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Vinte e Dois de Agosto

Júlia da Costa
Envolta do respeito e amor nos véus.
Surge, surge, ó dia amado!
Com teu lúcido clarão
Vem recordar à minh’alma
A mais celeste afeição!

Abre-me o seio que guarda


Tantos encantos e amor!
Quero sentir bela a vida
Em teu poético albor.

Do oriente a linda estrela


Mais brilho tem neste dia!
E das ondas o lamento
Tem mais doçura e poesia!

Pois foi nele... neste dia


Que nasceu, quem neste mundo,
Tão insano e tão mendace,
Me consagra amor profundo.

Aquela que no meu berço


Formosa se debruçou!
E n’um dia que eu chorava
— Filha! Filha! — me chamou!

Aquela que ensinou-me


A venerar o meu Deus!
E à Virgem Santa que vela
Por meu futuro — nos céus!

Aquela, sim! Que ainda hoje


Me consagra santo amor
— Minha Mãe! Anjo de Deus!
Que me adora com fervor!

Estrela do céu, formosa,


Que nesta vida me guias,
Recebe um canto singelo,
Repassado de harmonias.

Recebe da filha meiga


Onde transluz tua imagem,
No dia em que fazes anos,
Uma sincera homenagem!

Não tenho nada p’ra dar-te!...


Nem sequer rosada flor!
Só tenho n’alma a poesia,
Só tenho no peito a dor!

Mas minha vida, meu estro,


A ti pertencem somente!
Neste dia majestoso
Que decanto docemente!

O que é Vida?
Júlia daa da Costa
Como do raio o lampejar luzente
Desenha formas n’amplidão do céu,
Assim da vida a empalecida chama
Formas desenha n’um mentido véu!

A vida, a vida, o que é ela?


— Devesa curta e espinhosa,
Estéril por natureza,
Sem luz, sem ar, sem verdura!
Estrada de peregrinos
Que de cansaço adormecem
No leito da desventura!

Tanta vaidade e luxúria,


Tanta malícia na terra,
Só de vapores formada!
— Ao sopro do Eterno Deus
Tudo s’esvai n’um momento!
Como do mar um lamento
Buscando abrigo nos céus!

A vida, a vida, que é ela,


Incauto e pobre mortal?
Apenas átomo frágil
Da fina areia do chão?
A vida, a vida, que é ela?
— Pálida sombra de um dia
Levada pelo tufão!

Tanta impiedade no mundo


Por base tendo a vaidade!
Tanta maldade envolvida
Nos mantos da singeleza!
Tanta ambição, tanta lida!
E um dia vem sepultar-nos
Da lousa na morbideza!

A vida, a vida, o que é ela?


— Devesa curta e espinhosa,
Estéril por natureza,
Sem luz, sem ar, sem verdura!
Estrada de peregrinos
Que de fadiga adormecem
No leito da desventura!

Despe, mortal, teu orgulho,


E encara a vida, qual é;
Que como a flor que definha
Do vendaval ao bramido
Assim tombado ao sepulcro
Hás de te finar também!
Sem ter no peito um gemido,
Que possa remir-te à Fé!

Tristeza
Júlia da Costa
Pálida lua
Nos céus flutua,
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!

Na rama verde
Soluça a rola,
Pelo consorte
Idolatrado:
E o cedro altivo
A fronte dobra,
Pelos tufões
Desarraigado!

Propícias horas,
Meigas, douradas,
Ternas e doces
São p’ra sonhar!
Mas eu não quero
Sonhos mentidos!
Quero somente
Mesta cismar!

Nas densas trevas


Da vida minha,
Na aurora triste
Do meu futuro,
Cismar eu quero
Sozinha e muda,
Qual flor das águas
No mar escuro!

Pálida lua
Nos céus flutua!
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!

Ah, vem tristeza;


Meu anjo amado,
De luz divina,
De ameno odor!
Vem em meus braços
Dormir tranqüila,
Teu leve sono
De casto amor!

Vem, em meu seio


De virgem pura
Roçar tua fronte
Com doce enleio!
Oh! vem tristeza,
Meu anjo lindo!
Pousar-me n’alma
Sem um receio!

Sou inocente;
não tenhas medo —
Que o teu segredo
Busque saber:
Da noite as trevas
Tem mil mistérios!
Tem mil segredos
No seu gemer!

Porém minh’alma
É um livro em branco,
Sem um arcano
Ter no palor!
Sombrio ermo,
Na crença virgem
Só tem perfume,
Casto verdor!

A um Beija-flor
Beija-flor, meigo, engraçado,
Perfumado,
Como um sonho de ventura,
Vem das folhas de meus cantos
Doces, santos,
Deleitar-me na frescura!

Não te temo a inconstância,


Que a fragrância
De meus hinos tem condão!
Beija-flor, ai, vem ligeiro,
Feiticeiro,
Ler meus versos com paixão!
Tu tão vário e inconstante,
Um só instante,
Vem olhar o pranto meu!
Que pungente e entristecido
Qual gemido
Vai turbar o sono teu!

Por que foges, por que voas,


E revoas
Junto a mim com emoção?
Tu a ave predileta,
Tão dileta,
Das florinhas do verão?

Beija-flor, ai, que suspiro


No teu giro
Tu desprendes vaporoso?
Ai que nuvem pensativa,
Fugitiva,
Turba teu Éden formoso?

Beija-flor, ai, que tristeza


Na lindeza
Do teu brilho se mistura?
Por que foges, por que voas,
E revoas
Da floresta na espessura?

Que mistério, que segredo,


Vem tão cedo
Envolver-se em teu folgar?
Tu a imagem das inconstância
Que com ânsia
Te perdias a adejar?

Beija-flor, ai, que mudança


Na folgança
Dos teus vôos d’alvorada?
Que véu lindo e estremecido
Umedecido
Traz tu’asa acobertada?

Qu’é do teu prazer d’outr’ora


Quando a aurora
Seus arcanos desvendava?
Que é do teu voar ligeiro
Prazenteiro
Quando o céu se iluminava?

Por que pairas no deserto,


Triste e incerto,
Como a imagem da saudade!
Por que deixas teus brinquedos,
Teus folguedos,
Só buscando a soledade?
Beija-flor, meigo, engraçado,
Perfumado,
Como um sonho de ventura;
Vem das folhas de meus cantos
Doces, santos,
Deleitar-te na frescura!

Medo e Pena
Tenho medo do raio da alvorada
Que na fronte me pousa alegremente,
Tenho medo da sombra do crepúsculo
Que nas cismas me lança tristemente.
Tenho pena dos dias azulados
Na manhã de meus anos olorosa!
Quando as sombras da noite sonolentas
Se espreguiçam na selva pavorosa!

Tenho medo da vida e mocidade


Que me pulsa a ferver no coração!
Tenho pena do tempo que se escoa,
Tenho medo, meu Deus, da solidão!
Da nitente alvorada tenho pena!
O vôo seu quisera equilibrar!
Tenho pena das aves que modulam
Na palmeira deserta o seu trinar!

Tenho pena de tudo! até dos sonhos


Que vêm lentos pousar em meu cismar!
Dos prestígios dourados de criança,
Da luz baça e tristonha do luar!
Tenho medo de tudo que é presente!
Tenho pena de tudo que é passado!
— O presente é uma flor cheia d’espinhos,
O passado — um perfume evaporado!

Tenho pena da brisa matutina


Que no seio dos mares estremece;
Tenho pena da luz enamorada
Que no centro dos bosques desaparece!
Tenho medo da morte, e tenho pena
Desta nuvem doirada que me alenta,
Da gentil mocidade que me cinge,
E que em berço de musgo me acalenta!

Tenho medo que a flor de minha vida


Vá tombada na lousa emurchecer!
Tenho medo da voz das tempestades!
Tenho medo, meu Deus, do escurecer!
Tenho medo de tudo que é presente!
Tenho pena de tudo que é passado!
— O presente é uma flor cheia de espinhos,
O passado, um perfume evaporado!
A um Jasmim
Júlia da Costa
Branco jasmim, és tão lindo
Entre aromas a sorrir,
Qual doce estrela formosa
Do céu no prado a fulgir!

Tão lindo que me fascinas


A mim, a isenta, e vaidosa!
Tão belo que m’eletrizas
Com tua folha odorosa!

Tu és, poético e meigo


Como um trovar namorado!
Ou prelúdios alta noite
D’um cantor apaixonado!
Tu és romântico e puro
Como um amor inocente
Dos anjos castos do Empíreo
Medroso e não veemente!

Tu és ó brando jasmim,
A flor do meu cogitar!
Nascida, amada e afagada
Nas tardes do meu sonhar!

Flor dos anjos, descorada


Inebriada de amor!
Vem pousar sobre meu seio,
Virgem inda em seu ardor!

Vem, jasmim alvinitente,


Quero alentar teu viver!
Deixa as outras flores meigas
Vem meus tristes versos ver!

Apaga as lâmpadas puras


Do teu folgar na campina!
E deixa somente a estrela
Que te sorri, matutina!

Deixa as auras, brandas liras


Que te inebriam de amor!
Que eu tenho cantos p’ra dar-te
Sublimes, só de candor!

À Nuvem
Clara nuvem que corres no espaço
Entre um tíbio, mentido esplendor,
Onde vais desvairada e sem norte
Já perdendo o nativo candor?
Qual a ave fugida do ninho,
Qual um beijo ligeiro de amor?
P’ra que climas longínquos te volves
Com tão diva e gentil formosura?
Sobre as asas da brisa levada,
Tão serena, tão lépida e pura?
Inconstante, volúvel, sem pena
De deixar de teu céu a lisura!?

Ai! Não corras sem tento na esfera,


Não desprezes teu leito dourado!
Não te atires louquinha nos ares
A seguir esse bafo encantado,
Que de brisa fingindo a doçura
Pode em euro tornar-se enraivado!

Ai! Não queiras subir mais distante,


Que bem alta, bem longe, já estás!
Renegando teu berço, qu’é a terra,
Sobre o berço do céu brincarás!
Mas querendo escolher outro leito
Tênue fumo decerto serás!

Tu celeste não és, és terrena,


E portanto não queiras subir!
Vê que quanto mais alto se sobe
Mais se deve temer o cair!
Deixa a louca vaidade, não ouses
Condição mais brilhante exigir!

Não te ufanes co’as lúcidas cores


Que te empresta d’aurora o albor!
Ai não julgues que és d’ouro formada,
Que sem raios do sol és vapor:
E tu vales fulgindo no espaço
Quanto vale na terra uma flor!

Ai! Não corras sem tento no espaço!


Não te prenda d’arage’ a fragrância!
Vê que ela é inconstante e traidora
Com os seus companheiros d’infância!
Não desprezes teu leito macio,
Não te atires nos ares com ânsia!

A Órfã
Júlia da Costa
Pobre órfã, por que gemes
Da noite na escuridade?
Se ninguém entender pode
O teu grito d’orfandade!?
Ai! triste de quem é órfã!
De pranto amargo e gelado
O berço regado tem!
Qual branco lírio orvalhado
Ao pé de um ermo sombrio
De abrolhos duros cercado.

Ai! triste de quem é órfã!


De quem não tem proteção!
Pisada flor sem espinhos,
Mirrada rosa em botão!
Chorando triste os seus males
Na verde negra soidão!

Pávida noite sem luzes,


Sumida estrela de alvor;
Formosa e casta açucena
De frouxo e baço palor,
Tal é imagem da órfã
Sem achar um protetor!
Implume e fraca avezinha
Do pátrio ninho banida,
Soluça triste na terra
Qual vibração que perdida
Vagueia de serra à serra
De todo o mundo esquecida!...

Compulsa a órfã sua lira


E eleva a voz docemente!
Sorriem — deuses do Olimpo,
Sorri a terra dormente!
Porém que é triste seu canto
Chorosa rola o presente!

E todos dizem — É pena


Tão linda trova de amor
Em alaúde tão pobre,
Que lhe arrefece o ardor!
Queremos ouro e não rosas
Embora tenham odor!

E a órfã chorosa e triste


Embora casta e mimosa
Sem pai, sem berço, sem sorte,
Qual hera branda e viçosa,
Sem ter apoio emurchece
D’amor em balsa odorosa!

Ai! triste de quem é órfã!


De quem não tem proteção!
Pisada flor sem espinhos,
Mirrada rosa em botão!
Chorando triste seus males
Em verde negra solidão!
Em prantos no leito, desfolha-o sem pena...
Seu anjo da guarda chamando chorosa!
Porém lhe respondem só prantos doridos
Da rola do bosque que geme queixosa!

E a linda roseira que deu-lhe perfumes


As folhas estende n’um berço de relva!
E o sonho de virgem oculta nas pétalas,
Oculta nas rosas que pendem na selva!

