% do total da população dos paÍ3es que fazelll
:-.. <do ftlIIIQ It Mooro !!;
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distinção entre áreas urbanas e rurais são urbanos. 2 Além
Tradução de MARINA CORRtA TREUHERZ
<:l disso, considerando o fato da população mundial não ser d:s­
tribuída uniformemente e do crescimento das cidades não ser
mu:to desenvolvido em alguns dos países que só recentemente
L A CIDADE E A CIVILIZAÇÃO CONTEMPORÂNEAS foram alcançados pela industrialização, essa média superestima
a extensão à qual chegou a concentração urbana nos países
onde o impacto da revolução industrial foi mais forte e de data
menos recente. Essa mudança de uma sociedade rural para 'I
uma, predominantemente urbana que se ver:ticou no espaço de "
Da mesma forma como o iníc:o da civil'zação ocidental
tempo de uma só geração em áreas industrializadas como nos
é assinalado pela fixação permanente de povos anteriormente
nômades na bacia do Mediterrâneo, assim também o início do EUA e no Japão foi acompanhada por alterações profundas
que pode ser cons:derado mãrcantemente moderno em nossa e em praticamente todas as fases da vida social. São essas I
civil:zàção é caracterizado pelo crescimento das grandes cida­ modificações e suas ramificações que soEcitam a atenção do
sociólogo para o estudo' das diferenças entre o modo de v:da
des. Em nenhum lugar do mundo a humanidade se afastou
mais da natureza orgânica do que sob as condições de vida rural e urbano. O exame dessa questão é um pré-requisito
indispensável para a compreensão e o possível domínio de al­
características das grandes cidades. O mundo contemporâneo
guns dos problemas contemporâneos ma's cruciais da vida
já não mais apresenta O quadro de pequenos grupos humanos
isolados, espalhados através de um vasto território, como Sum­ social, po:s provavelmente fornecerá uma das perspectivas mais
ner de3creveu a sociedade primitiva. t A característica mar­ reveladoras para a' compreensão das alterações que se pro­
cessam .na natureza humana e na ordem social. S
cante do modo de vida do homem na idade moderna é a sua
) concentração em agregados g'gantescos em torno dos quais está - Já 'que a cidade é o produto do crescimento e não da
aglomerado um número menor de centros e de onde irradiam criação instantânea, deve-se esperar que as influências oue ela
as idéias e as práticas que chamamos de civilização. exerce sobre o modos de vida não sejam capazes de eEminar
completamente os modos de associação humana que predo-
O grau em que o mundo contemporâneo poderá ser cha­
mado de "urbano" não é medido inteira ou precisamente pela 2 S. V. Pearson, The G,owth and Dist,ibution of Population
proporção da população total que habita as c:dades. As in­ (Nova York, 1935), p, 211.
fluências que as cidades exercem sobre a vida social do homem 5 Embora a vida rural nos EUA tivesse por um longo período
são maiores do que podería 'indicar a proporção da população de tempo sido sujeita a considerável interesse por parte dos órgãos
governamentais. o caso mais notável de um relatório globalizante foi
aquele submetido pela Country lile Commission ao presidente Theo­
• "Urbanism as Way of Lifc", The American Journal 01 Soeio­ dare Roosevelt em 1909. 'valendo a pena notar que nenhuma consulta
lofY. vol. XLIV, nl? 1, julho de 1938. Copyrigth @ by The University oficial igualmente ampla sobre a vida urbana foi iniciada até o esta.
'Of Chicago Press. belecimento do Restarch Committee O" Urbanism 01 lhe Not/onol
Rnources Commitlee. (Cf. Ou, Cities: Thei, Role in the Noz/onal.
1 William Orabam Sumner, Folkways (Boston, 1906). p. 12.
Economy, WashingtoD, Govcrnment Printing OCfice, 1937.)
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,

I),

92 <) FENÔMENO URBANO o URBANISMO COMO MODO DE VIDA 93

mnavam anteriormente. Em maior ou menor escala, portanto,:, (:omo único critério. Além do mais, não é difícil demonstrar-se
"
a nossa vida social tem a marca de uma sociedade antenor, que comunidades cujo número de habitantes se acha abaixo
de fo/k, possuindo os modos característicos da fazenda, da daquele arbitrar;amente estabelecido, compreendido dentro da
herdade e da vila. A influência histórica é reforçada pela cir­ esfera de influência de centros metropolitanos, poderão reivin.
cunstânc:a da população da cidade em si ser recrutada, em d!car o reconhecimento como comunidades urbanas com muito
larga escala, do campo, onde persiste um modo de vida remi-, :mais razão do que outras maiores, com existência mais isolada,
niscente dessa fo,ma anterior de existência. Conseqüentemente" numa área p,edomi,nantemente rural. Finalmente, deveria ser
não devemos esperar encontrar variação abrupta e descontínua -reconhecido que as definições do recenseamento são indevida­
entre (pos de personalidades urbana e rural. A cidade e 0­ mente influenciadas pelo fato de que a c'dade, em termos
campo podem ser encarados como do!s pólos em relação aos .estatísticos, é sempre um conceito administrativo no qual os
quais todos os aglomerados 'h\lmanos tendem a se dispor. Visua­ limites legais desempenham um papel decisivo no delineamento
lizando-se a sociedade urbano-industrial e a ru,al de fo/k como da área urbana. Em nenhum lugar nota-se mais daramente esse
tipos ideais de comun'dades, poderemos obter uma perspect:va fato do que nas concentrações de população nas periferias de
para análise de modelos básicos de associação humana con­ grandes centros metropol:tanos que cruzam limites administra-­
forme aparecem na civilização contemporânea. tivos arbitrários' da cidade, do município, do estado e da nação.
Enquanto ident:ficarmos o urbanismo com a entidade fí­
II. UMA DEFINIÇÃO SOCIOLÓGICA DA CIDADE
sica da cidade, enéllrando-o meramente como rigidamente deli­
mitado no espaço, e procedermos como se as características
Apesar 'da importânc:a preponderante da c'dade em nossa
'urbanas cessassem abruptamente de se manifestarem além da
I civilização, nosso conhecimento da natureza do urbanismo e
linha fronteiriça arbitrária, provavelmente não chegaremos a
I do processo de urbanização é insuficiente. Vár;as tentat:vas
I;
nenhum conceito adequado de urbanismo como um modo de
! fo,am na verdade feitas para isolar as características que dis­
'vida. Os desenvolvimentos tecnológicos no transporte e na co­
tinguem a vida urbana. Geógrafos, h:stor;adores, cientistas, eco­

