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ALMEIDA FILHO, N., et al., orgs. Teoria epidemiológica hoje: fundamentos, interfaces, tendências
[online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1998. 256 p. EpidemioLógica series, nº2. ISBN 85-85676-50-7.
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TEORIA EPIDEMIOLÓGICA HOJE
Fundamentos, Interfaces, Tendências
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ
Presidente
Eloi de Souza Garcia
EDITORA FIOCRUZ
Coordenadora
Maria Cecília de Souza Minayo
Conselho Editorial
Carlos E. A. Coimbra Jr.
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Charles Pessanha
Hooman Momen
Jaime L. Benchimol
José da Rocha Carvalheiro
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Miriam Struchiner
Paulo Amarante
Paulo Gadelha
Paulo Marchiori Buss
Vanize Macedo
Zigman Brenner
Coordenador Executivo
João Carlos Canossa P. Mendes
TEORIA EPIDEMIOLÓGICA HOJE
Fundamentos, Interfaces, Tendências
Organizadores
Naomar de Almeida Filho
Maurício Lima Barreto
Renato Peixoto Veras
Rita Barradas Barata
Série EpidemioLógica 2
Copyright © 1998 dos autores
Todos os direitos desta edição reservados à
FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ/EDITORA
ISBN 85-85676-50-7
Catalogação-na-fonte
C e n t r o de I n f o r m a ç ã o Científica e Tecnológica
Biblioteca Lincoln de Freitas Filho
CDD-20.ed. - 6 1 4 . 4
1998
EDITORA FIOCRUZ
Rua Leopoldo Bulhões, 1480, Térreo - Manguinhos
21041-210 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: 590-3789 - ramal 2009
Fax.: (021) 280-8194
Autores
Dina Czeresnia
Departamento de Epidemiologia e Métodos
Quantitativos em Saúde da Escola Nacional de Saúde Pública/FiocRUZ
Douglas L. Weed
Instituto Nacional do Câncer - Estados Unidos
Eduardo Menéndez
Centro de Investigations y Estudios en Antropologia Social - México
Ezra Susser
Universidade de Columbia/Instituto Psiquiátrico do Estado de Nova York -
Estados Unidos
Juan Samaja
Universidade Nacional de Buenos Aires - Argentina
Mervyn Susser
Universidade de Columbia - Nova York, Estados Unidos
Milos Jénicek
Universidade McMaster - Canadá
Miquel Porta
Instituto Municipal de Investigação Médica de
Barcelona/Universidade Autônoma de Barcelona - Espanha
e Universidade da Carolina do Norte - Estados Unidos
Pierre Philippe
Universidade de Montreal - Quebec, Canadá
Organizadores
Naomar de Almeida Filho
Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia
APRESENTAÇÃO 9
PARTE I: FUNDAMENTOS
1. Epistemologia e Epidemiologia
Juan Samaja 23
5. Metanálise em Epidemiologia
Milos Jénicek 105
7. O Ecológico na Epidemiologia
Pedro Luis Castellanos 129
9. A Epidemiologia e a Biotecnologia
Marília Bernardes Marques 165
PARTE III: TENDÊNCIAS
FUNDAMENTOS
TENDÊNCIAS
Os Organizadores
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SUSSER, M. What is a cause and how do we know one? a grammar for pragmatic
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FUNDAMENTOS
;
Wade Hampton I rost
EPISTEMOLOGIA
Ε EPIDEMIOLOGIA*
Juan Samaja
Que interesse pode ter para a epidemiologia o debate sobre seus fundamentos
epistemológicos? O que a epistemologia tem a dizer para a epidemiologia?
A resposta a estas questões, que e x a m i n a r e m o s neste trabalho, pressu-
p õ e a revisão prévia de certos aspectos da palavra 'ciência', tal c o m o se p o d e
extrair das circunstâncias de sua origem.
Primeiro a metafísica e depois a física (como batismo inicial das 'ciên-
cias particulares') surgiram n o cenário da cultura c o m a pretensão de estabe-
lecer o saber legítimo e efetivo para os h o m e n s : esse que deve ser adotado
c o m o verdadeiro por ser efetivamente verdadeiro.
O surgimento dessas ciências resultou de m u d a n ç a s nas formas da
consciência social que se produziram na transição das sociedades gentílicas
1
Adota-se o critério de Bidet (1993) que distingue três dimensões na matriz da modernidade: a
contratualidade interindividual, a 'centricidade' e a associatividade.
D e acordo c o m a lógica dominante, as inferências lógicas, aplicadas
ao trabalho dos cientistas, registra apenas duas aplicações: a d e d u ç ã o - apli-
cação de u m conhecimento sobre a totalidade do conjunto a u m a parte ou
subconjunto — e a indução — a generalização d o que se sabe acerca de u m a
parte do conjunto a todo o objeto. Derivar conclusões particulares (deduzir)
ou produzir u m a generalização (induzir) constituem as operações elementa-
res do raciocínio científico. A s demais formas de operar c o m o conhecimen-
to são postas à m a r g e m pelas teorias metodológicas, pressupondo-se que
sejam irracionais.
RESSURGIMENTO DO HISTORICISMO
N o c o n t e x t o de n o v a s a n a l o g i a s e p a r a d i g m a s , q u e p e r s p e c t i v a s se
a b r e m p a r a o d e b a t e e p i s t e m o l ó g i c o sobre a e p i d e m i o l o g i a ? Q u e novos
d e s e n v o l v i m e n t o s , n o â m b i t o da e p i d e m i o l o g i a , p o s s i b i l i t a e s t a forma
d e c o n c e b e r a s a ú d e - d o e n ç a c o m o funções d a a u t o - r e g u l a ç ã o d a r e p r o -
dução social?
C o n f o r m e exposto anteriormente, o limite m a i s significativo dos m o -
delos epidemiológicos que possibilitaram os paradigmas dedutivistas e indu¬
tivistas foi a lógica conjuntista, que forneceu o pa radig ma de base para pen-
sar q u e a avaliação das situações de saúde das sociedades h u m a n a s somente
podia ser efetuada mediante taxas e correlações, ou seja, mediante o cálculo
de casos e sua referência a diferentes denominadores possíveis.
Diferentemente do que se pensa c o m bastante freqüência, não foi a
h e g e m o n i a da medicina clínica que limitou os desenvolvimentos da epide-
miologia. A o contrário, foi a própria epidemiologia, inspirada n a lógica con¬
juntivista, que vinculou seu 'destino' à locomotiva da nosografia e, c o m ela,
ao c ô m p u t o de casos e à sua ponderação c o m relação a diferentes g r u p o s
populacionais. Tanto é verdade que, atualmente, a epidemiologia parece ca-
recer de objeto-modelo, e m u m sentido teoricamente ambicioso.
Efetivamente, se e n t e n d e m o s por objeto-modelo a conceitualização
de u m c a m p o da realidade mediante a seleção de u m conjunto de variáveis,
é necessário reconhecer que a epidemiologia parece carecer de variáveis p r ó -
prias. Se, e m relação às variáveis contextuais, ela lança m ã o das variáveis da
sociologia ou da antropologia, e m relação ao c a m p o da saúde, conforma-se
c o m taxas. O mais alto nível de teorização alcançado c o m a utilização destas
taxas, ao m e n o s na prática dominante deste c a m p o , consiste em aproveitar a
polissemia encerrada na palavra metafórica 'risco'. A pobreza deste nível de
teorização foi examinada e criticada por A l m e i d a Filho e m seu livro A Clíni-
2
ca e a Epidemiologia (1992).
T a l v e z n ã o seja i n t e i r a m e n t e e x a g e r a d o a f i r m a r q u e a ú n i c a n o ç ã o
d e q u e a e p i d e m i o l o g i a d i s p ô s — d e s d e seu a d v e n t o até h o j e , n o s e n t i d o
d e b u s c a r u m a c o m p r e e n s ã o da s a ú d e c o m o f e n ô m e n o social - q u e p o s -
sui h i e r a r q u i a teórica p a r a a l é m de i n d i c a d o r e s e m e s t a d o b r u t o c o n t i n u a
s e n d o a c a t e g o r i a d u r k h e i m i a n a d e a n o m i a . C o m o se s a b e , D u r k h e i m
p r o p ô s q u e os v a l o r e s das taxas d e s u i c í d i o c o n s t i t u í s s e m i n d i c a d o r e s d e
u m a v a r i á v e l teórica q u e e x p r e s s a u m a c o n d i ç ã o r e l e v a n t e d a v i d a d a s
s o c i e d a d e s h u m a n a s . N ã o u m a s i m p l e s m é d i a ou p r o p o r ç ã o , m a s u m a
3
p r o p r i e d a d e objetiva d o s s i s t e m a s n o r m a t i v o s s o c i a i s e de sua p o t e n c i a -
l i d a d e p a r a o r g a n i z a r e c o n t e r a v i d a d o s i n d i v í d u o s . O s o c i ó l o g o francês
d i s t i n g u i u três s i t u a ç õ e s ou c o n d i ç õ e s sociais t í p i c a s , d e f e n d e n d o a a d o -
ç ã o d e u m n o v o c o n c e i t o p a r a interpretar u m a s i t u a ç ã o preponderante
n a s s o c i e d a d e s c o n t e m p o r â n e a s : as t r a n s i ç õ e s a c e l e r a d a s d a s e s t r u t u r a s
e c o n ô m i c a s (atualmente conhecidas c o m o processos de reconversão), que
d e t e r m i n a v a m superposições d e sistemas n o r m a t i v o s i n c o m p a t í v e i s entre
si, dando lugar a esse fenômeno particular batizado por ele d e anomia.
U m a taxa de morbidade refere-se somente a u m número maior ou menor
de episódios; isso, ainda, não constitui u m fato social. A s s i m c o m o M a r x
sustentava que não é a quantia que u m a pessoa tem n o bolso que informa
sobre sua classe social, m a s sim a sua inserção no sistema de produção, não
são essas taxas que revelam a saúde ou a doença das popul ações , m a s sim a
sua distribuição c o m o expressão de algo presente na discursividade da vida
cotidiana de u m a população.
2
O capítulo 2, Risco: objeto-modelo da epidemiologia, ilustra bem esse ponto.
3
"As tendências coletivas têm uma existência própria: são forças tão reais como as forças cósmicas,
ainda que sejam de outra natureza, moldam igualmente o indivíduo de fora, embora isso ocorra por
outras vias.(...) Mas qualquer que seja o nome que lhe é dado, importa reconhecer sua realidade e
concebê-la como um conjunto de energias que determinam nossas ações proveniente de fora, assim
como o fazem as energias físico-químicas cuja ação sofremos. Deste modo são coisas suigeneris e não
entidades verbais" (Durkheim, 1965:249).
NOSOGRAFIA VERSUS SEMIÓTICA
NARRATIVA Ε DISCURSIVA
A s v a n t a g e n s decorrentes d o r e n a s c i m e n t o d o p a r a d i g m a dialético
(morfogenético) consistem, precisamente, e m manter aberta a possibilidade
de pensar a complexidade sem ter que lançar m ã o de u m a redução de u m
nível a outro, do social ao individual, por exemplo. P e r m a n e c e aberta a pos-
sibilidade de compreender os novos planos de realidade que se p r o d u z e m
nas interfaces hierárquicas, c o m o na p a s s a g e m do natural ao cultural. C o m
base neste paradigma, torna-se possível imaginar u m a epidemiologia m e n o s
limitada pela nosografia que c o m p u t a casos e calcula taxas, valendo-se de
eventos individuais, q u e caminha na direção de u m a epidemiologia mais ins-
pirada nos processos normativos (cujo conteúdo é semiótico, comunicacio¬
nal, e não unicamente físico).
Toda nosografia, c o m o resultante de u m tipificação de p r o c e s s o s par-
ticulares, v ê - s e s e m p r e às v o l t a s c o m u m a t e n d ê n c i a a 'fisicalizar' seus
tipos, ao invés de se deixar atravessar pelos seus fundamentos de caráter
sociocultural.
Os desenvolvimentos epistemológicos contemporâneos, decorrentes
especialmente da teoria da informação e da comunicação, p e r m i t e m distin-
guir claramente as relações próprias do nível orgânico, das relações sociais.
A s primeiras i m p l i c a m intercâmbios de energia físico-química, ao passo que
as demais p õ e m e m jogo complexos processos de comunicação ou de inter-
câmbio de informação. A s primeiras r e m e t e m à noção t r a d i c i o n a l de c a u s a
e f i c i e n t e , já as s e g u n d a s r e m e t e m a o s s i g n i f i c a d o s (isto é, a o s efeitos
d e s e n c a d e a d o r e s da t r a n s m i s s ã o de i n f o r m a ç ã o , e m c o n t e x t o s p r a g m á t i -
cos). D e acordo com Buckley (1982:74), "o indivíduo que atua — a pes-
soa p s i c o l ó g i c a — é, e m e s s ê n c i a , u m a o r g a n i z a ç ã o q u e se d e s e n v o l v e e
m a n t é m s o m e n t e u m i n t e r c â m b i o s i m b ó l i c o c o m outras p e s s o a s e m per-
m a n e n t e d e s e n v o l v i m e n t o e p o r m e i o de tal i n t e r c â m b i o " .
O 'fato' relativo à saúde-doença é concebido c o m o u m componente
de u m sistema de processos reais e simbólicos, c o m o a expressão ou o sinal
de que alguns desses processos foi interrompido, violado, bloqueado, pertur-
bado e que os processos encarregados de reequilibrá-los ou não existem ou
não estão operando c o m o deveriam. O p e r a n d o no sentido de restituir o an¬
terior ou de criar u m a nova alternativa de reordenamento, seria então u m a
visão concreta e dinâmica que inclua os componentes simbólico-comunica¬
cionais e m jogo. Isto supõe afirmar que a s a ú d e / d o e n ç a é, desde s e m p r e , u m
fenômeno semiótico-comunicacional, u m a instância d e sentido significativa
p a r a sujeitos da cultura, e não apenas u m fenômeno natural.
Parafraseando Buckley, poderíamos afirmar q u e o objeto das ciências
da saúde é realmente social e a sociedade é, de fato, u m fenômeno psíquico-
semiótico. A epidemiologia terá c o m o objeto-modelo u m objeto que implica
a produção de sentido, devendo suas variáveis explicar o sucesso ou o fra-
casso na produção do sentido.
A PRODUÇÃO DE SENTIDO
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"A natureza última do real consiste em estar em construção permanente, ao invés de consistir em
uma acumulação-de estruturas já realizadas" (Piaget, 1969:62).
quais é produzida. N a perspectiva da reprodução, o 'caso' deixa de ocupar a
posição central, c e d e n d o esse p o s t o aos c o n t e x t o s , aos a m b i e n t e s e aos
m e c a n i s m o s por i n t e r m é d i o dos quais se r e p r o d u z e m ou r e n e g o c i a m c o n s -
t a n t e m e n t e os p r o c e s s o s que tecem a d i s c u r s i v i d a d e e s p e r a d a da v i d a . A
relação d e c a u s a l i d a d e c e d e a vez à noção, mais rica e complexa, de 'signi-
ficação' e 'estruturação'.
De tudo o que foi exposto, depreende-se que os desenvolvimentos cientí-
ficos e metodológicos contemporâneos exigem da epidemiologia uma profunda
revisão epistemológica, capaz de torná-la apta para reexaminar seus conceitos
básicos, seu objeto, suas categorias de análises, seus procedimentos investigati¬
vos, suas relações interdisciplinares etc. No cenário dessa revisão, deve-se in-
cluir o vasto campo da significação que procura se constituir no âmbito das
situações críticas, campo que configura o processo patológico. Significação que
o ato clínico freqüentemente perde quando limita a história clínica a um mero
registro de fatos. Não importa se fatos biológicos ou sociais, meros fatos dos
quais se eliminou o sentido que lhes é conferido pela narração do paciente, no
momento mesmo em que este narra sua situação crítica, impregnada de vínculos
com os processos de reprodução continuada das instituições e da sociedade glo-
bal. Talvez os objetos dos epidemiologistas, ao solapar a reprodutibilidade da
vida diária, estejam mais próximos destes processos que engendram situações
críticas do que do conteúdo de casos patológicos e das suas associações com
variáveis sociais e econômicas. Em outras palavras, talvez tenha chegado a hora
de completar o conceito de 'significação estatística', que meramente nos infor-
ma que é pouco provável que uma certa associação se deva ou não ao acaso,
lançando mão do conceito de 'significância narrativa', que nos informa que os
processos de estruturação social contêm oposições que produzem conseqüên-
cias perversas, associadas significativamente a essas circunstâncias particulares
narradas por cada paciente.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIDET, J. Teoria delaModernidad. Buenos Aires: Ed. El cielo por asalto, 1993.
BUCKLEX W La Sociología y la Teoria Moderna de los Sistemas. Buenos Aires: Amorrortu, 1982.
A FILOSOFIA N A EPIDEMIOLOGIA*
Douglas L. Weed
1
Existe aí um trocadilho, sutil e intraduzível, envolvendo categorias de análise cultural utilizadas
pela ensaísta norte-americana Susan Sontag, como kitsch, camp e cult. A idéia do autor parece ser a
de adicionar uma pitada de ironia ao fenômeno da adesão de grupos à filosofia de Popper conside-
rado como um 'modismo' (Ν. T.).
O objetivo deste trabalho é expor três princípios do senso c o m u m e
utilizá-los c o m o um guia, com o objetivo de selecionar e aplicar pontos de
vista filosóficos específicos. C o m u m e n t e citadas na literatura epidemiológi-
ca, as perspectivas popperiana e kuhniana são aqui utilizadas para ilustrar os
dois primeiros princípios. Q u a n t o ao terceiro princípio (o geral), serão utili-
zadas as idéias de Aristóteles, Watkins e outros filósofos. Muitas perspecti-
vas filosóficas devem ser levadas em consideração, entre as quais a filosofia
do 'realismo', recentemente discutida no Journal of Epidemiology & Community
Health (Renton,1994) e as diferentes teorias e métodos de bioética contem-
porâneos. Estas perspectivas foram deixadas de lado para u m a utilização
futura destes princípios do senso c o m u m .
O PROBLEMA
SOLUÇÃO DEDUTTVISTA
A refutação é m a i s i m p o r t a n t e , p o r q u e n o s s a m e t a é e x p l i c a r fenô-
menos observáveis. A melhor estratégia nesse sentido é expor nossas
h i p ó t e s e s e x p l i c a t i v a s d e s s e s f e n ô m e n o s aos testes m a i s s e v e r o s q u e p u -
d e r m o s reunir. N e s t a s c i r c u n s t â n c i a s , p o d e r e m o s a p r e n d e r c o m b a s e n a s
r e f u t a ç õ e s , i s t o é, c o m b a s e n o s n o s s o s erros d e p r e d i ç ã o . E s t a s falhas
são o q u e m a i s i n t e r e s s a a o s c i e n t i s t a s ( F e y n m a n , 1 9 8 5 ) . I m p e l i d o s p e l a
busca da verdade, seremos encorajados a tentar n o v a m e n t e e m nossa
busca de melhores explicações.
SOLUÇÃO INDUTTVISTA
UMA SOLUÇÃO
'CRÍTICA' Ε UTILIDADE
CONCLUSÃO
APÊNDICE
Para alguns, o conto "Rumpelstiltskin" deve ser tão familiar que não é
necessário repeti-lo. M a s para outros, especialmente para aqueles que nunca
escutaram o conto ou esqueceram as suas peripécias e personagens, a sinop-
se a seguir será útil.
U m moleiro, que queria obter a proteção do rei, vangloriava-se de que
sua filha poderia, ao tecer a palha, transformá-la em ouro. O rei, que queria
u m a esposa tanto quanto o ouro para sustentá-la, aceitou a oferta do moleiro
e ofereceu à donzela a coroa, caso ela realizasse a façanha.
A donzela, p a r a sua e n o r m e surpresa (e de todas as outras pessoas),
fiou três aposentos cheios de fios de ouro, mas só conseguiu realizar esse
feito depois q u e obteve, secretamente, dons mágicos de u m anão. Se pelos
dois primeiros aposentos cheios de fios de ouro, a m o ç a p a g o u ao anão c o m
ninharias, o terceiro aposento, exigência adicional do rei, foi p a g o mediante
a promessa de entregar ao anão seu primeiro filho.
A l g u m t e m p o mais tarde, o anão retornou para receber seu p a g a m e n t o
final. Compreensivelmente, a donzela, já então rainha, mostrou-se profun-
d a m e n t e perturbada. Impressionado c o m seu desespero, o anão ofereceu à
rainha u m a segunda chance. Se ela adivinhasse o seu nome, o anão permiti-
ria q u e ela conservasse a criança.
A rainha, que agora tinha condições para e m p r e e n d e r u m a investiga-
ção de grandes proporções, teve êxito na descoberta do n o m e daquele que a
extorquia — Rumpelstiltskin — e salvou o seu filho. O anão, por sua vez, foi
direto para o inferno após partir-se ao meio c o m suas próprias mãos.
Três aforismos e m e r g e m desta história.
Primeiro, a realização de u m feito, especialmente naquelas situações
em que o resultado excede todas as expectativas ordinárias, acarreta grandes
recompensas. Por exemplo, a filha do moleiro t o m o u a si, e c o m sucesso, a
tarefa aparentemente impossível de fiar ouro a partir da palha, g a n h a n d o o
trono c o m o recompensa.
Segundo, é terrível o preço a ser p a g o pela g a n â n c i a . C o m o Rumpels-
tiltskin v e m a descobrir, u m a criança significava u m p a g a m e n t o demasiado
elevado pela sua mágica.
Por último, o aforismo geral: a vida n ã o é simples o suficiente p a r a que
possa ser resumida a apenas duas tonalidades: branco (primeiro aforismo) e
preto (segundo aforismo). Ela reveste-se, habitualmente, de alguns tons de
cinza, resultantes da combinação dos dois primeiros aforismos, além de u m a
dezena de outros. U m exemplo claro do aforismo geral, entendido c o m o u m a
c o m b i n a ç ã o dos dois primeiros, p o d e ser encontrado no p e r s o n a g e m do rei.
Ele certamente não era tão terrivelmente solitário a ponto de precisar lançar
m ã o de u m a estratégia tão improvável para obter u m a esposa, m a s , ao final,
foi g e n e r o s a m e n t e recompensado. Diante do exposto, é tentador invocar
apenas o primeiro aforismo — a recompensa para u m a realização imprevista,
se n ã o fosse pela ganância do monarca. Foi a sua cobiça insaciável que i m p e -
diu que o desafio fosse interrompido depois que o primeiro (ou o segundo)
aposento já estavam cheios de fios de ouro. M a s será que o rei p a g o u pela
sua ganância, c o m o prescrito pelo segundo aforismo? A leitura de duas ava-
liações distintas de "Rumpelstiltskin" não deixa isso claro. Faz sentido pen-
sar que a rainha tenha c o b r a d o o seu preço. Talvez o rei não tenha prestado
m u i t a atenção a isso.
REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS
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INFERÊNCIA CAUSAL
INTRODUÇÃO
DISCUSSÃO
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INTERFACES
C o r n e l i u s Castoriadis
ANTROPOLOGIA MÉDICA Ε
EPIDEMIOLOGIA*
Eduardo L. Menéndez
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l i s t a a f i r m a ç ã o n ã o i g n o r a q u e a e p i d e m i o l o g i a social c o l o c a o e i x o d e s e u s i n t e r e s s e s na d i m e n s ã o
e c o n ô m i c o - p o l í t i c a , a p r e s e n t a n d o p o n t o s d e c o n t a t o c o m a d e n o m i n a d a a n t r o p o l o g i a m é d i c a crí-
tica. D e v e m o s , n o e n t a n t o , r e c o r d a r q u e a e p i d e m i o l o g i a social n ã o inclui i n f o r m a ç õ e s d e n a t u r e z a
sociocultural ou ideológica, c o m o t a m p o u c o o fazem a l g u m a s tendências da antropologia médica
com relação aos processos econômico-políticos.
expressando realmente sua concepção a-histórica. N o conjuntural, série his-
tórica breve de cinco a dez anos, estaria o peso do biológico c o m o constan-
te, ao p a s s o q u e a estruturação histórica se m o s t r a desnecessária à c o m -
p r e e n s ã o do desenvolvimento da enfermidade. A i n d a que, em nível mani-
festo, a epidemiologia trabalhe fundamentalmente c o m séries históricas cur-
tas, n ã o é este o determinante de sua opção metodológica. A necessidade de
encontrar a solução, ou pelo m e n o s explicação para problemas imediatos, e a
de p r o p o r soluções para episódios agudos ('surtos'), b e m c o m o a desconfi-
ança a respeito dos dados 'antigos' e t c , constituem razões compreensíveis,
p o r é m n ã o h á dúvida de que a ignorância da m é d i a e longa duração histórica
o b e d e c e ao predomínio de u m m o d e l o médico biologicista.
