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AMOR
Álvares de Azevedo Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores.
Amemos! quero de amor Se viveu, foi por ti! e de esperança
Viver no teu coração! De na vida gozar de teus amores.
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão! Beijarei a verdade santa e nua,
Na tu'alma, em teus encantos Verei cristalizar-se o sonho amigo.
E na tua palidez Ó minha virgem dos errantes sonhos,
E nos teus ardentes prantos Filha do céu, eu vou amar contigo!
Suspirar de languidez!
Descansem o meu leito solitário
Quero em teus lábios beber Na floresta dos homens esquecida,
Os teus amores do céu! À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
Quero em teu seio morrer Foi poeta - sonhou - e amou na vida.
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança! SONETO
Quero tremer e sentir! Álvares de Azevedo
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir! Pálida à luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinada,
Vem, anjo, minha donzela, Como a lua por noite embalsamada,
Minh'alma, meu coração... Entre as nuvens do amor ela dormia!
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração! Era a virgem do mar, na escuma fria
E entre os suspiros do vento, Pela maré das águas embalada!
Da noite ao mole frescor, Era um anjo entre nuvens d'alvorada
Quero viver um momento, Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Morrer contigo de amor!
Era a mais bela! Seio palpitando...
LEMBRANÇAS DE MORRER Negros olhos as pálpebras abrindo...
Álvares de Azevedo Formas nuas no leito resvalando...
Eu deixo a vida como deixa o tédio Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Do deserto, o poento caminheiro, Por ti - as noites eu velei chorando,
- Como as horas de um longo pesadelo Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;
MEU SONHO
Como o desterro de minh’alma errante, Álvares de Azevedo
Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos EU
Que amorosa ilusão embelecia. Cavaleiro das armas escuras,
Onde vais pelas trevas impuras
Só levo uma saudade - é dessas sombras Com a espada sanguenta na mão?
Que eu sentia velar nas noites minhas. Por que brilham teus olhos ardentes
De ti, ó minha mãe, pobre coitada, E gemidos nos lábios frementes
Que por minha tristeza te definhas! Vertem fogo do teu coração?
E pelos imos ossos me refoge Não mais! A areia tem corrido, e o livro
Não sei que fio elétrico. Eis! sou livre! De minha infanda história está completo!
O corpo que foi meu! que lodo impuro! Pouco tenho de ansiar! Um passo ainda
Caiu, uniu-se à terra. E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
CÂNTICO DO CALVÁRIO Ainda um treno, e o vendaval sem freio
À memória de meu filho, morto a 11 de dezembro de Ao soprar quebrará a última fibra
1863. Da lira infausta que nas mãos sustento!
Fagundes Varela Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei! O lago escuro
Eras na vida a pomba predileta Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Que sobre um mar de angústias conduzia Miram-se as larvas fúnebres do estrago!
O ramo da esperança. — Eras a estrela Por toda a parte em que arrastei meu manto
Que entre as névoas do inverno cintilava Deixei um traço fundo de agonias! ...
Apontando o caminho ao pegureiro.
Eras a messe de um dourado estio. Oh! quantas horas não gastei, sentado
Eras o idílio de um amor sublime. Sobre as costas bravias do Oceano,
Eras a glória, — a inspiração, — a pátria, Esperando que a vida se esvaísse
O porvir de teu pai! — Ah! no entanto, Como um floco de espuma, ou como o friso
Pomba, — varou-te a flecha do destino! Que deixa n’água o lenho do barqueiro!
Astro, — engoliu-te o temporal do norte! Quantos momentos de loucura e febre
Teto, caíste! — Crença, já não vives! Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
Correi, correi, oh! lágrimas saudosas, E procurando nessas vozes torvas
Legado acerbo da ventura extinta, Distinguir o meu cântico de morte!
Dúbios archotes que a tremer clareiam Quantas noites de angústias e delírios
A lousa fria de um sonhar que é morto! Não velei, entre as sombras espreitando
Correi! Um dia vos verei mais belas A passagem veloz do gênio horrendo
Que os diamantes de Ofir e de Golgonda Que o mundo abate ao galopar infrene
Fulgurar na coroa de martírios Do selvagem corcel? ... E tudo embalde!