Ii
municação, que virtualmente assinalam uma nOV3 época na his­
nomistas e cientistas políticos incorporaram os pontos de vista
tória humana, acentuaram o papel das cidades como elementos
das suas respectivas disc'pl;nas em definições diferentes da
ii cidade. Embora de nenhum modo se pretenda superá-las, a
.dominantes na nossa civiliz3Ção e estenderam enonnemeDte o
modo de vida urbano para além dos limites da própria cidade. 
elaboração sociológica de uma abordagem da cidade poderá
caualmente servir para chamar a atenção para as inter-re­ A predominância da c;dade, especialmente da grande cio
lações entre elas existentes, por' meio da ênfase dada às carac­ .dade, poderá ser encarada como uma conseqüência da con­
teríst'cas pecuEares da cidade como uma determinada forma -centração, em cidades, de instalações e atividades industriais e
da associação humana. Uma definição sociologicamente signi­ -comercj,:lis, financeiras e adm!nistrativas, de linhas de trans-
ficativa do que seja cidadey>rocura selcc'onar aqueles e:ementos
porte e comuncação e de equipamento, cultural e recreativo
do urban:smo Que a marcam como um modo distinto de vida -como a imprensa, estaçõos de rádio, teatros, bibliotecas, museus,
dos agrupamentos humanos. -salas de concerto, óperas, 'hospitais, institu'ções educacionais
superiores, centros de pesquisa e publicação, organizações pro­
Caracterizar uma comunidade como sendo urbana, ape­ fissionais e instituições religiosas, e beneficentes. Não fosse
nas tomando como base o tamanho, é obv'amente arbitrário. pela atração e pelas suestões que a cidade exerce sobre a
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 difícil defender a presente definição do recenseamento que população rural através desses instrumentos, as diferenças entre
designa como urbana uma comunidade de 2.500 ou mais ha­ os modos de vida rural e urbano seriam ainda maiores do que
bitantes e todas as outras como rurais. A situação ser:a idên­ -são. A urbanização já não' denota meramente o processo pelO
tica se ,o critério fosse' deuroa popillação de 4.000, 8.000, qual as pessoas são atraldas a uma local'dade intitulada cidade
10.000,25.000 ou 100.000, 'pois apesar de nesse último caso e incorporadas em seu sistema de vida .. l:;la se refere também
podermos sentir que estávamos mais proximamente I'dando com àquela acentu.cão cumulativa das call1Cterísticas que distinguem
um aj!;l'egado urbano do que seria o caso em comunidades de o modo de vida associado com o crescimento das cidades e.
tamanho menor, nenhuma defnição de urbanismo poderá ser finalmente. com as mudanças de sentido dos modos de vida
considerada. satisfatória apenas se considerando os números reconhecidos como urbanos que são aparentes entre os povos,
o URBANISMO COMO MODO DE VIDA 95.
94 o FENÔMENO URBANO

sejam eles quais forem, que tenham ficado sob o encantamento Committee,' achamos possível delinear. e class:f:car comuni-.
das influências que a cidade exerce por meio do poder de suas dades urbanas variando de pequenas cidades que lutam para
inst:tuições e personalidades, através dos meios de comunica­ se manter até os prósperos centros metropolitanos mundiai;
ção e transporte. de pequenas localidades comerciais isoladas, situadas no meio
de regiões agrícolas, a prósperos portos mundiais de movimento
As deficiências que dizem respeito ao número de hab;­
comercial e industrial. Diferenças como essas parecem ser cru­
tantes como critério de urbanismo se aplicam na sua maioria
ciais porque as características e influências sociais dessas dife­
também à densidade de população. Quer aceitemos a densidade rentes "cidades" variam grandemente.
de 10.000 pessoas por m:lha quadrada, conforme propôs Mark
Uma definição útil de urbanismo não deveria somente
Jefferson,' ou 1.000 que Wilcox' preferiu encarar como cri­
denotar as características essenciais que todas as cidades ­
tério de grupamentos urbanos, está claro que, a não ser que a
pelo menos as de nossas cultura - têm em comum, mas de­
densidade seja correlacionada com características sociais ex­
veria prestar-se à descoberta das suas variações. Uma cidade
pressivas, ela poderá servir somente como uma base arbitrária
industrial diferirá significativamente, em seus aspectos sociais,
na diferenc;ação entre comunidades urbanas e rurais. Consi­
de uma cidade comercial, de mineração, pesqueira, de estação
derando que o nosso recenseamento enumera a população no­
de águas,. universitária ou de uma capital. Uma cidade de uma
turna em vez da população diurna de uma área, o local de
s6 indústria apresentará séries .diferentes de características de
vida urbana mais intensa - o centro da cidade - geralmente
uma que possua uma multiplicidade de indústrias, assim como
apresenta baixa densidade de população, e as áreas industriais
ocorrerá entre uma cidade industrialmente' equilibrada e uma
e comerciais da cidade, que contêm as at;vidades econômicas
mais características. da sociedade urbana, dificilmente seriam
industrialmente desequilibrada; um subúrbio e uma cidade-saté­
lite; um subúrbio residencial e um subúrbio industrial; uma
verdade'ramente urbanas em qualquer parte, se a densidade
cidade dentro de uma região metropolitana e uma situada fora.
fosse interpretada literalmente como um símbolo de urban:smo.
Entretanto, o fato de que a comunidade urbana se distingue
dela; uma cidade velha e uma nova; uma cidade sulina e uma
da Nova Inglaterra; uma cidade do Centro-Oeste e uma da
por um grande agregado e unia concentração de população re­
lativamente densa, dificilmente poderá ser ignorado ao se de­ costa do Pacífico; uma cidade em crescimento, uma estável e
finir a cidade. Mas esses critérios devem ser. encarados como outra em extinção.
relativos ao contexto cultural geral no qual as cidades surgem Uma definição sociológica deve, obviamente, ser suficien­
e existem, e somente são sociologicamente relevantes até o ponto temente inclusiva para conter quaisquer. características essen­
em que operam como fatores .condicionantes da vida social. ciais que estes diferentes tipos de cidades têm em comum como
entidades sociais, mas, obviamente, não poderá ser tão deta­
As mesmas críticas se aplicam a tais critérios como a lhada a ponto de cons:derar todas as variáveis implícitas nas
profissão dos habitantes, a existência de certas instalações, ins­
múltiplas classes delineadas acima. Presumivelmente algumas
tituições e formas de organização política. A questão não reside das característ:cas das cidades são mais expressivas do que
em se saber se as 'Cidades na nossà civilização ou em outras
outras no condicionamento da natureza da vida urbana, e po­
possuem. esses traços. característicos, e sim em apurar sua ca­
demos esperar que os fatores predominantes da cena urbano­
pacidade de moldar o caráter da. vida social à sua forma espe­
social variem de acordo com o tamanho, densidade e diferenças
cificamente urbana. Além disso, não poderemos formular uma no tipo funcional das cidades. Além do mais, podemos inferir
definição fértil se esquecermos as grandes variações entre as que .a vida rural levará a marca do urbanismo, à medida que
cidades. Por meio de uma tipologia de. cidades baseada no sofre a influência das cidades através de contato e comunicação.
tamanho, localização, idade e função, tal como tentamos esta­ Poderá servir de contribuição para o esclarecimento das decla­
belecer em nosso recente relatório para o National Research rações que sc seguem, repetirmos que, embora o local do urba­
nismo como um modo de vida deva, evidentemente, ser achado
.. UThe Anthropogeography oí Some Great Cities", BulI. Ame..
caracteeis,ticamente em localidades que preenchem os requ'sitos
rica" GeographicaJ Society, XLI (1909). 537-66. que estabeleceremos para a definição de cidade, o urbanismo
ti Walter F. Wilcox. "A Definition of City in' Terms of Density'\ 1I
em E. W. Burgess, The U,ban Community (Chicago, 1926), p. 119. IS Op. cit., p. 8.