N o c a s o d o c o n c e i t o estilo de v i d a , o b s e r v a m o s q u e , se a a n t r o p o -
l o g i a o c o n s i d e r a holístico, a e p i d e m i o l o g i a t e n d e a r e d u z i - l o à c o n d u t a
de risco, c o r r o e n d o a c o n c e p ç ã o t e ó r i c o - m e t o d o l ó g i c a c o m b a s e n a qual
foi p r o p o s t o . E s t e c o n c e i t o foi d e s e n v o l v i d o p o r diferentes correntes
t e ó r i c a s s o c i o l ó g i c a s e p s i c a n a l í t i c a s (Coreil et al., 1 9 8 5 ) c o m o o b j e t i v o
d e p r o d u z i r u m a a r t i c u l a ç ã o entre a b a s e m a t e r i a l e i d e o l ó g i c a q u e o p e r a
n o d e s e n v o l v i m e n t o das e n f e r m i d a d e s . T r a t a - s e d e constituir u m c o n c e i -
to m e d i a d o r e n t r e o nível m a c r o (estrato social) e o d o s g r u p o s i n t e r m e -
d i á r i o s e x p r e s s o p o r m e i o d e sujeitos c o n s i d e r a d o s c o m o membros/ex-
pressão destes.
A s necessidades explicativas/aplicativas da epidemiologia despojaram
este conceito d e sua articulação m a t e r i a l / i d e o l ó g i c a e m t e r m o s holísticos e
r e d u z i r a m sua aplicação ao risco subjetivo o u g r u p a i específico. D e u m a
perspectiva antropológica, o hábito alcoólico não é u m risco distinguível das
condições globais c o m base nas quais o sujeito produz sua vida. Ε o contex
to global q u e é posto e m questão por intermédio d o estilo de vida. Pensar
isoladamente o risco de beber, fumar ou de comer determinados alimentos
p o d e ser eficaz para intervir e m nível de condutas individuais, m a s anula o
efeito abrangente do problema. N ã o é por acaso que as violências estejam
entre os fatos m e n o s estudados pela epidemiologia latino-americana, e que
fenômenos c o m o suicídio, acidentes e homicídios sejam despojados de suas
implicações estruturais e convertidos e m fenômenos de risco. E m síntese,
se, para a epidemiologia, o estilo de vida representa u m a variável a mais,
para a antropologia, integra u m a forma global de vida, da qual o risco seria
parte constitutiva.
A antropologia continua p r o p o n d o u m a prevenção de tipo estrutural,
e m termos econômico-políticos ou culturais, ao passo que a epidemiologia
precisa se a d e q u a r a p a d r õ e s 'realistas' e m função d a s políticas de saúde
dominantes que n ã o colocam na prevenção estrutural o eixo de suas inver-
sões n e m de seus interesses.
T o c a m o s , neste ponto, e m u m aspecto i m p o r t a n t e , q u e n ã o analisa-
r e m o s aqui, m a s q u e d e v e ser incluído e m u m a análise das c o n v e r g ê n c i a s e
divergências. S ã o os l u g a r e s diferentes q u e a a n t r o p o l o g i a e a e p i d e m i o l o -
gia o c u p a m no â m b i t o d o setor de saúde ou, se preferirem, dentro d o Esta-
do. Seu status e sua significação, tanto técnica q u a n t o política, são diferen-
tes: u m a a p a r e c e c o m o u m a 'disciplina teórica e a c a d ê m i c a ' , q u a n d o m u i t o
vinculada a Organizações Não-Governamentais (ONGs) em termos de
i n v e s t i g a ç ã o / a ç ã o ; já a outra se m o s t r a orientada, pelo m e n o s ideologica-
m e n t e , p a r a as práticas, s e g u n d o a definição q u e a elas é d a d a p e l o s obje-
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tivos g o v e r n a m e n t a i s .
DIFERENCIAÇÕES Ε DISTANCIAMENTOS:
A APROPRIAÇÃO DE CONCEITOS
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Estas conclusões são pertinentes à América Latina, mas merecem ser ponderadas. Nas instituições
em que o antropólogo tem um status similar ao de um médico, sua situação é semelhante ou, de um
modo geral, ainda mais 'subalterna'. Parte do trabalho antropológico - e também médico - tem
lugar nas ONGs e em termos de investigação/ação. Isto, porém, não permite concluir que seu
trabalho não seja 'teórico' ou 'acadêmico', mas sim que deveria ser realizada lá uma análise deste
tipo de atividade para observar qual é a natureza do trabalho predominante.
cias p r o p õ e m q u e o nível de a n á l i s e m a i s e s t r a t é g i c o p a r a e x p l i c a r o p r o -
c e s s o s / d / a c o r r e s p o n d a ao n í v e l s o c i o e c o n ô m i c o o u s o c i o c u l t u r a l , e
n ã o ao b i o l ó g i c o . E s s a o p ç ã o a d q u i r e c a r a c t e r í s t i c a s r a d i c a i s e m t o d a s as
t e n d ê n c i a s , c o m e x c e ç ã o da e c o l o g i a cultural e d o m a t e r i a l i s m o m e c a n i ¬
cista, c o n s t i t u i n d o esta ú l t i m a u m d o s p o u c o s r e p r e s e n t a n t e s d o b i o l o g i ¬
c i s m o na a n t r o p o l o g i a m é d i c a .
C o m relação ao processo s / d / a , a epidemiologia parte do patológico,
isto é, da enfermidade medicalizada, ao passo que a antropologia p a r t e do
processo sociocultural e político-econômico que inclui o fenômeno conside-
rado patológico. A l g u m a s correntes teóricas antropológicas o p e r a m , inclusi-
ve, c o m forte tendência a despatologizar ou reduzir o patológico ao processo
social 'normal'. Esta tendência tem sido criticada pelos sanitaristas, que ar-
g u m e n t a m — muitas vezes, de forma correta — que o relativismo antropológi-
co e a ênfase n a cultura c o m o 'verdade' levam a u m a redução da significação
dos processos patológicos. N ã o obstante, d e v e m o s sublinhar que, se a epi-
demiologia ancora seu eixo de análise no processo patológico, a antropologia
médica o faz na estrutura sociocultural.
T e m o s investigado, nos últimos anos, o problema do alcoolismo no
México, utilizando c o m o conceito central o de 'processo de alcoolização', ao
qual r e m e t e m o s os conceitos de 'alcoolismo', 'alcoólicos' e 'dependência'.
O processo de alcoolização inclui todos aqueles processos sociais conside-
rados decisivos na estruturação do alcoolismo c o m o fenômeno patológico,
n o r m a l e coletivo e, e m conseqüência, remetemos a ele não somente os con-
ceitos b i o m é d i c o s pertinentes, c o m o os processos individuais ( M e n é n d e z ,
1990a; M e n é n d e z & Di Pardo, 1994).
J á e m 1943, H o r t o n p r o p u n h a que, para u m antropólogo interessado
no p r o b l e m a d o alcoolismo, era tão relevante estudar os alcoólicos crônicos
quanto os bebedores sociais e a população que não bebe. Afinal, é por m e i o
das representações e práticas dos diferentes conjuntos sociais que podería-
m o s obter u m a explicação/interpretação do fenômeno e m t e r m o s da estru-
tura sociocultural e não somente do fenômeno patológico e m si. A l é m disso,
o c o n s u m o patológico e suas conseqüências seriam explicados n ã o somente
pelos sujeitos alcoolizados, mas t a m b é m pelo conjunto de atores inseridos
no sistema social (Horton, 1943).
Existe, pois, u m p o n t o de convergência, que simultaneamente se cons-
titui u m dos principais p o n t o s de a n t a g o n i s m o potencial, e expressão do
processo de medicalização. Referimo-nos à p r o d u ç ã o e ao uso de conceitos
por parte das duas disciplinas.
U m a revisão, m e s m o superficial, dos conceitos e m p r e g a d o s pela epi-
demiologia, a saúde pública ou a medicina social p e r m i t e constatar o óbvio:
seus conceitos básicos foram, em grande parte, cunhados e utilizados pre-
v i a m e n t e pelas ciências sociais e antropológicas. Conceitos c o m o necessida-
des, c o m u n i d a d e / o r g a n i z a ç ã o da c o m u n i d a d e / d e s e n v o l v i m e n t o comuni-
tário, g r u p o e ciclo d o m é s t i c o , p a r t i c i p a ç ã o social, c l a s s e s o c i a l / e s t r a t o
social/níveis socioeconômicos, pobreza, redes sociais, níveis educacio-
nais, ocupação/trabalho/processos de trabalho/níveis ocupacionais,
s e x o / g ê n e r o , estilo d e v i d a , e s t r a t é g i a s de s o b r e v i v ê n c i a / e s t r a t é g i a s d e
v i d a foram f o r m u l a d o s , u t i l i z a d o s , m o d i f i c a d o s e a t é m e s m o d e s c a r t a d o s
p e l a s c i ê n c i a s sociais e a n t r o p o l ó g i c a s antes de serem apropriados ou rein-
ventados pelas ciências da saúde.
E s t e s c o n c e i t o s s ã o fruto d e u m p r o c e s s o t e ó r i c o e m e t o d o l ó g i -
co acerca do qual a maioria dos epidemiologistas parece não deter in-
formações abrangentes. Deve-se sublinhar, a esse respeito, que todos
e s t e s c o n c e i t o s se r e f e r e m a t e o r i a s e s p e c í f i c a s e q u e p e l o m e n o s u m a
parte deles (necessidades, comunidade, redes sociais, estilo de vida)
foi d e s e n v o l v i d a p o r t e n d ê n c i a s q u e u t i l i z a v a m p r e f e r e n c i a l m e n t e t é c -
nicas qualitativas.
E m relação ao que estamos assinalando, pelo m e n o s e m alguns países
da A m é r i c a Latina, nota-se algo interessante sobre a utilização de conceitos
c o m o medicalização, controle social e cultural, relação entre o cultural e o
biológico ou articulação entre o n o r m a l e o patológico, já que p o d e m ser
utilizados c o m o conceitos sem passado socioantropológico ou, o que é mais
significativo, c o m o conceitos elaborados p o r filósofos ou e p i s t e m ó l o g o s .
A s s i m , n a A m é r i c a Latina, alguns destes conceitos são referidos, dentro do
c a m p o das ciências da saúde, às obras de Foucault ou C a n g u i l h e m , ignoran-
do o importante v o l u m e de investigações empíricas e p r o d u ç ã o teórica, ela-
b o r a d a s , d e s d e a d é c a d a de 1920, pelas ciências sociais e antropológicas,
que trabalharam a fundo alguns deles. Estes resultados, possivelmente, se-
riam mais úteis para os epidemiologistas d o que os conceitos formulados
pelos filósofos franceses.
O objetivo, aqui, não é negar a importância dos aportes de Foucault
ou Canguilhem, mas c h a m a r atenção para a necessidade de recuperar a m a s ¬
sa de m a t e r i a l a n t r o p o l ó g i c o , p r o d u z i d a , e m sua m a i o r i a , c o m b a s e e m
trabalhos de campo. Deve-se, também, esclarecer que não recuperamos
a i m p o r t â n c i a d e toda e s s a p r o d u ç ã o , m a s c o n s t a t a m o s sua e x i s t ê n c i a e
a t e s t a m o s q u e d e v e r i a ser c o n h e c i d a e avaliada e m t o d a s u a significação.
S e os sanitaristas e c l í n i c o s q u e r e t o m a m os d e l i n e a m e n t o s i n t e r p r e t a t i ¬
v o s c o n h e c e s s e m m a i s a fundo n ã o s o m e n t e u m d e seus r e f e r e n t e s m a i s
evidentes — refiro-me a Geertz — m a s também a produção antropológica
n o r t e - a m e r i c a n a , b r i t â n i c a , c a n a d e n s e e francesa entre 1 9 2 0 e 1 9 6 0 , p o -
deriam observar que o que certas correntes interpretativas atuais têm
feito, b a s i c a m e n t e , é aprofundar u m c a m p o q u e já h a v i a p r o d u z i d o con-
tribuições notáveis, hoje esquecidas ou negadas.
A falta de reconhecimento de que estes e outros conceitos utilizados
atualmente pelas ciências da saúde p o s s u e m u m a história conceituai expres-
sa, de forma quase paradigmática, não somente o desconhecimento das refe-
ridas ciências acerca da produção antropológica, m a s t a m b é m da a-historici¬
dade das disciplinas originárias (em termos metodológicos) do m o d e l o m é -
dico h e g e m ô n i c o .
Todavia, e é isto q u e interessa ressaltar, este d e s c o n h e c i m e n t o tem
conseqüências negativas n o trabalho epidemiológico, acarretando, por u m
lado, q u e t e n h a m o s de lidar, c o m certa freqüência, c o m a redescoberta do
óbvio, significando p e r d a de tempo, desperdício de recursos, i n c o r r e ç õ e s
conceituais e m termos técnicos etc. D e v e m o s ter claro que ignorar o p r o c e s -
so de c o m o os conceitos foram produzidos e, sobretudo, aplicados implica
deixar d e observar a capacidade que estes conceitos v ê m demonstrando, ao
l o n g o d o tempo, de explicar e possibilitar o enfrentamento dos problemas
esboçados. S u p õ e deixar de observar, por o u t r o lado, c o m o efetivamente
foram aplicados os referidos conceitos, e se o p r o b l e m a reside n o conceito
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ou na natureza da aplicação.
Conceitos que foram ou estão sendo utilizados por epidemiologistas —
tais c o m o os de necessidade, c o m u n i d a d e , participação social ou s e x o / g ê n e -
ro — têm, na A m é r i c a Latina, u m a história teórica e de investigação aplicada.
A l g u n s deles se difundiram de forma notável, e x p r e s s a n d o n ã o somente
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Para uma revisão desta natureza, ver a análise da participação social em saúde na América Latina,
realizada por Ugalde (1985).
m o d i s m o s , mas também estímulos teórico-práticos e financeiros, diretos ou
indiretos, que acentuaram tendências de investigação de l o n g o curso.
O conceito de gênero - restrito durante anos aos redutos de sociólo-
gas, historiadoras e ativistas feministas - irrompeu nos anos 80 e 90 em
estudos sobre planificação familiar ou saúde reprodutiva. Existe, agora, u m a
avalanche de investigações que o têm c o m o um de seus eixos. Está cada vez
mais despojado de seus conteúdos heurísticos e i m p u g n a d o r e s , dado o pro-
cesso de produção de conhecimento em que v e m sendo incluído.
D e nossa perspectiva, o uso de conceitos se refere, conscientemente
ou não, a teorias que os produziram no âmbito de u m determinado marco
referencial, que supõe discrepância, complementaridade ou antagonismo c o m
outros marcos teóricos. Os conceitos são construções provisórias que, pelo
m e n o s em antropologia, não são 'neutras'; referem-se a determinadas ten-
dências. Esta contextualização parece estar ausente de boa parte da produ-
ção epidemiológica, que, inclusive, elabora teorias explicativas sobre as quais
estes referentes teóricos se omitem.
A p e n ú l t i m a destas teorias é a da transição e p i d e m i o l ó g i c a . C o m o
s a b e m o s , ela foi p r o p o s t a nos E s t a d o s U n i d o s no início da d é c a d a de 70
e a p l i c a d a por a u t o r e s l a t i n o - a m e r i c a n o s d u r a n t e a s e g u n d a p a r t e d o s
a n o s 80. O q u e i n t e r e s s a d e s t a c a r é q u e o c o n c e i t o d e ' t r a n s i ç ã o e p i d e -
m i o l ó g i c a ' — s a i b a m ou n ã o os q u e o utilizam — está r e l a c i o n a d o a u m a
p r o p o s t a e v o l u c i o n i s t a / d e s e n v o l v i m e n t i s t a da s o c i e d a d e , f o r m u l a d a g e -
r a l m e n t e e m t e r m o s tipológicos, s u s t e n t a n d o - s e t e o r i c a m e n t e na a s s i m
d e n o m i n a d a teoria da m o d e r n i z a ç ã o . Esta teoria foi m u i t o difundida nas
d é c a d a s d e 50 e 6 0 , t e n d o c o m o a l g u n s de seus p r i n c i p a i s e x p o e n t e s
s o c i ó l o g o s e a n t r o p ó l o g o s l a t i n o - a m e r i c a n o s . C r i t i c a d a d u r a n t e os a n o s
60, d e i x o u de ser utilizada e m fins desta d é c a d a e nos a n o s 7 0 . A d i s c u s -
são teórica acerca da t r a n s i ç ã o - que, por o u t r o lado, t a m b é m tem raízes
5
na d é c a d a de 3 0 - n ã o está p r e s e n t e na m a i o r i a d o s t r a b a l h o s q u e a
utilizam na A m é r i c a Latina. A teoria é e m p r e g a d a c o m b a s e e m d a d o s
e m p í r i c o s , t r a b a l h a d o s c o m o se o c o n c e i t o não estivesse referido a certas
5
Ver a d i s c u s s ã o s o b r e o continuum folk-urbano relativo à A m é r i c a L a t i n a . V á r i o s d o s p r i n c i p a i s
teóricos desta proposta, e m particular Redfield e Foster, desenvolveram-na a partir da realidade
m e x i c a n a . N ã o é por acaso q u e as tipologias transicionais i n c l u e m características d o processo
s / d / a , d a d o que certos autores são alguns dos 'pais fundadores' dos estudos e t n o m é d i c o s referentes
à A m é r i c a Latina.
c o n c e p ç õ e s teóricas que, conforme foi demonstrado no caso da m o d e r n i z a -
ção, implicavam a aceitação de determinadas concepções ideológicas a res-
peito do desenvolvimento.
O fato de que atualmente se tenha recuperado a teoria da transição
está relacionado não somente a u m a aproximação científica, m a s t a m b é m à
recuperação das propostas político-econômicas dominantes e m grande parte
dos países latino-americanos, já que a teoria da transição se articula às pro-
postas neoliberais e neoconservadoras.
E m sua versão epidemiológica, a proposta da transição não apre-
s e n t a a s p e c t o m a n i f e s t o d e t e o r i a e se a p ó i a , b a s i c a m e n t e , n a i n f o r m a -
ção sobre a tendência histórica dos d a n o s à saúde e dos perfis e p i d e m i o l ó ¬
gicos. Isto significa que o conceito é utilizado 'descritiva' e não
' t e o r i c a m e n t e ' . P o r é m , d e v e - s e r e c u p e r a r o f u n d a m e n t a l : o c o n c e i t o de
t r a n s i ç ã o se refere a t e o r i a s q u e o o r i e n t a m n a s u a a n á l i s e d o s d a d o s
empíricos. Essas teorias têm sido analisadas quanto à consistência, e
c o n s t a t a r a m - s e n e l a s falta d e c a p a c i d a d e e x p l i c a t i v a e i n c o n g r u ê n c i a s
6
teórico-ideológicas.
O último p o n t o q u e assinalamos ressalta os méritos da discussão acer-
ca do que se entende por 'descritivo' e m antropologia e epidemiologia. Para
tal, d e v e m o s partir da epidemiologia dominante, que é descritiva, m a s assu-
mir t a m b é m que u m dos traços básicos do trabalho antropológico é a etno¬
grafia, t a m b é m descritiva. Constata-se, e m conseqüência, que a descrição, a
p r o d u ç ã o do dado se revela prioritária para ambas. A questão é precisar o
que cada u m a delas entende por produção do 'dado', já que aqui residem
algumas das principais divergências.
6
Todo conceito é constituído por duas facetas: uma teórica, outra operacional. A epidemiologia
descritiva tem-se preocupado sobretudo com esta última. Reduzir a interpretação aos dados, sem
incluir marcos referenciais teóricos, conduz a uma espécie de oportunismo interpretativo, dado que
não se explicita por que determinados dados são trabalhados e outros não são incluídos. Torna-se
ainda mais necessário quando se trata de formular interpretações teóricas como ocorre com a
'teoria' comentada ? Por que a transição se reduz à análise dos perfis de mortalidade e não inclui os
perfis de morbidade, já que nestes continuam a prevalecer as enfermidades 'tradicionais'? Que
explicação fornecer para a presença de homicídios e cirrose hepática tanto no perfil tradicional
como no transitional? Se enfocamos a violência, até onde vai a transição como modelo, se temos,
lado a lado, a situação dos EUA, com altas taxas de homicídio, e a dos países da Comunidade
Econômica Européia, com taxas reduzidas? Onde inserir fenômenos como o cólera, a AIDS OU a
tuberculose, considerando seu aumento e suas características de doenças transmissíveis e mortais?
Q u a n d o lemos e analisamos trabalhos de saúde pública ou de epide-
miologia clínica que fazem referências e p r o p õ e m incluir e m suas investiga-
ções aspectos c o m o estratégias d e sobrevivência, g r u p o s domésticos, pro-
cessos ideológico-culturais, estilos de vida ou 'simplesmente v i o l ê n c i a s ' , e
o b s e r v a m o s os d a d o s empíricos que nos apresentam e analisam, torna-se
evidente q u e h á u m a concepção diferencial não explicitada naquilo q u e se
entende por cada u m destes aspectos e sobre o tipo de ' d a d o ' a ser produzi-
do. S u p o m o s que pelo m e n o s para u m a parcela dos epidemiologistas ocorre-
rá o m e s m o c o m relação ao dado antropológico. Este p o n t o é particularmen-
te importante e constitui u m dos eixos diferenciais que t ê m d e ser especifica-
7
dos pelos profissionais das duas áreas.
ALGUMAS CARACTERÍSTICAS
BÁSICAS DO ENFOQUE ANTROPOLÓGICO
7
Para dar um exemplo facilmente reconhecível, muito freqüente nos anos 70 e 80: quando epide¬
miologistas e sociólogos utilizavam o nível educacional - entendido como educação formal - para se
referir à sua relação com comportamentos maternos ou com migração, havia um pressuposto não
explícito de que estes níveis se referiam a fatores culturais. Esta significação emergia, sobretudo, na
discussão dos resultados.
O primeiro aporte sistemático é a investigação de D u r k h e i m (1897)
sobre o suicídio, ainda hoje u m a alternativa teórica para pensar o dado epi-
8
demiológico. Posteriormente, os trabalhos de D u n h a n e Faris (sobre a e s -
quizofrenia e m C h i c a g o ) , de M a u s s (sobre as técnicas d o corpo), de D e v e ¬
reux (suicídio e h o m o s s e x u a l i s m o entre os M o h a v e ) , d e M e a d e B a t e s o n
(problemas infantis e m Bali), e d e D e Martino (tarantulismo n o sul da Itália)
constituíram propostas de articulação dos processos culturais e sociais c o m
relação à interpretação de enfermidades e problemas, e possibilitaram a e x -
pansão desta a b o r d a g e m a partir dos anos 60 e 70 (Young, 1982; Paul, 1988).
Esta articulação supôs a contínua inclusão de marcos referenciais teóricos
9
antropológicos, sociológicos e filosóficos (Bibeau, 1 9 8 7 ) .