Sinhá
Por entre as tênues vibrações chorosas
D’esta minh’alma confrangida e triste
Repete o estro meu teu nome caro
Que fundo no coração gravado existe.

Quando a lua entre rendas se debruça


Sobre o céu d’um azul místico e lindo
E se mira à corrente
Quando a ave da noite apavonada
Entre os cantos sentidos da natura
Pipita tristemente;

Quando a aragem da noite, que, adejando


Diz às flores segredos, um suspiro
Vai no espaço soltar;
E um arfar perfumado, um doce hino,
Vem donoso roçar-me pelas faces,
Das vagas no quebrar;

Eu te vejo, — visão da madrugada


Que entre sonhos sorri-me docemente —
Eu te vejo, sinhá!
Assim, qual divo arcanjo em véus envolto
Fragrantes florzinhas espargindo
Que na terra não há!

Então meu estro despertando treme...


Qual florinha ao roçar tímido e doce
Da brisa serenada!
Esquece o mundo — a existência — e só teu nome
Vem saudoso pousar sobre minh’alma
Tristonha e amargurada!

Minh’alma é o mesto alcíon que em brando lago


Busca alívio ao sofrer, trégua ao martírio,
De penoso existir!
E é tua imagem meiga quem sorri-me
Retratando o passado! — e na minh’alma
Saudades — a exprimir!

Como aljôfar celeste que tremula


D’uma flor sobre as folhas de veludo,
À luz da madrugada,
Assim teu nome vem filtrar no peito
Um sentir que inebria... uma saudade
De gozos retocada!

Por que gemes?


Não mais chores o tempo passado
Que a tormenta da vida levou! 

Oh! meu anjo! meu hino primeiro


Que douraste meu sonho infantil,
Por que choras de longe meu fado
Sobre as vagas tingidas de anil?

Oh! arcanjo inocente, que amaste


Minha aurora feliz ao nascer,
Por que pendes a fronte orvalhada
Pelos prantos de acerbo sofrer?

Quando a noite tristonha seu manto


Desenrola na vasta amplidão,
Por que choras, desmaias, soluças,
Como o eco da triste soidão?

O bramido do mar que esmorece,


E o gemido da folha que cai,
Por que choram contigo meus dias
Quando a luz matutina se esvai?

Por que corres de mim pressuroso


E nas ondas te vais mergulhar?
Como a luz duvidosa de um astro
Que vai lento no mar se ocultar?

O bramido do mar que esmorece,


E o gemido da folha que cai,
Por que choram contigo meus dias
Quando a luz matutina se esvai?

Emudece! que a lira da infância


Já quebrada, não tem harmonia!
Os meus sonhos de moça despontam...
Não te envolvas na sua alegria!

Emudece! que a nuvem ligeira


Que em criança, sorriu-te, passou!
—Baça estrela pousada entre flores
Em lugar dessa nuvem ficou!

Não lamentes a luz funerária


Que iluminava meu fado no mundo!
Que te importa meu pranto sentido?
Que te importa meu sono profundo?

Não enlutes com vagos lamentos


Os castelos que formo no ar!
A criança d’outrora sumiu-se,
Meiga virgem tomou seu lugar!
Da donzela o fanal luminoso
O teu nome gentil ofuscou!
Não mais chores o tempo passado
Que a tormenta da vida levou!
Escuta
Ai! triste de quem não tem
No seu exílio escabroso
Ninguém! Ninguém!

Nunca ouviste as notas várias


Solitárias
Que solta mágica flauta
Quando a lua empalecida
Enternecida
Sobre as águas se retrata?

Nunca viste a flor do prado


Rorejado
Pelo orvalho da manhã,
Desmaiar ao sol lascivo,
Áureo, vivo,
Que vai beijá-la louçã?

Pois como o som afligido,


Ressentido
Que solta a flauta no ar,
Assim é o meu lamento,
Solto ao vento,
N’uma noite de luar!

E como a flor perfumada


Desbotada,
Que esmorece ao sol d’abril,
Assim é esta minh’alma!
Que sem calma
Sofre dores mais de mil!

Pobre romeira sem guia


Noite e dia,
Sempre, sempre a caminhar!
Olho o porvir tão distante!
Tão distante
Que duvido de o alcançar!

Fito o viver... pesaroso!


Nebuloso!
É procela em alto mar!
Olho as águas vejo horrores!
E só dores
Vêm meu seio agitar!

À sombra a sós dos palmares


Nestes lares
Onde vivo entristecida,
Sou como a rola coitada,
Desprezada,
Longe dos seus sem guarida!

A débil erva na margem...


Minha imagem!
Deste mundo sobre o mar!
Fito as ondas... tenho medo!
Vendo-as cedo
Nascer, crescer, rebentar!

Triste da órfã, coitada!


Desgarrada
Folha d’um cedro senhor...
Canto d’um livro doirado
Escapado
Entre mágoas, ais, e dor...

Triste da órfã inocente!


Que tremente
Na folha pálida e fria
Do seu funéreo passado,
Amargurado,
Só vê a melancolia!

Flor desbotada e singela


Da capela
De um ataúde arrancada!
Onde abrigar-se estrangeira,
Se na beira
D’estranho lago é jogada?

Se no reflexo de prata
Que recata
A superfície do lago,
Hórrido véu de tristeza,
De tristeza,
Não lhe dá um riso, afago?

Ai! não sabem o que é a vida


Umedecida
Pelos prantos da saudade!
E por cantos arrancados
Modulados
No alaúde da orfandade!

Não sabem, não! que a primeira


Lisonjeira
Flor que brota o coração,
Se a vestem galas na infância
Tem fragrância
Qual flor longe da soidão!

Porém se crepes, coitada,


Na alvorada
Tem do infantil viver,
Pende a fronte sobre a fria
Melancolia!
Fá-la saudade morrer!

Amandina
Desprende teus voos, criança celeste,
Procura os anjinhos irmãos de tu’alma!
As asas estende, eleva-te aos ares!
Traduz das estrelas a plácida calma!

Gentil Amandina, formosa criança,


Imagem insonte de brandos amores
No leito inocente, gentil, em que dorme
Um gênio invisível te c’roa de flres!
Na mágica harpa d’um Nume divino
Cantando teu berço de fúlgidas dores!

Celeste florzinha, colhida nos prados


Dos verdes elísios, bem vinda tu sejas!
Gentil Amandina, das auras banhada,
Que em vastas esferas de luzes adejas,
Desprende teus voos, mais alto te eleva!
Que são os teus climas os céus que desejas!

Ada
Pálido lírio de gentil devesa
Que meigo aroma na campina exalas,
Por que sereno de inocência cheio
De mim tão longe teu viver embalas?

Ada! Criança inocentinha e pura,


Anjinho loiro que adorei com ânsia,
Por que não vens me modular teus cantos
Da primavera na sutil fragrância?

Brilhante gênio, que a luzir nasceste


Sobre uma esfera de nitente cor,
Por que não vens me dar encanto à vida
Com teu sorriso de eternal candor?

Anjo da aurora, luminoso e belo,


Que me acenaste no infantil verdor,
Por que fugiste do oriente amado
Onde dos anos te sorria a flor?

Por que fugiste da solidão dos campos,


Tu, flor mimosa, por amor banhada,
Para viver entre fulgentes festas
Onde tem a malvadez morada?

Na Guanabara não serás ditosa!


Vale mais esta solidão querida!
— Aqui o afeto d’um amor perene,
Lá d’amizade voz talvez mentida!

Deixa esses hinos que por lá te prendem,


Ai, vem, não pares! Me sorrir fagueira!
Solta os anéis de teus cabelos d’ouro
E vem nos bosques ressurgir ligeira!

Vem! Que os arbusto deste prado extenso


Serão viçosos ao te ver voltar!
Serás a ninfa desta várzea linda,
Serás quem venha minha dor sanar?

Ai vem! Não pares, me sorrir fagueira!


Meu perfumado, meu virente lírio!
Que tua amiga devotada e triste
Quer abraçar-te n’um febril delírio!
Sinhazinha
(Imitação)
Te recorda de mim, quando a rola
Pipilando gemer na soidão?
Quando a vaga quebrar-se nas praias
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim quando a noite


O seu manto de dor desdobrar!
Quando a lua brilhar no horizonte
Ai! relembra meu triste penar!

Te recorda de mim, quando um canto


Mais plangente fugir n’amplidão!
Quando um’harpa vibrar melodias!
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim quando as aves


À tardinha cruzarem no ar!
Quando os goivos das tumbas penderem
Ai! relembra meu triste penar!

Te recorda de mim quando as folhas


Secas, murchas, caírem no chão!
Quando a brisa gemer no retiro
Ai! recorda a mais pura afeição!

Te recorda de mim! não me olvides!


Quando a lua nos céus fulgurar!
Que minh’alma a tu’alma ligada
Há de a lua também contemplar!

Melancolia
Nunca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudosos chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?

Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho


Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?

Nos arroubos celestes de tu’alma


Nunca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório e entristecido?

Pois como o som dorido, e o vago arrulho


Da pombinha que chora seu destino,
Desvairada, sem tino; —
É meu triste pensar pensando o berço
Em que dormiu menino!

E o céu é lindo! E a primavera vejo


Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!

E a natura trajando as brancas vestes


Do modesto noivado; — em mês d’abril
Como a flor a sorrir-se entre perfumes; —
Os seus braços me estende, tão gentil!

E o mundo remanseia brandamente,


Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! Seduz, fascina!
Imagem caprichosa!

Mas eu tristonha sou, bem como a estrela


Que sozinha cintila n’alvorada!
A saudade tornou minh’alma um lírio
Que descora de dor na madrugada!

Em que Cismas?
Em que cismas, criança? Por que curvas
Tua fronte gentil a suspirar?
Por que tremes anjinho vaporoso
Se a lua os olhos teus vão contemplar?
Por que teu peito assim tanto estremece?
Por que também teu rosto empalidece?
Por que teu canto, ó bela, s’estrintece
Do crepúsculo da tarde ao desmaiar?

Em que cismas, meu anjo? que tristeza


Prematura e cruel te roça o seio?
Por que teu riso como flor que murcha
Do albor da madrugada ao vago enleio?
Por que choras, criança? Quem da fronte
Foi maldoso turvar teu sonho insonte?
Por que é teu hino plangente como a fonte
Que murmureja n’um febril anseio?

Deslumbrante visão, luz da alvorada,


Toda cheia de aromas e esperanças,
Ergue das cismas tu fronte bela;
Folga n’um oceano de bonanças!
Trilha leda os caminhos luminosos
Do mais doce existir! Sonhos formosos
Entre prismas, celestes, venturosos,
Segredem-te canções puras e mansas!

Sorrindo às flores que tuas plantas juncam


Trilha rindo o caminho do viver!
Eleva, alma inocente, aos céus teus votos,
Que terás no viver almo prazer!
Do mundo foge? — que não há verdade
N’esse capôs de mentira e crueldade!
— E o tempo que há da vida à eternidade
A um anjo, qual tu és, breve há de ser!

Sonho
Ó pálida visão, onde te asilas
Que só vens entre névoas me acenar!
Por que foges de mim, quando desperto
Tua fronte buscando inda oscular?

Que noite linda de verão!— a lua


No orbe argênteo a fulgurar sorria!
E a araponga no sertão piava,
E o sino a ecoar se ouvia!

Na extensa listra da oriental safira


Ígnea estrela a transluzir brincava!
E o pardo mocho se esgueirava incerto
Para o cipreste que o luar dourava.

Quando eu a vi... bem como à vez primeira,


N’um banco verde recostada e triste!
Seus olhos tinham do horizonte as cores,
Se é que nele tal beleza existe!

Oh! vi-a, sim! — como fagueira imagem,


Visão d’um dia, a divinal criança!
Que me chamou ao despertar do dia
De irmã, no berço da suave esp’rança.

Sua trança loira, qual cendal doirado


Brincava ao vento n’um celeste enleio!
Ali no banco — de gentis verduras
Oh! como a aragem lhe beijava o seio!

Quis ir beijá-la... mas parei inerte


A um som choroso que p’ra mim soou!
Tremi de medo ao perpassar da brisa
Que meu semblante no gemer beijou!

A noite... a sombra... este silêncio, tudo!


Em coro horrível m’enfebrece a mente!
Fitando as árvores, vi a sombra erguida
Me procurando com sorrir plangente!

Senti, meu Deus, s’enregelar o sangue!


Caí na relva sem alento e vida!
— Ai que desperta — s’entinguira o sonho!
— Tão doce imagem para mim perdida!

Co’a face nívea rorejada ainda


Do orvalho doce que o sonhar me deu,
Eu despertei-me procurando em ânsia
Tão doce imagem no fulgir do céu!