l
97
o URBANISMO COMO MODO DE VIDA
96 o FENÔMENO URBANO
p\ricos oferecendo informações detalhadas sobre uma variedade
não está confinado a tais localidades, mas manifesta-se em graus de aspectos particulares da v;da urbana. Entretanto, apesar da
variáveis onde quer que cheguem as influências das cidades. multiplicação da pesqu!sa e dos livros de texto sobre a cidade,
Embora o urbanismo, ou aquele complexo de caracteres não temos até agora um corpo extenso de hipóteses sucintas
que formam o modo de vida peculiar das cidades, e a urba" que possam ser derivadas de um conjunto de postulados im­
nização, que denota o desenvolvimento e as extensões desses plicitamente contidos numa defin;ção sociológica da cidade e
fatores, não sejam encontrados exclusivamente em grupamentos de nosso conhec:mento sociológico geral, que possa ser com.
considerados como cidade3 no seu senso físico e demográfico, proyado através da pesquisa cientifica. As obr3s que temos que
encontram, não obstante; sua expressão m3is pronunciada mais se aproximam de uma teoria sistemática sobre urbanismo
nessas áreas, especialmente nas cidades metropolitana3. Na poderão ser achadas num penetrante ensaio intitulado "Die
formulação da definição de cidade, é necessário sermos cau­ St3dt", por Max Weber,' e num memorável folheto por Robert
telosos, a fim de evitarmos que identifiquemos o urbanismo E. Park sobre The City: Suggestions for the lnvestigation of Ru­
man Behavior in ihe Urban Environment.• Porém, mesmo essas
como modo de vida com qua:squer influências culturais local
ou historicamente condicionadas, as quais, embora possam ale­ valiosas contr!buições estão longe de constituírem um arcabouço
tar expressivamente o caráter especifico da comun:dade, não ordenado e coerente de teoria sobre a qual possa ser desenvol-
são os determinantes essenciais do seu caráter como cidade. vida eficazmente a pesqu!sa.
:£ de capital importância chamapse a atenção para ci pe­ Nas páginas que se seguem, tentaremos expor um número
rigo de se confundjr urbanismo com industrialismo e capita­ limitado de características que identifiquem a cidade. Dadas
lismo moderno. O surgimento de cidades no mundo lIIoderno I essas características, tentaremos indicar que conseqüências ou
sem dúvida não. é independente do aparecimento da tecnolog:a' outras características delas se originam à luz da teoria socio­
moderna da máqnina automotriz, da produção em massa e da lógica geral e da pesquisa empírica. Dessa maneira esperamos
empresa capitalista. Todavia, por diferentes que possam ter chegar às proposições essenciais de uma teoria sobre urban'smo.
ido as cidades de épocas anteriores pré-industrial e pré-cap:­ Algumas dessas proposições podem ser apoiadas por um con­
talista, não deixavam de ser cidades. siderável corpo de materiais de pesquisa já existente;. outras
poderão ser aceitas como hipóteses para as quais existe certa
Para fins sociológicos, uma cidade pode ser defin:da como
quantidade de provas presumíveis, porém para as quais seria
um núcleo relat:vamente grande, denso e permanente, de indi­
necessária ainda. uma verificação mais ampla e exata. Pelo
vfduos socialmente heterogêneos. Com base nos postulados que
menos, tal procedimento, espera-se, mostrará que conhed­
essa definição tão pequena sugere, poderá ser formulada uma
teoria sob:e urbanismo à luz das conhecimentos ex:stentes,
mentos sistemáticos temos agora sobre a cidade e quais as
hipóteses cruciais e frutlferas para pesquisa futura.
relativos a grupos sociais. ti
.,
O problema central do sociólogo da cidade é descobrir
"
H as formas de ação e organização sodal que emergem em gru­
III. UMA TEORIA SOBRE URBANISMO
"
" pamentos compactos, relativamente permanentes, de grande
Dentre a rica literatura sobre a cidade, procuramos em
"
" número de indivíduos heterogêneos. Devemos também inferir
J que o u;banismo assumirá a sua forma mais caracterlstica e
vão uma teoria sobre urbanismó' a qual apresente de forma
extrema à medida que esêverem presentes as condições Que lhe
iI são congruentes. Assim, quanto. ma;s densamente habitada,
sistemáuca o conhecimento d:sponível referente à cidade como
entidade social. Temos, na verdade, excelentes formulações de
teoáas sobre problemas especiais, como por exemplo o cresci­
quanto mais heterogênea for a comunidade, tanto mais acen­
mento da cidade encarado como uma tendência h;stórica e tuadas serão as caracter\sticas associadas ao urbanismo. De­
como um processo recorrente;' dispomos de farta Hteratura
ve-se reconhecer, contudo, que no mundo social as práticas e
que apresenta insighlS de importância sociológica e estudos em- instituições poderão ser aceitas e continuadas por razões dife-
I Vide Robert E. Park, Emest W. Burges, cI ai., Th. City
8 Wirlschafl und Gestllsc1lafl (Tübingen, 1925), Parte II, cap.
(Chicago, 192.5), esp. caps. II c III; Werner Sambart. "Stadtische :. i
. VIII, pp. 514.601.
Siedlung, Sradt". Hand wlJrterbuch der Soz;o!ogie. cd. Alfrcd Vierundt
(Stullgarl, t931); vü1c' também bibliografia. : ;/ 8 Park, Burges fi aI., op. cil., cap. 1.


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98 o FENÔMENO URBANO
o URBANISMO COMO MODO DE VIDA

Tamanho do Agregado populacional


rentes daquelas que inicialmente lhes deram origem e que, con­
seqüentemen:e, o modo de vida u:bano poderá ser perpetuado De>de a política de Aristóteles, 11 tem-se reconhecido que
sob condições bem diferente3 daquelas necessárias para a sua o aumento do número de habitantes de uma comunidade aci­
origem. ma de certo limite afetará as relações entre eles e o caráter
Devemos a esta alturll apresentar alguma justificativa para da cidade. G:andes números envolvem, como já foi dito, uma
a escolha dos termos pr:ncipais que formam a nossa definição quantidade maior de var:ações individuais. Além disso, quanto
de cidade. Foi feita a tentativa de fazê-Ia a mais inclusiva e maior o número de indivíduos partic'pando de um processo de
ao mesmo tempo a mais sign:ficativa possível, sem, no entanto, interação, tanto maior a diferenciação potencial enlre eles. £
sobrecarregá-la com suposições desnecessárias. Dizer que são de se esperar que os uaços pessoais, as ocupações, a v;da cul­
necessários grandes númer03 para constituir uma cidade, sig­ tural e as idéias dos membros de uma comun'dade urbana
nifica, evidentemente, grandes números em relação a uma área poderão, por isso, variar entre pólos mais amplamente sepa­
de ocupação restrita ou de alta densidade. Não obstante, há rados do que aque!es de habitantes ruraís ..
boas razões para se tratar grandes números e den3idade como Pode-se inferir, facilmente, que tais var:ações dão origem
fatores separados. po:s cada um deles pode estar ligado a con­ à separação espac:al de indivíduos de acordo com a co:, he­
seqüência3 sociais significativamente diferentes. Do mesmo rança étnica, status econômico e social, gostos e preferências.
modo, a necess;dade de se acrescentar homogeneidade à quan. Os vínculos de parentesco, de urbanidade e os sentimentos ca­
tidade de população, como um critério necessário e distinto do racte:íst:cos da vida em conjunto durante gerações sob uma
urban'smo, poderia ser posta em dúvida, porque é de se espe­ tradição de folk comum tenderão a desaparecer e, no melhor
rar que a amplitude de diferenças cresça proporcionalmente à dos casos, tenderão a ser fracos num ag:egado cujos membros
Q!!antidadc. Em sua defesa, poderíamos d'zer que a cidade
L\ Vide esp. VII. 4. 4.14. Traduzido por B. Jowet, do qual a se­
apresenta uma espécie de grau de heterogeneidade de popula­
guinte passagem pode ser citada:
ção Que não pode ser de responsabilidade exclusiva da lei dos "Existe um limite para o tamanho dos Estados. assim como há
grandes números ou não pode ser representada adequadamente um limite para outras coisas, plantas. animais, implementos; pois ne­
por meio da curva normal de distribuição. Como a população nhum destes conserva seu poder natural quando são demasiadamente
da cidade não se reproduz a si mesma. ela tem que recrutar
grandes ou demasiadamente pequenos, mas ou eles perdem totalmente
sua natureza ou são estragados... (Um) Estado. quando composto
seus migrantes de outras cidades, do interior e - a'é recen­ de muito poucos, não é como um Estado deveria ser. auto-suficientei
temente nos Estados Unidos - de outros países. A cidade tem quando composto de demais, apesar de auto--suficiente em todas aS
. sido, dessa forma, o cadinho das raças. dos DOVOS e d< cul. meras necessidades. é uma nação e não um Estado, sendo praticamente
" turas e o mais favorável campo de criação de novos hfbridos
incapaz de Governo constitucional. Pois quem pode ser o general de
uma tão vasta multiplicidade, ou quem o arauto, a não ser que ele
\ bíológicos e culturais. Ela não só tolerou como recompensou
tenha a voz de um Estentor?
diferenças individuais. Reuniu povos dos confins da terra porque "Um Estado somente" começa a existir quando alcança uma p0-
eles são diferentes e, por isso, úteis uns aos outros e não porque pulação que seja suficiente para uma boa vida na comunidade política:
sejam homogêneos e de mesma mentalidade. 10
poderá, na verdade, exceder esse número. Mas como eu dizia, deve
haver um limite. O que deve ser o limite poderá facilmente ser deter­
Há uma quantidade de proposições sociológicas referentes minado através da experiência. Porque tanto governantes como gover­
à relação entre: a) quantidade de população; b) densidade nados têm deveres a cumpriri as funções especiais de um governante
da população; c) heterogene'dade de habitantes e vida grupal,
são comandar e julgar. Mas se são os cidadãos de uma comunidade
que devem julgar e distribuir cargos conforme os méritos, então devem
que podem ser formuladas com base na observação e pesquisa. conhecer" os caracteres uns dos outros; enquanto não possuírem esse
conhecimento, tanto a eleição aos cargos como as decisões nas causas
legais falharão. Quando a população é muito grande, ter-se-á estabe­
10 Poderá parecer necessár:io justificar a inclusão do termo "per­
lecido manifestamente ao acaso, o que não deveria ocorrer. Além
manente" na definição. Nossa falha em dar uma justificação extensiva dis.."O, num Estado excessivamente popu:oso, os estrangeiros e os foras­
para esta caracterfstica do urbano reside no fato óbvio de que, a não teiros logo adquirirão os direitos de cidadania, pois quem os desc
ser que os grupamento humanos se fixem mais ou menos permanen­ brirá? Claramente, então. o melhor limite para uma população de um
temente numa localidade, as características da vida urbana não podem Estado é o maior número suficiente para os propósitos da vida e pode
surgir, e. concomitantemente. a vida de grandes números de indivíduos ser verificado num relance. E basta no que concerne ao tamanho da
heteroganeos reunidos sob condições densas não é possível sem o de
cidade:'
senvolvimento de uma estrutura tecnológica.
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o FENÔMENO URBANO o URBANISMO COMO MODO DE VIDA