A possibilidade de criação de u m a epidemiologia sociocultural se apoia
no r e co nhe cimento da existência de u m a estrutura epidemiológica nos con-
juntos sociais — que servirão de matéria-prima para reconstruí-la. Este reco-
nhecimento, por sua vez, está correlacionado à existência do que d e n o m i n a -
m o s 'epidemiologia prática' e m todos os tipos de agentes de cura — que ope-
ra nos m é d i c o s de família e generalistas, nos curandeiros populares e nos
especialistas alopatas e de outros sistemas médicos. Esta epidemiologia prá-
tica expressaria não somente diferenças — a proposta dominante — c o m o tam-
b é m p o n t o s d e similaridade e articulação c o m o saber popular ( C a m p o s ,
1990; M e n é n d e z , 1990b, 1990c).
A epidemiologia sociocultural deve se referir tanto às representações
quanto às práticas. Partes significativas da antropologia médica e da epide-
miologia analisam somente as representações dos conjuntos sociais. Ε ne¬
8
Criticável em muitos aspectos, a proposta durkheimiana contém, não obstante, alguns aportes que
diferenciam e legitimam a aplicação do enfoque socioantropológico ao processo s / d / a . Suas contri-
buições se referem às necessidades de estudar o processo s / d / a em termos de representações
coletivas e de práticas (rituais), como também de construir o dado a partir da teoria e de uma
metodologia da ruptura. Na realidade, não se pode compreender de fato Bachelard, Canguilhem ou
Foucault, passando por Mauss e Bourdieu, sem rever Durkheim em profundidade. O principal
problema de sua proposta reside na 'eliminação' do sujeito, ou, mais precisamente, no fato de que
as significações são referidas às representações e às praticas dos conjuntos sociais e não aos indiví-
duos, eliminando uma das principais fontes de sentido. Desta perspectiva, sua análise do suicídio em
termos de representações e práticas coletivas é uma 'provocação metodológica'.
9
De uma perspectiva epidemiológica, os trabalhos de Cassei (1955, 1960) e de alguns psiquiatras
culturais (Bastide, 1967; Corin, 1988) estabeleceram as possibilidades de articulação, ao incorporar
as dimensões socioculturais. Com relação a isto, não é casual que a experiência 'etnográfica' destes
epidemiologistas se reporte ao contato com grupos não-ocidentais.
cessário modificar esta maneira de construir a informação, e, c o m base nesta
perspectiva, assumir que as representações d e v e m ser referidas a indicado-
res objetivos - por exemplo, análises bioquímicas - , e às práticas que a po-
pulação p r o d u z , n ã o necessariamente idênticas às representações.
Por conseguinte, deve-se assumir q u e os conjuntos sociais lidam c o m
u m n ú m e r o maior de representações d o que de práticas c o m relação a u m
processo s / d / a determinado. A s práticas s u p õ e m u m a variedade de sinteti-
z a ç ã o / s e l e ç ã o das representações e m função da ação. Isto deve ser referido
n ã o somente ao saber popular, m a s t a m b é m ao dos agentes de cura, aí in-
cluído o saber médico.
O processo s / d / a deve ser entendido c o m o u m a construção social; os
10
conjuntos sociais vão construindo u m perfil epidemiológico integrado. Deve-
se sublinhar, no entanto, que representações e práticas sobre cada u m a das
enfermidades e de suas características clínicas e epidemiológicas não se re-
v e l a m c o m o algo estruturado, emergindo, de fato, c o m o reações perante si-
tuações específicas. R e c o n h e c e m o s u m processo de constituição histórica
do saber dos conjuntos sociais, que deve ser reconstruído no trabalho antro-
pológico (Bibeau, 1993).
Os aspectos enumerados são alguns dos integrantes d o núcleo central
da proposta antropológica e que se estruturam e m torno do reconhecimento
de que o processo s a ú d e / d o e n ç a / a t e n ç ã o constitui u m dos c a m p o s — para
alguns, o principal — e m torno do qual os conjuntos sociais p r o d u z e m u m
maior n ú m e r o de representações e de práticas. Estas representações e práti-
cas d e s e m p e n h a r i a m v á r i a s tarefas fundamentais articuladas entre si, que
i n c l u e m desde permitir u m a interpretação e ação c o m relação às doenças
10
Com o termo 'integrado', queremos assinalar que o perfil inclui o conjunto de padecimentos,
sofrimentos, dores e problemas, sintetizando concepções e práticas provenientes de diferentes
saberes. Esta qualidade de síntese provisória é necessária para assegurar o processo de reprodução
social. Em vários trabalhos realizados ou supervisionados por nós, temos verificado, reiteradamen¬
te, que os grupos atuam frente a uma enfermidade segundo uma normatividade social dada. Porém,
caso o tratamento selecionado não funcione, eles recorrem a outras estratégias de intervenção,
determinadas por sua capacidade/possibilidade de utilização das mesmas. Assim, as mães abando-
nam o diagnóstico de indigestão ou 'mau-olhado' e o ressignificam como gastroenterite, caso as
ações não dêem resultado e vice-versa (Menéndez, 1985,1990c; Osório, 1994; Mendoza, 1994). A
codificação de enfermidades dos 'curandeiros' e dos 'médicos', construída e 'coisificada' por toda
uma corrente de investigações antropológicas, constituiu-se com base na observação quase exclu-
siva das representações, sem referência às práticas. No âmbito das práticas, a enfermidade emerge
como processo de síntese.
r e c o n h e c i d a s c o m o a m e a ç a s , até possibilitar a articulação da r e l a ç ã o dos
sujeitos e g r u p o s sociais c o m a estrutura social, sobretudo e m nível ideológi-
c o / c u l t u r a l (Stein, 1 9 8 5 , 1990).
D o processo s / d / a , constam desde ações cotidianas relativas à solu-
ção de p r o b l e m a s , até a elaboração de interpretações que expressam os nú-
cleos centrais das i d e o l o g i a s / c u l t u r a s d o m i n a n t e s / s u b a l t e r n a s d o s diferen-
tes g r u p o s que interagem e m u m a sociedade determinada. U m a v e z que os
conjuntos sociais necessitam produzir u m a interpretação — isto é, conferir
sentido e significado a seus sofrimentos —, a enfermidade e suas representa-
ções e práticas são, para a antropologia, parte constitutiva dos sujeitos.
U m aspecto nuclear da perspectiva antropológica que v e m adquirindo
relevância nos últimos anos a respeito da investigação e da ação do processo
s / d / a é o que se refere ao uso de técnicas qualitativas na obtenção de infor-
m a ç ã o e d e análise. A ênfase às políticas de atenção primária, por u m lado, e
a modificação d o perfil epidemiológico, por outro, favoreceram o reconheci-
m e n t o da importância desta a b o r d a g e m qualitativa, a o m e n o s c o m relação a
d e t e r m i n a d a s enfermidades e estratégias.
D e v e - s e sublinhar que a r e c u p e r a ç ã o da a b o r d a g e m qualitativa rela-
tiva à i n v e s t i g a ç ã o d o p r o c e s s o s / d / a teve o r i g e m n o s países capitalistas
centrais, e, e m particular, a partir d o d e s e n v o l v i m e n t o d a s í n d r o m e d e i m u ¬
nodeficiência a d q u i r i d a (AIDS). E m p o u c o t e m p o , as c a r a c t e r í s t i c a s d a e n -
f e r m i d a d e e d o s sujeitos e g r u p o s p o r t a d o r e s e v i d e n c i a r a m a s l i m i t a ç õ e s
da a b o r d a g e m estatística p a r a a o b t e n ç ã o de i n f o r m a ç ã o estratégica c o m
a l g u m tipo de utilidade explicativa e prática e m t e r m o s d o s c o m p o r t a m e n -
tos dos g r u p o s d e risco. A m e d i d a q u e se desenvolvia a p r o d u ç ã o d e infor-
m a ç ã o , os d a d o s referentes a o h o m o s s e x u a l i s m o , b i s s e x u a l i s m o , r e l a ç ã o
entre prostituição e AIDS, aí incluída a prostituição infantil e t c , t o r n a v a
a i n d a m a i s e v i d e n t e a n e c e s s i d a d e d e trabalhar c o m a b o r d a g e n s d o tipo
qualitativo. P o r é m — e isto é o que interessa ressaltar — o que se 'descobriu'
a respeito da AIDS não é diferente do que já sabíamos a respeito de outras
enfermidades e problemas, diante d o s quais a a b o r d a g e m estatística evi-
d e n c i a v a suas limitações. N ã o d i s p o m o s de d a d o s (ou os q u e t e m o s n ã o
são confiáveis) c o m relação a u m a série de e n f e r m i d a d e s p a r a a m a i o r i a
dos p a í s e s d a A m é r i c a Latina. A falta de l e g i t i m i d a d e científica d e c o r r e
não somente da pouca confiabilidade nos sistemas de captação institucional,
m a s dos i n s t r u m e n t o s estatísticos aplicados e m investigações epidemiológi¬
cas. A desconfiança se refere, basicamente, a dois tipos de informações: em
primeiro lugar, à confiabilidade quanto aos valores relatados em termos de
mortalidade ou de morbidade e, em segundo lugar, à qualidade estratégica
da informação obtida.
E m conseqüência, na maioria dos países da A m é r i c a Latina, a infor-
m a ç ã o epidemiológica não é confiável ou é inexistente para problemas c o m o
infanticídio, suicídio, alcoolismo, drogadição, homicídio, violência intrafa¬
miliar, violações, aborto, síndromes culturalmente delimitadas, cirrose hepá¬
tica e automedicação. Quase todos estes padecimentos e problemas, da m e s -
ma forma que a AIDS, têm relação c o m o 'ocultamento' intencional ou fun-
cional da informação. Sua solução ou abrandamento se referem à mudança
de c o m p o r t a m e n t o de sujeitos e conjuntos sociais envolvidos.
Deve-se recordar que vários dos padecimentos assinalados constitu-
em algumas das principais causas de mortalidade e m vários países latino-
americanos, e m nível geral ou em g r u p o s de idade específicos. Isto é, a falta
de aplicação de técnicas qualitativas para obtenção de informação e análise
obedece a outras causas que, em grande parte, estão relacionadas à concep-
ção metodológica utilizada na construção da informação e a sobredetermi¬
11
nação do modelo médico hegemônico.
O sub-registro de i n f o r m a ç õ e s a respeito de p a d e c i m e n t o s cuja na-
tureza é a dos p r o b l e m a s já assinalados d e v e , por seu turno, ser articulado
ao tipo de i n f o r m a ç ã o acerca d e s t e s p a d e c i m e n t o s , p r o d u z i d a e m nível
estatístico. S e , por exemplo, o b s e r v a m o s a natureza do ' d a d o ' p r o d u z i d o
e p i d e m i o l o g i c a m e n t e para u m p r o b l e m a c o m o o alcoolismo, inclusive e m
12
países c o m tradição de investigação neste c a m p o c o m o o M é x i c o , vemos
q u e as variáveis e m p r e g a d a s c o n t i n u a m a ser indefinidamente reiteradas,
sem gerar aportes substantivos diferenciais depois de quase trinta anos de
pesquisas epidemiológicas.
11
O fato d e q u e a p r e o c u p a ç ã o e a c o m p i l a ç ã o d e i n f o r m a ç õ e s m a i s c o n f i á v e i s a r e s p e i t o d e p r o b l e ¬
m a s / p a d e c i m e n t o s c o m o v i o l ê n c i a intrafamiliar, s í n d r o m e d e e s p a n c a m e n t o d e c r i a n ç a s , v i o l a ç õ e s ,
situação de d o e n ç a s mentais ou contaminação, tenha sido p r o d u z i d o por O N G s c não por serviços
de saúde públicos ou privados reforça o q u e dissemos.
12
A m o r t a l i d a d e por alcoolismo, medida por m e i o de indicadores diretos e indiretos, constitui u m a
d a s três p r i n c i p a i s c a u s a s d e m o r t e n o M é x i c o V e r M e n é n d e z & Di P a r d o ( 1 9 8 1 ) e M e n é n d e z
(1990a).
E m todas elas, conclui-se que o alcoolismo ocorre e m h o m e n s de de-
t e r m i n a d a s idades, e m sua maioria pertencentes a certos estratos sociais,
que professam determinada religião, que têm nível educacional formal e es-
tilo de vida determinados. A i n d a que se fale em considerar os padrões de
c o n s u m o e as dinâmicas culturais; e que alguns se p r o p o n h a m a estudar os
saberes dos conjuntos sociais — u m a v e z que consideram o alcoolismo c o m o
parte da religiosidade popular —, ou a informação não se p r o d u z , ou, c o m
raras exceções, adquire as características de u m a i n f o r m a ç ã o manifesta e
reiterada, operacionalizada e m termos de variáveis epidemiológicas. A l é m
disso, o M é x i c o realizou, nos últimos cinco anos, dois inquéritos sobre adi-
ções, aí incluído o alcoolismo, e m nível nacional (SSA, 1990 & 1993). P o -
rém, seus dados seguem reiterando o uso das variáveis já conhecidas, sem
que se produza a informação estratégica que possibilitaria u m tipo d e inter-
pretação e de ação diferente face às ações dominantes.
A Pesquisa Nacional de Saúde (SSA, 1994), investigando a ocorrência
de enfermidades crônicas por g r u p o s de idade, codificou a diabetes mellitus,
a hipertensão, as bronquites, as cardiopatias, as artrites, a desnutrição, a tu-
berculose, a epilepsia, a cegueira, a surdez, o atraso mental e outras causas.
N o entanto, não detectou a cirrose hepática em termos de morbidade — u m a
das dez principais causas de mortalidade — c o m o a primeira ou segunda cau-
sa de m o r t e e m g r u p o s e m idade produtiva, e c o m o a principal causa de
hospitalização nos serviços de gastroenterologia, c o m u m a evolução de 8 a
12 anos. O u seja, a cirrose hepática, a exemplo do alcoolismo, suscita igual-
mente p r o b l e m a s para os epidemiologistas.
A p a s s a g e m ao primeiro plano das enfermidades crônico-degenerati¬
v a s t a m b é m favoreceu o reconhecimento das técnicas qualitativas, dada a
crescente importância conferida aos estilos de vida tanto e m relação às cau-
sas, quanto ao controle e sobretudo ao auto-controle destas enfermidades. A
ênfase recente colocada na experiência do sujeito enfermo e na convivência
com o 'seu' padecimento, bem c o m o a importância dada ao 'autocuidado'
c o m o expressão que p o d e assegurar maior esperança e qualidade de vida,
reforçam ainda mais a significação das técnicas qualitativas.
A s últimas referências nos c o n d u z e m a outro fator que tem impulsio-
nado o desenvolvimento da aproximação qualitativa. A s propostas de aten-
ção primária — não somente as de atenção primária integral e seletiva, m a s
t a m b é m as de atenção primária médica — supõem a inclusão de estratégias
c o m o participação social e organização comunitária, a utilização de práticas
populares ou o estímulo à educação para a saúde. Todas estas estratégias
supõem a necessidade de produzir informação clínica ou epidemiológica es-
tratégica, e é neste aspecto que as técnicas qualitativas se tornam decisivas.
Deve-se assumir e m toda sua significação que a maior parte da informação a
ser obtida de m o d o a impulsionar a maioria destas estratégias se refere a
processos sociais, culturais, ideológicos e políticos, e que, além disso, supõe
incluir a ação, c o m base nos serviços e sobretudo nos atores sociais. Se isso
for efetivamente assumido, e não somente c o m o proposta burocrática ou
modismo, impõe-se a utilização de u m a a b o r d a g e m qualitativa. Conseqüen-
temente, se a preocupação c o m a Atenção Primária (AP) e c o m os Sistemas
Locais de Saúde (SILOS) é real, estes objetivos pressupõem o desenvolvimen-
to de uma epidemiologia não apenas do patológico, m a s igualmente dos 'com-
portamentos normais', assim como, por princípio, u m a relação c o m a estru-
tura e a organização social em nível local. Este ponto torna meritória uma
discussão desenvolvida c o m base na análise, por exemplo, das propostas de
13
A P e de c o m o estas são realmente levadas a c a b o .
13
É ó b v i o q u e as p r o p o s t a s d e i n v e s t i g a r a ' s a ú d e p o s i t i v a ' , a ' q u a l i d a d e d e v i d a ' o u o s r e c u r s o s q u e
o s s u j e i t o s / g r u p o s d e t ê m p a r a enfrentar s e u s p a d e c i m e n t o s p r e s s u p õ e m a u t i l i z a ç ã o , a i n d a m a i s
i n t e n s a , d c u m a a p r o x i m a ç ã o d e tipo qualitativo.
ro de revistas especializadas recentes, obtém maior número de postos de tra-
balho e é também u m dos campos com maiores recursos de financiamento.
Esta expansão está relacionada c o m vários dos aspectos analisados,
e m particular c o m a aplicação da a b o r d a g e m antropológica à investigação e
à ação e m A P c o m relação às enfermidades crônicas, AIDS, drogadição, vio-
lências e saúde reprodutiva, assim c o m o c o m relação aos fatores ocupacio¬
nais e de financiamento.
O perigo de medicalização da antropologia era referido, no que con-
cerne aos países centrais, à ênfase na especialização antropológica, correlata
à especialização médica; ao fato de o maior n ú m e r o de investigações antro-
pológicas optarem pelo enfoque ecológico-cultural, o mais similar e m sua
c o n c e p ç õ e s m e t o d o l ó g i c a s e técnicas ao e p i d e m i o l ó g i c o , a u m c r e s c e n t e
domínio de investigações de corte empirista, a u m a crescente subordinação
teórico-metodológica ao m o d e l o m é d i c o h e g e m ô n i c o etc.
N o s s a experiência na A m é r i c a Latina não p o d e ser referida a estes
processos, pelo m e n o s do m o d o c o m o têm sido analisados pelos antropólo-
g o s norte-americanos, canadenses e britânicos. H á outros processos q u e ex-
p r e s s a m nossas condições específicas.
N o entanto, existem alguns fatos que compartilhamos c o m esses paí-
ses — e m g r a n d e medida, porque foram inventados e receberam impulso de
antropólogos e sanitaristas norte-americanos c o m base e m suas investiga-
ções na A m é r i c a Latina. U m dos mais destacados e que experimentou relati-
va expansão está ligado ao desenvolvimento de tecnologias rápidas de ob-
tenção de informação e de análise. Deste modo, têm sido produzidos vários
manuais de 'etnografia rápida', referentes à obtenção d e i n f o r m a ç ã o epide-
miológica e de serviços de saúde (Scrimshaw & Hurtado, 1988; H e r m a n &
Bendey, 1992). A t é o n d e é de nosso conhecimento, na A m é r i c a Latina, equi-
pes de saúde, médicos e paramédicos têm utilizado as 'etnografias r á p i d a s '
referidas ao processo s / d / a . E m b o r a entre os introdutores desta tecnologia
p o s s a m ser e n c o n t r a d o s antropólogos, g e r a l m e n t e n o r t e - a m e r i c a n o s , sua
operacionalização não tem ficado, em geral, a cargo desses profissionais.
A s etnografias rápidas partem de u m fato o b s e r v a d o reiteradamente
e m nosso trabalho antropológico, e que tem permitido fundamentar a signi-
ficação das abordagens qualitativas. O trabalho c o m p o u c o s informantes,
m a s em profundidade, permite construir o perfil epidemiológico de u m g r u -
po determinado, possibilitando igualmente a inclusão de informações eco¬
nômicas, políticas e socioculturais. A l é m disso, a epidemiologia obtida a par-
tir daí permite 'encontrar' informações a respeito de enfermidades g e r a l -
m e n t e o b s c u r e c i d a s ou inexistentes nas pesquisas e p i d e m i o l ó g i c a s , assim
c o m o interpretações estabelecidas c o m base no p o n t o de vista dos atores,
que p e r m i t e m estabelecer atividades específicas.
Porém, esta forma de trabalho antropológico supõe o dispêndio de
muito tempo, se p e n s a r m o s e m termos comparativos c o m o trabalho epide¬
miológico. A d e m a i s , supõe u m a aproximação de natureza holística, que, ain-
da que não se c u m p r a e m sentido integral, opera c o m o m a r c o referencial de
nosso trabalho.
A proposta de 'etnografias rápidas' supõe despojar o trabalho antropo-
lógico n ã o somente de seu m a r c o referencial holístico, m a s t a m b é m de sua
profundidade. Esta forma de trabalho p r o m o v e o e n g e n d r a m e n t o de coisas
semelhantes ao que já se tem produzido, por exemplo, sobre o conceito de
'estilo de vida', isto é, corrói a capacidade teórico-prática da a b o r d a g e m an-
tropológica. Estas modificações advêm, e m grande parte, das concepções de
A P m é d i c a e, e m certa medida, de A P seletiva, e p o d e m ter potencialidade
operativa. Todavia, e m termos práticos, impossibilitam obter parte d o nú-
cleo da p r o p o s t a antropológica, caracterizada por permitir o acesso às signi-
ficações das representações e das práticas.
Esta proposta encobre u m fato decisivo. A l g u n s dos que a têm p r o m o -
vido têm u m a ampla experiência no trabalho antropológico no que diz res-
peito aos g r u p o s de seu interesse, e é e m função deste saber vivenciado que
eles t ê m elaborado recursos de intervenção não-transmissíveis, p o r é m n u m a
a p r e n d i z a g e m d e m o r a d a e próxima.
O u t r o fato que não se mostra suficientemente p o n d e r a d o é o da utili-
zação de trabalhadores de saúde locais, para a realização deste tipo de inves-
tigação. A experiência antropológica, assim c o m o os p r o g r a m a s de A P inte-
grais, têm atestado c o m constância a factibilidade d e produzir agentes de
cura locais que d o m i n e m técnicas biomédicas, e se revelado igualmente ca-
pazes de engendrar u m a epidemiologia local (Kroeger, M o n t o y a - A g u i l a r &
B i c h m a n , 1989). Esta possibilidade, porém, está baseada, quanto à produ-
ção de dados epidemiológicos (aí incluídos os 'dados antropológicos'), no
fato de que estes trabalhadores sejam m e m b r o s do g r u p o no âmbito do qual
trabalham. Q u a n d o esta metodologia se revela apropriada e m t e r m o s de in-
vestigação, m a s é utilizada por pessoas que não têm esta inserção ou não
d e t ê m o saber a c u m u l a d o anteriormente assinalado, o resultado p o d e ser
problemático.
C o m relação ao analisado, há u m p o n t o q u e interessa destacar sobre a
forma c o m o as técnicas de tipo qualitativo estão sendo utilizadas, ao m e n o s
nas áreas a que temos acesso, pelo pessoal de saúde, já que esta apropriação
supõe u m a transformação e m dois sentidos. E m primeiro lugar, os instru-
m e n t o s teórico-metodológicos p o d e m ser reduzidos a técnicas despojadas
d e seu instrumental teórico. E m segundo, por exigência das fontes de finan-
ciamento, as urgências e as necessidades de produzir resultados p a s s a r a m a
determinar o uso das técnicas e não, do m a r c o teórico. T a n t o e m termos de
investigação c o m o de investigação-ação, c o m relação a aspectos da realida-
de e problemas que justamente requerem u m a metodologia baseada e m grande
14
m e d i d a no tempo, estão sendo aplicadas metodologias de u r g ê n c i a .
A ênfase no qualitativo, o 'falar' de etnografias, m a s c o m característi-
cas rápidas, a inclusão de u m a terminologia q u e se refere a significações,
sentidos, representações e saberes, a conversão d e instrumentos q u e poten-
cialmente p r o d u z e m 'etnografias profundas' e m instrumentos que g e r a m da-
dos urgentes, tudo isso supõe a necessidade de começar a esclarecer o senti-
d o deste enfoque, que tende a se apropriar de u m corpo de palavras que se
referem a u m a metodologia de natureza antropológica, m a s q u e estão sendo
ressignificadas c o m base e m u m a concepção não qualitativa do ' d a d o ' pro-
duzido, o que, na prática, tende a separá-lo da referência teórica.