Como ao proscrito na arenosa margem


No lar pensando a triste fronte cai,
Assim minh’alma do prazer banida
Soltou fitando aquela image’um ai.

E no transporte que me veio à alma


Julgando aquela — a sua irmã querida,
N’um doce enlevo me abracei á névoa
Que caprichosa perpassou sem vida.
Que linda noite de verão! A lua
No orbe argênteo a fulgurar sorria!
Quando eu a vi, a minha irmã querida,
Qual nuvem d’ouro ao desmaiar do dia!

Aco
Não tenho segredos! é pura minh’alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo — meus campos — meu solo — meu céu!

Cresci sobre um ermo tristonho e sombrio


Soltei nas campinas meu primo cantar!
Saudei nas montanhas o sol que nascia,
Brinquei entre moitas ao claro luar!

Sou jovem, sou meiga! sorri-me o futuro


Nas fímbrias doiradas de auroras de paz!
A flor das campinas só ama o infinito
Do céu das venturas... não quer nada mais!

As flores dos prados não causam-me inveja,


Que hei flores mimosas no meu coração!
Lauréis e grandezas, eu não, não aspiro!
Não quero ter gozo tão falso, tão vão!

Não tenho segredos! é pura minh’alma!


Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, tristonha ou alegre,
Só amo — meus campos — meu solo — meu céu!

Melodias
Quando o cendal desdobra a noite amena
E alfôjares desprende;
Quando o mar adormece o branco lírio
Na verde rama pende;

Quando a rola nos bosques seus queixumes


Exala entristecida,
Minh’alma ainda vigem sorve a tragos
Em doce taça a vida!

Então revoando o estro meu no mundo


Em um sonho de anelos,
Eu sinto-o renascer, cantar alegre
Os seus dias tão belos!

Depois corre o Universo... foge, voa...


E assim divagar
Roça apenas nas flores que o osculam,
No rápido girar!

Mas ao ver-te no céu mística estrela


De luzir vacilante,
Pára... treme... e tua luz o endoidecendo
Afaga-te constante!

E o que lhe dizes, farol baço da noite


Nessa luz frouxa e tíbia que derramas,
Pelas sarças florentes, que se inclinam
Do zéfiro ao passar?

Que divinal arcano ou que segredo


Em teu fulgor de melindroso enlevo,
Tão saudoso e tão tímido, repetes
Da tarde ao declinar?

Sempre tu, ambulante e pensativo


No meu Éden de amor tão florescente!
Sempre tu! sempre o mesmo enlevo triste
No teu vago brilhar!

Nos meus cantos e risos sempre um eco


Mais tristonho e vibrante! sempre um canto
Insondável p’ra mim! e sempre doce
Dás-me tu nova vida em novo pranto!

A linda aurora surge e frisa terna


Do oceano a argentina e linda face!
E tu surges p’ra mim tão merencória
No horizonte a brilhar?

Por que vens sempre assim entristecida?


Se meu pranto e meu riso te aborrecem,
Enxugarei do rosto o orvalho doce,
Deixarei de sorrir!

Se a causa, ó lua, de seu triste brilho


É meu riso ou meu pranto; de meus lábios
Limparei o retoque da saudade,
E sorrirei por ti!

Que és tu quem acalenta minha musa!


Elétrica faísca tua a queima!
Fazes minh’alma a delirar em sonhos
Fantasias formar!

Mas com esse palor que te circunda,


Com esse teu sorriso enregelado,
Sobre o éter, de flocos
revestida,
Tu me fazes morrer!...

Deixarei de sorrir, de verter pranto!


Serei mármor sem vida e sentimento!
Mas não quero te ver assim tão triste,
Ó lua, a fulgurar!

E quando o vento da noite soprar forte,


E quando o céu estrelado tenha encantos,
Vem, toma teu sólio — pranto ou riso
Não hás de em mim achar!

Mas tu hás de me dar risos sem gelo!


Hás de me dar fulgindo uma esperança!
E na celeste arcada um hino doce
Escreverás de amor!
Quero assim contemplar-te alegre e meiga,
De galas revestida!
Minh’alma, encontrará, assim te vendo,
Mais doce o mel da vida!

Reco
Quando as brisas da noite suspirosas
Pelos límpidos ares se espalharem,
Quando as águas dos lagos sonolentas
Entre brandos seixinhos repousarem;

Quando o céu for azul, bem como os sonhos


Que em teu seio se aninham vaporosos,
Quando as nuvens trementes do crepúsculo
Lindos astros rasgarem luminosos;

Recorda tu meu nome! — eco perdido!


Ao surgir venturoso da alvorada!
Semi-aberta florinha do deserto
Pelo vento da vida balouçada!

E na barca boiante que perpassa


Como o cisne amoroso sobre as águas,
Uma idéia veloz como o suspiro
Te recorde a gemer as minhas mágoas!...

Da robusta floresta brotam flores,


Do arrebol cambiante surgem risos,
Mas de meu coração só brotam dores,
Só tem sombras minh’alma e não sorrisos!

O viver é sonhar! Lembras-te, virgem,


Desse prima doirado que sorria
Por entre as névoas de tristonhas tardes
À minh’alma que terna esmorecia?

Lembras-te, amiga? Que fulgentes dias!


A esperança e a crença entrelaçadas,
Nos sorriam da vida as primaveras
Por anjinhos celestes embaladas?

Mas fugiu de minh’alma a doce esp’rança


Ao clarão tedioso da descrença!
E a primavera de prestígios rica
Envolveu-se na dor... perdida a crença!...

Hoje tudo passou! como os lampejos


Que cortando os espaços se esvaecem!
Nossos seios que amor acalentaram
Sentem saudades, que n’ausência crescem!

Desprendendo seus voos olorosos


Ao roçar da bafagem perfumada,
Nossa vida tranqüila de criança
Era bela no berço acalentada!

Porém tudo passou! Nos ledos prados,


Nos laranjais em flor só há tristeza!
Há saudade cruel, que me recorda
Tua doce amizade e gentileza!
Pergunta ao astro da noite o desalento
Que me derrama n’alma a soledade!
E recorda meu nome entre os acordes
Dos cantos divinais da mocidade!

E vem dar vida à flor triste do ermo


Pendida em Primavera graciosa!
Vem dar vida a quem geme com tristeza,
Sem um raio de luz na mata umbrosa!

E do sonho da infância a folha rasga...


Essa folha querida que beijei!
Rasga a folha infantil, pura donzela!
Rasga os versos d’outr’ora que te dei!

A juntude surge! É luz estranha


Tua fronte a colorir, anjo divino!
E não devo manchar tua esperança
Com meu canto tristonho, peregrino!

Rasga meu canto, rasga! mas meu nome


Nunca olvides, donzela, em teu sonhar!
Quando da noite o hálito cheiroso
Afagar as palmeiras do luar!

Ai! recordar, meu nome, anjo adorado!


Ao despontar das lindas madrugadas,
Quando tudo viver entre sorrisos,
Recorda minhas vozes magoadas!

Sombra de um dia, que sorris à mente


N’um turbilhão de gozos embebida,
Não é a ti que os inocentes carmes
Vão buscar entre a turba fementida.

Passa, pois, sossegada, que o caminho


Se para ti de gozos é ornado,
Minha lira jamais t’irá insana
Buscar nesse teu mundo povoado...

Porém, vós, lindos astros de beleza,


Que entre cismas dormis n’um céu de flores,
Ouvi o canto meu nascido d’alma
Repassado de mágoas e amargores.

A vós, a vós, somente me dirijo —


O coração em luto, em ais, em dor!
Embora veja além círios de crença
N’oriente falando-me de amor.

Nobres peitos que um dia já sentistes


A pungir-vos o espinho da orfandade,
Relei estes meus versos ressentidos,
Estes versos gerados na saudade.

E n’eles soletrai os meus suspiros,


E por eles pesai a minha dor;
Vós, que tendes n’alma igual tristeza,
Vós, p’ra quem a vida é amargor.
E no asilo sagrado da indulgência,
Na fibra mais sutil do coração,
Guardai da Jovem flores dispersadas
Pelo sopro cruel do fado vão.

Flores d’um’alma quase sem afetos


Que se banha a gemer no desalento;
Flores que as ânsias da tristeza amarga
Fizeram desbrochar no sentimento.

E as recebei, dando-lhes vida e cores!


Luz matinal e doces alvoradas!
Da Jovem órfã que soluça e chora
Não desprezeis as vozes magoadas.

Ilusões
Em vão te chamo nos murmúrios vagos
Da doce brisa que fugindo vai;
A voz se perde na procela horrível
Que sobre os mares à noitinha cai.

Em vão te chamo! só responde o eco...


Em vão almejo contemplar a ti;
Medonha nuvem de mistérios cheia
Te induz, ai! sempre a te ausentar de mi’!

Aéreo sonho, mentirosa sombra


D’um sol no ocaso que a gemer tombou,
Em vão te busco nas mescladas nuvens
D’um céu querido que o luar banhou!

Nos rudes templos d’um passado estranho


À luz d’um círio pela dor erguido,
Lampejam inda as ilusões ditosas
D’um tempo estranho que lá vai sumido! 

Assim, ó sombra, na minh’alma vives


Sem cor, nem luz, a divagar perdida...
Em vão te chamo! minha voz se perde
Por este espaço que chamamos vida!

Em vão te chamo! já me falta o alento!


Em vão procuro assemelhar teu canto!
És como a ave que a trinar na rama
Fugindo inspira ressentido pranto.

— És como a ave que na sombra solta


Os seus prelúdios de saudade infinda,
E que fugindo quando a luz se mostra
Os seus cantares sonorosos finda.

Ao Trovador
Quando murmura em silêncio
A onda na praia nua,
Por que, ó bardo, tristonho
Lamentas a sina tua?

Quem te disse que a florinha


Cheia de viço e de amor
Cismando no ameno vale
Não sorria ao trovador?

— Vibra tua lira sonora


Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
Teus cantos, ó trovador!

Deixa as cismas temerárias


Em que te enlaças tristonho;
Não mates os brancos lírios
Do teu presente risonho.

Deixa infundados receios,


Lê teu livro de harmonia;
A Deus pertencem destinos,
Aos anjos a melodia.
— Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
Teus cantos, ó trovador!

Não fites assim tão triste


O teu poema de amor,
Que está bem longe a descrença
Do teu viver sedutor.

Não cismes mais no silêncio


Da noite calada e fria,
Que teu porvir jubiloso
Desponta na poesia.

— Vibra tua lira sonora


Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
teus cantos, ó trovador.

Da juventude ufanosa
Se abrem as áureas portas
E as esperanças não podem
Por terra cair já mortas.

Deixa infundados receios,


Lê teu livro de harmonia;
A Deus pertencem destinos,
Aos anjos a melodia.

— Vibra tua lira sonora


Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
Teus cantos, ó trovador.

A violeta descora
Se a brisa passa por ela;
Desmaia se a beija um raio
Da lua meiga e singela.

Porém, ouvindo teus carmes


Exulta no prado ameno,
Pois é a nota que vibras
Sidéreo, queixoso treno.

— Vibra tua lira sonora


Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
Teus cantos, ó trovador.

Quisera
Na cálida brisa que sopra ao sol nado,
No astro que vela da noite ao gemido,
Saber o mistério que encerras no seio,
Quisera, e guardá-lo no estro sentido.

Ao som do alaúde que trina medroso


Ao tênue suspiro d’um férvido beijo,
Saber o sigilo que dorme-te n’alma,
Quisera, nas asas de vago desejo.

Nas plumas mimosas da lúcida aurora


Orlada de ouro na esfera anilada,
Cantar o teu sonho de ternos enlevos,
Quisera, nas cordas da lira adorada!

Quisera essas cismas que tristes s’espraiam,


Que em ondas de incensos s’elevam aos céus,
Nas horas tardias da noite serena
Sonhá-las envoltas em úmidos véus. 

Quisera... loucura! minh’alma delira!


Meus seios se embebem em vagos receios!
A imagem que vejo nos sonhos errantes
Das nuvens se oculta nos brandos anseios.

Tão santa, tão meiga, tão mística e linda


Outr’ora nos folhos do céu a sonhei!
Brincando chamei-a!... nas névoas do sonho
Chorando por ela, meu Deus, acordei!

É pura essa imagem! qual luz de inocência


Que um gênio brilhante no céu acendeu!
Qual ósculo santo suspenso nos ares,
Por lábios de arcanjo mandado do céu.

É linda! tão linda, qual c’roa mimosa


Que a fronte morena de um anjo abrilhanta!
Qual pérola rica do sólio sagrado
Caída nas dobras do véu d’uma santa!

Meu Astro
Em noites formosas tremendo nos ares,
Qual raio sidéreo nos seios de Deus,
Eu vejo-te, ó astro, luzindo faceiro
Qual sonho encantado, qual anojo dos Céus!
Que guardas de triste no brilho saudoso,
Que mudo derramas, sorrindo-me assim?
Se as nuvens se afastam buscando outros climas
Por que tu vacilas do céu no cetim?