apresentam origens e formação tão diversas. Sob tais circuns­ na-se a um aspecto altamente fracionado da esfera de ativi­
tâncias, a concorrência e os mecanismos formais de controle dades dos outros. Isso é essencialmente o que se quer dizer
fornecem os substantivos para os vinculos de solidariedade quando se afIrma que a cidade se caracteriza mais por cantatas
nos qua:s se confia para se manter unida uma sociedade . de secundários do que primários. Os contatos da cidade podem
jolk.
na verdade ser face a face, mas são, não obstante, impessoais,
O aumento do número de habitantes de uma comunidade supe;fic:ais, transitórios e segmentários. A reserva, a ind:fe-­
para mais de algumas centenas obiigatoriamente Emitará a p0s­ rença e o ar blasé que os habitantes da cidade manifestam
sibilidade de cada um dos membros da comunidade conhecer em suas relações podem, pois, ser encarados como instrumen­
pessoalmente todos os outros. Mu Weber, reconhecendo o tos para se imunJzarem contra exigências pessoais e expecta­
siglificado social desse fato, salientou que, do ponto de vista tivas de outros.
sociológico, os grandes números de habitantes e a densidade O superficialismo, o anonimato, e o caráter transitório das
do agrupamento significam que as relações de conhec'mento relações urbano-sociais explicam, também, a sotisllcação e a
pessoal mútuo entre os habitantes, inerentes a uma viz:nhança, {.acionalidade geralmente atribuídas ao habitante da cidade.
estão faltando." O aumento do número, pois, envolve uma Nossos conhecIdos têm a tendência de manter uma relação de
modiíicação no caráter das relações sociais. utilIdade para nós, no sentido de que o papel que cada um
Conforme salienta Simmel: desempenha em nossa vida é sobejamente encarado com um
"(Se) o incessante cantata externo de uma quantidade de meio. para alcançar os fins desejados. Embora, portanto, o in­
pessoas n3 cidade devesse ser correspondido pelo mesmo número dividuo ganhe, por um lado, certo grau de emancipação ou
de reações interiores como numa pequena vila, na qual conhe­ liberdade de controles pessoais e emocionais de grupos íntimos,
cemos quase todas as pessoas que encontramos e com cada perde, por anuo lado, a espontânea auto-expressão, a moral,
uma das quais temos uma relação positiva, estaríamos comple­ e o senso de participação, implícitos na vida numa sociedade
tamente atomizados internamente e taríamos numa condição integrada. Isso constitui essencialmente o estado de anomia ou
de vazio social a. que se refere Durkheim ao tentar explicar as
mental indescritível". " A multiplicação de pessoas num esl1do
várias formas de desorganização em soc:edade tecnológica.
de interação sob condições que tornam impossível seu contato
como personalidades completas produz aquela segmentação de O caráter segmentário e as feições utilitaristas - das rela­
relações humanas que tem sido utiEzada às vezes por estudiosos ções interpessoais na cidade encontram sua expressão institu­
da vida mental das cidades como uma expEcação do caráter cional na proliferação de trabalhos especializados que vemos
"esquizóide" da personalidade uibana. Isso não quer dIzer que na sua forma mais desenvolvida entre as profissões.
os habitante,; urbanos têm menor numero de conhecimentos As operações do nexo pecuniário conduzem a relações
do que os habitantes rurais, pois o inverso pode ser realmente predatórias, que tendem a obstruir o funcionamento eficiente
verdade'ro; quer dizer, na verdade, que, em relação ao número da ordem social a não. ser que sejam fiscalizadas por códigos
de pessoas que eles vêem e com quem se encontram sistema­ profi,siona's e ética ocupacional. O estímulo à utilidade e efi­
ticamen'e no transcurso da vida diária, eles conhecem uma ciência sugere a adaptabilidade do mecanismo associativo para
proporção menor e com estes mantêm relações menos inten­ a organização de empresas nas quais os ind:víduos só se podem
sivas.
engajar em grupos. A vantagem que a companhia tem sobre
.,
Caracteristicamente, os c!dadãos encontram-se uns aos o empresário individual e a empresa composta de dnis sócios
outros em papéis bastante segmentários. Dependem, certamente, no mundo urbano-industrial deriva não só da possibilidade que
de ma:s pessoas para as satisfações de _ suas necessidades da ela oferece de centralizar os recursos de milhares de indivíduos
vida 00 que a população rural e por isso são associados a um ou do privilégio legal da responsabilidade lilI1itada e sucessão
número maior de grupos organizados, mas dependem menos perpétua, mas do fato de que a companhia é uma entidade
de pessoas determ:nadas, e sua dependência de outros confi- ideal.
A especialização dns ind:víduos especialmente em suas
" Op. cil., p. 514. ocupações só pode continuar, como salientou Adam Smith, com
15 Georg Simmel, "Die Grosstãdte und das GeistesJehen". Die base num mercado ampliado, o que, por sua vez, acentua a
Grosstãdl, ed. Theodor Petermaon (Dresden, 1903), pp. 187-206. divisão do trabalho. Esse. mercado ampliado é, somente em
102 o FENÓMENO URBANO o URBANISMO COMO MODO DE VIDA 103,