14
Devemos deixar claro que a urgência na produção de resultados não constitui uma particularidade
das ciências da saúde. Há muitos anos, quando parte dos sociólogos 'redescobriu' o qualitativo,
alguns instrumentos qualitativos foram convertidos em técnicas rápidas. Um dos exemplos mais
precoces foi a conversão das histórias de vida socioantropológicas em histórias de vida estruturadas
de aproximadamente uma página e meia e constituída por uma enumeração de variáveis similar a
um perfil demográfico e ocupacional. Nos últimos anos, foram realizados vários experimentos
interessantes que obtiveram rápida difusão. Um deles é a aplicação do critério de 'saturação' às
entrevistas em profundidade ou às histórias de vida, o que, entre outras coisas, implicou a impossi-
bilidade de construir padrões de comportamentos 'reais'. Outro diz respeito ao desenvolvimento
dos 'grupos focais', manejados com as mesmas características aplicadas nas "entrevistas mercadoló-
gicas". Um último exemplo é o que postula a entrevista única como o meio pelo qual emergem as
representações e práticas dos sujeitos com problemas tais como AIDS, questões no âmbito da saúde
reprodutiva ou violações. Para além de fundamentações metodológicas, uma parte do desenvolvi-
mento destas técnicas tem relação com as urgências e as imposições dos financiamentos. Em
conseqüência, um segmento dos antropólogos também está alterando suas formas qualitativas de
abordagem.
Entretanto a ênfase no qualitativo p o d e dar lugar a várias deforma-
ções, tais c o m o o hiperempirismo e o ateoricismo, ou a u m a qualidade duvi-
dosa da informação. E m outras palavras, p o d e chegar a reproduzir as carac-
terísticas dominantes e m grande parte da p r o d u ç ã o epidemiológica e socio-
lógica que, paradoxalmente, questiona. A p r o d u ç ã o d o d a d o e a análise qua-
litativa s u p õ e m u m vigoroso controle epistemológico e m nível artesanal, b e m
15
c o m o u m questionamento de tais urgências.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
15
Não desconhecemos a utilização de técnicas qualitativas no trabalho da saúde pública latino-america-
na, que no caso do México refere-se quase que exclusivamente ao uso de serviços de saúde (SSA, 1994;
Miranda et al., 1993), mas consideramos que esta utilização não somente é muito escassa, mas
também não está integrada ao trabalho epidemiológíco, figurando como um produto paralelo.
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METANALISE EM
EPIDEMIOLOGIA*
Milos Jénicek
E M TERMOS HISTÓRICOS
O PRESENTE
TENDÊNCIAS PREVISÍVEIS
1
No original kin (N.T.).
2
No original spin-off (NT.).
a b o r d a g e m indutiva e m metanálise, combinada à dedução por m e i o de um
processo interativo (Jénicek, 1995).
N a formulação de políticas nacionais de saúde, a definição de prioridades
e a alocação de força de trabalho e recursos serão levadas a termo, cada vez
mais, valendo-se de uma avaliação metanalítica de uma situação. Os governos
estão-se tornando mais conscientes de tal necessidade. E m diversos países, já
existe uma infra-estrutura, com instituições específicas, que procedem a avalia-
ções sistemáticas de programas, políticas e tecnologias em saúde. Seu propósito
é a fiscalização da efetividade da assistência médica.
A Força-Tarefa Canadense p a r a Avaliação Periódica do E x a m e M é d i -
co (Periodic Health Examination M o n o g r a p h , 1980), o Escritório Canaden-
se de Coordenação da Avaliação Tecnológica e m Saúde e instituições pro-
vinciais afins, c o m o o Escritório de Avaliação T e c n o l ó g i c a e m S a ú d e do
Q u e b e c , representam importantes veículos para o e m p r e g o da metanálise
e m seu sentido metodológico mais amplo.
A Comissão de Avaliação de Tecnologia Médica do Congresso dos EUA
(Committee for Evaluating Medical Technologies in Clinical Use, 1985) e a Divi-
são de Metodologia do Escritório Geral de Contabilidade dos EUA (Silberman,
Droitcour & Sculin, 1992; Droitcour, Silberman & Chelimsky, 1993;
United States General Accounting Office, 1994) têm utilizado, cada vez mais,
métodos metanalíticos e correlates para determinar a alocação de recursos e a
definição de prioridades em políticas e programas de saúde. Oriunda do Reino
Unido, de onde se expandiu para outras partes do mundo, a Rede Colaborativa
Cochrane (Chalmers, 1993) compreende centros nacionais e redes e m países
como Canadá, Escandinávia, Itália e Austrália. N a França, mantida c o m recur-
sos p r i v a d o s , a A g ê n c i a N a c i o n a l para o D e s e n v o l v i m e n t o da Avaliação
( A N D E M ) também persegue objetivos similares (Mattillon & Durieux, 1994).
DETERMINANDO PRIORIDADES
PARA A PREVENÇÃO DE DOENÇAS
A m e t a n á l i s e t e m c o n t r i b u í d o p a r a a a b o r d a g e m s i s t e m á t i c a relati-
v a à i n t e g r a ç ã o de p e s q u i s a , do m e s m o m o d o q u e a e p i d e m i o l o g i a contri-
b u i u p a r a a q u a l i d a d e de e s t u d o s originais. A r e v i s ã o s i s t e m á t i c a das p e s -
q u i s a s está-se t o r n a n d o c a d a v e z m a i s u m p a d r ã o .
Ε p r e v i s í v e l q u e as r e v i s õ e s da l i t e r a t u r a m é d i c a e m teses de p e s -
q u i s a d e s e n v o l v i d a s n o s p r o g r a m a s d e t r e i n a m e n t o sejam escritas m a i s
freqüentemente c o m o r e s u l t a d o de r e v i s õ e s s i s t e m á t i c a s d o q u e como
u m ' q u e m d i s s e o q u ê ' n a literatura m é d i c a , c o m o o q u e o b t e m o s m e d i -
ante qualquer busca e recuperação computadorizada de informações
médicas.
A m e t a n á l i s e está-se t o r n a n d o u m a a b o r d a g e m m e t o d o l ó g i c a c o m
b o a a c e i t a ç ã o n a p e s q u i s a e m e p i d e m i o l o g i a clínica. R e c e n t e m e n t e , dois
m e s t r e s d i p l o m a d o s e m e p i d e m i o l o g i a clínica foram p r e m i a d o s n a Uni-
v e r s i d a d e d e M o n t r e a l p e l a r e a l i z a ç ã o de m e t a n á l i s e s da função d o s anti-
c o r p o s m o n o c l o n a i s n a p r e v e n ç ã o e c o n t r o l e da rejeição a g u d a a t r a n s -
p l a n t e s d e ó r g ã o s s ó l i d o s (Carrier, J é n i c e k & Pelletier, 1 9 9 2 ) , e da efeti-
v i d a d e da q u i m i o t e r a p i a adjuvante à c i r u r g i a d o c â n c e r d o c o l o n e d o
reto ( D u b é , H e y e n & J é n i c e k , 1 9 9 4 ) . Por q u e i s s o n ã o p o d e r á a c o n t e c e r
na s a ú d e p ú b l i c a e m u m futuro p r ó x i m o ?
A m e t a n á l i s e v e m s e n d o i n t r o d u z i d a c o m o u m a d i s c i p l i n a de ' i m -
p a c t o ' e m v á r i o s c u r s o s d e férias e e m c u r s o s r e g u l a r e s d e e s c o l a s de
s a ú d e p ú b l i c a . N o m o m e n t o , oferece-se u m c u r s o r e g u l a r de m e t a n á l i s e
e m c i ê n c i a s de s a ú d e na U n i v e r s i d a d e de M o n t r e a l , e m n o s s o p r o g r a m a
de p ó s - g r a d u a ç ã o e m s a ú d e c o m u n i t á r i a .
É n e c e s s á r i o que, n o m a g i s t é r i o , se a d o t e esta t e n d ê n c i a , se deseja-
m o s c o n t a r c o m p r o c e s s o s de t o m a d a d e d e c i s ã o m a i s a d e q u a d o s por
p a r t e d o s g o v e r n o s e das i n s t i t u i ç õ e s d e s a ú d e .
APLICAÇÕES Ε PROGNÓSTICOS
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EPIDEMIOLOGIA CLÍNICA
Ε MOLECULAR: É POSSÍVEL
Miquel Porta
INTRODUÇÃO
QUATRO IDÉIAS
Tabela 1 - E x a m e s d i a g n ó s t i c o s r e a l i z a d o s n o s p r i m e i r o s 120 c a s o s
de câncer de pancreas exócrino e verificação cito-histo¬
lógica, nos cinco hospitais participantes do estudo
PANKRAS II ( P o r t a et a l . , 1 9 9 4 a )
*
Outras alterações genéticas.
Efetivamente, o grau de d i s s e m i n a ç ã o ou estágio e m que, de m o d o
geral, estas patologias c h e g a m ao m é d i c o — e não, d i g a m o s , ao cirurgião ou
ao oncologista — indica que algo não funciona b e m no sistema de atenção
primária. Q u a n d o é possível tomar decisões terapêuticas p o n d e r a d a s , es-
tas têm u m a d i m e n s ã o m a r c a d a m e n t e paliativa. A relevância clínica destas
q u e s t õ e s é evidente para todos e constitui s o m e n t e u m e x e m p l o menor,
m a s ilustrativo. M u i t o s profissionais — quer se sintam p r ó x i m o s ou distan-
tes da c h a m a d a e p i d e m i o l o g i a clínica — têm contribuído efetivamente para
aprimorar o conhecimento de tais questões e da prática profissional cor-
respondente. E m outras palavras, d e f e n d e m o s que os rótulos ('epidemio-
logia clínica' etc.) são m e n o s relevantes do que os frutos obtidos e p o d e m
continuar a balizar a integração do raciocínio e dos m é t o d o s da e p i d e m i o -
logia c o m os de outras disciplinas.
Outro ponto de referência próximo é o Hospital do M a r de Barcelona.
Por intermédio do seu Registro de T u m o r e s sabemos que, atualmente, 8 9 %
dos doentes c o m câncer de pâncreas ou de vesícula biliar ingressam no hos-
pital por intermédio do Serviço de Emergência (somente 1 1 % são admis-
sões p r o g r a m a d a s ) . O intervalo entre o primeiro sintoma e a primeira con-
sulta no hospital tem, em média, 61 dias ( 2 6 , 7 % d e m o r a m mais de três me-
ses). J á o tempo transcorrido entre a primeira consulta no hospital e o diag-
nóstico é, em média, de 25 dias (superior a um mês em 3 1 % dos doentes).
Ainda de a c o r d o c o m os dados do Registro, sabe-se que o tratamento dos
cânceres de pancreas e vesícula biliar tem um objetivo radical em apenas
3 7 % dos casos. Existe um estudo acerca da extensão dos tumores em 6 9 %
dos doentes e, no m o m e n t o do diagnóstico, 2 5 % dos pacientes apresentam
doença disseminada à distância (regional, 6%; local, 3 8 % ) . Podem-se cons-
tatar algumas outras cifras — preocupantes, do nosso p o n t o de vista — sobre
os pacientes com câncer do tubo digestivo, que ingressam em nosso hospital
por meio do serviço de emergência (Fernandez et al., 1995).
Estas cifras s e r i a m a b s o l u t a m e n t e d i v e r g e n t e s d o h a b i t u a l ? N ã o
c r e m o s . Por que, então, t r a z e m o s ao d e b a t e t e m a s tão c o t i d i a n o s na clí-
nica, a p a r e n t e m e n t e tão afastados do m u n d o do l a b o r a t ó r i o e até m e s m o
de a l g u m a s e p i d e m i o l o g i a s ? Porque e s t a m o s c o n v e n c i d o s de q u e , e m pri-
m e i r o lugar, é n e c e s s á r i o e possível investigar f o r m a l m e n t e estas q u e s -
tões. E m s e g u n d o lugar, p o r q u e é p o u c o ético e, de um m o d o g e r a l , fútil
levar a cabo c e r t a s formas de i n v e s t i g a ç ã o e p i d e m i o l ó g i c a s e m q u e esta
se b a s e i e n a p r á t i c a clínica e tenha r e p e r c u s s ã o sobre ela. E m terceiro,
p o r q u e n ã o é p o s s í v e l realizar i n v e s t i g a ç ã o de b o m p a d r ã o (básica, clíni-
ca ou e p i d e m i o l ó g i c a ) s e m c o n e x ã o c o m a p r á t i c a c l í n i c a , c a s o esta in-
v e s t i g a ç ã o a s p i r e a u m alto g r a u d e v a l i d e z e r e l e v â n c i a ( F l e t c h e r , 1 9 9 0 ;
P o r t a , 1990; 1 9 9 4 ) .
N ã o obstante, é surpreendente a ausência de referência a estas ques-
tões p o r p a r t e de n u m e r o s o s i n v e s t i g a d o r e s e m b i o l o g i a c e l u l a r e m o l e -
cular, a s s i m c o m o d e v e - s e d e s t a c a r os i m p o r t a n t e s deficits m e t o d o l ó g i -
c o s n o s e s t u d o s e m q u e se b a s e i a m certas p r o p o s t a s d e a p l i c a ç ã o ao con-
texto c l í n i c o d a s d e s c o b e r t a s d a b i o l o g i a . U m e x e m p l o são os e s t u d o s
q u e p r o p õ e m q u e a d e t e c ç ã o de m u t a ç õ e s no g e n e k-ras teria u t i l i d a d e
clínica n o d i a g n ó s t i c o d o c â n c e r d e p a n c r e a s — n a s q u a i s , o b v i a m e n t e , o
P C R d e s e m p e n h a u m p a p e l f u n d a m e n t a l — e q u e v i o l a m c l a r a m e n t e di-
v e r s o s r e q u i s i t o s q u e d e v e m ser o b e d e c i d o s p o r u m e s t u d o de a v a l i a ç ã o
de p r o v a s d i a g n o s t i c a s ( M a l a t s et al., 1 9 9 4 ; H e r n a n d e z A g u a d o & Gar-
cia, 1 9 9 3 ) . N a r e a l i d a d e , a c r e n ç a n a u t i l i d a d e d i a g n o s t i c a d e s t e m é t o d o
de d e t e c ç ã o r e p r e s e n t a u m n o v o e e v i d e n t e e x e m p l o d a s g r a v e s c o n s e -
q ü ê n c i a s d a falta d e d i á l o g o e n t r e os três ' m u n d o s ' q u e p r o t a g o n i z a m
esta e x p o s i ç ã o .
E m consonância c o m o que acabamos de expor e c o m a 'tese' inicial
de n ú m e r o 4, a equipe de investigadores do estudo PANKRAS I I decidiu abor-
dar formalmente a problemática que intuímos a partir da leitura da Tabela 1,
tratando-a c o m o u m subprojeto do referido estudo (Porta et al., 1994a; Porta
et al., 1994b; Malats et al., 1995) Os objetivos deste subprojeto são apresen-
tados, sinteticamente, a seguir:
• analisar os padrões de utilização (freqüência e seqüência) das téc-
nicas diagnosticas utilizadas para a diagnose das patologias m e n c i o n a d a s ,
nos cinco hospitais participantes do estudo PANKRAS II, b e m c o m o os fatores
associados a estes padrões, tanto os relativos ao paciente e sua doença, c o m o
os relativos ao hospital;
• avaliar qualitativa e q u a n t i t a t i v a m e n t e o r e n d i m e n t o clínico dos
p a d r õ e s principais de utilização, conferindo u m a ênfase especial à base do
diagnóstico (histologia, citologia, clínica), às c o m p l i c a ç õ e s clínicas das téc-
nicas, ao i m p a c t o sobre as decisões terapêuticas (re-secção cirúrgica, qui-
m i o t e r a p i a ; i n t e n ç ã o d o t r a t a m e n t o ) e à e v o l u ç ã o d o d o e n t e (reinterna¬
ç õ e s , s o b r e v i d a ) . E s t e objetivo inclui t a m b é m o estudo do g r a u de correla¬
ção entre a certeza diagnostica, avaliada m e d i a n t e u m a a d a p t a ç ã o de n o s -
sa classificação CCD-IHM (Porta et al., 1 9 9 4 b ) , e a a v a l i a ç ã o c l í n i c a do
paciente, v i s a n d o , ainda, a efetuar u m a a p r o x i m a ç ã o à relação c u s t o - b e n e ¬
fício e custo-efetividade dos principais p a d r õ e s d i a g n ó s t i c o s ; e
• avaliar a possibilidade do impacto dos padrões diagnósticos e do
grau de certeza diagnostica associado a cada u m deles sobre as estimativas
do risco das 'exposições', acerca das quais o estudo coleta informações por
m e i o de entrevista (ocupação, hábitos tóxicos, alimentos, antecedentes pa-
tológicos etc.) c o m pacientes que c o m p õ e m os grandes g r u p o s diagnósticos
do estudo (câncer de pâncreas, câncer das vias biliares extra-hepáticas, pan-
creatite crônica, outras patologias benignas do pancreas), b e m c o m o avaliar
a possível relação entre a base diagnóstica e a classificação errônea das ex-
posições entre os 110 pacientes cujos familiares foram t a m b é m entrevista-
dos de forma independente.
J á que aludimos à técnica do PCR, e u m a v e z que este processo é, atu-
almente, emblemático de tantas coisas, talvez não seja supérfluo sublinhar
que o PCR carece de função, caso não se obtenha pelo m e n o s u m a amostra
citológica do tumor. C o m o isto n e m sempre é possível e já que n e m sempre
as amostras citológicas são ótimas (devido ao material hemático, ao escasso
n ú m e r o de células tumorals etc.), a avaliação da possível efetividade do PCR
g a n h a e m consistência metodológica — e e m realismo — n o âmbito de um
trabalho c o m o o mencionado. O progresso parece substancial c o m relação à
i m e n s a m a i o r i a de investigações efetuadas até o m o m e n t o (no c a m p o d o
g e n e k-ras e d o câncer pancreático-biliar). Porém, indubitavelmente, e m fun-
ção dos resultados do nosso e de outros estudos, deverão ser desenvolvidos
outros projetos que superem as limitações que, sem dúvida, afetam nosso
estudo. D e i x a r e m o s aqui apenas esboçadas as discussões sobre o equilíbrio
entre complexidade metodológica e logística e entre pertinência e relevância
científicas (Porta & Sanz, 1993).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EPIDEMIOLOGIA
INTRODUÇÃO
E n t r e os a v a n ç o s na direção de u m a e p i d e m i o l o g i a de p o p u l a ç õ e s ,
g o s t a r í a m o s d e destacar a i m p o r t â n c i a d a i n c o r p o r a ç ã o d o c o n c e i t o de ter-
ritório. E m b o r a n ã o seja recente a utilização de u n i d a d e s territoriais para
e s t u d o s e p i d e m i o l ó g i c o s , é n o v i d a d e a i n c o r p o r a ç ã o da n o ç ã o de território
c o m o e s p a ç o - p o p u l a ç ã o , isto é, u m a u n i d a d e n a q u a l i n t e r a g e m p o p u l a -
ções c o m o u m â m b i t o de c o n v e r g ê n c i a histórica de m ú l t i p l o s p r o c e s s o s ,
d e s d e a definição do clima até as r e l a ç õ e s de i n t e r a ç ã o entre i n d i v í d u o s ,
grupos e subpopulações.
Deve-se levar e m conta, t a m b é m , que o território é essencial para a
concretização do Estado e dos órgãos do poder público. Portanto, a execu-
ção de intervenções sociais tende a ter u m a organização territorial. Se a isto
acrescentarmos o fato de que os territórios, se considerados espaço-popula-
ção, t e n d e m a estabelecer hierarquias e a atuar c o m o sistemas complexos e
quase i n d e c o m p o n í v e i s , disporemos de ferramentas de pesquisa muito po-
derosas que ainda não foram suficientemente exploradas e desenvolvidas.
C o m o exemplo de uso de unidades territoriais c o m o espaço-popula-
ção e m estudos epidemiológicos, p o d e m o s citar os estudos sobre perfis dife-
renciais de m o r t a l i d a d e s e g u n d o níveis de d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o e
social, c o m base nas c h a m a d a s T á b u a s Reduzíveis de Mortalidade, publica-
das pela O P S / O M S na sua mais recente edição do relatório quadrianual
Condições de Saúde nas Américas (OPS, 1994).
Outra contribuição fundamental foi feita por Samaja (1993), c o m sua
p r o p o s t a da 'matriz de dados'. O autor enfrenta especificamente a proble-
mática da articulação de variáveis de diferentes níveis e m u m m e s m o estu-
do. E m v e z de fechar os desenhos e m d e t e r m i n a d o nível de a b o r d a g e m ('an-
c o r a g e m ' , segundo sua denominação) por temer o reducionismo e o mecani¬
c i s m o — falácia ecológica e m sentido descendente e ascendente, diríamos,
entre os epidemiólogos —, o autor defende a necessidade de utilizar variáveis
de diferentes níveis e articulá-las entre si, de tal m a n e i r a q u e as variáveis
analíticas de nosso nível de a b o r d a g e m sejam definidas c o m o as estruturais
d e u m nível inferior. N a verdade, as variáveis contextuais d e n o s s o nível
p o d e m ser estruturais de u m nível superior e a s s i m s u c e s s i v a m e n t e .
E m u m d e t e r m i n a d o nível, u m a variável p o d e ser definida c o m o es-
trutural, analítica ou contextual, d e p e n d e n d o dos termos nos quais seja de-
finida. Portanto, se é definida c o m o contextual, deverá ser abordada e m um
nível superior; se é definida c o m o analítica deverá ser abordada em um nível
inferior, e se é contextual, no m e s m o nível de nosso estudo. Isto significa
dizer que, e m u m m e s m o estudo, não só p o d e m o s utilizar variáveis de dife-
rentes níveis para enriquecer nosso conhecimento d o p r o b l e m a investigado,
c o m o t a m b é m nossas unidades de análise p o d e m ser — e muito provavel-
mente, d e v e m ser — de diferentes níveis em u m m e s m o estudo.
Escaparia aos objetivos deste trabalho, e provavelmente à nossa capa-
cidade, a tentativa de u m a revisão exaustiva da potência destes desdobra-
m e n t o s para nossa investigação epidemiológica sobre a saúde de popula-
ções. Entretanto, q u e r e m o s enfatizar que este tipo de contribuição abre um
c a m i n h o muito promissor para u m a epidemiologia mais potente.
O u t r a c o n t r i b u i ç ã o f u n d a m e n t a l d e v e ser a t r i b u í d a aos a v a n ç o s r e -
a l i z a d o s no r e c o n h e c i m e n t o da i m p o r t â n c i a e u t i l i d a d e d o s d e s e n h o s cha-
mados qualitativos em epidemiologia, e no desenvolvimento metodoló-
gico para articular variáveis e técnicas 'qualitativas' com 'quantitativas'
no m e s m o e s t u d o . Isto p r e s s u p õ e o r e c o n h e c i m e n t o de d o i s fatos t r a n s -
c e n d e n t e s . E m p r i m e i r o lugar, a p o t ê n c i a d a s t é c n i c a s e t n o g r á f i c a s , d e
v a l i d a ç ã o consensual, e e m geral de c a r á t e r h e u r í s t i c o , p a r a o b t e r a infor-
m a ç ã o q u e d i f i c i l m e n t e c o n s e g u i d a de forma confiável p o r m e i o d e re-
g i s t r o s , e s t u d o s s e c c i o n a i s e c e n s o s t r a d i c i o n a l m e n t e u t i l i z a m o s e m epi-
demiologia. E m segundo, o reconhecimento de que o quantitativo é so-
m e n t e u m a d i m e n s ã o da r e a l i d a d e , q u e as m u d a n ç a s d e q u a l i d a d e e de
e s t a d o c o n s t i t u e m n ã o a e x c e ç ã o , m a s sim p a r t e d o c o m p o r t a m e n t o habi-
tual de t o d o o sistema.
