Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá; Em cismar ─ sozinho, à noite ─ Mais prazer eu encontro lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá; Sem que disfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu'inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. (Gonçalves Dias) O estandarte auriverde
Ao Brasil
Bela escultura de luz, diamante fúlgido
Da coroa de Deus, pérola fina Dos mares do ocidente, Oh! como altiva sobre nuvens de ouro A fronte elevas afogando em chamas O velho continente!
A Itália meiga que ressona lânguida
Nos coxins de veludo adormecida Como a escrava indolente; A França altiva que sacode as vestes Entre o brilho das armas e as legendas De um passado fulgente;
A Rússia fria – Mastodonte eterno!
Cuja cabeça sobre os gelos dorme, E os pés ardem nas fráguas; A Bretanha insolente que expelida De seus planos estéreis se arremessa Mordendo-se nas águas;
A Espanha túrbida; a Germânia em brumas;
A Grécia desolada; a Holanda exposta Das ondas ao furor... Uma inveja teu céu, outra teu gênio, Esta a riqueza, a robustez aquela, E todas o valor!
Oh! terra de meu berço, oh! pátria amada,
Ergue a fronte gentil ungida em glórias De uma grande nação! Quando sofre o Brasil, os brasileiros Lavam as manchas, ou debaixo morrem Do santo pavilhão!... (Fagundes Varela) Leito de folhas verdes
Por que tardas, Jatir, que tanto a custo
À voz do meu amor moves teus passos? Da noite a viração, movendo as folhas, Já nos cimos do bosque rumoreja.
Eu sob a copa da mangueira altiva
Nosso leito gentil cobri zelosa Com mimoso tapiz de folhas brandas, Onde o frouxo luar brinca entre flores.
Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,
Já solta o bogari mais doce aroma! Como prece de amor, como estas preces, No silêncio da noite o bosque exala.
Brilha a lua no céu, brilham estrelas,
Correm perfumes no correr da brisa, A cujo influxo mágico respira-se Um quebranto de amor, melhor que a vida!
A flor que desabrocha ao romper d'alva
Um só giro do sol, não mais, vegeta: Eu sou aquela flor que espero ainda Doce raio do sol que me dê vida.
Sejam vales ou montes, lago ou terra,
Onde quer que tu vás, ou dia ou noite, Vai seguindo após ti meu pensamento; Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!
Meus olhos outros olhos nunca viram,
Não sentiram meus lábios outros lábios, Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas A arazóia na cinta me apertaram.
Do tamarindo a flor jaz entreaberta,
Já solta o bogari mais doce aroma Também meu coração, como estas flores, Melhor perfume ao pé da noite exala! Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes À voz do meu amor, que em vão te chama! Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil A brisa da manhã sacuda as folhas! (Gonçalves Dias) 2ª geração
Soneto
Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada, Como a lua por noite embalsamada, Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar, na escuma fria
Pela maré das águas embalada! Era um anjo entre nuvens d'alvorada Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! o seio palpitando
Negros olhos as pálpebras abrindo Formas nuas no leito resvalando
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando, Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! (Álvares de Azevedo) Adormecida
Uma noite, eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente... Quase aberto o roupão... solto o cabelo E o pé descalço do tapete rente.
'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina... E ao longe, num pedaço do horizonte, Via-se a noite plácida e divina.
De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala, E de leve oscilando ao tom das auras, Iam na face trêmulos — beijá-la.
Era um quadro celeste!... A cada afago
Mesmo em sonhos a moça estremecia... Quando ela serenava... a flor beijava-a... Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...
Dir-se-ia que naquele doce instante
Brincavam duas cândidas crianças... A brisa, que agitava as folhas verdes, Fazia-lhe ondear as negras tranças!
E o ramo ora chegava ora afastava-se...
Mas quando a via despeitada a meio, Pra não zangá-la... sacudia alegre Uma chuva de pétalas no seio...
Eu, fitando esta cena, repetia
Naquela noite lânguida e sentida: "Ó flor! - tu és a virgem das campinas! "Virgem! - tu és a flor de minha vida!..." (Castro Alves) Meus oito anos
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida, Da minha infância querida Que os anos não trazem mais ! Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais !
Como são belos os dias
Do despontar da existência ! – Respira a alma inocência Como perfumes a flor; O mar é – lago sereno, O céu – um manto azulado, O mundo – um sonho dourado, A vida – um hino d’amor !
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia Naquela doce alegria, Naquele ingênuo folgar ! O céu bordado d’estrelas, A terra de aromas cheia, As ondas beijando a areia E a lua beijando o mar !
Oh ! dias de minha infância !
Oh ! meu céu de primavera ! Que doce a vida não era Nessa risonha manhã ! Em vez de mágoas de agora, Eu tinha nessas delícias De minha mãe as carícias E beijos de minha irmã !
Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito, De camisa aberta ao peito, – Pés descalços, braços nus – Correndo pelas campinas À roda das cachoeiras, Atrás das asas ligeiras Das borboletas azuis !
Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas, Trepava a tirar as mangas, Brincava à beira do mar; Rezava às Ave-Marias, Achava o céu sempre lindo, Adormecia sorrindo, E despertava a cantar !
Oh ! que saudades que eu tenho
Da aurora da minha vida Da minha infância querida Que os anos não trazem mais ! – Que amor, que sonhos, que flores, Naquelas tardes fagueiras À sombra das bananeiras, Debaixo dos laranjais ! (Casimiro de Abreu) Adeus, meus sonhos!
Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!
Não levo da existência uma saudade! E tanta vida que meu peito enchia Morreu na minha triste mocidade!
Misérrimo! Votei meus pobres dias
À sina doida de um amor sem fruto, E minh'alma na treva agora dorme Como um olhar que a morte envolve em luto.
Que me resta, meu Deus? Morra comigo
A estrela de meus cândidos amores, Já não vejo no meu peito morto Um punhado sequer de murchas flores! (Álvares de Azevedo) 3ª geração
O navio negreiro [...] [...]
Era um sonho dantesco... o tombadilho Senhor Deus dos desgraçados!
Que das luzernas avermelha o brilho. Dizei-me vós, Senhor Deus! Em sangue a se banhar. Se é loucura... se é verdade Tinir de ferros... estalar de açoite... Tanto horror perante os céus?! Legiões de homens negros como a noite, Ó mar, por que não apagas Horrendos a dançar... Co'a esponja de tuas vagas De teu manto este borrão?... Negras mulheres, suspendendo às tetas Astros! noites! tempestades! Magras crianças, cujas bocas pretas Rolai das imensidades! Rega o sangue das mães: Varrei os mares, tufão! Outras moças, mas nuas e espantadas, No turbilhão de espectros arrastadas, Quem são estes desgraçados Em ânsia e mágoa vãs! Que não encontram em vós Mais que o rir calmo da turba E ri-se a orquestra irônica, estridente... Que excita a fúria do algoz? E da ronda fantástica a serpente Quem são? Se a estrela se cala, Faz doudas espirais ... Se a vaga à pressa resvala Se o velho arqueja, se no chão resvala, Como um cúmplice fugaz, Ouvem-se gritos... o chicote estala. Perante a noite confusa... E voam mais e mais... Dize-o tu, severa Musa, Musa libérrima, audaz!... Presa nos elos de uma só cadeia, A multidão faminta cambaleia, São os filhos do deserto, E chora e dança ali! Onde a terra esposa a luz. Um de raiva delira, outro enlouquece, Onde vive em campo aberto Outro, que martírios embrutece, A tribo dos homens nus... Cantando, geme e ri! São os guerreiros ousados Que com os tigres mosqueados No entanto o capitão manda a manobra, Combatem na solidão. E após fitando o céu que se desdobra, Ontem simples, fortes, bravos. Tão puro sobre o mar, Hoje míseros escravos, Diz do fumo entre os densos nevoeiros: Sem luz, sem ar, sem razão. . . “Vibrai rijo o chicote, marinheiros! Fazei-os mais dançar!...” [...]