parte, suprido pelo interior; em grande parte ele é encontrado Do lado subjetivo, conforme sugeriu Simmel, o contato
entre os grandes números que a própria cidade contém. A do­ físico estreito de numerosos indovlduos produz necessariamente
minância da cidade, sobre o interior que a cerca, torna-se a mudança nos me'os através dos quais nos orientamos em
explicável em termos da divisão do trabalho promov:da e oca­ relação ao meio urbano, especialmente em relação aos nossos
sionada pela cidade. O extremo grau de interdependência e o concidadãos. Tipicamente, nossos contatos fis'cos são estreitos, '
equ:Iíbrio instável da vida urbana estão intimamente associados mas nossos contatos sociais são distantes. O mundo urbano
com a divisão do trabalho e a especialização das ocupações. tem em alta conta o reconhecimento v:sual. Vemos o uniforme
Essainte;dependência e instabilid.de é aumentada pela tendên­ que denota o papel dos funcionários e esquecemos as excen­
cia de cada cidade em se especializar naquelas funções que lhe tricidades pessoais que se acham ocultas por trás do uniforme.
são mais vantajosas. Temos a tendência de adquirir e desenvolver uma sensib'lidade
Numa comunidade composta de grande número de indi­ a um mundo de artefatos e somos progress:vamente distanc:a­
vfduos que não se conhecem intimamente e cujo número é dos, cada vez mais, do mundo da natureza.
excessivo para se reunirem num s6 lugar, torna-se necessário , Estamos expostos a vivos contrastes entre esplendor e mi­
efetuar a comun:cação por meios indiretos e articular interesses séria, entre riqueza e pobreza, inteligência e ignorânc:a, ordem
indiv:duais por um processo de delegação. Especificamente' na e caos. A concorrência pelo espaço é grande, de tal forma que
cidade, os interesses são efetivados através de representação. cada área geralmente tende a se ded'car à atividade que pro­
O individuo pouco conta, mas a voz do representante é ouvida duza melhor retorno económico. O local de trabalho tende a
com uma deferênc:a proporcional ao número de individuos se d:ssociar do local de moradia, pois a proximidade de esta­
em nome dos quais ele fala. Embora essa caracterização de
belecimentos industriais e comerc:ais torna uma. área indese-
urbanismo na medida em que deriva de grandes números não
jávcl, económica e socialmente, para fins residenciais. _+
exaure de forma alguma as inferências sociológicas que pode­
riam ser tiradas do nosso conhec:mento das relações do ta­ A densidade, os vlllores da terra, os augué:s, a acessibi­
manho de um grupo com o' comportamento carcteristico dos lidade, a salubridade, o prestigio, cons:derações estéticas, a
membros, para não nos alongarmos, as afirmações feitas p0­ ausncia de inconvenientes tais como barulho, fumaça e su­
derão servir para exemplificar a espécie de proposições que jeira\ determ:nam a atratividade de vár:as áreas da cidade como
poderão ser desenvolvidas. locais para o estabelecimento de diferentes camadas da popu­
lação. O local' e a natureza do trabalho, a renda, as caracte­
Densidade rísticas raciais, étnicas, o status soc:al; os costumes, hábitos,
gostos, preferências e preconce:tos estão entre os fatores sig­
Como no caso dos números, assim tambm no cac:n da nificantes de acordo com os quais a população urbana é sele­
concentração num espaco limitado, emergem certas cnnseQüên­ cionada e distribuída em locais mais ou menos distintos. Ele-.
cias relevantes na análise sociológica das cidades. Destas, só mentos populacionais diversos, habitando localidade compacta,
podem ser indicadas algumas.
tendem portanto a se sep31ar uns dos outros na medida em
Conforme Darwin salientou para a flora e a fauna e con­ que suas, necessidades e modos de vida são incompatíveis uns
forme Durkheim .. notou no caso das sociedades humanas, um com os outros e na medida em que sejam antagõnicos. Do
,aumento numérico par. uma área constante (isto é. um cres­ mesmo modo, pessoas de status e necessidades homogêneos,
r\;, c;!!!tento da densidade) tende a produzir d'ferenciação e espe­ consciente ou inconscientemente, se dir.gem ou são forçadas
cialização, po:s somente dessa forma é que a área poderá su­ para a mesma área. '
portar o aumento numérico.. A densidade. nois, reforça o efeito
Que os números exercem solire, a divers'ficação dos homens e , As diferentes partes da cidade, portanto, adquirem fun­
de suas atividades e sobre o aumento da complex:dade da ções especiaHzadas. A cidade, conseqüentemente, tende, a pa-,
estrutura social. recer um mosaico de mundos socoais nos quais é abrupta. a
transcrição de um para o outro. A justificação de personali­
14 E. Durkheim, De la Division du Travail Social (Paris. 1932), dades e modos de vida divergentes tende a produz'r uma pers­
p. 248. pectiva relativista e um ..senso de tolerânc:a de dife;énças que
104 o FENÔMENO URBANO O URBANISMO COMO MODO DE VIDA 105