A revisão dos conceitos básicos sobre inferência foi outro passo im-
portante. C o m o escaparia aos objetivos deste trabalho proceder a u m a am-
pla revisão dos t e r m o s desta revisão, destacaremos somente dois aspectos.
E m primeiro lugar, a revalorização da abdução, ao lado da i n d u ç ã o e da
dedução, c o m o m é t o d o de produzir conhecimento; e relacionada a ela, a
recuperação do conceito de espécime c o m o enriquecimento do tradicional
conceito de amostra. Samaja, da Universidade de B u e n o s Aires, foi prova-
v e l m e n t e q u e m trabalhou de maneira mais sistemática e trouxe estes concei-
tos à lógica do desenho e da análise e m epidemiologia.
No âmbito epistemológico, é necessário destacar novamente as con-
tribuições de A l m e i d a Filho, criticando sistematicamente os conceitos de
inferência e seu uso na epidemiologia contemporânea, sobretudo quando
abordados com base em perspectiva ecológica e antropológica.
Finalmente, gostaríamos de destacar as contribuições sobre a reprodu-
ção social c o m o modelo explicativo das condições de vida e os perfis de
saúde das populações e g r u p o s sociais. Este desenvolvimento surgiu em di-
ferentes países da América Latina. Certamente são relevantes as contribui-
ções de Breilh, no Equador, de Samaja, na Argentina, de Laurel, no México,
as nossas e as de muitos outros pesquisadores. O encontro destes desenvol-
vimentos teóricos com o conjunto de desenvolvimentos metodológicos que
sucintamente acabamos de descrever anuncia u m a fecunda produção de co-
nhecimentos sobre a realidade da saúde de nossos povos.
Em outra linha de pensamento, poderíamos destacar os avanços obtidos
ao repensar os conceitos de vigilância epidemiológica, das técnicas de vigilância-
sentinela, dos conceitos de indicadores e variáveis 'traçadoras' e muitos outros
progressos de nível técnico que estão acontecendo.
A i n d a precisa ser verificado quanto do d e s e n v o l v i m e n t o conceitual,
m e t o d o l ó g i c o e técnico da e p i d e m i o l o g i a de nível individual é recuperável
para os níveis p o p u l a c i o n a i s , e quanto é necessário reconceituar e desen-
volver. Esta revolução interna no c a m p o da e p i d e m i o l o g i a e da saúde pú-
blica ocorre em uma é p o c a em que o c a m p o geral das ciências está sendo
e s t r e m e c i d o por incontáveis avanços que t e n d e m a d e r r u b a r muitas das
premissas básicas da ciência moderna. E n t r e elas, d e s t a c a m - s e o apego à
predição, sua visão causalista, estática e a-histórica das u n i d a d e s de análi-
se, b e m c o m o a incorporação da noção de caos no m u n d o aprazível dos
c o m p o r t a m e n t o s lineares dos sistemas, no d e s e n v o l v i m e n t o de u m a mate-
mática capaz de dar conta do não-formal, de u m a nova v i s ã o g e o m é t r i c a ,
agora não-euclidiana, de u m a física que superou a m p l a m e n t e a visão me-
cânica, de u m a biologia que cada vez mais incorpora u m a visão dinâmica
da o r g a n i z a ç ã o e e v o l u ç ã o dos seres v i v o s , de ciências sociais que valori-
zam cada vez mais o antropológico, e muitos outros avanços que se m e s -
clam em um h e t e r o g ê n e o e contraditório m o v i m e n t o de construção de uma
ciência que m u i t o s tentam c h a m a r de p ó s - m o d e r n a .
Cremos não ser possível afirmar, ainda, o quanto estes avanços - que
já estão tornando obsoletas muitas das premissas das ciências ditas moder-
nas - serão úteis ao nosso esforço de repensar a epidemiologia c a d a v e z mais
c o m o u m a disciplina que estuda a saúde de populações e n ã o a p e n a s a saúde
e m populações, cada v e z m a i s c o m p r o m e t i d a c o m a saúde pública e coleti-
va. Podemos, sim, advertir c o m segurança que d e v e m o s nos manter alerta
e m relação a esses avanços. N ã o poderíamos p e r m a n e c e r ancorados a uma
visão estática da nossa disciplina e manter nossos conceitos e m é t o d o s pri-
sioneiros da a b o r d a g e m individual da saúde, ainda que e m n o m e da c h a m a -
da epidemiologia m o d e r n a que todos a p r e n d e m o s u m dia, m a s que, e m mui-
tos aspectos, v e m c o m e ç a n d o a ser considerada limitada e obsoleta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TECNOCIÊNCIA Ε BIOÉTICA
INTRODUÇÃO
T e n t a m o s a r t i c u l a r , a q u i , três t i p o s de o b j e t o s t e ó r i c o s : o e p i -
d e m i o l ó g i c o , o t e c n o c i e n t í f i c o e o b i o é t i c o . A a r t i c u l a ç ã o s e r á feita a
p a r t i r d o p o n t o d e v i s t a da d i a l é t i c a e n t r e os d o i s p r i n c í p i o s é t i c o s
prima facie da a u t o n o m i a (da p e s s o a ) e da e q ü i d a d e ( e n t r e p e s s o a s ) .
C o n s i d e r a m o s tais p r i n c í p i o s h e u r i s t i c a m e n t e p e r t i n e n t e s p a r a e n f r e n -
tar u m a p e r g u n t a r e l e v a n t e p a r a a s a ú d e p ú b l i c a : q u a i s s ã o os e f e i t o s
e p i d e m i o l ó g i c o s e s p e r a d o s d o d e s e n v o l v i m e n t o da c o m p e t ê n c i a tec¬
n o c i e n t í f i c a c o n t e m p o r â n e a , b u s c a n d o m e l h o r a na q u a l i d a d e d e v i d a
individual (pessoal) e r e s p e i t a n d o o p r i n c í p i o de e q ü i d a d e em saúde
e n t r e i n d i v í d u o s ( p e s s o a s ) — i s t o é, o p r i n c í p i o d a d i s t r i b u i ç ã o e q ü i ¬
t a t i v a d a s o p o r t u n i d a d e s e n t r e os i n d i v í d u o s de u m a p o p u l a ç ã o ?
O DESAFIO DA COMPLEXIDADE Ε A DIALÉTICA
AUTONOMIA / EQÜIDADE
ecologia cognitiva [baseada na] idéia de coletivo pensante homens-coisas, coletivo dinâmico
povoado por singularidades atuantes e subjetividades mutantes, tão longe do sujeito e x a n ¬
gue da epistemologia quanto das estruturas formais dos belos dias do 'pensamento 68'.
(Lévi, 1 9 9 3 : 1 1 )
o poder imenso da nossa tecnologia tem na prevenção seu dever principal, sua maior respon-
sabilidade, [pois] também a tecnologia pacifica com a qual hoje a humanidade conquista o
seu dia a dia sobre o planeta esconde em si um potencial daninho (...) que não é nem
intencional nem imediato, mas rastejante, que acompanha suas obras realizadas como uma
assombração crescente e, freqüentemente, tanto mais necessária quanto maior for seu
sucesso. (Jonas, 1987:33)
sentido da investigação é conseguir que seres humanos concordem sobre o que fazer,
conseguir consenso sobre os fins a serem obtidos e os meios para atingi-los, [pois] não há
separação profunda entre teoria e prática, porque toda 'teoria' que não seja um jogo de
palavras é prática.
Isso responderia, aliás, às preocupações expressadas por A l m e i d a Fi-
lho, quando, muito apropriadamente, criticou aqueles que só enfrentam o
real c o m o u m texto, e continuam insistindo na interpretação segundo a qual
" m e s m o que destruam cidades c o m explosões atômicas (...) continuam [en-
carando isso c o m o ] efeitos de t e x t o " (Almeida Filho, 1994:125). C o m o tam-
b é m sintetizou o teórico do 'princípio da responsabilidade', H a n s J o n a s ,
para a tarefa da responsabilidade que age e opera em um domínio da separação entre bem
e mal. (Jonas, 1 9 9 1 : 2 6 - 2 7 )
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1
O título deste artigo é, de certo modo, um 'plágio' intencional do título que Naomar de Almeida
Filho deu ao famoso texto de 1992, A Clinica e a Epidemiologia. Aqui desenvolvemos o tema por nós
apresentado no Congresso de Epidemiologia de 1995, em Salvador, retomando alguns dos argu-
mentos apresentados no Apêndice, incluído na segunda edição daquele livro: U m Dilema Epide¬
miológico: neo-causalismo ou pós-causalismo? (Almeida Filho, 1997).
• identificar o risco ou a probabilidade de u m indivíduo de uma população vir
a desenvolver uma doença durante um dado período de tempo;
• avaliar a efetividade de programas, serviços e tecnologias de saúde.
Fazem parte, portanto, da racionalidade epidemiológica, funções cien-
tíficas e funções políticas, cujos limites são p o u c o nítidos. E m outras pala-
vras, atribuem-se à racionalidade epidemiológica funções científicas na p e s -
quisa e m saúde e funções políticas nas políticas públicas de saúde e de ciên-
cia e tecnologia.
N o exercício de suas funções científicas, a racionalidade epidemioló-
gica tem oscilado, em diferentes m o m e n t o s históricos, entre diversos m o d e -
los teóricos ou enfoques do processo s a ú d e / d o e n ç a . Basta citar o enfoque
mágico-religioso das sociedades ditas primitivas, o m o d e l o sanitarista da época
da Primeira Revolução Industrial, o modelo social de V i r c h o w e Ramazzini,
o biológico ou unicausal da segunda metade do século X I X e princípios do
século X X , de K o c h e Pasteur, e, a partir dos anos 50 do século X X até a
atualidade, os m o d e l o s multicausal de Leavell & Clark, o da rede de causali-
dade, de M a c M a h o n e Pugh, o ecológico de Susser, o materialista ou históri¬
co-estrutural de Berlinguer, Laurell, Breilh e outros, o econômico da teoria
do capital humano, o interdisciplinar de Frenk, A r r e d o n d o , e outros, todos
culminando e m propostas integradoras, pretendendo alcançar n o v a s frontei-
ras explicativas para as interfaces biológico/social, individual/coletivo, sis-
t e m a / a m b i e n t e (Arredondo, 1992; S c h r a m m & Castiel, 1992).
E m busca de respostas eficazes de saúde pública, a epidemiologia sempre
expressou uma postura crítica, mantendo-se em u m estado de constante investi-
gação das situações nas quais os problemas de saúde de uma comunidade — a
saúde coletiva — são gerados e / o u mantidos (Nájera, 1987). Nesse percurso, a
epidemiologia incorporaria determinantes de diferentes ordens (biológica, eco-
nômica, ambiental, cultural) e ofereceria uma visão integrada, ainda que insufici-
ente, do processo saúde/doença, em toda a sua complexa dinâmica.
Para A l m e i d a Filho, entretanto, os modelos teóricos da epidemiologia
são todos essencialmente reducionistas. Neles, o objeto de conhecimento, a
saúde, é reduzido a u m a mera configuração de riscos, orientados por u m a
lógica de causalidade linear, na qual predomina a abordagem instrumental e
mecanicista do processo de determinação. Assinala o autor: " a futilidade de
postular u m a determinação exclusivamente causal e linear escamoteando a
riqueza e a complexidade das relações entre matéria (o substrato físico-quí¬
mico-biológico), forma (o contexto ecológico-econômico-social-político) e
o imaginário social da saúde-doença" (1997:183).
E m seu texto, A l m e i d a Filho registra, ainda, a e m e r g ê n c i a de duas
abordagens alternativas — a dos modelos matemáticos não-lineares e a dos
m o d e l o s sistêmicos dinâmicos —, que d e n o m i n a de pós-causalistas e para os
quais p r o p õ e u m novo tipo de p r o g r a m a de investigação, a por ele designada
epidemiologia da c o m p l e x i d a d e . S e g u n d o o autor,
um diálogo com as matemáticas não-lineares certamente propiciará uma superação dos mode-
los de análise atualmente em uso na Epidemiologia, permitindo uma exploração de novas
equações eformas de representação dasfunções epidemiológicas, incorporando e superando as
limitadas ferramentas probabilísticas da estatística. (Almeida Filho, 1 9 9 7 : 1 9 8 )
2
Para uma apresentação sistematizada destas correntes, ver Possas (1989).
cultural e institucional v ê m colocando, internacionalmente, novas interroga-
ções a respeito da intervenção do Estado e do controle social sobre a ciência
e a tecnologia.
Considerando ser p o u c o apropriada a transposição do t e r m o paradig-
m a para a matriz disciplinar da epidemiologia, preferimos dizer que ela vive,
hoje, u m a crise de crescimento. A teoria da complexidade poderá abrir u m a
via transdisciplinar real para a sua renovação. C o m efeito, e m b o r a o debate
c o n t e m p o r â n e o sobre sistemas c o m p l e x o s apenas c o m e c e a engatinhar, é
muito provável que a racionalidade epidemiológica v e n h a a encontrar u m
c a m i n h o alternativo no terreno da complexidade (Tarride, 1995).
A t u a l m e n t e , poucas áreas da ciência transdisciplinar estão avançando
tão rapidamente c o m o aquelas associadas às teorias do caos, fractals e com-
plexidade. O pressuposto dessas novas teorias é alcançar a inteligibilidade
do universo utilizando conceitos c o m o 'desordem organizadora', 'complexi-
dade', 'auto-organização', ' c a o s ' etc. Estas teorias estão atingindo discipli-
nas e domínios teóricos diversos, c o m o a física, a química, a biologia, a ci-
bernética, a teoria dos sistemas, as n e u r o c i ê n c i a s , a inteligência artificial.
Ilya Prigogine, sem hesitar, afirmou que estes novos enfoques configuram o
advento de u m a nova racionalidade científica (Pessis-Pasternak, 1992).
3
Ingressaremos, agora, no terreno teórico da c o m p l e x i d a d e , c o m base
e m M a i n z e r (1994) - m e s m o cientes dos riscos de pinçar alguns fragmentos
desse c a m p o teórico tão atraente quanto árduo.
Mainzer considera que o pensamento linear tornou-se obsoleto. A teo-
ria dos sistemas complexos não-lineares, ao contrário, por n ã o poder ser re-
duzida às leis naturais da física, apesar dos seus princípios m a t e m á t i c o s , vai-
se firmando c o m o u m a abordagem bem-sucedida. Sua aplicabilidade ocorre
nos mais diversos r a m o s das ciências naturais, da física quântica do laser e da
meteorologia à m o d e l a g e m molecular e às simulações, c o m auxílio de c o m -
putadores, do crescimento celular em biologia.
N e s s e a m p l o espectro de aplicações, M a i n z e r (1994) destaca c o m o
u m a das mais excitantes teses contemporâneas a idéia, originada na neuro-
ciência computacional, de que até m e s m o a mente h u m a n a é g o v e r n a d a pela
dinâmica não-linear dos sistemas complexos, das redes cerebrais complexas.
3
Para um aprofundamento do tema, consultar, entre outros, Prigogine & Stengers (1992), Lorenz
(1996), Lewin (1994), Gleick (1990).
O sistema n e r v o s o , m e s m o de o r g a n i s m o s s i m p l e s , a c i o n a as atividades
paralelas de bilhões de neurônios para avaliar, categorizar e responder aos
meios exterior e interior.
A s ciências sociais e h u m a n a s , por sua v e z , t a m b é m estão reconhe-
cendo que os principais problemas da humanidade são globais, c o m p l e x o s e
não-lineares e que m u d a n ç a s mínimas ou locais no sistema ecológico, eco-
nômico ou político p o d e m causar u m a crise global.
S e g u n d o a teoria dos sistemas complexos não-lineares, todo e qual-
quer sistema macroscópico — pedras ou planetas, nuvens ou fluidos, plantas
ou animais, populações animais ou sociedades h u m a n a s — consiste de ele-
mentos c o m p o n e n t e s , c o m o átomos, moléculas, células, organismos. Essa
teoria comporta u m a metodologia interdisciplinar, explicativa da emergên-
cia de fenômenos macroscópicos — que p o d e m ser tão diferentes quanto
ondas de luz, nuvens, reações químicas, plantas, animais, populações huma-
nas, m e r c a d o s , conjuntos de células cerebrais etc. — por m e i o das interações
não-lineares de elementos microscópicos e m sistemas complexos.
Complexidade não significa apenas não-linearidade, mas também u m nú-
mero imenso de elementos simples com muitos graus de liberdade. E m sistemas
complexos, o comportamento dos elementos simples não pode ser previsto —
sequer para o momento seguinte — tampouco traçado para trás. Portanto, a evo-
lução de distribuições probabilísticas deve substituir a descrição determinística.
U m dado padrão macroscópico deriva da cooperação não-linear des-
ses elementos simples, que p o d e m ou não ser microscópicos, a partir do
p o n t o e m que a interação energética do sistema, que é dissipativo ou aberto,
c o m o seu ambiente alcança algum valor crítico.
Os sistemas abertos m a n t ê m sua estrutura pela dissipação e c o n s u m o
de energia e foram denominados por Prigogine estruturas dissipativas. E m
t e r m o s filosóficos, a estabilidade da estrutura emergente é garantida por al-
g u m balanço entre não-linearidade e dissipação. Muita interação não-linear
ou muita dissipação destruirão a estrutura.
Os fenômenos macroscópicos são caracterizados por parâmetros de
ordem, não reduzidos e m nível micro — dos átomos, moléculas, células, or-
g a n i s m o s — dos sistemas complexos. Parâmetros de ordem, d e n o t a n d o ca-
racterísticas do sistema e m sua totalidade, são propriedades reais dos fenô-
m e n o s macro, c o m o campos de potência, poder social ou econômico, senti-
m e nt os , p e n s a m e n t o s etc.
E m termos mais qualitativos, diz-se que velhas estruturas tornam-se
instáveis e ' q u e b r a m ' pela m u d a n ç a nos parâmetros de controle. E m termos
mais matemáticos, a visão microscópica de um sistema c o m p l e x o p o d e ser
descrita por meio de equações evolutivas de um vetor de estado, no qual
cada componente depende do espaço e do tempo, aplicáveis a sistemas em
que ocorra u m a competição entre parâmetros.
N o quadro matemático dos sistemas complexos não-lineares, diversos
m o d e l o s já foram sugeridos para simular a origem molecular da vida. N o
marco dos sistemas complexos, a questão da emergência da v i d a é conside-
rada no sentido da auto-organização dissipativa. Tanto na ontogênese (cres-
cimento de u m dado organismo) quanto na filogênese (evolução de espé-
cies), estamos diante de sistemas dissipativos complexos, cujo desenvolvi-
m e n t o p o d e ser explicado pela evolução macroscópica de parâmetros de or-
dem, causada pela interação não-linear (microscópica) de moléculas, células
e m fases transitivas, distantes do equilíbrio térmico.
A teoria dos sistemas complexos t a m b é m nos p e r m i t e simular e anali-
sar a causalidade não-linear de sistemas ecológicos na natureza. Trata-se de
sistemas dissipativos complexos de plantas e animais c o m interações meta¬
bólicas não-lineares entre si e c o m o ambiente. A s formas nos sistemas bio-
lógicos são descritas por parâmetros de ordem. O organismo multicelular
m a d u r o ou adulto pode ser interpretado c o m o o atrator do crescimento orgâ-
nico. O s atratores, na evolução biológica, são os ciclos ou oscilações perió-
dicas da natureza.
M a i n z e r (1994) exemplifica: o balanço complexo do equilíbrio natural
é i m e n s a m e n t e prejudicado pelo m o d o linear da produção industrial, no qual
p r e d o m i n a a crença de que as fontes de energia, água, ar etc. são inesgotá-
veis e p o d e m ser usados infinitamente sem perturbar o balanço natural. Os
procedimentos industriais e a oferta contínua de bens não levaram em conta
os efeitos sinergéticos que deles iriam resultar, c o m o o buraco na c a m a d a de
ozônio sobre o planeta Terra. A evolução da vida passa, desse m o d o , a con-
fundir-se c o m a da sociedade humana.
N o quadro dos sistemas complexos, o comportamento de populações
h u m a n a s é explicado pela evolução de parâmetros de o r d e m (macroscópi-
cos), causada pelas interações não-lineares (microscópicas) de seres h u m a -
nos ou subgrupos h u m a n o s (Estados, instituições, partidos políticos e t c ) .
Neste caso, o atrator é a ordem econômica ou social.
E m s u m a , esta a b o r d a g e m s u g e r e q u e a r e a l i d a d e física, social e
m e n t a l é n ã o - l i n e a r e c o m p l e x a , ao p a s s o q u e os p r o b l e m a s e c o l ó g i c o s ,
e c o n ô m i c o s e p o l í t i c o s da h u m a n i d a d e t o r n a r a m - s e g l o b a i s , c o m p l e x o s e
n ã o - l i n e a r e s . U m d e s d o b r a m e n t o i m p o r t a n t e é q u e ela desafia o c o n c e i t o
d e r e s p o n s a b i l i d a d e i n d i v i d u a l e sinaliza a n e c e s s i d a d e de n o v o s m o d e -
los de c o m p o r t a m e n t o coletivo. F i n a l m e n t e , c o m o M a i n z e r ( 1 9 9 4 ) d e s -
taca, a a b o r d a g e m d o s s i s t e m a s c o m p l e x o s c o l o c a n o v o s desafios e p i s t e ¬
m o l ó g i c o s e p a r a a ética.
A i n d a q u e o d e t a l h a m e n t o d e s t a s t e o r i a s e s c a p e a o e s c o p o e às
d i m e n s õ e s d e s t e t e x t o , é i m p o r t a n t e frisar q u e é v e r d a d e i r a m e n t e e s p a n -
tosa a e x c i t a ç ã o q u e a j u s t a p o s i ç ã o d e d e s c o b e r t a s , d e s e n v o l v i m e n t o s e
aplicações de análises derivadas dessas áreas emergentes da matemática
e da física e s t á c a u s a n d o n o s c í r c u l o s científicos i n t e r n a c i o n a i s . D e v e ser
d e s t a c a d o , c o n t u d o , q u e , a l é m da c o n s i d e r á v e l excitação, t a m b é m existe
m u i t o c e t i c i s m o a esse respeito.
Qual é a substância desses n o v o s métodos analíticos? Eles estão aju-
dando a avançar na compreensão da biologia e do c o m p o r t a m e n t o h u m a n o ?
Quais são suas promessas e que p r o b l e m a s apresentam para a estrutura da
experimentação científica? A s respostas a essas questões c o m e ç a m a ser da-
das em diferentes espaços disciplinares. N o Brasil, o c a m p o da saúde coleti-
va inaugura sua participação nestes debates, já tendo outros autores, além
do próprio A l m e i d a Filho (1997), oferecido suas contribuições (Possas &
M a r q u e s , 1994; Tarride, no prelo; Schramm, 1996).
N o s s a s preocupações, aqui, dizem respeito a algumas questões. Existe
ligação entre o terreno da complexidade e o n o v o arquétipo do conhecimen-
to científico introduzido pela moderna biotecnologia, c o m as tecnologias do
Projeto G e n o m a ? M a i s especificamente, existe relação entre essa n o v a raci-
onalidade científica que v e m da bioquímica e da biologia molecular e u m a
epidemiologia da complexidade?
Consideramos estas questões procedentes, levando-se e m conta a real
possibilidade de modificação de estruturas genéticas e moleculares, por meio
das m o d e r n a s técnicas da bioquímica e da biologia molecular e que confe-
rem grande precisão às atividades de pesquisa e desenvolvimento e m saúde.
Afinal, na prática, já estamos testemunhando u m deslocamento dos procedi-
mentos casuísticos, sobretudo na descoberta de agentes e m e c a n i s m o s fisio¬
patogênicos, assim c o m o de novas substâncias.
Todas essas inovações tecnológicas são extremamente relevantes do
p o n t o de vista da epidemiologia, porque, entre outras razões, além de esta-
rem despejando no mercado u m a série de produtos mais eficazes, estão cau-
sando u m a verdadeira explosão de novos dados e informações. C o m o vere-
m o s a seguir, o universo da pesquisa biomédica já convive c o m u m a nova
racionalidade científica.