Que me circunda a fronte cismadora! A vida parecia ardente e douda
São mortos para mim da noite os fachos, Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas, Tão puro ainda, ainda n’alvorada,
E à vossa luz caminharei nos ermos! Ave banhada em mares de esperança,
Estrelas do sofrer, — gotas de mágoa, Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Brando orvalho do céu! — Sede benditas! Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Oh! filho de minh’alma! Última rosa
Que neste solo ingrato vicejava! Ah! quando a vez primeira em meus cabelos
Minha esperança amargamente doce! Senti bater teu hálito suave;
Quando as garças vierem do ocidente Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Buscando um novo clima onde pousarem, Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados, A bênção do Senhor quando o deixaste!
Abismos de inocência e de candura, Sobre o teu corpo a chusma dos anjinhos,
E baixo e a medo murmurei: meu filho! Filhos do éter e da luz, voavam,
Meu filho! frase imensa, inexplicável, Riam-se alegres, das caçoilas níveas
Grata como o chorar de Madalena Celeste aroma te vertendo ao corpo!
Aos pés do Redentor ... ah! pelas fibras E eu dizia comigo: — teu destino
Senti rugir o vento incendiado Será mais belo que o cantar das fadas
Desse amor infinito que eterniza Que dançam no arrebol, — mais triunfante
O consórcio dos orbes que se enredam Que o sol nascente derribando ao nada
Dos mistérios do ser na teia augusta! Muralhas de negrume! ... Irás tão alto
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos! Como o pássaro-rei do Novo Mundo!
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria! Ai! doudo sonho! ... Uma estação passou-se,
Cegou-me tanta luz! Errei, fui homem! E tantas glórias, tão risonhos planos
E de meu erro a punição cruenta Desfizeram-se em pó! O gênio escuro
Na mesma glória que elevou-me aos astros, Abrasou com seu facho ensanguentado
Chorando aos pés da cruz, hoje padeço! Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
O som da orquestra, o retumbar dos bronzes, Dos sinistros impérios de além-mundo
A voz mentida de rafeiros bardos, Com seu dedo real selou-te a fronte!
Torpe alegria que circunda os berços Inda te vejo pelas noites minhas,
Quando a opulência doura-lhes as bordas, Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Não te saudaram ao sorrir primeiro, Creio-te vivo, e morto te pranteio! ...
Clícia mimosa rebentada à sombra!
Mas ah! se pompas, esplendor faltaram-te, Ouço o tanger monótono dos sinos,
Tiveste mais que os príncipes da terra! E cada vibração contar parece
Templos, altares de afeição sem termos! As ilusões que murcham-se contigo!
Mundos de sentimento e de magia! Escuto em meio de confusas vozes,
Cantos ditados pelo próprio Deus! Cheias de frases pueris, estultas,
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam, O linho mortuário que retalham
E o gênio esmagam dos soberbos tronos, Para envolver teu corpo! Vejo esparsas
Trocariam a púrpura romana Saudades e perpétuas, — sinto o aroma
Por um verso, uma nota, um som apenas Do incenso das igrejas, — ouço os cantos
Dos fecundos poemas que inspiraste! Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra!... E choro embalde.
Que belos sonhos! Que ilusões benditas!
Do cantor infeliz lançaste à vida, Mas não! Tu dormes no infinito seio
Arco-íris de amor! Luz da aliança, Do Criador dos seres! Tu me falas
Calma e fulgente em meio da tormenta! Na voz dos ventos, no chorar das aves,
Do exílio escuro a cítara chorosa Talvez das ondas no respiro flébil!
Surgiu de novo e às virações errantes Tu me contemplas lá do céu, quem sabe,
Lançou dilúvios de harmonias! — O gozo No vulto solitário de uma estrela,
Ao pranto sucedeu. As férreas horas E são teus raios que meu estro aquecem!
Em desejos alados se mudaram. Pois bem! Mostra-me as voltas do caminho!
Noites fugiam, madrugadas vinham, Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas sepultado num prazer profundo Mas não te arrojes, lágrima da noite,
Não te deixava o berço descuidoso, Nas ondas nebulosas do ocidente!
Nem de teu rosto meu olhar tirava, Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Nem de outros sonhos que dos teus vivia! Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Como eras lindo! Nas rosadas faces Por onde asinha subirá minh’alma.
Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, — nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
ESTÂNCIAS
Fagundes Varela