poderão ser encaradas como pré-requisitos para a racionalidade Devido aos seus diferentes interesses emanados de diferentes
e que conduzem à sCt ularização da vida." . aspectos da v:da social, o indivíduo se torna memb.o de gru­
(
A vida em cantata estreito e o trabalho em comum, de pos bastante divergentes, cada um dos quais funciona somente
indivíduos sem laços sentimentais ou emocionais, desenvolvem com refe;ência a um segmento da sua personalidade. Nem esses
um e3pírito de concorrência, engrandecimento e exploração grupos permitem, facilmente, que seja feito um arranjo con­
mútua. Para neutral!zar a responsabilidade e a desordem em cêntrico de modo a fazer com que o mais estreito se inclua
potencial, surge a tendência de se utilizarem controles formais. na c:rcunerência dos mais inclusivos, como é o que se verWca
Sem a aderênc:a rígida a rotinas previsiveis, uma grande sa­ nas comunidade3 rurais ou em sociedades primitivas. Na ver­
ciedade compacta d:ficilmente seria capaz de sustentar a si dade, os grupos aos quais a pessoa está tipicamente filiada são
mesma. O relógio e o sinal de trânsito simbolizam a base da tangencbis uns aos outros ou se entrecortam de forma alta­
nossa ordem social no mundo urbano. Cantata físico estreito mente variável.
freqüente, aliado a grande distância social, acentua a reserva A substituição dos membros do grupo é, geralmente, rá­
de indivíduos não-ligados entre si e, a não ser que seja com­ pida, em parte como resultado da liberdade de cL:cuIação da
pensada por outras oportunidades de reação, dá origem à população e em parte como resultado de sua mobilidade social.
solidão. O local de residência, o local e a característ:ca do emp.ego,
O necessário. movimento freqüente de um grande número a renda e a receita, flutuam, e o trabalho de manter juntas as
de indivíduos num habitat congestionado ocasiona atrito e irri. organizações e de promover relações de amizade íntimas e du­
" 'I tação. As tensões nervosas que derivam dessas frustrações são 'radouras entre os membros é difícil. Isso se aplica notavel­
acentuadas pelo ritmo acelerado e pela complicada tecnolog:a mente às áreas situadas dentro da cidade, nas qua:s as pessoas
sob os quais a vida em áreas densas tem de ser vivida. se segregam ma's em virtude de diferença de raça, língua, renda
e status social do que através de escolha ou atração positiva
a pessoa3 como elas mesmas. Em geral, o habitante da cidade
HeterogeneidOde'
não é o proprietário da sua própria casa e, considerando que
uma permanência transitória não gera tradições e sentimentos
A interação social entre uma tamanha variedade de tipos de união, só raramente ele é um vizinho na verdadei;a expres­
de 'personal:dades num ambiente urbano tende a quebrar a são da palavra. Há poucas oportunidades para o indivíduo
rigidez das castas e a complicar a estrutura das classes e por­ conseguir um conceito do que seja c:dade como um todo ou
tanto induz a um arcabouço mais ramificado e d'ferenciado de para examinar o seu lugar no esquema geral. Conseqüente­
estratificação social do que em' sociedades mais integradas. mente, é difícil para ele determinar o que lhe seja "mais con­
A crescida mobilidade do indivíduo, que o coloca dentro do veniente" e decid'r entre os assuntos e os líderes que lhe são
campo de estímulos recebidos de um grande número de indi­ apreseniados pelas agêncbs de sugestão das massas. Os indi­
víduos dJerentes e o sujeita a um status flutuante no seio de víduos que integram a sociedade compõem as massas fluIdas
grupos sociais diferenciados que compõem a estrutura social que tornam tão imprevisível e, portanto, tão problemático o
da cidade, tende para a aceitação da instabilidade e insegu­ comportamento coletlvo na comunidade urbana.
rança no mundo como norma geral. Esse fato contribui, tam­
Apesar da cidade, através do recrutamento de tipos va­
bêm, para a sofisticação e o cosmopolitismo do hab'tante da
riados para executar seus diversos trabalhos, e da acentuação
'Cidade. Nenhum grupo isolado é possuidor da fidelid,de exclu­
de seu caráter sui generis através da concorrência e do prêmio
siva do indivíduo. Os grupos aos quais ele se acha filiado
pela excentricidade, novidade, desempenho efic:ente e inventi­
não se 'prestam rapidamente a um simples arranjo hierárquico. vidade, produz'r uma população altamente diferenciada, ela
também exerce uma influência niveladora. Onde Quer que es­
15 I! difícil deter minar-se a extensão na qual a separação da tejam concentradas grandes quantidades de indivíduos de cons­
população em áreas clllturais e ecológicas distintas e a resultante ati. tituições diferentes, entra também o processo de despersonali­
tude social de tolerânch, raciona:idade e mentalidade secular são função zação. Essa tendência niveladora é interente, em parte, à base
da densida4c em contmposiáo à heterogeneidade. Muito provavelmente
estamos ,".âKqui lidando tom' fenômenos que são conseqüência das ope­ económica da cidade. O desenvolvimento das grande3 cidades,
rações simultâneas de ambos os fatores. pelo menos na era moderna, repousa em larga escala sobre a
106 o FENÔMENO URBANO O URBANISMO COMO MODO DE VIDA 107.

força concentradora do vapor. O cresc;mento 'da fábrica pos­ Com base nas três variáveis, número, densidade do agru­
sibilitou a produção em massa pa;a um mercado impessoal. pamento e grau de heterogeneidade da população urbana, pa­
A máxima exploração das poss:bilidades da divisão do trabalho rece possível explanarem-se as características da vida urbana
e da produção em massa só é possível, porém, com a padro­ e explIcarem-se as diferenças entre cidades de vários tamanhos
nização de processos e produtos. Uma economia monetária e tipos.
cam'nha lado a lado com esse sistema de produção. Progressi­ O urban:smo como um modo de vida característ'co pode
vamente, à medida que as cidades se desenvolveram baseadas se; abordado empiricamente de três perspectivas inter-relacio­
nesse sistema de produção, O nexo pecuniário que impl'ca a nadas: I) como uma estrutura física consistindo uma base de
r.
possibilidade de aquisição de bens e serviços deslocou as re­ \ \ '. população, uma tecnologia e uma ordem ecológica; 2) como
lações pessoa;s como base de associação. Nessas circunstânc:as, um sistema de organ'zação social envolvendo uma estrutura
a individualidade deve ser substituída por categorias. Quando soc:al característica, uma série de instituições sociais e um
grandes números de indivíduos têm de fazer uso comum de modelo típico de relações sociais; 3) como um conjunto de
facilidades e instituições, deve ser fe;to um arranjo a fim de atitudes de idéias e uma constelação de personalidades dedi­
ajustar as facilidades e instituições às necessidades da média cadas a formas típicas do comportamento coletivo e sujeitas
das pessoas e não às de determinados indivíduos. Os serviços a mecanismos característicos de controle soc:al.
de ut:lidade pública, das instituições recreativas, educacionais e
culturais devem ser ajustados às necessidades coletivas. Do o Urbanismo na Perspectiva Ecológica
mesmo modo, as instituições culturais, tais como as escolas, os
cinemas, o rádió e os jornais, em virtude de sua clientela Considerando que, no caso da estrutura física e dos pro­
or:unda das massac;, devem necessariamente operar como in­
cessos ecológicos, somos capazes de operar com índices bas­
fluências niveladoras. O processo político conforme aparece
tante objetivos, é possível chegarmos a resultados bem precisos
na vida urbana não poderia ser enténd'do sem levarmos em e geralmente quant:tativos. A "dominância" da cidade sobre
conta os apelos à massa por meio das modernas técnicas de
o hin/erland torna-se explicável através das caracte;ísticas fun­
propaganda. Se o indivíduo participar de qualquer forma na
cionais da cidade que derivam em grande parte do efeito dos
vida social, política e econômica da cidade, deverá subordinar
números e da densidade. Mu:!as das instalações técnicas e das
um pouco de sua indiv'dualidade às exigências da comun'dade especializações e organizações que surgem da vida urbana só
maior e nessa medida fazer parte de movimentos coletivos.
poderão crescer e prosperar em cidades onde a procura seja
suficientemente grande. A natureza e âmbito dos serviços pres­
N. A RELAÇÃO ENTRE A TEORIA DO URBANISMO E A PESQUISA tados por essas organizações e institu'ções e as vantagens de
SOCIOLÓGICA que elas gozam sobre as instalações menos desenvolvidas de
cidades menores dão margem à dominância das cidades e à
Por meio de um corpo teórico como o delineado ac'ma dependência de regiões cada vez mais vastas em relação à
para fins ilustrativos, o compl'cado e multilateral fenômeno do metrópole central.
urbanismo poderá ser analisado em termos de um número li­ A composição da população urbana mostra a atuação de
mitado de categorias bás'cas. A abordagem sociológica da ci­ fatores selet:vos e d;ferenciadores. As cidades contêm' uma pro­
dade adquire, portanto, uma un;dade essencial e coerência, porção maior de pessoas jovens do que as áreas rurais, onde
possibilitando ao investigador empírico não somente focalizar se nota uma predominância de pessoas de idade e de crianças.
ma:s distintamente os problemas e processos que pertencem Nesse aspecto, como em muitos outros, quanto maior a cidade,
apropriadamente ao seu can:tpo, mas também tratar o seu as­ tanto mais aparente é essa característica específica do urba­
sunto de maneira ma;s integrada e sistemátíca. Algumas das nismo. Com exceção das maiores cidades, que atraíram grande
verificações tlpicas da pesquisa empírica no campo do urba­ número de estrangeiros homens, e em alguns tipos especiais
nismo, com especial referênc'a aos EUA, poderão ser indi­ de cidades, há uma predominância numérica de mulheres sobre
cdas pa;a pr\lvar as proposições teóricas estabelec'das nas pá­ os homens. A heterogeneidade da população urbana é também
ginas anteriores, podendo-se esboçar alguns dos problemas assinalada por linhas raciais e étnicas. Os estrangeiros e seus
cruciais para posterior estudo. filhos constituem aproximadamente dois terços de todos os ha-
I
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I
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108 o FENÔMENO URBANO o URBANISMO COMO MODO DE VIDA 109

bitantes de cidades com um milhão ou mais de habitantes. Sua


.1 proporção na população urbana decresce à medida que d:minui
do mecanismo físico das cidades não são fenõmenos isolados