4
Para informações atualizadas a esse respeito, ver os Anais do Simpósio Internacional "Da Geração
Espontânea à Evolução Molecular" do Ano Pasteur. Rio de Janeiro: Institut Risteur/Fiocruz, fev.
1995.
dade científica. É, pois, muito provável que, em breve, v e n h a m o s a teste-
m u n h a r a substituição radical, na epidemiologia, dos m o d e l o s reducionistas
deterministas pela s í n t e s e / a n á l i s e / s í n t e s e dos sistemas adaptativos comple-
xos. Afinal, os sistemas vivos — sejam eles os tecidos, os organismos, comu-
nidades, ecossistemas - constituem, talvez, os mais ricos exemplos da com-
plexidade organizada.
Esta tendência é assegurada e amplificada pelo espetacular poder compu-
tacional já disponível para cada pesquisador. Acreditamos que este poder, conju-
gado à possibilidade de operar em redes globais de comunicação, por estar, por si
mesmo, abrindo oportunidades sem precedentes para a bioinformática, também
descortinará novos desafios para a racionalidade epidemiológica.
Alguns autores, entretanto, pensam com ceticismo que, apesar de a gené-
tica molecular estar dando u m novo impulso ao desenvolvimento de modelos
filosóficos de causas e obrigando à concepção de novos desenhos de estudos
epidemiológicos e de técnicas analíticas, isso não acarretará necessariamente
u m a mudança nos seus atuais modelos teóricos (Struchiner, 1994:285-319). Para
outros, a genética molecular estaria apenas renovando as visões reducionistas
que subordinam tudo quanto é humano à hereditariedade genética e também
estaria aproximando-se, perigosamente, do darwinismo social.
D e acordo c o m essas visões pessimistas, estaríamos, m a i s u m a v e z ,
diante de u m m e r o reducionismo explanatório, tentando explicar toda a bio-
logia pela genética ou por interações físico-químicas. Só que agora o velho
reducionismo explanatório estaria sendo levado ao seu m o m e n t o extremo,
por força deste ultratecnicismo que se processa na biologia.
N ã o p e n s a m o s assim. A expectativa é que, entre nós, as discussões
sobre este n o v o arquétipo não se reduzam à produção de textos enfadonhos,
excessivamente teóricos, retomando a velha e superada controvérsia do pri-
m a d o das causas externas ou das internas. Afinal, os graves dilemas éticos
suscitados pelos projetos do g e n o m a h u m a n o e da diversidade h u m a n a , os
desafios da regulamentação voltada para a problemática da biossegurança,
os impactos sobre os custos do desenvolvimento de n o v a s drogas e vacinas,
as disputas e m torno dos aspectos comerciais da p r o p r i e d a d e intelectual,
sobretudo n o capítulo dos direitos patentários, são algumas das muitas con-
trovérsias que se v ã o descortinando internacionalmente c o m a emergência
das m o d e r n a s biotecnologias e de suas aplicações em saúde e que vão intro-
duzindo a complexidade no p a n o r a m a científico contemporâneo.
O n o v o arquétipo do g e n o m a está descortinando os mais instigantes
dilemas e desafios para o projeto médico social d a epidemiologia, da saúde
coletiva. U m desses desafios, talvez o maior de todos, é pensá-lo no terreno
da dinâmica dos sistemas complexos não-lineares. Edgard M o r i n fez algu-
mas observações sobre o tema:
se esforça por abrir e desenvolver amplamente o diálogo entre ordem, desordem e organização,
para conceber, na sua especificidade, em cada um dos seus níveis, os fenômenos físicos,
biológicos e humanos. Esforça-se por obter a visão poliocular ou poliscópica, em que, por
exemplo, as dimensõesfísicas, biológicas, espirituais, culturais, sociológicas, históricas daqui-
lo que é humano deixem de ser incomunicáveis.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TENDÊNCIAS
Paul Virilio
UM F U T U R O PARA A
EPIDEMIOLOGIA*
A EVOLUÇÃO DA EPIDEMIOLOGIA
Tradução: Francisco Inácio Bastos, Carlos Magno M. Pinheiro & Francisco Trindade
ciência moderna nos séculos X V e X V I . Impulsionada pelas duas forças gê-
meas do capitalismo e da ética protestante, a ciência foi 'sancionada', con-
forme a expressão de Robert M e r t o n (1973), pela utilidade econômica e pela
glorificação de Deus. Essa ideologia fomentou descobertas passíveis de apli-
cação técnica imediata na astronomia, na navegação, na fabricação de armas
de fogo, na ótica e e m muitos outros campos.
C o m a aceleração do fluxo de descobertas no decorrer dos séculos, a
ciência a b a n d o n o u suas raízes utilitárias para se tornar u m fim e m si mesma.
D u r a n t e algum tempo, contudo, isso não foi verdade para a epidemiologia,
que preservou u m a preocupação central c o m a saúde pública e sua distribui-
ção na sociedade.
Assim, diante das misérias da Inglaterra do século X I X — vanguarda da
industrialização e da urbanização acelerada —, a epidemiologia moderna pouco a
p o u c o t o m o u forma, emergindo, plenamente, c o m o m o v i m e n t o sanitário
(Simon, 1887; Rosen, 1993). A partir de então, podem-se distinguir pelo menos
três eras na epidemiologia, cada uma portadora do próprio paradigma dominan-
te: era das estatísticas sanitárias, com seu paradigma — os miasmas; era da epide-
miologia das doenças infecciosas, com seu paradigma — a teoria do germe; e era
da epidemiologia das doenças crônicas, com seu paradigma — a caixa preta.
O Quadro 1, a seguir, descreve cada uma delas em seu contexto histórico.
1
Cargo hoje equivalente ao de Ministro da Saúde (N.Org.).
e s p e c i f i c i d a d e s b i o l ó g i c a s , m a s n ã o q u a n t o a se a t r i b u i r a c a u s a l i d a d e ao
a m b i e n t e e m u m s e n t i d o a m p l o (Susser, 1 9 7 3 ) .
2
Procuramos conservar a relativa indeterminação do termo "organismic" do original, mais compatí-
vel com as formulações da época de Snow do que utilizar a terminologia atual - "microorganismos"
e similares (N.T.).
A teoria d o g e r m e e sua v i s ã o c o r r e s p o n d e n t e sobre causas específi-
cas d o m i n a r a m as ciências m é d i c a s e a saúde pública d e s d e o ú l t i m o quar-
tel d o século X I X até, pelo m e n o s , a m e t a d e d o século X X . A g e n t e s espe-
cíficos e r a m identificados c o m base n o i s o l a m e n t o e na cultura d o s locais
afetados p o r d o e n ç a s c a u s a d a s p o r m i c r o o r g a n i s m o s , na sua t r a n s m i s s ã o
e x p e r i m e n t a l e na r e p r o d u ç ã o das lesões. A s respostas a p r o p r i a d a s visa-
v a m a limitar a t r a n s m i s s ã o por m e i o da aplicação de v a c i n a s , d o i s o l a m e n -
to dos afetados e, e m última instância, da cura pela a d m i n i s t r a ç ã o de anti-
bióticos e quimioterápicos. D i a g n ó s t i c o s c o m base e m d e s c o b e r t a s l a b o r a -
toriais, a i m u n i z a ç ã o e o tratamento se a p e r f e i ç o a v a m a cada a v a n ç o cien-
tífico. A teoria dos m i a s m a s foi r e l e g a d a ao m e s m o e s q u e c i m e n t o e m que
caíra a idéia d o flogisto.
S i m u l t a n e a m e n t e , a e p i d e m i o l o g i a das p o p u l a ç õ e s , das e x p o s i ç õ e s
a m b i e n t a i s e da d i n â m i c a social das d o e n ç a s , tributária da teoria d o s m i a s -
m a s , e n t r o u e m d e c l í n i o , s e n d o substituída pela ênfase a o c o n t r o l e d o s
a g e n t e s infecciosos. A e p i d e m i o l o g i a d e então era m a i s u m a atividade se-
cundária d o q u e u m a ciência criativa assentada sobre as próprias b a s e s . A
nova era c o n s e r v o u , c o m dificuldades e g u a r d a d a s as suas especificidades,
os a v a n ç o s e p i d e m i o l ó g i c o s d o século X I X , n o que c o n c e r n e ao d e s e n h o e
ao d e s e n v o l v i m e n t o d e pesquisas de c a m p o , à e l a b o r a ç ã o d e sistemas esta-
tísticos nacionais referentes a d a d o s vitais e às análises estatísticas d e g r a n -
des n ú m e r o s . O s adeptos da filosofia tradicional da saúde p ú b l i c a p e r d e -
r a m prestígio e p o d e r na hierarquia m é d i c a e foram m e s m o objeto de e s -
cárnio, d e forma semelhante ao q u e continua a ocorrer, e m m u i t o s locais,
n o s dias de hoje.
A busca por outras causas de doenças no meio ambiente, que não as mi¬
crobiológicas, praticamente deixou de existir. A s s i m , nos Estados Unidos,
Joseph Goldberger (1918), com seu trabalho sobre a pelagra, começado em 1914
e terminado nos anos 20, opôs-se à maré dominante da noção de infecção, ao
estabelecer a deficiência nutritional como causa da pelagra. Isso é ainda mais
significativo, se levarmos em conta que ele e Edgar Sydenstricker demonstraram
que, no Sul rural, a deficiência alimentar era decorrente da pobreza dos planta-
dores e de outros trabalhadores presos à armadilha da estrutura econômica da
lavoura do algodão.
Nesse m e s m o período, a busca de u m a etiologia viral para o flagelo
crescente da poliomielite justificava-se plenamente. Todavia, a concentra¬
ção de recursos nas atividades de pesquisa laboratorial e m busca de um mi-
croorganismo acarretou u m a certa negligência quanto a descobertas-chave
no âmbito da epidemiologia e tornou inúteis as estratégias de prevenção
implementadas. Ivar W i c k m a n , na Suécia, já em 1905, e W a d e H a m p t o n
Frost, nos Estados Unidos, uma década depois, concluíram, c o m base em
dados epidemiológicos, que a transmissão disseminada de infecção subclíni¬
ca causada por algum agente desconhecido constituía o fator subjacente às
epidemias de verão - que atingiam, especialmente, as crianças das classes
mais abastadas.
A ironia da era sanitária foi então invertida nesse ponto. Se não resta
dúvida de que, dentro de seu âmbito restrito, os formuladores da teoria do
g e r m e e s t a b e l e c i a m relações c a u s a i s precisas p a r a m u i t a s d o e n ç a s , cabe
observar, no entanto, que sua visão estreita retardou o uso criativo de suas
descobertas em prol d e u m progresso efetivo da ciência epidemiológica.
A f i r m a m alguns que o declínio das d o e n ç a s infecciosas nos países desen-
v o l v i d o s na primeira m e t a d e do século X X , ápice do p a r a d i g m a da teoria
do g e r m e , deve m e n o s aos avanços científicos — aí incluído o uso de vaci-
nas e antibióticos, do que à nutrição ou à m e l h o r i a no p a d r ã o de vida
( M c K e o w n , 1976a; 1 9 7 6 b ) . E m b o r a u m a análise mais detida não sustente
o a r g u m e n t o contra o papel da ciência, não resta d ú v i d a s o b r e o papel
fundamental do d e s e n v o l v i m e n t o e c o n ô m i c o e da m u d a n ç a social (Susser,
1973; McKinlay, 1981).
Q u a i s q u e r q u e sejam as c a u s a s , os g r a n d e s flagelos d a s d o e n ç a s
c o n t a g i o s a s foram p o s t o s sob c o n t r o l e nos p a í s e s d e s e n v o l v i d o s . Q u a n d o
os p r i n c i p a i s a g e n t e s i n f e c c i o s o s p a r e c i a m ter s i d o i d e n t i f i c a d o s e as
doenças contagiosas não mais d o m i n a v a m o quadro das doenças letais,
a força d o p a r a d i g m a da t e o r i a d o g e r m e d i m i n u i u . P o u c o s , c o m n o t á -
veis exceções c o m o René D u b o s (1959, 1965), a n t e c i p a r a m o recru¬
d e s c i m e n t o das d o e n ç a s c o n t a g i o s a s ou as n o v a s e p i d e m i a s g l o b a i s . C o m
a p r e d o m i n â n c i a emergente das doenças crônicas de causas desconhe-
c i d a , sob q u a l q u e r p a r a d i g m a c a u s a l d i g n o de c r é d i t o , o a m b i e n t e físico
e social teve de ser, m a i s u m a v e z , r e c o n s i d e r a d o .
As DOENÇAS CRÔNICAS Ε A CAIXA PRETA
3
Termo latino que significa 'imprima-se' e expressava a autoriíação, por parte da censura, de impres-
são de um livro (N.T.).
se qualquer obrigação de interpolar fatores intermediários, ou m e s m o a pa¬
togênese, embora n e m todos negligenciassem tal interpolação. C o m o na era
sanitária, os epidemiologistas defrontavam-se com importantes doenças le-
tais de origem inteiramente desconhecida. D e início, por força das circuns-
tâncias, eles recorreram a estudos estritamente descritivos da distribuição
das doenças e à busca de possíveis fatores que implicavam riscos ampliados
(Morris, 1957). Q u a n d o c o m e ç a r a m a testar as observações emergentes, eles
contaram c o m o engenho dos seus desenhos e lançaram m ã o de circunstân-
cias oportunas de m o d o a chegar às suas conclusões. R a r a m e n t e recorreram
a u m a análise estatística complexa.
Os estudos do câncer de pulmão revelaram-se especialmente influen-
tes e m conferir credibilidade ao n o v o paradigma. A patogênese havia sido
superada. A s s i m , a descoberta biológica mais substancial, que referendava a
relação f u m o / c â n c e r de pulmão, limitou-se a u m a evidência indireta: a de-
monstração, por parte de Kennaway e colaboradores, de que o alcatrão apli-
cado à pele de c a m u n d o n g o s era carcinogênico (Burrows & Kennaway, 1932).
D e fato, p o r mais quatro décadas, não foi estabelecida n e n h u m a analogia
direta entre os experimentos c o m animais e as significativas descobertas dos
estudos epidemiológicos sobre o fumo.
Passo a passo, as complexidades das doenças crônicas emergiram, pri-
meiro no que diz respeito a desenhos de pesquisa e inferência causal e, um
pouco mais tarde, à análise estatística (Susser, 1985). A incipiente reflexão
sobre o desenho dos estudos das décadas anteriores foi desenvolvida e siste-
matizada (Witts, 1959; M a c M a h o n , 1960). A estrutura dos d e s e n h o s tor-
nou-se mais clara, b e m c o m o compreendeu-se a necessidade de poder esta-
tístico e das vantagens decorrentes das grandes amostras.
Os epidemiologistas viram-se obrigados a abandonar o m o d e l o de cau-
sas específicas da teoria do g e r m e . A metáfora da 'teia de causalidade' carac-
terizou a natureza multicausal das questões de saúde pública, e m particular,
das doenças crônicas. Por este motivo, u m de nós ( M e r v y n Susser) tentou,
por sua conta e risco, sistematizar os problemas inferenciais que emergiam,
c o m a nascente epidemiologia, de u m m u n d o multivariado (Susser, 1973).
Posteriormente, o aprimoramento da técnica analítica determinou um
ciclo de sofisticação crescente. Os epidemiologistas passaram a explorar a
fundo as sutilezas dos fatores de confusão, dos p r o b l e m a s classificatórios,
da análise de sobrevida e outras questões similares. Este esforço p o d e ser
explicitado no conceito elegante e unificador da tabela 2 x 2 , e dos desenhos
de caso-controle e coorte c o m o métodos alternativos de amostragem da ocor-
rência de doenças na população, de m o d o a estimar as taxas de risco ou as
razões de produto cruzado (odds ratios) (Susser, 1973).
O paradigma da caixa preta permanece como modelo dominante, e vir-
tualmente todos os epidemiologistas contemporâneos, aí incluídos os próprios
autores deste texto, dele têm lançado mão. Ele continua a subsidiar descober-
tas significativas no âmbito da saúde pública. Os defeitos no canal neural nos
oferecem u m exemplo recente dessa afirmação: estratégias de pesquisa, típi-
cas do paradigma da caixa preta, permitiram chegar, casualmente, à descober-
ta do papel fundamental da deficiência de ácido fólico. Trabalhos anteriores
haviam encontrado variações na ocorrência destes defeitos nas diferentes clas-
ses sociais, localizações geográficas e etnias, e em decorrência dos ciclos eco-
nômicos (Elwood, 1992). Estudos posteriores identificaram u m a associação
entre a exposição à fome nos primeiros meses de gravidez e u m maior risco de
defeitos congênitos, e uma segunda associação entre a suplementação vitamí¬
nica pré-natal e u m decréscimo deste risco (Stein et al. 1975). Finalmente,
indo além do paradigma da caixa preta, estudos com animais, seguidos por
ensaios clínicos utilizando suplementação nutritional, estabeleceram que a ad-
ministração periconcepcional de ácido fólico podia prevenir u m a grande por-
centagem de defeitos no canal neural (Smithells, 1983).
PADRÕES DE SAÚDE
TECNOLOGIA
4
Os autores utilizam o termo em francês (N.T.).
tiza a localização e está atento às fronteiras que limitam a possibilidade de
estabelecer generalizações acerca de sistemas biológicos, h u m a n o s e sociais.
A concepção de causalidade baseada em leis universais está absoluta-
mente disseminada nas ciências, e m b o r a existam, é claro, exceções. A m a i o -
ria dos filósofos da ciência confinou o seu empreendimento quase inteira-
m e n t e ao quadro de referência universalista. Acreditamos q u e os e p i d e m i o -
logistas, entre outros pesquisadores, v ê m sendo iludidos por interpretações
padronizadas sobre a natureza da ciência.
A b u s c a de leis universais do m u n d o material deve se defrontar com
u m paradoxo. O s menores elementos são os elementos microcósmicos inte-
rativos, cujo c o m p o r t a m e n t o é explicado por essas leis, n a m e d i d a e m que
estes são integralmente universais. Universalidade implica u m a visão do e s -
paço e t e m p o e m expansão para fora, através das fronteiras e horizontes de
nosso m u n d o e de outros, não limitada pelo acréscimo regional n e m por
características de estruturas intervenientes, c o m o planetas, continentes ou
nosso m u n d o biológico, incluindo as pessoas.
A l g u m a s leis p o d e m ser válidas para o nosso planeta, para as espécies
e para os processos evolutivos que as produziram. Todavia, acima d o nível
das moléculas, n e n h u m a entidade biológica p o d e se ajustar inteiramente às
leis universais, por causa dos contextos subjacentes a u m a dada m o l d u r a e
das interações entre níveis dentro de u m a estrutura biológica. Fato trivial é
que cada sociedade é influenciada tanto por suas circunstâncias e c o n ô m i -
cas, políticas e culturais quanto pela mistura d e pessoas, clima e topografia.
Daí decorre que o universalismo não é totalmente aplicável ao e m p r e -
endimento científico. E m epidemiologia, a pobre adaptação d o universalis-
m o à realidade h u m a n a p o d e ser melhor formulada por u m a construção con-
trastante derivada do ecologismo. O que é mais universal é m e n o s biológico
e, antes de tudo, m e n o s humano. Desta forma, quando entramos nas esferas
físicas, biológicas e sociais do m u n d o humano, necessitamos de u m conjun-
to paralelo de idéias entrelaçado à b u s c a da generalidade. Construtos ecoló-
gicos tentam lidar c o m a verdadeira complexidade do m u n d o material. N ã o
p o d e m se limitar à descrição do comportamento do m i c r o c o s m o e d o c o s m o
físico; d e v e m incluir o 'menos universal' biológico, o ainda m e n o s universal
h u m a n o e suas interações particulares.
A o propor u m paradigma imbuído d o m e s m o espírito d o ecologismo,
l a n ç a m o s m ã o e desenvolvemos u m a formulação anterior d e agente e h o s ¬
pedeiro, imersos e m u m m e i o ambiente que abrange sistemas e m múltiplos
níveis (Susser, 1973). N o s s a c o n c e p ç ã o a b r a n g e sistemas interativos. En-
tendemos p o r sistemas u m conjunto ou leque de fatores reunidos, conecta-
dos uns aos outros, e m algum m o d o coerente de relação. D e s t a forma, u m
sistema é u m a abstração que permite que u m a série de fatores correlaciona-
dos sejam descritos e m termos de u m a estrutura ou função coerente. Fala-
mos, c o m propriedade, de sistemas fisiológicos — circulatório, nervoso e re-
produtivo. O corpo h u m a n o é, e m si mesmo, u m sistema que abarca todos
esses. Sociedades abrangem sistemas muito mais complexos de relações per-
sistentes e ordenadas. O universo é u m sistema de escala muito ampla; u m a
molécula, u m sistema de escala minúscula.
C a d a sistema p o d e ser descrito e m seus próprios termos. Cada u m
deles define os limites de u m nível específico de organização e a estrutura
dentro desses limites. Sua coerência implica u m determinado grau de persis-
tência e estabilidade. Por essa razão, é possível identificar u m conjunto de
fatores q u e c o m p õ e m u m sistema. Essa estabilidade coexiste, entretanto,
c o m a capacidade de mudança. C o m o os fatores que c o m p õ e m u m sistema
se relacionam de algum modo, a mudança e atividade e m u m setor colide e
afeta outros setores.
Sistemas t a m b é m se relacionam c o m outros sistemas; n ã o existem de
forma isolada. U m a metáfora p o d e servir para iluminar essa perspectiva eco-
lógica. C o m p a r a m o s nossa formulação às caixas chinesas, u m a série de cai-
xas de mágico, cada u m a contendo u m a sucessão de caixas menores. D e s t e
m o d o , no interior de estruturas localizadas, divisamos níveis sucessivos de
organização, cada u m dos quais abarcando o nível seguinte, m a i s elementar,
todos c o m íntimas ligações entre eles.
N o interior de cada nível, u m a estrutura relativamente limitada, c o m o
u m a nação, sociedade ou comunidade p o d e ser caracterizada por relações
legítimas que estão localizadas naquela estrutura e que p o d e m ser eviden-
ciadas. Essas relações legítimas são generalizáveis e m qualquer nível especí-
fico dentro da hierarquia de escala e complexidade, m a s somente no que diz
respeito ao g r a u que elas abarcam e e m relação a outras estruturas similares,
sejam elas sociedades, cidades, comunidades locais ou indivíduos.
O paradigma representado pela metáfora das caixas chinesas poderia
ser adaptado a u m a nova eco-epidemiologia. Este p a r a d i g m a trata de rela-
ções internas a estruturas localizadas — e entre elas —, limitadas social, bioló¬
gica e topograficamente. O enfoque epidemiológico adequado é aquele que
analisa os determinantes e resultados e m diferentes níveis de organização.
Tal análise contextual seria baseada e m novos sistemas de informação, tanto
internamente quanto ao longo de diferentes níveis, de m o d o a ganhar ampli-
tude. Ela aproveitaria novas técnicas biomédicas para g a n h a r profundidade.
A ação que se seguiria a isto seria alavancada pelo nível m a i s eficaz — con-
textual ou molecular, ou a m b o s .
A metáfora das caixas chinesas não é, entretanto, a d e q u a d a a todas as
dimensões. N e s s e s níveis, existe u m a hierarquia n ã o somente d e escala m a s
t a m b é m d e complexidade, c o m múltiplas interações entre e através de dife-
rentes níveis. A caixa externa deve ser a moldura mais abrangente do meio am-
biente físico, que, por sua vez, contém sociedades e populações (o terreno da
epidemiologia), indivíduos isolados e sistemas fisiológicos individuais, teci-
dos, células e, finalmente (no âmbito da biologia), moléculas.