Por que tu vacilas se as nuvens se afastam


Buscando outros lares num louco adejar!?
Nas vastas esferas, em noites calmosas,
Que astro te iguala no doce brilhar?

Oh! gira meu astro, derrama teu brilho


Nas águas sentidas do plácido mar!
Minh'alma esmorece de dor e receio;
Não posso nas trevas sem luz caminhar.

Oh! brilha, meu astro, nos mares perdido


Bordeja ao acaso ,eu triste batel;
Sem norte, sem rumo, cercado de escolhos,
Nas águas nadando de cálido fel!

Se a névoa se estende, se o vento da noite


Nas ondas soluça, minh'alma estremece!
Se a noite tem trevas, se as trevas saudade
Meu peito saudoso de dor se intumesce!

Não fujas, meu astro, se a noite tem sombras


Se as sombras mistérios— não tremas assim!
As trevas se rompem, segredos se rasgam
Do céu reaparece mais puro o cetim.

Não fujas, meu astro! derrama teus raios


Na doce caligem do meu coração!
Ai! quero senti-los bem dentro do peito,
Rendendo-te graças da minha soidão.

Não fujas, meu astro, que eu quero teus raios


Ainda nas lousas um dia fruir!
Na tumba singela que triste guardar-me
Teus lumes tão doces eu quero sentir.

Na tumba mesquinha, c'o brilho que lanças,


Prometes meu rosto de luz inundar!
Nos lábios cerrados mil beijos saudosos
Prometes, prometes, tristonho gravar?

O espaço que é negro cortando n'um vôo


N'um dia de glória te irei procurar;
Oh! guarda-me os lírios dos prados celestes,
Que as rosas da vida te hei de eu levar.

Contigo, que és anjo de plácido lume,


Perdido nas vastas esferas de luz,
Contigo do mundo bem longe, bem longe,
Boiando irei rindo das nuvens à flux!

De um pólo a outro pólo de manso correndo


Teu lume bendito sorrindo amarei:
Do mundo maldito, bem longe, bem longe,
Trajada de virgem no céu entrarei.

Oh! brilha meu astro! que assim eu te amo


Saudoso fulgindo com mudo brilhar!
Teu lume entornando na coma cheirosa
Do verde jambeiro, do manso palmar!...

Pálida sombra! no brilhar dos astros


Busco-te a face pela dor velada!
Os astros fogem, não me dão seus lumes;
Minh’alma chora de tristez banhada.

As brancas nuvens pensativa sigo,


Mas não te vejo no fulgir do céu!
No anil dos prados te procuro ainda,
E só te encontro no pensar que é meu.

A fronte pendo... interrogando os mares,


E vejo neles um clarão tristonho!
— mais me aproximo, se o clarão se estende
Torna-se n’alma meu pensar risonho.

Pousaste o berço no azular das ondas,


Deixaste a pátria de cerúleas cores!
Nos mares vives desmaiada e triste
Toda cheirosa como são as flores!

Por que tu foges pesarosa e fria,


Por que soluças se me vês contente?!
Pálida sombra, por que choras tanto,
Enchendo o oceano de teu pranto ardente?
Por que teu berço de frisadas rendas
De mim afastas, se te busco ver?
Por que te envolves nesse véu de espuma
Gélido e triste que me faz sofrer?

Tarde da noite, quando a lua é clara


As vagas sulcas a correr gentil!
Corres ligeira no batel de bruma
Deixando um rastro no formoso anil!

Pálida sombra! nas serenas noites


Amo teu pranto que me faz chorar;
Amo teu brilho mortuário e triste
Pálido sonho, que me faz cismar.

Lágrimas vertes, mas minh’alma terna


Acolhe-as todas no gemer saudoso;
Guardando-as frias no calor dos seios,
Lembrando-as sempre no cismar queixoso.

Tarde, bem tarde, contemplando as ondas


Tristeza imensa me aniquila o seio!
Busco-te em ânsia... porém tu fugindo
N’alma me filtras um sutil receio.

Pálida sombra! ao entreabrir das rosas


Minh’alma deu-te perfumadas flores!
Esquiva sempre as espalhaste todas
N’um chão descrido de imaturas dores!

Hoje, meus hinos de donzela dou-te,


Mórbidas, tristes, que só dizem prantos!
E só te peço que nas noites belas
Me dês sorrindo maviosos cantos!
Quando a neblina enregelada e fria
Tênue espalhar-se na amplidão do ar
Dá-me teus cantos, fugitiva sombra,
Tarde, bem tarde, na extensão do mar!

Tudo é silêncio, só minh’alma vela!


Vela sozinha de saudade cheia!
O mar se enrola... desfalece a lua,
Penumbra escura o Universo enleia.

Cânticos dá-me no tremer das ondas


Que se espreguiçam a dormir formosas!
Dá-me teus sonhos, encantada sombra,
Nas noites lindas de verão mimosas.

Dá-me teus prantos, no calor dos seios


Hei de guardá-los pelas noites frias!
Hei de guardá-los como guardam anjos
O pranto virgem dos virgíneos dias.

Vi-te em meus sonhos cismadora imagem


Entre roupagens de rosada cor!
Dias de flores ideei na mente
Em ti pensando, solitária flor!
Cresci, minh’alma se tornou tristonha...
Porém, ainda com teu rosto sonha!

Vinhas tu sempre reclinar-te a medo


Sobre meu leito de donzela crente!
Eras a imagem que ao pulsar do seio
Sentia sempre me afagar contente!
Eras tristonha, cismadora e bela,
De minha vida, e de meu ser estrela!

Nunca um só riso te visei nos lábios,


Tristonha sempre conheci-te em sonhos!
Via-te frouxa ao descair da tarde
Fitando a medo os matagais tristonhos!
Envolta ainda na gentil roupagem
Com que te vira, cismadora imagem!

Desperta... tudo se extinguia triste,


Só via a lua a fulgurar formosa!
Corria os montes, dispersava as aves,
Feria os ecos da mansão saudosa!
Mas não te via... me faltava o alento
Perdido em prantos e no meu lamento.

Um dia, louca, te julguei na nuvem


Que à tarde vinha me falar de amor!
Julguei que envolta nas roupagens d’ela
Tu me ocultavas teu gentil fulgor;
Amei a nuvem... delirei por ela,
Em ti pensando, de meu ser estrela!

Amei a nuvem... nos meus sonhos belos


Não mais te vi a me acenar contente!
Em lindas tardes te julguei formosa,
Junto à minh’alma a me afagar ridente!
Na bela nuvem mentirosa e fria
A minha estrela divinal vivia!
Depois o manto que cobrira a esfera
Rasgou-se ao meio no azul dos céus!
Busquei-te embalde no lugar da nuvem
Que em branca espuma desdobrava os véus;
Mentira tudo! fabulosa cisma!
A minha estrela era doirado prisma!

Ai que soluços no tristonho canto


Da lira minha desferi então!
Busquei-te em ânsia soluçando hinos,
Vibrando cantos de infantil paixão!
Buscava um’alma que entendesse a minha!
E busco-a ainda, e o coração definha.

Buscava um’alma que entendesse a minha


Na terra, ou céus, na imensiade ou nada!
Buscava flores de infantis perfumes
E achava espinhos na escabrosa estrada!
Buscava arpejos de celeste enleio,
E só ouvia o coração no seio.

Deus! que tristezas não carpi sozinha


Ao ver o éter de luzeiros cheio
Mirar-se ufano no azul sereno
Do mar, que arfava com celeste anseio!
E as ondas mansas se enrolando a medo;
E eu sozinha neste mundo tredo!

Ai quantas vezes o arvoredo, a mata,


Eu contemplava com tristonho olhar!
Arbusto, dize, quando o dia surge
Por que te miras n’amplidão do mar?
Por que não vives como eu sozinha
Sem ter um’alma que compreenda a minha?

Silêncio tudo! O arvoredo à tarde


Beijava o lago... suspirava o vento!
No rio a lua se espelhava bela;
Só era eterno meu febril lamento!
Só a minh’alma concentrada, em pranto,
Nada visava que lhe desse encanto!

Silêncio tudo! Pipilava a rola.


Arfava a brisa no palmar virente!
As águas quedas n’um remanso leve
Um canto erguiam ao viver contente:
Porém da lua a palidez tão bela
Minh’alma em prantos suspirava — estrela!

Silêncio tudo! Nevoeiro denso


Se desdobrava no infinito espaço!
A terra, os montes, a lagoa, a v'eiga,
Viviam como n’um fraterno abraço!
Só eu a vida de ilusões despida
Não tinha um’alma para dar guarida.

Cansada um dia adormeci chorando


No vale ameno de gentis verdores!
Dormi... dormi acalentada em sonhos
Como os da infância, de celestes cores!
Dormi, minh’alma até então tristonha
Nova alegria, novos risos sonha.

Desperto e vejo-te, encantada imagem,


Visão querida, solitária flor!
Bela e serena como a luz da aurora
Envolta em gazes de rosada cor!
Vejo-te linda, cismadora e bela
De minha vida, de meu ser estrela...

E vejo-te, inda, quer na luz que morre


Por entre as serras d’uma cor escura!
Quer nos serenos matinais alvores,
Quer, como a estrela, n’um céu de negrura!
E minha mente que era tão tristonha
Hoje, de novo, com teu rosto sonha!

Porém... é um sonho que talvez se esvaia;


E o que há na vida que perene seja?
Porém... enquanto em minha fronte sinto
Esse sonho gentil, — a mim bafeja
Uma ventura tão suave e meiga
Que sente ao ver o sol o prado, a veiga.

Lírio Branco
Flor da vida que adormeces
Ao bafejo da alvorada,
Como és bela entre as mais flores,
Quando raia a madrugada!

Lírio gentil, flor querida,


Cofre d’etéreos odores,
És a flor enamorada
Que sonhei em meus amores.

Amo o cálix que sustenta


Tuas folhas cetinosas;
Amo a brisa que te beija
Pelas noites perfumosas.

Amo o orvalho matutino


Que te banha o pé mimoso;
Amo o vento que soluça
Em teu seio melindroso.

Amo as tardes cismadoras


Que te fazem suspirar!
Amo os ecos da saudade
Que te fazem delirar.

Amo as noites solitárias


Que te envolvem nos mistérios ,
Quando as sombras se destacam
Nos sombrios cemitérios.

Amo a tua cor mimosa


Que tão lânguida seduz,
Quando raia a madrugada
Derramando ondas de luz.

Amo a terra onde nasceste


Com teus sonhos de harmonia,
Amo as rosas purpurinas
Que te inspiram poesia.
Flor da vida que adormeces
Ao bafejo da alvorada,
Como és bela entre as mais flores
Quando raia a madrugada!

Sabiá
Ave sonora que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n’alma
Asilo onde se abrigou a dor.

Teu canto é doce, como é doce a vida


Serena e bela no sorrir das flores;
Mas não modules tão sentido canto
Que o prado ameno nos promete amores.

Amo teu canto como a virgem ama


O áureo sonho d’um porvir gentil;
Sinto minh’alma taciturna e triste
Acompanhar-te no trinar febril.

Tremem as fibras do meu seio virgem,


Quando teu hino n’amplidão se espraia;
E sobre a fronte pensativa e triste
Uma saudade languemente paira.

Ouvindo esse hino me falece o alento...


Não sei que sinto que me enleia... e choro!
Fujo dos campos... os ouvidos cerro
Mas ouço sempre teu cantar sonoro.

Ave divina, que na veiga extensa


Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n’alma,
Asilo onde se abrigou a dor.

A Lua
Entre nuvens de incenso e perfumes
Surge a lua no céu orgulhosa;
Qual donzela vestida de branco
Se mirando nos mares vaidosa.

Com seu manto garboso de seda


De mimosos brilhantes cravado
Lá se inclina, se volve faceira,
Para as ondas do mar anilado.

E nas matas soluça a rolinha


As saudades de negra paião;
Mas além esvoaça a coruja
Nos ciprestes da lua ao clarão.

E a roxa violeta descora;


A bonina da noite recende;
E o lírio de orvalho banhado
O seu cálix virente já pende.

E a lua formosa divaga


Do infinito no espaço d’anil,
Esquivando-se às vezes aos mimos
Que lhe faço na lira infantil.

Tudo é brando silêncio na terra!


Dorme o mar em seu leito anilado;
Mais ao longe repousam agora
As montanhas, os vales, o prado.

Mas a virgem soluça entre cismas


Pela noite que foge — saudosa!
Entristece mirando a violeta
Que definha, e suspira odorosa.

