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ROMANTISMO BRASILEIRO – ANTOLOGIA POÉTICA

1ª geração

Canção do exílio

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,


Que tais não encontro eu cá;
Em cismar ─ sozinho, à noite ─
Mais prazer eu encontro lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que disfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
(Gonçalves Dias)
O estandarte auriverde

Ao Brasil

Bela escultura de luz, diamante fúlgido


Da coroa de Deus, pérola fina
Dos mares do ocidente,
Oh! como altiva sobre nuvens de ouro
A fronte elevas afogando em chamas
O velho continente!

A Itália meiga que ressona lânguida


Nos coxins de veludo adormecida
Como a escrava indolente;
A França altiva que sacode as vestes
Entre o brilho das armas e as legendas
De um passado fulgente;

A Rússia fria – Mastodonte eterno!


Cuja cabeça sobre os gelos dorme,
E os pés ardem nas fráguas;
A Bretanha insolente que expelida
De seus planos estéreis se arremessa
Mordendo-se nas águas;

A Espanha túrbida; a Germânia em brumas;


A Grécia desolada; a Holanda exposta
Das ondas ao furor...
Uma inveja teu céu, outra teu gênio,
Esta a riqueza, a robustez aquela,
E todas o valor!

Oh! terra de meu berço, oh! pátria amada,


Ergue a fronte gentil ungida em glórias
De uma grande nação!
Quando sofre o Brasil, os brasileiros
Lavam as manchas, ou debaixo morrem
Do santo pavilhão!...
(Fagundes Varela)
Leito de folhas verdes

Por que tardas, Jatir, que tanto a custo


À voz do meu amor moves teus passos?
Da noite a viração, movendo as folhas,
Já nos cimos do bosque rumoreja.

Eu sob a copa da mangueira altiva


Nosso leito gentil cobri zelosa
Com mimoso tapiz de folhas brandas,
Onde o frouxo luar brinca entre flores.

Do tamarindo a flor abriu-se, há pouco,


Já solta o bogari mais doce aroma!
Como prece de amor, como estas preces,
No silêncio da noite o bosque exala.

Brilha a lua no céu, brilham estrelas,


Correm perfumes no correr da brisa,
A cujo influxo mágico respira-se
Um quebranto de amor, melhor que a vida!

A flor que desabrocha ao romper d'alva


Um só giro do sol, não mais, vegeta:
Eu sou aquela flor que espero ainda
Doce raio do sol que me dê vida.

Sejam vales ou montes, lago ou terra,


Onde quer que tu vás, ou dia ou noite,
Vai seguindo após ti meu pensamento;
Outro amor nunca tive: és meu, sou tua!

Meus olhos outros olhos nunca viram,


Não sentiram meus lábios outros lábios,
Nem outras mãos, Jatir, que não as tuas
A arazóia na cinta me apertaram.

Do tamarindo a flor jaz entreaberta,


Já solta o bogari mais doce aroma
Também meu coração, como estas flores,
Melhor perfume ao pé da noite exala!
Não me escutas, Jatir! nem tardo acodes
À voz do meu amor, que em vão te chama!
Tupã! lá rompe o sol! do leito inútil
A brisa da manhã sacuda as folhas!
(Gonçalves Dias)
2ª geração

Soneto

Pálida à luz da lâmpada sombria,


Sobre o leito de flores reclinada,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria


Pela maré das águas embalada!
Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando


Negros olhos as pálpebras abrindo
Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!


Por ti - as noites eu velei chorando,
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
(Álvares de Azevedo)
Adormecida

Uma noite, eu me lembro... Ela dormia


Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste


Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,


Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos — beijá-la.

Era um quadro celeste!... A cada afago


Mesmo em sonhos a moça estremecia...
Quando ela serenava... a flor beijava-a...
Quando ela ia beijar-lhe... a flor fugia...

Dir-se-ia que naquele doce instante


Brincavam duas cândidas crianças...
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças!

E o ramo ora chegava ora afastava-se...


Mas quando a via despeitada a meio,
Pra não zangá-la... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio...

Eu, fitando esta cena, repetia


Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas!
"Virgem! - tu és a flor de minha vida!..."
(Castro Alves)
Meus oito anos

Oh ! que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias


Do despontar da existência !
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor !

Que auroras, que sol, que vida,


Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar !
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar !

Oh ! dias de minha infância !


Oh ! meu céu de primavera !
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã !
Em vez de mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã !

Livre filho das montanhas,


Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberta ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos


Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo,
E despertava a cantar !

Oh ! que saudades que eu tenho


Da aurora da minha vida
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
– Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !
(Casimiro de Abreu)
Adeus, meus sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!


Não levo da existência uma saudade!
E tanta vida que meu peito enchia
Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias


À sina doida de um amor sem fruto,
E minh'alma na treva agora dorme
Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus? Morra comigo


A estrela de meus cândidos amores,
Já não vejo no meu peito morto
Um punhado sequer de murchas flores!
(Álvares de Azevedo)
3ª geração

O navio negreiro
[...] [...]

Era um sonho dantesco... o tombadilho Senhor Deus dos desgraçados!


Que das luzernas avermelha o brilho. Dizei-me vós, Senhor Deus!
Em sangue a se banhar. Se é loucura... se é verdade
Tinir de ferros... estalar de açoite... Tanto horror perante os céus?!
Legiões de homens negros como a noite, Ó mar, por que não apagas
Horrendos a dançar... Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Negras mulheres, suspendendo às tetas Astros! noites! tempestades!
Magras crianças, cujas bocas pretas Rolai das imensidades!
Rega o sangue das mães: Varrei os mares, tufão!
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas, Quem são estes desgraçados
Em ânsia e mágoa vãs! Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
E ri-se a orquestra irônica, estridente... Que excita a fúria do algoz?
E da ronda fantástica a serpente Quem são? Se a estrela se cala,
Faz doudas espirais ... Se a vaga à pressa resvala
Se o velho arqueja, se no chão resvala, Como um cúmplice fugaz,
Ouvem-se gritos... o chicote estala. Perante a noite confusa...
E voam mais e mais... Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia, São os filhos do deserto,
E chora e dança ali! Onde a terra esposa a luz.
Um de raiva delira, outro enlouquece, Onde vive em campo aberto
Outro, que martírios embrutece, A tribo dos homens nus...
Cantando, geme e ri! São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
No entanto o capitão manda a manobra, Combatem na solidão.
E após fitando o céu que se desdobra, Ontem simples, fortes, bravos.
Tão puro sobre o mar, Hoje míseros escravos,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros: Sem luz, sem ar, sem razão. . .
“Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!...” [...]

(Castro Alves)

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