Para que possamos estudar os sistemas ecológicos e m profundidade,
temos ainda que utilizar os procedimentos metodológicos básicos da ciência e
limitar os campos de observação. A epidemiologia nunca pode aspirar ao redu-
cionismo definido por Freeman Dyson (1995), ou seja, o "esforço para reduzir
o m u n d o dos fenômenos físicos a u m conjunto finito de equações fundamen-
tais". Steven Weinberg denominou a isto "grande reducionismo", já que deter-
mina u m a certa visão da natureza. Os epidemiologistas necessitam conviver e
d e v e m utilizar o que Weinberg denominou c o m o "reducionismo diminuto",
que i m p õ e somente u m a estratégia de pesquisa ou programa (Weinberg, 1995).
N ã o se deve permitir, porém, que essas aproximações obscureçam a estrutura
contextual dos sistemas envolventes. Para lidar c o m u m a hierarquia de tais
sistemas, é patente a necessidade de u m novo paradigma.
ESCOLHENDO O FUTURO
COMPLEXOS EM EPIDEMIOLOGIA*
Pierre Philippe
INTRODUÇÃO
1
Para um resumo detalhado e acessível da teoria do caos aplicada à epidemiologia, ver Philippe, P.
Chaos, Population Biology and Epidemiology: Some Research Implications. Human Biology, 65:525-
546, 1993.
U m a aplicação da teoria do caos ao m o d e l o de Sartwell de período de
i n c u b a ç ã o de doenças mostrou resultados consistentes. A distribuição do
período de incubação de muitas doenças adaptou-se b e m a u m a distribuição
lognormal. Esta última distribuição revelou-se, incidentalmente, c a p a z de
resistir a muitos fatores de confusão e erros de medição.
Essa consistência é u m a peculiaridade inesperada, que ainda não foi
objeto de muitas pesquisas. C o m o alguém p o d e explicar que a doença possa
desenvolver-se livremente, sem influência do m e i o ambiente? U m a v e z ini-
ciado, o processo patológico se desenrola c o m o se as condições iniciais ou
contextuais não tivessem impacto algum sobre a progressão da doença.
Isso nos faz lembrar, em primeiro lugar, do determinismo. E m segui-
da, a estabilidade do processo patológico ao longo do t e m p o sugere que as
condições iniciais não estão relacionadas à manifestação; isto é, o t e m p o de
aparecimento da doença independe dos fatores contextuais relativos às con-
dições basais. Essa última característica t a m b é m se assemelha às variações
similares ao acaso, esperadas sob regimes caóticos. Por conseguinte, a ques-
tão é saber se a teoria do caos pode ser útil para o esclarecimento da dinâmi-
2
ca dos processos patológicos durante o período de latência.
2
Para uma aplicação epidemiológica da modelagem de caos determinístico ao desenvolvimento de
doenças individuais, ver Philippe, P. Sartwell's incubation period model revisited in the light of
dynamic modeling. Journal of Clinical Epidemiology, 47:419-433,1994.
âmbito do nosso conhecimento sobre os fatores causais. Para a m b o s os para-
digmas, o princípio da superposição é de fundamental importância. Utiliza-
do cotidianamente na epidemiologia quando se a g r u p a m objetos sob o pres-
suposto de independência, afirma que o conhecimento de um sistema com-
pleto é igual à soma do conhecimento referente a seus subsistemas. A s con-
dições da eventual interação na regressão em que a superposição não é per-
feita são utilizadas basicamente para forçar o ajuste à linearidade. N ã o apre-
sentam, neste caso, relação com a introdução no cálculo das não-linearida¬
des dinâmicas.
E m segundo lugar, existe a análise linear estocástica expandida, tam-
b é m d e n o m i n a d a m o d e l a g e m da equação estrutural, em que efeitos diretos e
indiretos são alcançados por intermédio de modelos complicados. A m o d e -
lagem da análise de percurso ( p a t h analysis) é um exemplo. Este segundo tipo
de m o d e l a g e m não é mais do que uma superposição de regressões lineares,
não há diferença fundamental em relação à regressão múltipla.
As estratégias das duas modelagens anteriores estabelecem u m a 'gra-
de estática' nas relações entre variáveis, ainda que a relação dos fatores de
risco com os efeitos resulte de processos dinamicamente interativos. Estes
procedimentos p o d e m deixar escapar, portanto, relações não-lineares que se
s o m a m ao l o n g o do tempo e que p o d e m determinar vieses nas estimativas
dos efeitos. Conseqüentemente, alternativas para estes esforços de modela-
3
gem que se assemelham a ' e s p a n t a l h o s ' tentarão incorporar aspectos da di-
nâmica e dos feedbacks onipresentes nos sistemas globais.
J á na m o d e l a g e m dinâmica não-linear determinista, levam-se em con-
sideração as interações e produzem-se comportamentos dinâmicos mais ade-
quados (no que diz respeito aos elementos perceptíveis) do que as outras
análises lineares mencionadas.
O m o d e l o SEIR é um exemplo desta estratégia. Nele, quatro c o m p a r ¬
timentos são objeto de interesse: pessoas Suscetíveis, Expostas, Infectadas
e em Recuperação da doença. Aqui, as interações conduzem ao tipo de dinâ-
mica. Pode-se notar, também, que este m é t o d o consiste em abstrair subsis-
temas bem definidos da dinâmica global. E m situações complexas, quando
os subsistemas são restituídos ao sistema global, p o d e m ser produzidos re-
3
N o o r i g i n a l , 'strawman' modeling efforts (Ν. T.).
sultados que n ã o se c o a d u n a m c o m as expectativas da análise desenvolvida
e m separado. Portanto, este tipo de m o d e l a g e m t a m b é m p o d e ser c h a m a d o
de reducionista. E m b o r a a principal v a n t a g e m do m o d e l o seja incorporar
elementos da d i n â m i c a inerentes a qualquer sistema real, esta a b o r d a g e m
p o d e ajustar situações dinâmicas não-lineares simples.
4
Referente ao matemático alemão do século XIX Georg Cantor, criador da teoria dos números
ordinais transfinitos (Ν. T.).
tante do puro acaso. Alguns d e n o m i n a m esta estrutura de poeira de Cantor
(Cantor dust). Obtém-se então uma estrutura hierárquica auto-similar. Isto é,
estrutura dentro de estrutura na ausência de u m a escala típica, algo c o m o a
lei da gravidade de N e w t o n , que é verdadeira ao longo de todas as escalas.
Neste ponto, se alguém interligar os segmentos daí resultantes, obterá
algo que se assemelha à filogenia, na qual todas as escalas, da m e n o r à maior,
encontram-se interligadas. Este m o d e l o torna-se controvertido ao ser con-
frontado c o m u m sistema biológico que constitui u m a hierarquia auto-simi-
lar, dotada de u m a infinidade de escalas, dos genes ao fenótipo. O que suge-
rimos é que o 'conjunto' de Cantor constitui a espinha dorsal de u m processo
biológico dinâmico, isto é, dotado de estruturas e funções auto-similares,
a m p a r a d o e m u m a infinitude de escalas da organização biológica.
U m a metáfora mais apropriada poderia ser a de uma pirâmide, cujos blo-
cos de construção estão em constante rearranjo. Ou, como escreveu alguém,
trata-se de caminhar por um labirinto cujas paredes se rearrumam a cada passo.
A saúde, neste contexto, decorre do fato de que, ao interagir c o m ex-
posições ambientais, todas as escalas de organização da vida são instadas
a colaborar, contribuindo, portanto, de m o d o eficiente, para o processo bio-
lógico e m evolução, sem que haja qualquer expectativa de retorno em senti-
do inverso. Isto nos faz lembrar da m á x i m a de Heráclito: n i n g u é m pode se
banhar duas vezes no m e s m o rio. Isto é, m u d a n ç a e identidade encontram-
se, ambas, incorporadas em u m m e s m o modelo.
A doença, e m contrapartida, decorre do fato de que relações particula-
res entre as escalas de organização e dentro delas tenham sido manipuladas,
episodicamente, no curso do tempo, que as relações cruciais t e n h a m sido
alteradas, e m e s m o invertidas, e que a l g u m a s vias de d e s d o b r a m e n t o te-
n h a m se tornado becos sem saída. A presença de subprocessos patológicos
evitará, portanto, a suavidade e a plasticidade, aspectos que c o s t u m a m ca-
racterizar o processo de saúde. Quanto mais elevada na hierarquia situa-se a
ruptura, mais relevante é a adaptação posta em perigo pela exposição a fato-
res ambientais nocivos.
E m síntese, a saúde é um complexo labirinto, dotado de uma infinidade de
caminhos, amplos e estreitos, que conduzem ao ar livre. A doença pode significar
que alguns dos caminhos estão obstruídos, impedindo, assim, que se encontre uma
solução apropriada diante das exigências necessárias à mudança. Conseqüente-
mente, apenas poucos caminhos são deixados em aberto, e isto é menos que ótimo.
MODELO ESTOCÁSTICO PARA
SISTEMAS ADAPTATIVOS COMPLEXOS
CONCLUSÃO
5
O autor usa a expressão 'is at variance'áe difícil tradução em nossa língua. Optamos por traduzir no
sentido literal, ao invés de expressões habituais como "está em dissonância", que correspondem ao
português corrente, mas não conservam a estranheza da construção original (N.R.T.).
METÁFORAS PARA U M A
EPIDEMIOLOGIA MESTIÇA
Michel Serres
1
P a l o m a r é u m " h o m e m nervoso que vive n u m m u n d o frenético e con-
g e s t i o n a d o " (Calvino, 1994:8). Ele está de pé e m frente a o m a r e quer fazer
a "leitura de u m a onda". Para isto, procura, e m sua observação, isolar, sepa-
rar, u m a onda das que lhe seguem. M a s seu intento se m o s t r a b e m mais
complicado, pois percebe que
não se pode observar uma onda sem levar em conta os aspectos complexos que concorrem para
formá-la e aqueles também complexos a que essa dá ensejo. Tais aspectos variam continua-
mente, decorrendo daí que cada onda é diferente de outra onda; mas, da mesma maneira é
verdade que cada onda é igual a outra onda mesmo quando não imediatamente contígua ou
sucessiva; enfim são formas e seqüências que se repetem, ainda que distribuídas de modo
irregular no espaço e no tempo (...). (Calvino, 1994:8)
1
Personagem de ítalo Calvino do livro Palomar (Calvino, 1994).
Então, pensa e m u m a estratégia: limitar seu c a m p o de o b s e r v a ç ã o e
demarcar u m a área de dez metros de água e dez metros de areia p a r a inven-
tariar os fluxos das ondas que ali o c o r r e m em u m dado período de tempo.
Mas as cristas das ondas que se a p r o x i m a m b l o q u e i a m sua v i s ã o d o que
sucede mais atrás, obrigando-o a rever sua área de observação.
A i n d a assim, acredita ser possível alcançar seu objetivo: "observar tudo o
que poderia ver de seu ponto de observação", entretanto, "sempre ocorre algu-
m a coisa que não tinha levado e m c o n t a " (Calvino, 1 9 9 4 : 9 ) . Por fim, diante
de outras dificuldades que não cessam de aparecer, desiste.
Se Palomar tivesse condições para raciocinar epidemiologicamente, suas
dificuldades talvez fossem contornadas. Seu objeto de observação seria u m a
'população' de ondas. Assim, poderia traçar suas características, atributos, pro-
priedades correspondentes e respectivas conseqüências da exposição a ele-
mentos climáticos, meteorológicos ou à ação humana. M a s , para tal, seria ne-
cessário m u d a r seu p o n t o de observação. Deveria alçar-se, de preferência
munido de instrumentos óticos/fotográficos (ou, então, teleguiá-los), acima
das ondas (em u m balão, por exemplo) e observar determinado recorte do
litoral. Desta forma, se a distância do solo fosse suficientemente grande (e não
houvesse perturbações — excesso de nuvens, instrumentos descalibrados, ins-
tabilidade do balão), as ondas até pareceriam 'paradas', permitindo, assim,
melhor apreensão do objeto de estudo. O problema talvez fosse generalizar os
achados para outras praias ou, então, fazer afirmações específicas para deter-
minada onda. Ou, ainda, levar e m conta efeitos de inesperadas alterações das
correntes marítimas (não é incomum o fato de o fenômeno El Nino manifes-
tar-se de modos variados). M a s talvez fosse exigir demais de u m a abordagem
epidemiológica litorânea...
INTRODUÇÃO
2
Cabe lembrar que a lógica formal se baseia em três princípios inseparáveis: o da identidade - todo o
objeto é idêntico a si mesmo, ou seja, é impossível existir e não existir ao mesmo tempo e com a
mesma relação; o da contradição - entre duas proposições contraditórias, na qual uma é a negação
da outra, uma delas é falsa, ou seja, é impossível um mesmo atributo pertencer e não pertencer ao
mesmo sujeito ao mesmo tempo e com a mesma relação; o do terceiro excluído: toda proposição
possuidora de significado é falsa ou verdadeira - de duas proposições contraditórias, uma delas deve
ser verdadeira (Costa, 1985; Morin, 1991). O princípio do terceiro excluído vale para os casos bem
delimitáveis - tal ser vivo é animal ou vegetal. Há situações, porém, em que esta clareza não é
possível, uma vez que existem espécies que não permitem a classificação zoológica ou botânica
(Morin, 1991).
3
As condições de fechamento de um sistema dependem de duas premissas. Para que os meca-
nismos operem de m o d o consistente, não deve haver variação intrínseca na qualidade do
objeto com papel causal. Para que os resultados sejam regulares, a relação entre os mecanis-
mos causais e os mecanismos extrínsecos dos fatores intervenientes à operação ou aos efeitos
deve ser constante (Santos, 1989).
se de p a s s a g e m . Porém, tal priorização resultou no fato de os afastamentos
desta coerência serem encarados c o m o deslocamentos para fora da razão, do
m u n d o , da realidade.
A rigor, o m o t o r d e s t a b u s c a n ã o se p r e n d e a prion a o p r o p ó s i t o de
c o n h e c e r , m a s , s i m , ao i m p u l s o de c o n t r o l a r e, p o r e x t e n s ã o , de d o m i n a r .
A l ó g i c a i d e n t i t á r i a n ã o se d i s p õ e à c o m p r e e n s ã o d o c o m p l e x o e d a v i d a ,
m a s à i n t e l i g i b i l i d a d e p r a g m á t i c a , q u e , s e g u n d o M o r i n (1991:168-169):
METÁFORA
4
Esta é a definição proposta por Richards, em 1936, ainda consagrada por grande parte dos lingüistas
(cf. Corrêa, 1986)
1993). Assim, as metáforas não se resumem à dimensão verbal. Podem ser per¬
ceptivas ou vinculadas a domínios não-verbais. São facilmente lembradas as
transposições que as crianças fazem ao substituir o significado de determinados
objetos por outros (um graveto por u m 'foguete', por exemplo, ou mesmo, segun-
do a psicanálise, u m carretei pela ausência da mãe). Deste modo, a linguagem
metafórica não pode ser julgada em termos das categorias Verdadeiro' ou 'falso',
mas sim aliada por sua eficácia, sua capacidade de ensejar encaminhamentos
originais nas propostas de representação da 'realidade' (White, 1994).
5
Por sua vez, no campo filosófico, há autores que sugerem não haver
discurso sobre a metáfora que não se enuncie e m u m a cadeia conceituai, pro-
duzida metaforicamente e m si (Ricoeur, 1983). N ã o obstante, é preciso enfa-
tizar que a metáfora pode ser encarada c o m o algo mais do que u m a simples
figura de retórica, cujas origens remontariam a u m estágio mental pré (ou anti)
científico (voltaremos a este aspecto). N a medida e m que permite cogitar al-
g u m a coisa e m termos de outra (Lakoff & Johnson, 1980), ela seria o meca-
nismo fundamental do processo de criação e invenção. Portanto, a metáfora
não consiste, tão-somente, no mapeamento de u m a idéia e m termos de outra
possibilidade analógica. Para Derrida, " a metáfora seria o próprio homem"
(1991:287). Nesta perspectiva, cabe indagar se o conhecimento h u m a n o esta-
ria inapelavelmente dependente de construções metafóricas: Que pensar se: a)
o que podemos perceber de nosso si-mesmo é nossa própria metáfora; b) so-
m o s nossa própria epistemologia; c) nosso m u n d o interior é esta epistemolo-
gia, nosso microcosmo; e d) nosso microcosmo é u m a metáfora apropriada do
macrocosmo? (Bateson, 1994: 296).
Se aceitarmos que conceitos metafóricos orientam e estruturam n o s -
sas percepções, movimentos e relações c o m o mundo, pode-se dizer que a
experiência h u m a n a , e m sua interação c o m a realidade, ocorre m e d i a n t e um
sistema conceituai que está estruturado e opera, em grande m e d i d a , metafo-
ricamente (Lakoff & J o h n s o n , 1980).
Este p o n t o de vista, c o m base e m evidências lingüísticas e m q u e a
metáfora se destaca, serve para questionar o mito do objetivismo n o co-
nhecimento, isto é, a premissa de que o m u n d o está c o m p o s t o por diversos
5
Uma detalhada discussão filosófica sobre a metáfora foi desenvolvida por Ricoeur (1983) e Derrida
(1991).
objetos c o m propriedades inerentes e relações estáveis entre si. Lakoff & John-
son argumentam que a filosofia objetávista não consegue explicar satisfatoria-
mente como entendemos nossa experiência, nossas manifestações mentais, nos-
sa linguagem. Para eles, uma explicação adequada demanda:
ver os objetos apenas como entidades relativas a nossas interações com o mundo e com nossas
projeções sobre ele; — considerar aspropriedades como propriedades interacionais mais do que
inerentes; - considerar as categorias como gestalts experienciais definidas por meio de
protótipos em vez de considerá-las rigidamente fixadas e definidas segundo a teoria dos
conjuntos. (Lakoff & Johnson, 1980:254)
6
Em termos técnicos, o hipertexto consiste em um programa computacional no qual há um conjunto
de nós vinculados por conexões. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos, sons,
documentos complexos. Foi concebido para ser manipulado e transformado em interações com
usuário (s) envolvendo um banco de dados original. É o ambiente virtual do hipertexto que propor-
ciona o 'meio' que viabiliza a interação destes usuários. Os exemplos mais conhecidos são as
extensas obras editadas em CD-ROM, como dicionários e enciclopédias (Lévy, 1993).
METÁFORA Ε PRODUÇÃO DE CONHECIMENTO
7
Para uma relevante discussão sobre a retórica na ciência, ver Santos, (1989).
8
Ver diversas passagens a esse respeito em Bachelard (1968).
A rigor, o uso das metáforas na ciência, em função de suas possibilida-
des inventivas e inovadoras, tem sido recuperado por autores respeitáveis,
9
originários dos domínios tanto das ciências físicas como das sociais. A este
respeito, Samaja destaca a importância da abdução (desenvolvida por Peirce),
que, mediante analogias e metáforas, funciona como método alternativo à in-
10
dução c à dedução como proposição lógica de investigação (Samaja, 1993).
Em uma perspectiva similar, é importante destacar as idéias da cor-
rente epistemológica conhecida por realismo, na qual
9
R e s p e c t i v a m e n t e : B o h m & Peat (1989) e B a t e s o n (s.d.), p o r e x e m p l o . U m d e s e n v o l v i m e n t o mais
d e t a l h a d o a c e r c a d o u s o de m e t á f o r a s e a n a l o g i a s e m m é t o d o s d e m o d e l i z a ç ã o s i s t ê m i c a p o d e ser
visto e m M o l e s , ( 1 9 9 5 ) .
10
N a m e s m a linha d e r a c i o c í n i o , o c o n c e i t o de r e t r o d u ç à o foi c r i a d o para referir-se à " e x p l o r a ç ã o
e x a u s t i v a de a n a l o g i a s , e s t a b e l e c e n d o a posteriori m o d e l o s m e t a f ó r i c o s e m e t o n í m i c o s " q u e s i r v a m à
a b o r d a g e m r e a l i s t a - t r a n s c e n d e n t a l d a s e s t r u t u r a s científicas (cf. A l m e i d a - F i l h o , 1 9 9 3 ) .
A linguagem técnica t e m u m a função essencial quando separa da ciên-
cia o senso c o m u m . Todavia, a linguagem metafórica é fundamental na ul¬
trapassagem tanto de u m quanto de outro na produção de u m saber prático
efetivo. É importante averiguar o efeito das pesquisas epidemiológicas e seus
resultados e m termos de proposições de risco. Trata-se, e m outras palavras,
de saber c o m o são apreendidos os produtos da ciência epidemiológica pela
sociedade, caracterizada pelo senso c o m u m (e suas metáforas), seja no nível
particular das interações clínicas, seja mediante a difusão global de informa-
ções, por intermédio de mensagens e informações leigas e oficiais veicula-
das pelos meios de comunicação de massa.
11
Este conceito metafórico orientacional foi delineado por Lakoff & Johnson (1980). Os autores
esclarecem que sua formulação, tal como apresentada, é limitada, pois não assinala a inseparabilida¬
de das metáforas de suas respectivas bases experienciais. Estas, por sua vez, podem variar mesmo
em outras metáforas relativas à verticalidade. No caso de "saúde e vida é acima, doença e morte é
embaixo", por exemplo, a base experiential parece ser a posição corporal que acompanha estes
estados/condições.
da v e r d a d e ' e m b u t i d a n o discurso da ciência m o d e r n a (Spink, 1993). É im-
portante notar que as metáforas p o d e m d e s e m p e n h a r aqui seu papel de 'char¬
neira', pois, além de servirem c o m o suporte simbólico elaborado c o m base
no sujeito, p o d e m assumir dimensões coletivamente compartilhadas para a
comunicação e a interpretação do mundo.
Neste sentido, é importante considerar o e m p r e g o abusivo de metáfo-
ras n a c o m u n i c a ç ã o entre cientistas e o público, m e d i a d a pelos m e i o s de
comunicação de massa. Isto é particularmente flagrante nas discussões so-
bre os efeitos das manipulações genéticas sobre a h u m a n i d a d e . A s s i m , ca-
b e m três perguntas a respeito desta relação: o que se p o d e aprender dos
esforços dos geneticistas para moldar a i m a g e m pública de tais manipula-
ções (especialmente no que se refere ao projeto G e n o m a ) ? A s i m a g e n s pro-
duzidas pelos geneticistas i n f o r m a m ao público c o m exatidão e sem impro¬
priedades? C o m o estas i m a g e n s são apreendidas? (Nelkin, 1994). E m geral,
há u m a proliferação de significações atribuídas aos g e n s , e m especial, aque-
les que envolvem determinismos biológicos — a definição de identidades (e
respectivos julgamentos de qualidade) e o estabelecimento d e traços c o m ¬
portamentais. H á g e n s egoístas, hedonistas, criminais, h o m o s s e x u a i s , depres-
sivos, condutores ao pecado, à genialidade. E m suma, os g e n s serviriam para
explicar as diferenças h u m a n a s e tanto justificá-las quanto predizê-las
(Nelkin, 1 9 9 4 ) .
N o c a m p o d o risco, p o s t u l a - s e a e x i s t ê n c i a de u m a ' e p i d e m i o l o g i a
l e i g a ' ( D a v i s o n et al., 1 9 9 1 ) . C o m o i l u s t r a ç ã o , u m a p e s q u i s a r e a l i z a d a no
P a í s d e G a l e s n a q u a l se c o n s i d e r o u a i d é i a d e ' c a n d i d a t u r a ' à d o e n ç a
c o r o n a r i a n a ( D C ) , i s t o é, q u a l e r a a p e r c e p ç ã o p o p u l a r d o s a t r i b u t o s ,
condições e comportamentos das pessoas de m o d o a torná-las 'candida-
t a s ' ao i n f o r t ú n i o de d e s e n v o l v e r D C . O e s t u d o p r e o c u p a v a - s e e m verifi-
car os efeitos de p r o g r a m a s d e e d u c a ç ã o e m s a ú d e p a r a c o n t r o l e de D C .