I
sem relação com as cidades como entidade social, porém são
O tamanbo da cidade, até que nas áreas rurais eles participam afetadas e afetam o modo de v:da urbano.
somente com um sexto do total da população .•
Da mesma forma, as cidades maiores atraíram mais ne­
gros e outros grupos raciais do que as comunidades pequenas. o Urbanismo como Forma de Organização Social
Considerando que a idade, o sexo, a raça e a origem étn:ca
se acham associados com outros fatores como ocupação e inte­ ( Os traços característicos do modo de vida urbano têm
resse, verifica-se claramente que uma das características peio.. \ sido descritos sociologicamente como consistindo na substitui­
cipais do habitante urbano é a sua de3semelhança dos seus I ção de cantatas pr;mários por secundários, no enfraquecimento
concidadãos. Nunca dantes tantos povos de traços diversos, dos laços de parentesco e no declínio do significado social da
como é o caso das nossas c'dades, foram aglomerados em con­ ! famOia, no desaparecimento da vizinhança e na corrosão da
tato físico tão estreito como nas grandes cidades da América. , base tradicional da solidariedade soc'al. Todos esses fenômenos
As cidades, em geral, e as americanas em particular, são for­ podem ser verificados substancialmente através de índices obje­
madas de uma gama heterogênea de povos e culturas, de mo­ tivos. Assim, por exemplo, as baixas e declinantes taxas de
dos de vida altamente diferenciados entre os quais muitas reprodução urbana sugerem que a cidade não conduz ao tipo
vezes há apenas um mínimo de comunicação, a maior das tradicional de vida familiar, inclusive a educação de crianças
indiferenças e. a maior tolerância, por vezes árdua luta, mas e a manutenção do lar como local em tomo do qual giram as
sempre o contraste mais marcante. atividades vita's. A transferência de atividades industriais, edu­
A falha da população urbana em se reproduzir parece ser cacionais e de recreação, para instituições especializádas fora
uma conseqüência biológIca de uma combinação de fatores no do lar, privou a família de algumas das suas funções históricas
complexo da vida urbana, e o declínio da nataEdade pode, ma's características. Nas cidades, é mais provável que as mães
geralmente, ser encarado como um dos sinais mais marcantes estejam empreg'adas, mais freqüentemente há inquilinos nas
da urbanização do mundo ocidental. Embora a proporção de casas de família, os casamentos tendem a ser retardados e a
óbitos nas cidades se apresente lígeiramente maior do que no proporção de pessoas solteiras e não-comprometidas é maior.
campo, a diferença fundamental entre a falha das cidades dos As famílias são menores e mais freqüentemente sem filhos do
nossos dias e das cidades do passado em manterem a sua p0­ que as famílias do campo. A família como un'dade social está
pulação é que no passado o motivo estava na alta taxa de emancipada do grupo de parentesco 'maior, característico do
mortalidade nas cidades, enquanto hoje, já que as cidades se campo, e os membros individua's seguem os sem próprios inte­
tornaram mais habitáveis do ponto de vista de saúde, o fato ress divergentes na sua vida vocac:onal, educacional, religiosa,
se deve à baixa nataEdade. Essas características biológicas da recreativa e política. . ,
população urbana são sociologicamente significantes, não s0­ Funções tais como a preservação da saúde, os métodos de
mente porque refletem o modo urbano de existência, mas tam­ aliv:ar os sofrimentos associados com a insegu;anç;J, pessoal e
bém' porque condicionam o crescimento e a futura dom:nânc:a . social, provisões para melhoria da educação, da recreação e
das cidades e sua organização social básica. Considerando que da cultura, deram or:gem a instituições altamente cspecializadas
as cidades são consumidoras e não produtoras de homens, o num âmbito comunitário, estadual e mesmo nac:onal. Os mes­
valor da vida humana e a avaI:ação social da personalidade mos fatores que trouxeram maior insegurança pessoal também
não deixarão de ser afetados pelo saldo entre nascimentos o são responsáveis pelos contrastes cada vez maiores cn:'rc indi­
óbitos. O padrão de aproveitamento da terra, de valor da terra, vIduas, existentes no mundo urbano. Embora a cidade tenha
aluguéis e propriedade, a natureza e o funcionamento das estru­ derrubado as rígidas Enhas de casta da soc:edade pré-indus­
turas físicas, da habitação, dos meios de transporte e comu­ trial, aguçou e diferenciou grupos de rendas e status. Geral­
nicação, das utilidades públicas - essas e muitas outras fases mente, há uma proporção maior de adultos da população
urbana bem empregados do que adultos da população rural.
• N. do' Org. - '£ preciso não esquecer que essas observações 10 A classe dos "trabalhadores de gravata"" comprendendo-se
referem nos Estados Unidos na déçada de 30. como tais os empregados comerciais, bancários e burocratas,
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o FENÔMENO URBANO
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o URBANISMO COMO MODO DE VIDA ]I)

é proporcionalmente mais numerosa nas grandes cidades, nos ! A Personalidade Urbana e o Comportamento Coletivo
:11 centros metropoEtanos e nas pequenas c:dades do que no i

li campo.

Como um todo, a cidade desencoraja uma vida económica


fi em grande parte por meio de ativ:dades de grupos vo­
luntários, selam seus objetivos económicos, pOlÍticos, educac:o­
iii na qual o indivíduo, numa época de crise, tenha uma base Dais, religiosos, rec;eativos ou culturais, que o habitante da ci­

Li I de subsistência à qual recorrer, e desencoraja o emprego autô­


nomo. Se bem que as rendas dos habitantes das cidades sejam
maiores, em média, do que as do interior, parece que o custo
dade exprime e desenvolve sua persona,lOade, a04ll le .HatuS
e consegue desempenhar a quantidade de atividades que cons­
titu; sua carreira na vida. Podemos facilmente infenr, entre­