E do peito lh’estalam as fibras


Murmurando a canção da saudade:
— Deus te salve d’amor luz fagueira,
— Deus te salve formosa deidade.
— Lua, luz dos mortais, que no peito
— Tem a mágoa d’um tempo já ido
— Junto á dura saudade, que punge,
— E que inspira d’est’alma o gemido;
— Deus te salve! luzeiro brilhante!
— Entre risos e amor refulgindo!
— Deus te salve, rainha da noite!
— Entre flocos argênteos sorrindo!

Ao Lago
Dorme, ó lago dos amores,
Aos doces raios da lua!
Não reveles tuas dores
A gemer na praia nua.
Dorme, dorme, sê ditoso!
Deixa o vento suspiroso
Perpassar no salgueiral!
E consente que minh’alma
Busque a vida, a doce calma
Em teu seio de cristal!...

Aqui nesta solidão


Minh’alma mistérios sonda;
E enquanto a viração
Beija tua clara onda;
E as praias n’um lamento
Entregam queixas ao vento,
E parecem-me gemer:
Tu, ó lago dos amores,
Não sonhes, não, nos palores
Da lua... que vem te ver.

Canta os hinos deliciosos


Que os anjinhos te ensinaram,
Quando em sonhos deleitosos
Em teu seio te embalaram!

Canta os hinos que a alvorada


De matizes enfeitada
Segredou à face tua!
— murmura esse hino d’encanto!

Deixa além soltando o manto


A encantadora lua...
Deixa, ó lago dos amores,
Esses sonhos de tristura!

Esse cismar, essas dores,


Essa infinita amargura!
Deixa, oh! deixa, que minh’alma
Sedenta d’etérea calma
Quero em teu seio lançar!

Unindo os carmes chorosos


A teus murmúrios ditosos,
Quero vê--la se alegrar!

Aqui, de teu seio perto,


Ouvindo o teu suspirar,
Aqui, aqui no deserto
Quero meu canto soltar!

Quero unir meu canto agreste,


Que de magias se reveste,
A teu alegre sorrir!

Quero, ó lago dos amores,


Contar-te meus amargores!
Falar-te do meu porvir...
Hei de n’harpa gemedora

Meus suspiros, meu lamento,


E minh’alma sofredora,
E d’harpa o mórbido acento,
Quando a lua bem distante
De teu berço — radiante
For nas águas se ocultar...

Quando a brisa adormecida


For na mangueira, — esta vida
Quero, ó lago, te ofertar.

Que amo ver as águas tuas


Docemente a deslizar —
Quando às vezes tu estuas
N’essas cismas de matar!

— E eu só, neste deserto


Quero vir de ti bem perto
Perscrutar o teu gemer;
Muito embora descuidoso
A dormir silencioso
Não pareças tu viver.

Mas... estás mudo... não sonhas,


Nem dormes, lago gentil?
Olha as campinas risonhas,
Olha a lua em céu de anil;
Olha o céu, a terra, a vida;
Balança a onda dormida;
Ergue a face a viração?
Embalde... que também sentes...
Cruéis saudades tu sentes...
N’esta agreste solidão!

Ai, ó lago dos amores!


A tua linda beleza,
De teu sonho as verdes flores,
Do sol queimou a aspereza!
Tu amaste, e no delírio
D’esse amor, veio o martírio...
Desfez-se tua ilusão!
Tu amaste... e a tua crença
A sorte com indiferença
Desmanchou com fera mão!

A flor do teu doce afeto


Que se mirava em teu riso,
Que neste imenso deserto
Formava o teu paraíso,
Por fado misterioso,
E fanou-se... emurcheceu!
E desde então o teu pranto,
Chorando da flor o encanto,
Todo o vale umedeceu!...

Na minha harpa gemedora


Quero imitar teu suspiro!
A minh’alma sofredora
Chorará neste retiro.
Tu, ó lago dos amores,
Não vês na terra fulgores
Ergues os olhos aos céus!
A terra é tão muda e fria!
Tu não sentes alegria...
Aceita estes cantos meus!

Nos meus versos inocentes


Filhos do meu coração,
Cantando teus ais plangentes,
Alegrarei a solidão!
— E nós ambos com saudade
Nesta imensa soledade
Cantaremos nosso amor!...
— Eu de ti quero estar perto;
E neste triste deserto
Ergamos nosso clamor!

E as praias que te prendem


No retiro irão contar
Às campinas que se estendem
Como verdejante mar,
Nosso gêmeo sofrimento,
Nosso perene lamento,
Mágoas do nosso sofrer:
Enquanto no céu a lua
Mostrar a sua face nua,
E a floresta estremecer...

E nas noites vaporosas


Se for brilhante o luar,
Em tuas águas as rosas
De tua dor virei buscar!
— Sempre, ó lago dos amores,
Quando do vento os clamores
Passarem no salgueiral,
Estará em ti minh’alma!
Como que buscando a calma
Em teu seio de cristal!

No Ermo
Quando as ondas mansamente
Da praia ao areal luzente
Vão mistérios segredar,
Tu não sabes a tristeza
Que me inspira, em som plangente
Das ondas o soluçar!

Ai não sabes a saudade


Que me traz a soledade
Nas asas da viração,
Esse hino que levanta
No trono da imensidade
O formidável leão!...

Não sei porque... me entristeço


Pendo a fronte e desfaleço
Ouvindo as ondas do mar!
Mesmo vendo a natureza
Não sei porque a tristeza
Vem minha fronte banhar.

Nem tu sabes, nem sei eu!


Se fito a lua no céu
Tenho tristezas sem fim!
— Vendo-a além divagando
Sonhadora — o brilho brando —
Por que entristeço assim?...

Meus sonhos! flores coradas,


Pelas brisas bafejadas,
Da existência no vergel...
Ah! meus sonhares queridos,
Onde ireis assim perdidos?
Olha o mar — frágil batel.

Meu sonho, sonho gigante,


Alegre, lindo, radiante
D’um gracioso porvir,
Foi estrela luminosa
Que sumiu-se caprichosa
Para nunca mais luzir.

Outr’ora que febre intensa —


N’alma quanta linda crença,
Quanta leda poesia!
Quanta vida desdobrada!
E na mente alucinada
Quanta alegre fantasia!
Quanta cisma enamorada
No meu seio derramada,
No meu seio quanta vida!...
Hoje sinto uma saudade!...
E vejo da mocidade
A estrela empalidecida.

Mas que importa a flor nascida


N’uma lágrima perdida
Que verteu a madrugada
Ao sol, que fulgura lindo
Lá no firmamento infindo,
Que penda e procure o nada?

Que importa? que a flor mirrada


Vá na folha desbotada
De um poema adormecer?
Tem tanta rosa a natura!
Na vida há tanta ventura!...
— Que importa o meu padecer?

Mas... se a lua cismadora


Mostra a face sedutora
E ilumina a solidão,
Por que, dize, me entristece
Seu brilho, que desfalece
Nas sombras do coração?

Terra
Minha infância, meu sonho dourado,
Astro lindo que além se escondeu,
Por que as asas brandiste n’um vôo
E sorrindo fugiste p’ra o céu?...
A saudade minh’alma devora...
Que contigo fugiu-me a esperança!
E com ela um arcanjo mimoso,
Minha irmã, doce, meiga criança...

Eu fui logo, (que fado cruento!)


Do meu lar, tão criança banida!
Ai que dores! Que mágoas acerbas
Desde então me atormentam a vida.

Eu chorei por meu berço mimoso,


Como o pobre proscrito por pão!
E sequer não ouvi neste mundo
Nem um brado de doce afeição.

E hoje ainda da pátria me lembro


Com dorida saudade e pesar;
Quando a noite desdobra seu manto,
E é mais brando, mais lindo o luar.

E me lembro... se as auras osculam


As ondinas cerúleas do mar,
Eu nas asas das auras desejo
A meu solo querido voar.

E as fímbrias do lindo horizonte


Do meu Norte, quem dera eu voar!
Para ver os anjinhos diletos
De meu puro e saudoso folgar!...

Para ver minha linda casinha,


Que, pequena, deixei a chorar,
Testemunha dos brincos da infância
Que jamais haverei de gozar.

Para ver minhas lindas patrícias,


Visões puras d’um sonho dourado,
Que sorriem gentis entre as nuvens
Do meu vago e tristonho passado...

Mas é tudo p’ra mim impossível!


Tudo é sonho! quimera! ilusão!!!
Só real a saudade que sinto
Nesta negra e cruel solidão.

Saudades!...
De celestes visões viveu outr’ora
Minh’alma docemente, e minha vida;
Mas a esp’rança morreu-me dentro d’alma
Na alvorada do amor, entristecida...

Inda infante —no berço, luz celeste


Aclarou-me o caminho da ventura;
Desbrocharam sorrisos em meus lábios,
Não sentiram meus olhos amargura!

Caminhei descuidosa o chão de flores;


Beijei aqui e ali virentes rosas;
O céu — lençol de prata — se mostrava
Marchetado d’estrelas luminosas.

Nos umbrais da ridente mocidade


Inda rosas gentis colhi sorrindo,
Com saudades da infância que deixara,
E saudando o porvir, fagueiro, lindo.

Mas... enquanto nas cismas me embalava,


E colhia da vida as rosas belas,
Fitando essa harmonia do Universo,
Vendo fulgir no céu lindas estrelas,

A laje do sepulcro se entreabrindo


Aos olhos meus — um anjo me roubava!
Erguendo a fronte triste, empalecida
A minha morte ali também olhava.

Rosas gentis e flores purpurinas,


Doce sol que esta vida iluminou...
Luz de meus olhos, de meu céu a estrela
Tão cedo do horizonte baqueou!

Triste n’um ermo, quem me guiaria?


Sem pai — sem norte — assim qual foragida
Sem luzeiros no céu, no peito flores,
Quanto espinho na estrada desta vida!
Ai que funda tristeza! que saudades
Tenho dos tempos em que fui feliz!
Do tempo em que abraçava minha irmã
E lhe beijava as faces infantis!

Que saudade também desses meus sonhos,


Das visões que adejavam no ermo leito,
D’esse gozar que me alegrava a alma
Que dava vida e alegria ao peito.

Hoje... tudo dorme além no asilo


Onde cresce o cipreste esverdeado!
E, eu choro o meu fado entristecido;
A alma sem vida, e o coração gelado.

Tristeza
Ao merencório marulhar das ondas,
Sozinha, agora, na deserta praia,
Vem a tristeza acrescentar o pranto
Que pelos seios a saudade espraia!

É lindo o oceano!... como alegres cantam


Os bateleiros ao sair da lua!
E eu sinto a vida sufocar-se em prantos
Fitando o astro que no céu flutua.
Tu, lua, na tristeza em que banhas,
Refletes minha vida declinando!
E o peito a apunhalar-me uma saudade
Do passado gentil, mimoso, brando.

Ai pudesse do sol um raio lindo


Erguer a flor que pende na devesa!
Que nas folhas macias de veludo
Só tem prantos de dor e de tristeza!...

Ai pudesse esta vida que me foge,


Como a onda abandona além a praia
E volta, — ao peito meu voltar de novo,
E a saudade levar que em mim se espraia!...

Porém... debalde o sol no céu fulgura


E flores joga ao seio do oceano!
Minh’alma é como a rola estristecida
Cujo ninho levou o minuano.

Minh’alma... n’um deserto sem abrigo,


Sem sorrisos de amor triste vagueia:
Se tem flores o céu, ela tem prantos;
Se ri-se a natureza, ela pranteia.

Tu, lua, na tristeza em que te banhas


Refletes minha vida declinando!
Minhas cismas de amor também refletes!
Oh! dá-me um raio teu mais doce e brando!

Flor
Era no baile! no febril delírio
Da destra frágil me caíste, flor;
No pó da sala tuas folhes virgens
Eu vi cobertas de mortal palor.

Pobre florinha! — me pedias mimos


E eu pisei-te no fervor da dança!
Ai! tu choravas quando eu sorria
De ti não tendo nem sequer lembrança!

Bem poucas horas...na doirada jarra


Tu ostentavas um frescor tamanho!
E ali da dança no febril delírio
Joguei-te infinda n’um salão estranho!...

Todos te olhavam... tuas folhas puras


Empalecidas, sem rubor estavam;
E ainda assim me parecias bela!
— Meus olhos inda teu frescor amavam.

Da dança louca no delírio, eu disse:


Ai quem me dera poder vê-la ainda!
Lânguida e fria, de tristeza cheia,
Pisada embora, porém, sempre linda!

Ai flor mimosa! tu por mim sofrias


Enquanto eu ria no fervor da dança!
Ai tu choravas enquanto eu sorria
De ti não tendo nem sequer lembrança!...

Findou a valsa... procurei-te embalde


Nas longas voltas do salão imenso!
Busquei-te em ânsias nas doiradas jarras,
Em loiras tranças, em cheiroso lenço.