E s t a v a m e m q u e s t ã o os p a p é i s da d i m e n s ã o i n d i v i d u a l e d a s o c i a l na
e t i o l o g i a e d i s t r i b u i ç ã o da e n f e r m i d a d e , l e v a n d o e m c o n t a a c o m p l e x i d a -
d e d o fato d e m u i t o s c o m p o r t a m e n t o s particulares estarem imbricados
n o t e r r e n o c u l t u r a l ( D a v i s o n et al., 1 9 9 1 ) . A i d é i a d e ' c a n d i d a t u r a ' à D C
a d m i t i a q u a t r o u s o s diferentes:
• explicação retrospectiva d o a d o e c e r / m o r t e de outrem por D C ;
• predição do a d o e c e r / m o r t e de outrem por D C ;
• explicação retrospectiva do próprio adoecer por D C ;
• avaliação do próprio risco de a d o e c e r / m o r r e r por D C .
E m t e r m o s gerais, os 'candidatos' à D C eram os gordos, sedentários,
de rosto avermelhado, c o m tom de pele pálido-acinzentado, fumantes, c o m
casos de D C na família, bebedores 'pesados', c o m dieta rica e m gordura,
ansiosos (por n a t u r e z a ) , m a l - h u m o r a d o s (ou pessimistas ou negativistas),
estressados (ou c o m vida desregrada). U m a das conclusões da investigação
foi mostrar o reconhecimento da falibilidade do sistema de 'candidatura co¬
ronariana'. Constatou-se a existência de indivíduos que preenchiam diversos
requisitos para D C e não a d o e c i a m , ao passo que outros, aparentemente
saudáveis e cuidadosos, c h e g a v a m a morrer pela enfermidade (Davison et
al., 1 9 9 1 , 1992), gerando o comentário do tipo " q u e m diria...".
Estas 'distorções' eram incluídas em u m sistema explicativo co-exis¬
tente, de caráter fatalista, oposto à idéia de controle protetor contra D C
mediante a escolha de estilos de vida mais salutares. Os c a m p o s nos quais a
p e r c e p ç ã o de ausência de controle apresentava-se de forma mais pronuncia-
da eram aqueles que envolviam diferenças pessoais entre indivíduos (heredi¬
tariedade, educação, características próprias), ambiente social (posses e dis-
ponibilidade de recursos, exposição a risco e danos viculados à ocupação,
solidão) e ambiente físico (como clima, perigos naturais, poluição ambien-
tal). Todos subsumidos a u m aspecto maior que dizia respeito à sorte, ao
acaso, ao destino, à fatalidade, à vontade divina etc. Nessas circunstâncias,
nada mais poderia ser feito se por acaso D e u s decidisse a fazer Ό c h a m a d o '
ou se " a h o r a da pessoa tivesse chegado..." (Davison et al., 1992). C o m o , e m
geral, os efeitos da exposição a supostos riscos não c o s t u m a m ser freqüen-
tes, imediatos e certos, são compreensíveis as resistências de algumas pes-
soas e m aderirem ao discurso preventivo/profilático.
O u t r o s estudos ingleses a p o n t a r a m o d i s t a n c i a m e n t o dos aspectos
envolvendo saúde e m relação às preocupações de cada u m e m seus cotidia-
nos. Isto sugere discrepâncias entre o discurso racional sobre saúde e o c o m -
p o r t a m e n t o (ou estilo de vida) — a princípio, passível de ser influenciado
mediante práticas de educação em saúde — e os domínios da v i d a privada,
que d e v e m ser entendidos e m relação ao contexto pessoal e cultural mais
amplo (Calnan & Williams, 1991).
Todavia, não é absurdo supor — em um quadro simultâneo de precarieda-
de da qualidade dos serviços de saúde (em termos de acessibilidade, eqüidade,
cobertura, disponibilidade, efetividade, eficiência, resolutividade etc.) e de ex-
posição a agravos múltiplos, como acontece em uma formação socioeconômica
como a nossa — que as preocupações dos grupos sociais em relação à sua saúde
devam ser distintas daquelas encontradas em outros contextos.
D e qualquer maneira, o papel da configuração sociocultural p o d e ser
de difícil dimensionamento no processo de extrapolação dos achados de u m
estudo epidemiológico sobre fatores de risco. Por exemplo, a a b o r d a g e m dos
graves p r o b l e m a s c o m o aqueles que envolvem a possível conexão entre uso
de drogas, maior disponibilidade a relações sexuais e, u m a v e z estas ocorren-
do, a eventual utilização de práticas sexuais seguras.
Segundo alguns pesquisadores, o comportamento de usuários de drogas
não pode ser explicado apenas pelo conhecimento da farmacologia das substan-
cias empregadas ou da suposta 'desinibição' provocada por elas. Temos aí uma
complexa resultante da interação de farmacocinética, características psicológi-
cas pessoais, expectativas comportamentais compartilhadas no dia-a-dia, situa-
ção socioeconômica e contexto cultural (Rhodes & Stimson, 1994).
Neste caso, a pesquisa epidemiológica produziu indicadores de comporta-
mento sexual de risco em usuários de drogas, mas parece limitada para explicar a
dinâmica desta relação. D e acordo c o m Rhodes & Stimson (1994: 222):
12
Por sinal, há o reconhecimento, mesmo neste nível de preocupação, da limitação dos métodos para
chegar a conclusões definitivas sobre efeitos sinergísticos ou antagonistas em relação aos efeitos
conjuntos de dois fatores de risco (cf. Thompson, 1991).
m a s sim de transformar pressupostos da própria pesquisa populacional e m
saúde. Nessas circunstâncias, a a b o r d a g e m epidemiológica deve m u d a r sua
ênfase e m indivíduos (ou outras unidades atomizadas) para 'unidades glo-
bais', fruto de interações das partes, analiticamente conceitualizadas p o r m e i o
do e n t e n d i m e n t o da estrutura de rede social e d e subcultura ( R h o d e s &
Stimson, 1994), c o m suas respectivas representações.
13
É possível cogitar, ainda, em outras entidades espirituais, como as referidas aos afetos, sentimentos,
emoções, mas que não pertenceriam à noosfera, reino das elaborações mentais intelectivas.
Tem havido tentativas de estabelecer nexos entre o p o n t o de vista
epidemiológico e a dimensão psicológica relacionada à esfera societária. O
exemplo mais evidente é a relação entre a epidemia de AIDS e 'epidemias
psicossociais' de sentimentos correspondentes, c o m o medo, ansiedade, afli-
ção, suspeita (Strong, 1990). A o m e s m o tempo, isto t a m b é m reflete u m a
epidemia de significações (Treichler, 1987) para lidar, para além da dimen-
são de contagiosidade fisiopatogênica, com a ameaça constituída pelos efei-
tos carreados pela AIDS sobre as representações sociais que envolvem temas
candentes c o m o morte e sexualidade.
A este respeito, um texto de Sperber (1985), considerado clássico na
literatura antropológica francesa, sugere um diferencial do poder de difusão
de algumas representações culturais comparativamente a outras, a exemplo
de certas doenças infecto-contagiosas. O autor, no entanto, chama atenção
para o fato de os modelos epidemiológicos delinearem a transmissão de do-
enças estáveis ou c o m variações limitadas e previsíveis, ao passo que as
representações tendem a variar cada vez que são transmitidas.
U m a epidemiologia das representações consistiria, antes de tudo, em
um estudo dessas transformações. N ã o se trata, porém, de aplicar modelos
epidemiológicos de análise às representações. N a verdade, está em relevo na
analogia a correspondência entre as interações a) clínica m é d i c a / e p i d e m i o ¬
logia e b) p s i c o l o g i a / e p i d e m i o l o g i a das representações (Sperber, 1985). Ou
seja, múltiplas problemáticas simultâneas: individual x coletivo na relação
entre 'numeradores' com 'denominadores' e orgânico x psicossocial (ou na-
tural x cultural) na relação entre a) e b). Temos, então, dois níveis de obser-
v a ç ã o em uma epidemiologia das representações: o nível 'individual' das
representações mentais, singulares aos indivíduos, e o 'coletivo' das repre-
sentações sociais. Conforme a visão de Sperber (1985:86),
Uma epidemiologia das representações é um estudo das cadeias causais nas quais estas
representações mentais (RM) epúblicas (RP) estão envolvidas: a construção ou recuperação
de RM pode levar indivíduos a modificarem seus ambientes físicos, por exemplo para produzi-
rem uma RP. Estas modificações ambientais pode levar outros indivíduos a construírem suas
próprias RMs; tais novas RMs podem se armazenadas e depois recuperadas, e, por sua vez,
levar indivíduos que as apreenderam a modificar o ambiente e, assim por diante.
Importa, t a m b é m , salientar os processos geradores das distribuições
de representações. A s s i m , " u m a cultura (...) seria definida m e n o s por u m a
certa distribuição de idéias, de enunciados e de i m a g e n s e m u m a p o p u l a ç ã o
h u m a n a do que pela forma de gestão social do conhecimento que g e r o u esta
d i s t r i b u i ç ã o " (Lévy, 1993).
N a verdade, estão em jogo transições e interrelações c o m p l e x a s entre
fronteiras geradas pela d e n o m i n a d a era moderna. N a base destas dicotomi¬
14
as, cada vez menos nítidas — sujeito e objeto, singular e universal, mental e
material, valor e fato, privado e público, natural e social — encontra-se a grande
ruptura ontológica h o m e m e natureza (Santos, 1989). N o entanto, as biotecno¬
ciências c h e g a r a m para subverter as próprias disjunções que criaram as con-
dições de possibilidade de sua origem, desenvolvimento e evolução.
Por conseguinte, pensar u m a epidemiologia que transcenda as frontei-
ras das propostas investigativas habituais significa, preliminarmente, cogitar
formas de a b o r d a g e m de interfaces e m que ocorrem relações recíprocas en-
tre instâncias diferentes e complexas que não p o d e m mais ser concebidas
separadamente, localmente. E m outras palavras, implica a necessidade de
mediação simultânea entre l o c a l / g l o b a l e n a t u r a l / s o c i a l .
U m desenvolvimento importante a este respeito está presente na idéia
de objeto híbrido, elaborada por Latour (1994). Para ele, n ã o é mais possível
manter a cisão natureza versus cultura diante da proliferação de tais objetos
(ou quase objetos), mistos de ambos, a m á l g a m a s naturezas-culturas. A pró-
pria etimologia de 'híbrido' encerra algumas curiosidades. Provém do g r e g o
hybris, c o m os significados de tudo que excede a medida, excesso; orgulho,
insolência, ardor excessivo, impetuosidade, exaltação; ultraje, insulto, injú-
ria, sevícia; violências contra a mulher ou a criança. Pelo latim hybrida, serve
para designar o p r o d u t o d o c r u z a m e n t o de porca c o m javali, o filho de pais
de diferentes regiões ou de condições diversas (Machado, 1956).
Seriam objetos híbridos o buraco de ozônio e as repercussões quanto à
legislação que proíbe o uso de C F C s na industrialização de propelentes, as
manipulações genéticas e seus desdobramentos éticos e políticos, as discus-
sões sobre o reivindicações de g r u p o s ativistas gays pelo acesso ao AZT. N a
14
Nestas circunstâncias, a linguagem (e, por extensão, a capacidade metaforizante) participaria tanto
do sujeito, uma vez que nos é constitutiva, como do objeto, em função de seu teor socialmente
compartilhado (Lévy, 1993).
área e p i d e m i o l ó g i c a , um b o m e x e m p l o seriam as infecções e m e r g e n t e s
(Institute of Medicine, 1992), resultantes de processos desencadeados pelo
próprio h o m e m , entre as quais os surtos de doença dos legionários, provoca-
da por uma bactéria que se alberga em dutos de grandes sistemas de condi-
cionamento de ar. M a s o exemplo mais impressionante é constituído pelos
xenotransplantes. C o m base em manipulações genéticas, estuda-se a viabi-
lidade de serem gerados suínos transgênicos com a capacidade de evitar as
reações de rejeição imunológica, caso seus órgãos sejam transplantados para
h u m a n o s (Concar, 1994). A escolha deste mamífero prendeu-se ao fato de
ser um animal doméstico cujos órgãos têm d i m e n s ã o compatível com os
humanos. N a d a mais adequado do que a designação 'híbrido' para o objeto
resultante deste transplante.
Podemos afirmar, então, que os objetos híbridos (quase-objetos, qua¬
se-sujeitos) refletem e produzem múltiplas redes. Neste sentido, a rede de
práticas e de instrumentos, de documentos e traduções pode ser vista como
o agenciamento intermediário entre tais níveis. E, ao nosso ver, a instância
metafórica poderia ser incluída nesta condição. Mas, m e s m o que não seja,
serve para proporcionar outras metáforas para pensarmos este m u n d o mes-
tiço, resultante destes emaranhados reticularcs.
M e s m o incorrendo no risco de uma simplificação grosseira ou, o que
talvez seja pior, de u m a o b v i e d a d e , pode-se dizer, e m síntese, que tanto
nossos organismos quanto nossas sociedades configuram-se e m sistemas al-
tamente dinâmicos, constituídos por redes de interações e modulações recí-
procas i n t r a / e n t r e instâncias psico-neuro-imuno-endócrinas e circunstân-
cias psico-socioculturais (como é difícil definir o local exato para o 'psico',
optamos por localizá-lo em ambos níveis).
U m a tentativa preliminar de representar tais sistemas é sugerida por
Krieger (1994), ao utilizar uma estrutura fractal que consiste em uma seqüência
de bifurcações infinitas que assinalam a auto-similaridade nas múltiplas escalas.
Desta forma, em cada nível, seria possível incluir determinações pertencen-
tes tanto aos domínios biológicos c o m o culturais (Krieger, 1994).
Outra metáfora possível seria imaginar um denso e emaranhado man-
gue, sem a harmonia da figura fractal sugerida por esta autora. Aí, os ele-
mentos de um conjunto de seres vivos constituem, c o m sua conduta, múlti-
plos níveis de organização e interação que, ao a t u a r e m (para eles) c o m o
'meio ambiente', d e m a r c a m as formas de vida viáveis neste contexto, bem
c o m o seus m o d o s de adoecer e perecer. Existem n u m a deriva c o m p a r t i l h a -
da, em 'acoplamento estrutural', vinculados a sua participação e m tal rede
de interações (Maturana, 1993). N o entanto, esta metáfora ainda não é satis-
fatória, pois os 'manguezais h u m a n o s ' são b e m mais c o m p l e x o s e mutantes,
e m t e r m o s de indivíduos, t e m p o s e lugares. Os h u m a n o s têm, por exemplo,
a capacidade de pertencerem simultaneamente a distintos nichos ecológico-
culturais, c o m diferentes padrões de conduta. E, m a i s importante ainda, o
m e c a n i s m o básico de interação nos sistemas sociais h u m a n o s é a l i n g u a g e m .
E, aí, c o m o v i m o s , a metaforização ocupa lugar de destaque.
EPIDEMIOLOGIA CONTEXTUAL?
15
S c h w a r t z ( 1 9 9 4 ) faz u m a i n t e r e s s a n t e a b o r d a g e m s o b r e o s c o n c e i t o s d e v a l i d a d e i n t e r n a e v a l i d a d e
d e c o n s t r u t o e as r e s p e c t i v a s u t i l i z a ç õ e s na a b o r d a g e m da falácia e c o l ó g i c a ou cross-level bias — viés
r e l a t i v o às c i r c u n s t â n c i a s d e lidar s i m u l t a n e a m e n t e c o m v a r i á v e i s a g r e g a d a s e individuais, l i s t e p o d e
c o n t e r d o i s a s p e c t o s : viés d e a g r e g a ç ã o - r e s u l t a n t e do a g r u p a m e n t o d e i n d i v í d u o s e d e e s p e c i f i c a -
ç ã o — o r i u n d o da e x i s t ê n c i a d e v a r i á v e i s d e c o n f u s ã o por intermédio dos g r u p o s (Morgenstern,
1 9 8 2 ) . A c o n c e i t u a l i z a ç ã o analítica d e v a r i á v e i s p r ó p r i a s a g r u p o s (integrais e c o n t e x t u a i s ) p o d e ser
vista e m Susser (1994a; 1994b), e K o o p m a n & Longini Jr. (1994).
evitando transitar por níveis distintos de organização com suas margens de
vieses e erros. Assim, considerando as características de linearidade ou não
do sistema estudado, inferências preditivas feitas c o m base e m populações
p e r m a n e c e r i a m válidas para populações, e m relação, por exemplo, a novos
casos esperados no decorrer do tempo. J á inferências generalizadoras corres-
p o n d e n t e s à extrapolação sobre indivíduos ou populações n ã o equivalentes
dariam m a r g e m a previsões logicamente discutíveis, passíveis de equívocos.
Neste ponto, cabe destacar as tipificações problemáticas da categoria
' p o p u l a ç ã o ' e m suas elaborações conceituais e operacionais c o m base na
idéia de 'amostras representativas', essenciais para a epidemiologia moder-
na. C o m o m o s t r o u Samaja (1993, 1994), há limitações nos procedimentos
inferenciais aí envolvidos. Para este autor, é preciso avançar para estabele-
cer unidades de análise 'espaço-populacionais genuínas', correspondentes a
determinados agrupamentos populacionais reunidos por critérios, tais c o m o
a proximidade geográfica, as características de seus vínculos c o m u n i t á r i o s /
econômicos, a dinâmica sociocultural local e t c , ou seja, elementos que re-
presentem, c o m mais legitimidade, os complexos constituintes de u m a dada
formação social. Sob esta ótica, é desenvolvido o conceito de 'população-
sentinela', unidade populacional mínima, demarcada por m e i o da junção de
c o m p o n e n t e s populacionais que têm em c o m u m os seguintes traços: identi-
dade tipológica (definida c o m base em variáveis estruturais referentes, por
exemplo, a situações de caráter geográfico, demográfico, econômico, biológi-
co, educacional e relativa aos serviços de saúde); identidades territorial e
cultural; e capacidade de interagir e m processos decisórios. Tais populações
p o d e r ã o ser acompanhadas mediante o uso de variáveis importantes para a
monitoração de seus processos biológicos, psicológicos, e c o n ô m i c o s , ecoló-
gicos (Samaja, 1994).
E m que pese a indiscutível originalidade e a elaborada construção
teórica e conceituai subjacente a esta proposta, é preciso avaliar se, uma vez de-
marcada a população-sentinela, as variáveis de monitoração dos referidos proces-
sos ainda poderiam ser insuficientes para o fim a que se propõem. E m outros
termos, quais serão os referenciais de análise destas variáveis? Especialmente quanto
aos processos psicológicos, qual será a pertinência teórica e metodológica de tais
variáveis e respectivos indicadores? D e qualquer modo, o modelo sugerido avança
ao problematizar o aparentemente bem estabelecido Objeto populacional' da
epidemiologia e sugerir encaminhamentos que p o d e m ser promissores.
COMENTÁRIOS FINAIS
16
O conceito de anomalia aparece em Kuhn (1970). Seu significado é considerado ambíguo, pois se,
por um lado, sua percepção pode configurar-se em elemento propulsor de mudanças paradigmáti-
cas, por outro, por estar relacionada à atividade do pesquisador, a anomalia pode, antes de tudo,
representar uma questão específica envolvendo mais sua habilidade e capacidade técnica do que um
desafio aos paradigmas vigentes. Há autores, como Palácios (1994, que sugerem quatro padrões de
resposta às anomalias: indiferença, rejeição, acomodação, oportunismo.
1 7
reconhecido matemático, René T h o m ( 1 9 9 5 ) , e m e l a b o r a r u m saber
que aborde d i m e n s õ e s qualitativas e suas especificidades, configura-
d o e m s u a t e o r i a d a s c a t á s t r o f e s q u e , segundo ele, teria a capacidade de
fazer previsões qualitativas.
Enfim, a especulação acerca das possibilidades de incorporar os agen-
tes provocadorcs de perturbações aos nossos esquemas científicos, de m o d o
a gerar outra(s) racionalidade(s) epidemiológica(s) e outra(s) relação(ões) (in-
clusive metafóricas) entre sujeito e objeto, não constitui um exercício dile-
tante e inócuo. Desta forma as 'impurezas' não adquirem inevitavelmente o
i n c ô m o d o significado de 'confundimento'. Talvez, admitindo mestiçagens,
seja possível alcançar outro patamar de compreensão e de intervenção sobre
o adoecer humano.
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SUSSER, M. The logic in ecological: II. The logic of design. American journal of Public
Health, 84(5):830-835,1994.
TEIXEIRA, R. R. Epidemia e cultura: Aids e mundo securitário, 1993. Dissertação
de Mestrado, São Paulo: Universidade de São Paulo.
THOM, R. 1995. O enigma do predador esfomeado. Entrevista concedida ao Le
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THOMPSON, W. D. Effect modification and the limits of biological inference from
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TREICHLER, P. Aids, homophobia and biomedical discourse: an epidemic of
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VARELA, Ε. Autonomie et Connaissance: essai sur le vivant. Paris: Seuil, 1989.
VARELA, Ε.; THOMPSON, Ε. & ROSCH, Ε. De Cuerpo Presente: las ciências cognitivas
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WHITE, S. Para White, a história recalcou a poesia. Folha de S. Paulo, São Paulo, 11
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YACH, D. The use of qualitative methods in health research in developing countries.
Social Science and Medicine, 35(4):603-612, 1992.
TÍTULOS DA
SÉRIE EPIDEMIOLÓGICA
VOLUME I
VOLUME I I
VOLUME I I I
VOLUME I V
• Estado sem Cidadãos: seguridade social na América Latina. Sônia Fleury, 1994. 249p.
• Saúde e Povos Indígenas. Ricardo Santos & Carlos E. A. Coimbra (Orgs.), 1994. 251p.
• Saúde e Doença: um olhar antropológico. Paulo César Alves & Maria Cecília de Souza
a
Minayo (Orgs.), 1994. 174p. I Reimpressão: 1998.
• Principais Mosquitos de Importância Sanitária no Brasil. Rotraut A. G. B. Consoli & Ricardo
a
Lourenço de Oliveira, 1994. 174p. I Reimpressão: 1998.
• Filosofia, História e Sociologia das Ciências I: abordagens contemporâneas. Vera Portocarrero
a
(Org), 1994. 268p. 1 Reimpressão: 1998.
a
• Psiquiatria Social e Reforma Psiquiátrica. Paulo Amarante (Org.), 1994.202p. 1 Reimpressão:
1998.
• O Controle da Esquistossomose. Segundo relatório do Comitê de Especialistas da OMS,
1994. 110p.
• Vigilância Aumentar e Nutritional: limitações e interfaces com a rede de saúde. Inês Rugani R.
de Castro, 1995. 108p.
• Hanseníase: representações sobre a doença. Lenita B. Lorena Claro, 1995.110p.
• Oswaldo Cruz a construção de um mito na ciência brasileira. Nara Britto, 1995. 111p.
• A Responsabilidade pela Saúde: aspectos jurídicos. Hélio Pereira Dias, 1995. 68p.
• Sistemas de Saúde: continuidades e mudanças. Paulo M. Buss e Maria Eliana Labra
(Orgs.), 1995. 259p. (co-edição com a Editora Hucitec)
• Só Rindo da Saúde. Catálogo de exposição itinerante de mesmo nome, 1995. 52p.
• Democracia Inconclusa: um estudo da Reforma Sanitária brasileira. Silvia Gerschman,
1995. 203p.
• Atlas Geográfico de las Malformaciones Congênitas en Sudamérica. Maria da Graça Dutra
(Org), 1995. 144p.
• Ciência e Saúde na Terra dos Bandeirantes: a trajetória do Instituto Pasteur de São Paulo no
período 1903-1916. Luiz Antonio Teixeira, 1995. 187p.
• Profissões de Saúde: uma abordagem sociológica. Maria Helena Machado (Org), 1995.193p.
• Recursos Humanos em Saúde no Mercosul. Organização Pan-Americana da Saúde, 1995.
155p.
• Tópicos em Malacologia Médica. Frederico Simões Barbosa (Org.), 1995. 314p.