r!
de. vida é maior nas cidades maiores. A casa própria envolve tanto, que o arcabouço organizadonal que essas funções alta­
maiores ônu3 e é mais rara. Os aluguéis são maiores e absor­ mente diiecenciadas fazem surgir não assegura por si só a
vem uma proporção ma'or da rece:ta. Apesar do habitante da consistência e integridade das personalidades cujos interesses
cidade se ver beneficiado com muitos serviços comunais, gasta engloba. A desorgan'zação pessoal, o esgotamento nervoso, o
. uma grande proporção da sua renda Com itens como recreação suicíd:o, a delinqUência, o crime, a cOilupção e a desordem
e aperfeiçoamento da educação e uma proporção menor com poderão, nessas circunstâncias, prevalecer mais na comunidade
alimentos. Aquilo que . os serviços da comun:dade não ofere­ urbana do que na rural. Isso tem-se confirmado na medida da
cem, o hab:tante urbano é obrigado a comprar, e pode-se dizer disponib'lidade de índices comparáveis; mas os mecan:smos
que praticamente não existe nenhuma necessidade humana que subjacentes a esses fenômenos necessitam mais análise.
deixou de ser explorada pelo comercialismo. Fornecer emo­ Considerando que, para os propósitos da maioria dos gru­
, .
ções e meios de escapar ao tédio, à monotonia e à rotina tor­ pos, é impossível, na cidade, atrair ind:vidualmente o grande
li na-se, pois, uma das princ;pais funções da recreação urbana, a número de individuos isolados e dife;enciados, e, conSiderando
1' qual, na melhor das hipóteses, fornece meios para a auto-ex­ que, somente através de organizações às quais os homens per­
i1 pressão criadora e a associação espontânea dos grupos, inas tencem, seus interesses. e recursos podem ser recrutados para
li que, mais tipicamente no mundo urbano, resulta em contem­ uma causa colet:va, pode-se inferir que o controle social na
II
plação passiva, por um lado, ou sensacionais façanhas inéditas, ddade deve tipicamente processar-se por meio de grupos for­
ti I'
por outro. malmente o;ganizados. Segue-se, também, que as massas de
i Reduzido a um estágio de virtual impotência como indi. homens na cidade estão sujeitas à manipulação por símbolos
I víduo, o habitante urbano esforça-se para fazer parte de gru­ e estereótipos comandados por indivíduos operando de longe,
pos organizados de interesses semelhantes para obter seus fins. ou invisivelmente por trás dos bastidores, através do controle
Isso resulta numa enorme multipEcação de organizações volun­ dos meios de comunicação. O autogoverno, quer seja no reino
tárias com um número de objelivos Ião variados quanto as econôm:co, político ou cultural, está nessas circunstâncias re­
necessidades e interesses humanos. Embora de um lado os laços duzido a uma simples figura de retórica, ou na melhor. das
de associação humana estejam enfraquecidos, a existência ur­ hipóte.ses está sujeito ao equilíl);io instável de grupos de pressão.
bana envolve Um grau de interdependência maior entre os ho­ Em virtude da ineficácia de hços reais de parentesco, cria­
mens e uma forma mais complicada, frágil e volátil de inler­ mos grupos fictíc:os de pacenteseo. Em face do desapareci­
relações mútuas sobre muitas fases das quais o indivíduo como mento da unidade territorial como base de solidar:edade soçiaJ,
tal não consegue exercer quase nenhum controle. FreqUente­ criamos unidades de interesse. Enquanto isso, a cidade como
mente hã apenas uma relação muito tênue entre a posição eco­ comunidade decompõe-se numa séú de relações segmentárias
nômica ou outros falores básicos que determinam a existência tênues, sobrepostas a uma base territorial Com um centro de­
do indivíduo no mundo urbano e os grupos. voluntários aos finido, mas sem uma periferia definida, e a uma diúão do
quais ele se acha filiado. Enquanto numa sociedade primitiva trabalho que transcende bastante a localidade contígua, e é
e rural é geralmente possfvel, com base em alguns fatores co­ universal em extensão. Quanto maior o número de pessoas num
nhecidos, prever quem pertencerá ao que, e quem se associará estado de intecação' umas com as outras, tanto menor é o nivel
a Quem em Quase todas as relacõcs da vida, na cidade só po­ de comunicação e tanto maior é a tendênc'a da comunrcação
demos projetar o p1drão geral de formação e filiação do grupo, proceder num nível elementar, isto é, na base daquelas coisas
e esse padrão mostrará muitas incongruências e contradições que se supõem serem comUDS ou de interesse de todos.
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I
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I 113

II 112 o FENÔMENO URBANC o URBANISMO <;OMO MODO DE VIDA

" !
I
cidade, a qual levaria em conta, adequadamente, o fato de que, .
I
Obviamente, portanto, é nas tendências emergentes no
I sistema de comunicação e na tecnologia de produção e d;s­ enquanto a cidade é o local característico do urbanismo, o .. .)
! tribu'ção surgida na civilização moderna que devemos procurar modo de vida urbano não se confina às cidades. Para finali-;
I os sintomas que irão ind:car o provável desenvolvimento futuro dades' sociológicas, uma cidade é uma fixação relativamente
do u;banismo como modo de viela. O sentido das atuais modi­ grande, densa e permanente de indivíduos heterogêneos. Os
I' :
ficações no urbanismo transformarão, para o bem ou para o grandes números são responsáveis pela variabilidade indivi-
.I
mal, não somente as cidades, mas o mundo. Alguns. dos mais duaI, pela relativa ausência de conhecimento pessoal íntimo, ....
!
bás:cos desses fatore, ou processos e as possibilidades de dire­ pela segmentação das relações humanas as quais são em grande .
parte anônimas, superficiais e. transitórias e por características
,

,
ção e controle. deles são um convite para estudo mais deta­
correlatas. A densidade envolve diversificação e especialização,
,

!bado.
Somente na medida em que o sociológo tiver uma com­ a coincidência .de cantata fisico estreito e relações sociais dis­
preensão clara do que seja a cidade como entidade social e tantes, contrastes berrantes, um padrão complexo de segregação,
! possuir uma teoria razoável sobre urbanismo, poderá ee de­ a predominância do controle social formal, e atrito acentuado,
senvolver um corpo unif;cado de conhecimentos, pois aqu:lo entre outros fenômenos. A heterogeneidade tende a quebrar
que passa por "Sociologia Urbana" certamente não o é atual­ estruturas sociais rígidas e a produzir maior mobilidade, insta­
mente. Se se tomar como ponto de partida uma teoria sobre bilidade e insegurança, e a filiação de indivíduos a uma varie-
urbanismo como a delineada nas páginas anteriores, a ser dade de grupos sociais opostos e tangenciais com um alto grau
elaborada, testada e rev:st" à luz de mais análises e pesqu:sa de renovação dos seus componentes. O nexo pecuniário tende
empfrica, Pode-se e,perar que seja determinado o critério de a deslocar as relações pessoais, e as IDstitutções tendem a
relevância e validade de dados concretos. Esse sortimento he­ atender às necessidades das massas em vez do indivíduo. O
terogêneo de informações separadas que foram incorporadas indivíduo, portanto, somente se torna eficaz através de grupos
em tratados de Soc:ologia sobre a cidade poderá, ass:m, ser organizados. O complexo fenômeno do urbanismo poderá apre­
filtrado e incorporado num corpo coerente de conhecimentos. sentar unidade. e coerência se a análise sociológica se fizer à
A propósito, somente por meio de uma teoria de,se tipo, o luz de tal corpo teórico. A evidência empírica referente à
sociólogo escapará da fútil prát'ca de enunciar, em nome da Ecologia, à Organização Social e à Psicologia Social do modo
ciênc:a sociológíca, uma variedade de julgamentos, às vezes de vida urbano confirma a eficácia dessa abordagem.
insuscitáveis, relativos a probemas tais como pobreza, habi­
tação, planejamento urbano, higiene, administração munic:pal,
polic'amento, mercadologia, transporte e outros itens técnicos.
Embora o sociolólogo não possa solucionar qualquer desses
problemas prát:cos - pelo menos não por si só - ele poderá,
se descobrir sua função apropriada, constribuir para a sua
compreensão e solução. As perspectivas de. fazê-lo são mais
claras através de uma abordagem geral, teórica, do que por
uma abordagem ati hoc.

SUMÁRIO

A urbanização do mundo, que é um dos fatos mais notá­


veis dos tempos modernos, trouxe modif'cações profundas em
praticamente todas as fases da vida social. A recente e rápida
urbanização nos Estados Unidos é ponsável pela agudeza
dos nossos problemas urbanos e pela nossa falta de consciência
deles. Apesar do predomfnio do urbanismo no mundo moderno,
a;nda sentimos falta de uma definição sociológica do que seja

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