Busquei-te embalde! que mirrada, murcha


Em outro seio repousavas, flor!
— Pisei-te o cálix de esperança cheio!
Matei-te a vida e te roubei o amor!...

ESPERANÇA
Vem, arcanjo celeste da esperança,
Que afaguei pelas noites de saudade,
Conforto e paz ao coração trazer-me
Que desmaia de dor na soledade!...

Na existência dos sonhos fabulosos,


Quando é luz o espaço, a terra flores,
O porvir que sorri no descuidoso
Áureo lago é de vida e resplendores.

Porém, o meu futuro não sorri-me;


Não é o meu viver sereno, quedo!...
Vem, tu sorrir-me, pois, doce esperança,
Enquanto a brisa geme no arvoredo.

Os laranjais os mantos alvacentos


Desenrolam no vale perfumado,
E cada flor, quando o aroma esparge,
Nos inspira um sonhar enamorado...
Os retoques doirados do crepúsculo
Que desmaia sorrindo no poente,
Tem um divino encanto que extasia
Que enleva a alma, branda, docemente...

Murmura do arvoredo na folhagem,


Pelas flores da tarde embalsamada
A doce brisa, filha das montanhas,
E da rosa dos vales namorada...

O céu belezas tem — o lago geme,


O vento oscula a coma dos palmares,
E as ondinhas gentis rolam fagueiras
Mansamente a sorrir no azul dos mares...

Mas... eu sem ti, bem dentro do meu peito


Não tenho gozo, nem também bonança...
Não é o meu viver sereno e quedo...
Vem tu, sorrir-me, pois, doce esperança!...

Vem tu, luz de meu ser, formosa estrela


Cercar a minha fronte, dar-me vida,
Abrigar-me nas sombras do retiro
Sob tu’asa, d’ouro entretecida.

Vem, que quando a lua além fulgindo


Banhar de luz a veiga aveludada;
E o orvalho cair — quais lindas pérolas
Sobre o seio da flor acetinada;

E as estrelas do céu lançarem raios,


E o vento brincar entre os palmares,
E as ondinhas gentis rolarem lindas
Mansamente a sorrir no azul dos mares:

Serão teus os meus cantos! e o futuro,


E a minha vida, e mais o meu segredo!
— Oh! vem sorrir-me, pois, linda esperança
Enquanto a brisa geme no arvoredo!...

DEVANEIO
Meu astro, minha estrela — riso d’anjo
Refletido no céu azul e lhano,
Por que velas teu rosto fulgurante
E não miras a face do oceano?

Fugiste além meu astro! e a face linda


Não espelhas no lago cor do céu...
Por que não fulges? vem fulgir, meu astro!
Vem sorrindo mostrar-me o brilho teu.

O mar é verde; das ondinhas mansas


Cobrem-se as praias, como um véu d’espuma!
Que mar imenso! que painel sublime!
Que céu formoso, sem hibérnia bruma!

O sol fugiu... no ocidente as nuvens


Vestem-se todas de pomposas cores!
No prado ameno desce o véu da tarde
Enquanto o chão se junca de mil flores.

A brisa passa, segredando às folhas


Da roseira, talvez, o seu seguro!
Que doces hinos, que suaves cantos,
O sabiá murmura no arvoredo!

A alma cisma... devaneia agora


Meu coração em êxtase de amor!
Que de perfumes, à tardinha, entorna
Em coração de amante o prado em flor!
Aqui a noite tem perfumes santos;
Ouve-se o vento suspirar de amor!
À fresca sombra da mangueira o sono
É mais belo e gentil que o prado em flor!

Que doce orquestra! que concerto imenso


Forma a natura, sob um céu azul!
Como são lindas estas plagas mansas!
Como são belos os vergéis do sul!

Mas tu fugiste! e à face do infinito


Não mostras mais teu brilho brando, lhano!
Velaste em trevas o teu rosto lindo,
E não miras a face do oceano!

DESALENTO
Quando a vida fundida nos encantos
D’um sereno futuro me sorria,
Eu amava em extremos o som dos cantos
Que esta lira querida desferia;
E minh’alma feliz desenrolando
Suas tímidas asas pelo espaço,
A sorrir, a sorrir, além se ia
Do Senhor ao puríssimo regaço!...

Porém, hoje que a dor e a tristeza


Me acabrunham sem dó o coração,
Como à vida sorrir, à natureza
Se meus lábios de gelo e mudos são?
Se um vislumbre não tenho de alegria
Em meu casto jardim da mocidade?
E se os ecos sonoros das montanhas
Tristonhos são, e falam de saudade?...
Tem estrelas o céu, o mar conchinha,
Borboletas as veigas perfumadas;
Os leques das palmeiras à noitinha
D’orvalho tem mil gotas prateadas;
Mas minh’alma tristonha e ressentida
Pelo espaço divaga soluçando,
Como um eco de dor ao longe, ao longe,
As endechas febris, triste lançando.

À sombra do cipreste que se estende


Sobre a campa marmórea do finado,
A lira minha os cantos seus aprende,
Emblema do presente amargurado;
E entre soluços os seus ais se escapam,
Filhos da dor que tem meu coração!
E refletem a luz pálida e fria
Que da campa ilumina a solidão.
Talvez, porém que a rosa de meus sonhos
Desbrochada ao palor de um sol de maio
Abrisse o cálice em vergéis risonhos,
Aos beijos de um arcanjo idolatrado:
Talvez que a brisa desse-lhe perfumes
E juntasse-a fagueira ao coração,
Que hoje definha no ermo solitário,
Que hoje morre na triste solidão?
Não foi assim!— O sol a minha fronte
Nunca em suspiro deu um só afago;
E a brisa que hoje passa e beija a fonte
Nunca lhe deu o seu segredo mago:
Só o eco sonoro das montanhas
Como um hino de dor e de tristeza
Repetia as endechas de saudade
Que o sol deixava, ao ir-se, à natureza!...

Como o céu é azul... e o oceano extenso


Mostra o vasto lenço de branca espuma
De horizonte a horizonte, em chão imenso!
E as montanhas despem-se da bruma!
Como noiva que o véu pálido ergue
Mostra-se a terra em flores embalada!
Mostram-se alegres na floresta as aves
Ao primeiro arrebol da madrugada...

Mas, oh! que importa o céu que alegre veste,


O luar que de si lança saudade,
As estrelas da abóbada celeste,
Que sorriem d’amor à imensidade;
E o encanto de um mundo que palpita,
E esta harmonia que há do sul ao norte?
Se a esperança fugindo de nossa’alma,
Não nos aponta a vida e sim a morte?...

A existência talvez que me afagasse


N’este mundo uma vez, se a sorte irosa
Não se erguesse ante mim, e não tornasse
Minh’alma d’um futuro duvidosa!
— Mas quem sabe?... — na terra mortuária
Ergue a palmeira os olhos para o céu!
— Eu erguerei os meus ao meu futuro...
De que minh’alma tanta vez descreu!...
Erguerei, e talvez de novo os sonhos
Da rosa do viver, nascida em maio,
O cálice abra nos vergéis risonhos,
E peça à luz dos astros brando raio!...
Então minh’alma, assim desenrolando
Suas tímidas asas pelo espaço,
A sorrir, a sorrir, além se torne
Do Senhor ao puríssimo regaço.

Adeus
Adeus, ó prados, sedutoras veigas,
Que tantas vezes a sorrir trilhei;
Talvez bem cedo a vós deixar forçada
Recorde as horas que por vós passei.

Bem como a folha pelos ares solta,


Talvez que em breve de vós longe vá:
Sem ter abrigo — a voejar sem rumo
Buscando a pátria que me acena lá.

Adeus, ó hinos, de eternal doçura,


Meus belos sonhos que a folgar beijei!
Adeus, ó terra, nova pátria minha;
Adeus, ó flores, que com ânsia amei.
Adeus! Eu sinto que martírio imenso
Minh’alma fere qual agudo espinho:
Serei a ave que buscando a pátria
Chore em saudades o perdido ninho.

Que importa? Eu partirei? Ninguém em prantos


Há de lembrar-se de meu nome — não!
Nem da noite as estrelas suspirosas,
Brisas da tarde e aves do verão.

Ninguém! que a peregrina lembre e chore ,


Que lamente a ilusão que teve um dia,
Que chore as flores de seus anos murchas
E a infausta estrela que seus passos guia.

Ninguém! da pobre órfã acres gemidos,


Mágoas, saudades, lágrimas e ais,
Recordará da noite no silêncio
Ou entre o brilho e galas matinais.

Virentes cantos, mocidade, risos,


Lírios gentis que teve minha vida,
Que valem,pois, se a idéia de meu nome
Será em breves tempos esquecida?

Sou órfã! Partirei! Ninguém em prantos


Há de lembrar-se de meu nome — Não!
Que importa? Abafarei também no peito
As saudades e ais do coração.

Sombras
Um dia, que a mente senti afagada
Por frescos favônios na calma estação,
Ao ver os matizes que a terra cobriam,
Julguei-a ditosa na minha soidão!

As aves cantavam, sorria a natura,


Havia nas flores orvalhos do céu;
Tomei minha lira sorrindo a ventura,
Cantei as belezas de um dia sem véu.

Que sonhos tão belos, que flores cheirosas!


Que lírios de neve! que ar perfumado!
—À noite no espaço fulgiam estrelas
Que a face espelhavam no mar anilado.

Cantei... porém, hoje que vejo a natura


Saudando o inverno de gelos coberto,
A negra tristeza, saudade amargosa,
Meu peito tornaram de sonhos deserto.
Tombaram as flores mirradas à terra,
Despiram as selvas o manto de amores,
Calaram-se os ecos dos montes, e os mares
Povoam-se à noite de trevas, horrores.

Das verdes colinas dos doces cantores


Os hinos canoros ninguém mais ouviu;
E os dias tão belos tornaram-se tristes,
Das rosas divinas o inverno os despiu.
Cantei... quando a mente senti afagada
Por doces favônios na calma estação;
Mas hoje que sinto que foge a alegria
E a calma abandona tão doce soidão,

Eu vago nos campos sozinha cismando


Das meigas estrelas à pálida luz:
E ao céu da esperança se os olhos remonto
Tristonhos pensares me buscam a flux.

As lousas contemplo, e os goivos funéreos


Se eu vejo pendidos nos fracos hastis,
Meu Deus que tristeza!... meu peito se oprime!
O inverno a minha alma tristezas prediz!

LEMBRANÇAS DO BAILE
Que baile! que flores! que noite de encantos!
Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!

Que baile! que festa! — Nos bosques ao longe


Nenhuma alegria sentia-se então!
E ali, nesse baile, que alegre folgança!
Que risos; que fogo não tinha essa dança!
Que n’alma lançava prazer emoção!

Valsava eu nas salas, c’o seio ofegante


Num doce, divino, celeste sonhar!
Sentia que as luzes fugiam na dança!
E vinha em meu peito suave esperança
Por entre esses risos e festas brilhar!

Que baile! que flores! que noite de encantos!


Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!
Que baile! que festa! Que ledos perfumes
Minh’alma envolviam n’um gozo celeste!
Que cantos suaves meu peito enlevavam!
Que rosas perfumes ao ar elevavam
Prendidas das virgens às cândidas vestes!

As luzes, as flores, a música, os risos,


E os loucos amantes da valsa ao calor...
As luzes quais astros fulgiam; as flores
Perfumes lançavam do seio em fulgores,
E os loucos amantes falavam de amor!...

Que baile! que flores! que noite de encantos!


Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!

Que baile! que festa! Minh’alma inda lembra


Com doce tristeza a suave ilusão
Que as flores, as luzes, a música — o riso
Dos loucos amantes de olhar indeciso, —
Lançaram no fundo do meu coração.

Anjo do Túmulo
Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
No berço mudo que revela a morte
Deixa-o à noite que suspire e gema.

Deixa-o mil prantos derramar saudoso


Sobre o lajedo d’uma lousa nua;
Enquanto à noite o manto negro estende,
Ou cisma triste e solitária a lua.

A rosa branca que perfuma o ambiente,


Que à tarde pende nesse chão de dores,
Talvez mais risos of’recer-te possa
Do que o arcanjo de mortais palores.

Não ames nunca a palidez do anjo


Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspire e gema.

Esse anjo!... esse anjo!... Quando o vento geme,


E as flores pendem no gentil rosal,
Dizem que as almas dos jazigos surgem
E correm tristes na extensão do val?...

Esse anjo... esse anjo!... Quando do salgueiro


Se vergam ramos, e mais zune o vento,
Dizem que as almas o jazigo deixam
E formam coros de eternal lamento?...

O corpo dorme; mas a alma errante


Vaga na terra sem cessar saudosa:
E une-se aos ventos, ao quebrar das ondas,
Paira nos ares a gemer queixosa?...

Não ames nunca a palidez do anjo


Que as lousas guarda na mansão extrema;
Alma evocada do final jazigo
Deixa-a à noite que suspire e gema.

Deixa-a... que gema! — No sorrir da morte


Que desse arcanjo vem turvar o enleio,
Há um quê de triste que nos faz ter prantos,
Cismas e sonhos, e nos gela o seio...

Lívido lábio, sem um riso alegre,


Quanto mistério não contém, não diz?
Ai quanto sonho não ‘stá ali já morto,
Quanta esperança d’um porvir feliz?
Esse anjo... esse anjo! — Deixa-me na terra
Guardar saudades de alegria extrema,
Gozada n’outro tempo!... e sobre o túmulo
Deixa-me à noite que suspire e gema!

Sonho
Era bem noite; não se via a lua
No azul das vagas se banhar gentil;
Manto de trevas se estendia ao longe
Nos ocultando o sideral anil.

O mar bramia, se agitando iroso


Em crespas ondas de sombria cor,
Na atmosfera de vapor toldada
De nenhum astro via-se o fulgor.

Na terra erma, sepulcral silêncio,


Então reinava pavoroso e frio;
Gemia o bronze gemedora nota,
Soltavam mochos agoureiro pio.

Pávidas sombras lá do espaço aéreo


Caíam todas a gemer no chão;
Fundo silêncio a natureza enchia
Tornando-a vasta, sepulcral soidão.

Os ventos mudos... mudo o bosque e a selva...


Ao longe trevas... pavoroso arcano!
— Os arvoredos semelhavam sombras
Fugindo todas n’um bailar insano.

Tal era a terra, tal o espaço, o oceano,


N’esse momento de ansiar terrível,
Em que fantasmas pelo espaço aéreo
Corriam, como tempestade horrível.

Súbito as trevas rasgam-se sombrias;


Corre os espaços uma luz mui bela!
Luziu risonho na calige’ horrível,
Embora fosse desmaiada, estrela...

Então um anjo de rosadas vestes


Co’a destra erguida se mostrou no céu,
E n’um momento de fagueiro enlevo
Rasgou da terra, e do espaço o véu.

A luz mostrou-se... e dessa luz cercado


O anjo à terra se sorriu contente:
E ao longe, ao longe, com voz do empíreo,
Ouviu-se um hino divinal, ingente:

“Grandes vitórias! Imortais triunfos


Ganharam hoje nossas legiões!
Dorme o tirano n’um deserto imenso
Sono de morte, ao som de mil canhões.

“Folgai, ó terra do Brasil, que os Bravos


Realizaram vossos lindos sonhos!
Nas folhas d’ouro da Brasília história
Cantos escrevem, divinais, risonhos!

“Imensa glória! e triunfo imenso!


Caiu o tigre da batalha à sorte!
— Dorme, o tirano n’um deserto vasto
Ao som dos hinos do canhão da morte.
“Folgai, ó terra do Brasil; que os Bravos
Nas folhas d’ouro da Brasília história
Cantos escrevem, divinais, risonhos,
E se coroam de virente glória.”

Que sonho doce estava eu sonhando!


Por que este sonho não se cumprirá?
— Que esse anjo surja com a destra erguida
E dê à Pátria mil vitórias... lá!

Sei Que Me Esqueces


Sei que me esqueces! Quando longe, à tarde,
Por entre as nuvens, na extensão do céu,
O sol, sem fogo, nenhum raio manda
Que ao monte dispa da tristeza o véu.

Teu pensamento n’um suave enleio


Não busca a triste que por ti suspira;
Vais n’outra imagem mais risonha e alegre
Fitá-lo à tarde... quando o amor te inspira.

Sei que me esqueces! Como a brisa aérea


De crenças meigas ressumada — a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!

Oh! eu te lembro! Quando os olhos cravo


No céu, à tarde, quando morre o dia,
Eu nesse enlevo, que se espalha em tudo
Penso rever-te por dinal magia.

Penso rever-te! E quem poderá o espaço


Transpor n’um vôo para a ti chegar!
Quem n’um momento, n’um instante fosse
Teu meigo rosto, os olhos teus beijar!...

Sei que me esqueces! porém eu te lembro


Quando recordo meu passado enleio!...
— Ambas ligadas n’um abraço extremo
Sentindo a vida a borbulhar no seio!

Oh! eu te lembro! Quando os olhos cravo


No céu, à tarde, quando morre o dia,
Eu nesse enlevo, que se espalha em tudo
Penso em rever-te por dinal magia.

Lembro-te!... Em noites de mistério cheias


Vimos a lua a despontar no céu;
Ai quantas vezes, n’um cismar fraterno,
A alma de ambas sob o mesmo véu?...

Lá... quanta estrela fulgurante, linda,


No céu lançava divinais fulgores,
Se de teus lábios se soltavam hinos
Saudando n’alma as prematuras flores!...

Sei que me esqueces como a brisa aérea


De crenças meigas ressumada— a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!...

Olhar o lago refletindo a lua,


O céu sem mancha a prometer bonança,
E o arvoredo derramando aromas...
E tu o aroma de gentil criança!...

Mirar as flores que beijara o orvalho,


Em cada gota se espelhando a lua;
E no silêncio, na mudez da noite
Cismar minh’alma o que cismava a tua...

Olhar... ver tudo estremecer com vida


Tornada a terra um paraíso extenso:
Nós enlaçados pelo mesmo afeto
Alçando os braços para o espaço imenso...

Foram prazeres que levou o tempo,


E que a distância mais além levou;
Ermo de afetos, o viver em prantos,
A mim a sorte foi o que legou...

Sei que me esqueces! como a brisa aérea


De crenças meigas ressumada— a flor!
Mas eu te lembro! quer o sol descore,
Quer no horizonte mostre o seu fulgor!...

Sei que me esqueces! É que a luz suave


Que faz a alma suspirar gemente,
Que dá-lhe flores d’alegria meiga,
Te inunda e banha de fulgor a mente.

Eu vivo triste e vive triste est’alma


Sem ter-te amiga, sem o teu conforto;
Vivo em saudades, vivo em ais, em prantos
Para o prazer meu coração ‘sta morto.

Dois de Dezembro
Salve, aurora sublime e grandiosa
Que despontas fagueira no oriente!
Salve, dois de dezembro! luz formosa
Que o horizonte colores resplente!

Salve, salve, Monarca! Escuta o grito


Do povo brasileiro neste dia!
Salve Pedro II, anjo bendito
Pelo Eterno enviado à Monarquia!

Astro de luz, tu és límpido e puro


Sobre as orlas doiradas do levante!
— Quando às portas do céu vê-se o futuro
Do Brasil se mostrar áureo, brilhante;

Bem dentro da alma os ecos se despertam


Cantam suas glórias, cantam, o teu dia!
E enquanto os povos suas mãos apertam
Eu te saúdo, luz da Monarquia.
Salve, três vezes, salve! Anjo bendito!
Salve! salve! O Brasil brada jocundo!
Salve, dois de dezembro! dia invicto
Que tão grato natal marca no mundo!

Escuta
Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.

São folhas caídas dos galhos mimosos


Das lindas roseiras no quente verão!
São doces prelúdios de um’harpa que chora
Que fala, que vive, no meu coração!

São trenos sublimes que lançam minh’alma


Nas cismas suaves de um mundo de amor;
São auras travessas que passam, repassam,
Chorando, cantando, da lua ao palor.

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,


Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura,
Do mar prateado — do céu tão azul.

Me falam de um mundo que os ventos queridos


Lá beijam sorrindo nas serras de além!
De um mundo habitado por gênios que vivem,
Que vivem, que sonham que cantos só têm!

Eu amo teus cantos, teus cantos sublimes


Que em vagos desmaios me falam de amor!
Eu amo teus risos que per’las descobrem,
Que fazem meu seio pulsar com fervor!

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,


Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura
Do mar prateado — do céu tão azul!
1º. Julho 1870

Ao Sabiá
Canta, canta, ó filho da poesia!
Desperta, ó gênio! A primavera fulge,
Brotam mil flores nos jardins do céu!
Cantam as aves matutinos cantos,
Cobre-se a terra de azulado véu!

O inverno foi-se — a primavera veio


Com seu gazis sonhares;
Singelas rosas no vergel se abriram,
Só tu calado — transpuseste os mares.

Para onde foste?— Que cismar estranho


Prendeu-te as asas, sonhador de um dia?
Onde tu cantas se da tarde o manto
Cobre a palmeira que adoraste esguia?
Onde tu vives— A floresta é muda
Pia a araponga no deserto amado;
Trinam as aves juvenis endechas,
Só tu não buscas o palmar deixado.

Onde tu vives? —Só escuto a brisa


Teu doce canto imitando além!
A lua brilha —mas minh’alma chora...
Negra saudade torturar-me vem!

Desperta, ó gênio! A primavera fulge,


Brotam mil flores nos jardins do céu!
Cantam as aves matutinos cantos,
Cobre-se a terra de azulado véu!

Abre essas asas! Pelos ares voga


Branca falua divagando à toa!
Prende-te às velas desse barco aéreo,
Que a hora maga de cantares soa!

O sol desmaia e eu te espero triste


Com os olhos fitos no horizonte azul!
Dormem as nuvens, as estrelas dormem!
Beija-me a fronte a viração do Sul!...

Quero o teu canto! No purpúreo espaço,


Brilha uma estrela que me faz cismar!
Quero o teu canto, avezinha errante...
Quero o teu canto que me faz chorar!

Quero o teu canto que me lembra a vida


Meiga, florida de meus anos findos!
Quero o teu canto que me acorda n’alma
Doce saudade de meus dias lindos!

A tarde desce, a floresta geme,


A vida fulge recordando amores;
E eu te espero, sonhador de um dia
Com a fronte cheia de odorantes flores!

Ai, vem! A terra de fulgor se veste,


As aves cantam... é azul o céu!
Tudo desperta, só minh’alma triste
Espera embalde por um canto teu!

SUPLICA
Daí-me, Senhor, o floco errante
Que nos ares de leve se espaneja!
Daí-me o som festival das alvoradas
Que da loira criança o sonho beija!

Daí-me os vítreos orvalhos que gotejam


Da ramagem do mato perfumado!
Daí-me o aljôfar noturno que roreja
O recinto dos mortos sossegado.

Eu não quero da terra os délios sonhos


Nem as vozes ruidosas da alegria;
Quero a sombra, o palor, a imensidade,
Quero o triste ecoar da ventania.

Como a graça dos mares quero as águas


Onde brinca à tardinha a viração!
Quero o lago que amei inda criança,
Quero um beijo do sol na imensidão!

Quero a névoa da noite que se espalha


Entre os célios faróis da imensidade!
Quero os goivos do gélido sepulcro
Que me fazem cismar na Eternidade!

Dai-me, dai-me, Senhor, o floco errante


Que nos vales de leve se espaneja!
Dai-me o som festival das alvoradas
Que da loira criança o sonho beija!

Daí-me a vida, meu Deus! A vida etérea,


Essa vida doirada que sonhei!
— Lá nos páramos azuis serei ditosa
Entre as flores de um mundo que adorei!

ROSA
Rosa, rosa dos amores,
Quem me dera os teus palores
Quem me dera o teu viver!
Eu teu berço de harmonia,
Quem me dera um dia, um dia,
De mansinho adormecer!

Murcha embora —quem me dera


Em sombria primavera
Ir de leve te oscular!
— Sonhadora das campinas,
Tuas folhas cristalinas,
Quem me dera inda beijar!

Mas quem sabe se teu fado


Pelo meu tão invejado
Não será hoje cruel!
— Quantas vezes entre cantos
De mistura não vêm prantos,
Não vêm prantos só de fel?

Quantas vezes a ventura


Não nos mostra a sepultura,
Não nos beija e lá se vai?
Quantas vezes um lampejo,
Do favônio em tênue adejo
Não nos leva n’um só — ai —?

O que é a vida — flor de neve —


Mais que um sopro brando e leve
Que nos ares se desfaz?
Que é o sol que lá rutila,
O que é a estrela que cintila,
Para a flor que morta jaz?
Tu és inda pura e bela
Como a cândida donzela
Que a cismar adormeceu!
Mas minh’alma em ti pressente
Um martírio que não mente,
Que não mente ao peito meu!

Tu soluças, branca rosa,


Alva fada buliçosa
Que em meu seio acalentei!
Tu soluças —mas distante
Como a noite titubeante
De um harpejo que sonhei!

Tu soluças! Quem me dera


Ter na fronte — primavera —
Ter no peito algum calor!
Tão formosa — desprezada —
Pelos ventos desfolhada
Sem carinho, sem amor!

Não mais chores! Ergue a face


Que da vida a luz fugace
Basta um sopro p’ra empanar!
Não mais chores na alvorada
Da risonha madrugada
Que te vem inda saudar!

FANTASIA
Era no baile — eu sorria
Como a flor em solidão;
Tinha na fronte alegria
Mas na mente escuridão.

Cismava fitando a noite


Com seu cortejo de amores;
Cismava fitando os mares
Por entre pálidas cores.

O que buscava eu nos mares,


Nos mares de puro anil,
Com as tranças nas flores presas,
Por entre a gaze sutil.

O que buscava? Não sei!


Só via a noite entre mim!
— Erguia meus olhos tristes,
Pensava na vida assim.

Nas breve nos puros ares


Vi um arcanjo surgir!
— Tinha na fronte a tristeza,
Nos lábios vago sorrir.

Em seus cabelos escuros


Luziam estrelas mil!
Tinha nas asas imensas
Uma penugem sutil.

Ergui-me e fitei a turba


Que junto a mim murmurava!
— era uma orquestra sem nome
Que em minha mente roçava!

Ali no baile a alegria,


Luzes, quimeras sem fim!
Mais longe o mar soluçante,
E um arcanjo entre mim!

Mais longe o vento noturno


Gemendo no matagal!
Mais longe a brisa saudosa
Chorando no laranjal!

Era uma noite sem lua


Mas bela no seu negror!
Suave leito de fadas
Ou ninho de puro amor!

Ali no baile a alegria


Luzes, quimeras sem fim!
Mais longe o mar soluçante
E um arcanjo entre mim!

Voltei-me, mas negra nuvem


Cobrira a sombra adorada,
E a meu lado adejando
Vi mariposa engraçada.

Chegou-se a mim, e na fronte


Roçou-me a asinha doirada;
“Em que tu cismas?” me disse
Da brisa a voz inspirada.

“Não vês a festa que corre,


Que doidejante suspira?
Não ouves serena endecha
De ignota festiva lira?”

“Que buscas? O raio argênteo


Da lua que surge além,
Ou buscas do mar a brisa
Que a fronte beijar-te vem?”

E o vento gemia ao longe


Nos seios do matagal!
E a brisa jurava amores
Às flores do laranjal!

E eu sorrindo à pergunta
Da mariposa engraçada,
Prendi de manso em meus dedos
A sua asinha doirada.

És curiosa, eu lhe disse


És curiosa demais;
penso que possa
mover-te em ais.
Só penso que tu és linda
E que um dia sonhei-te assim!
Com asas de todo presas
E presas estão por mim.

Só penso que as borboletas


Maldosas não voam não;
Pois logo que à luz se chegam
Mirradas por elas são.

Só penso que tu és minha,


Que presa por mim estás;
Que nunca terás mais sonhos
Nem flores irás tentar.

E minha destra gelada


A pobrezinha oprimia!
— e o baile no seu murmúrio
Entre risos se expandia!

E a lua surgia altiva


Qual odalisca gentil,
Cercada de seus vassalos
Em vasto campo de anil!

E o vento gemia sempre


Nos seios do matagal
E a brisa jurava amores
Às flores do laranjal!

E eu sorria beijando
A borboleta gentil!
— seus olhos luziam tristes
Com um brilho de luz febril.

Quem sabe, comigo eu disse


Se ao longe deixou seu ninho
Esta carícia dos anjos
Vestida de branco arminho?!

E tive pena... de manso


Soltei-a nos puros ares
— Vai, foge, lhe disse ainda,
Procura teus doces lares.

Porém a ingrata fugindo,


Não quis sequer me escutar!
Fitou as flores do baile,
E lá se foi embalar.

Chamei-a, mas foi embalde,


Busquei-a, mas foi em vão!
— Ergui meus olhos chorosos
Cravei-os na imensidão!
E o baile no seu murmúrio
Começava a serenar!
E as virgens — morenos anjos,
Se embalavam a valsar!
II
Já as alvas no claro seio
Das ninfas se reclinavam;
E os astros empalecidos
No horizonte se apagavam;

Quando um arcanjo luzente


Surgindo no céu azul
Pousou seu manto dourado
Nas calvas serras do sul.

Era o anjo da meia-noite


Que eu vira surgir além!
Com seus cabelos cheirosos,
Seus sonhos de luz também!...

“Por que tu choras?” — me disse


“Com os olhos fitos no céu?
“Não mais medites no baile,
“Que a mariposa fui eu.”

“Desci dos ares sorrindo,


“Fingi na luz me queimar;
“Quis ver se tu meu exemplo
“Buscavas, anjo, tomar.

“Quis ver se o gênio fulgurante


“Da poesia esquecias;
“Se no folquedo entre luzes
“Essa tristeza perdias.

“Não chores, eu sou o anjo


“Que presido ao fado teu;
“Não creias na mariposa,
“Que a mariposa fui eu.

“Não creias nas borboletas


“Que adejam de noite assim!
“São silfos que à terra descem,
“Envoltos no azul cetim.”

O anjo calou as vozes


E eu sorrindo acordei
— A mariposa escondeu-se
E nunca mais a encontrei.

Conciliador, 30-10-1873

VII
Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste castelo que tombou!
Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou.

Olha, eu tenho inda o véu com q’adornei-me,


Tenho a flor com q’ornei-me p’ra te ver!
Vamos juntos formar o nosso ninho
Do favônio gentil ao estremecer.

Tu és loiro e formoso! eu te idolatro


Como a mãe ao filhinho que criou!
Como a rola a floresta que lhe acorda
Uma quadra amorosa que passou!

Vem, meu jovem poeta! — Vamos juntos


Levantar nosso ninho que pendeu!
— Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.

As laranjeiras se vestem de mil flores.


Os vagalumes se acendem na espessura
— Vem meu noivo querido! é hoje, é hoje,
Nosso dia de amor e de ventura!

Deixa, deixa esta pálida tristeza,


Nossa casa gentil vamos ornar!
— Plantaremos na porta mil roseiras
Cantaremos, meu anjo, à beira-mar.

Vem, meu jovem poeta! vamos juntos


Levantar nosso ninho que pendeu
— Nossos tristes filhinhos nos esperam
Entre o orvalho da rosa que morreu.

Quero a vida sorver n’um beijo teu,


Quero a mágoa esquecer n’um teu respiro
Quero sonhos doirados da existência
Là, só lá converter n’um teu suspiro!

Vem, meu lindo poeta! pobre noivo


De meu triste passado que tombou!
— Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou!

(Poesia recebida por Carvoliva em 22-11-1874)

Ao Sabiá
Júlia da Costa
Ai! quanta inspiração, quanta saudade
Tu me acordas no peito adormecido,
Quando trinas de amor magas endeixas
Da tarde ao declinar.

A tua voz a minh’alma se dilata,


E ao tremer do favônio ao chão de flores,
Sonha, oh! sonha um porvir cheio de glórias
Do sol ao descambar.

Oh, me ensina essas doidas fantasias,


Cavatinas de amor — trechos sublimes,
Com que encantas a terra embevecida
Nas luzes do arrebol;

Vem cantar de mim perto esses idílios


Que me acordam mil sonhos de ventura,
Que me inundam de luz a fronte morna
Beijada pelo sol.

Vem cantar de mim perto. A tarde é bela,


A floresta se cobre de mil flores
E a natureza em festa te saúda,
Poeta sublimado.

Canta, ó canta no galho viridente,


Entre os doces e mágicos eflúvios
Da folhagem que mansa se debruça
No solo perfumado.

Vem cantar de mim perto, e quando à noite


Minhas faces morenas desmaiar;
Quando o orvalho dos anjos em meu seio
Manso e manso cair;

Quando tudo for sombra e solidão,


Em um treno final traduz teus sonhos
Pelos ermos calados de minh’alma,
Que ela te há de ouvir.

S. Francisco, janeiro 1881.

Ecos Longínquos
Júlia da Costa
Quem és tu que me chamas de poetisa,
Que meu nome repetes com a brisa
Que te banha de luz o coração?
Quem és tu, bardo ignoto que despertas
Do valado as boninas mal abertas
Com teus vôos de santa inspiração?

Tua voz eu escuto pensativa


Como a voz da saudosa patativa
Que no ermo cantando alegra os ares;
És poeta, bem sei; mas onde vives,
Que saudade da pátria me revives
Com teu doce cantar além dos mares?

Poetisa não sou; guarda essas flores


Para ornar o jardim dos teus amores,
Para ornar de algum anjo a fronte linda.
Sou agreste rosal cheio de espinhos,
Pois nasci na vargem sem carinhos
Como a concha atirada em praia infinda.

Poetisa não sou; por Deus, não digas


Que meus cantos te inspiram; não prossigas
Nessa amarga ironia, ó trovador!
Canta o céu, a natura, a vida tua,
Os teus sonhos gentis à luz da lua,
Mas não fales em mim, doce cantor.
S. Francisco, fevereiro 1881.

Súplica
Júlia da Costa
Nas noites brancas distraída eu vejo
Vagar nos mares solitária luz;
Se a lua é clara mais a luz se mostra
Do azul das ondas ressurgindo a flux.

Se a lua é clara, encarando a terra


Sinto-me triste como a dor vergar;
Pois ouço vozes que me acordam sonhos
De um outro mundo que me faz cismar.

Olho tristonha para o mar que geme


Para esse mundo que eu adoro já,
E sinto n’alma um terror sem nome
Por essa lousa que me aguarda — lá.

Morrer... horrível — ir dormir na tumba


Co’as negras tranças perfumadas inda;
Pender a fronte sonhadora e bela
No pó da terra — solitária, infinda.

Deixar as flores, as borboletas brancas,


O sol da vida que nos faz sorrir;
O verde laço que nos diz: — Espera
Em face sempre de um gentil porvir.

Deixar a lira que modula hinos


Pela saudade que o tufão consome;
Deixar os risos, mocidade e crença
Pelo sepulcro — escuridão sem nome.

Meu Deus, a vida! eu desejo a vida


O nada é triste, a solidão medonha;
A morte é negra — o silêncio horrível,
Na lousa o peito ilusões não sonha.
S. Francisco, fevereiro 1881.

Murmúrios do Crepúsculo
Júlia da Costa
Há na mente uma corda suave
Que vibrada alta noite seduz;
Que afinada nas asas do vento
Um poema infinito traduz.

Há no peito do homem que pensa


Um cantinho vestido de gala,
Que nas horas mais tristes da vida
De uma aurora fulgente lhe fala.

Há no doce marulho das ondas


Um murmúrio de místicos sons,
Que repte, soluça um nome
Em diversos e plácidos tons.

Há enfim uma voz poderosa


Que se ergue dos seios do mar,
Que nos lembra um afeto profundo
Que nos faz entre risos chorar.
Mas os prantos que inundam noss’alma
E os murmúrios que fogem do mar,
Não nos falam de sonhos mentidos,
Não nos lembram da vida um azar.

1. Não prometem futuros gigantes


Que esmorecem da tarde ao cair;
Só nos deixam nos lábios quietos
Um divino, amoroso sorrir!

Essas vozes serenas do ermo


Repassadas de meiga saudade,
Um só nome repetem bem alto,
Um só nome que diz — Amizade!
S. Francisco, maio 1881.
Gazeta de Joinville, 1-6-1881

A Noite
Júlia da Costa
O céu é azul, mas os pássaros são mudos.
O céu cintila, mas embalde a terra
Ergue seu brado pela noite em meio,
Dormem as aves — a floresta é muda,
Funda tristeza nos oprime o seio!

A noite desce tenebrosa e fria


Como um fantasma pela terra nua,
E a crença expira no vigor dos sonhos,
Ao simples toque da roupagem sua.

Tudo fenece, e debalde em luzes


O céu cintila de perfumes cheio;
O mar é negro — a floresta é muda,
Dormem as aves pela noite em meio.

Embalde a noite traiçoeira e linda


Seu manto enfeita de gentis orvalhos,
Mentem os ermos que lhe dão perfumes,
Mentem as flores a tremer nos galhos.
S. Francisco, agosto 1881.

Noite de Luar
Júlia da Costa
A noite corria e a lua brilhava
Com morno clarão,
As aves dormiam no leito de penas,
Sopravam de manso as brisas amenas
Na grata soidão.

Sentada num bando de musgo viçoso,


À luz do luar
Cismava uma virgem sorrindo formosa
C’o a fronte encostada na destra mimosa,
Qual nauta a sonhar.

À beira das águas fitando em silêncio


A areia da praia,
Sorria faceira no banco de espuma
Envolta nas vestes de pálida bruma
Que a noite desmaia

Do céu estrelado sorvendo os orvalhos


Qual flor em botão;
Dormente esquecida pensava na vida
Que mansa se abria qual folha querida
Do seu coração.
Cheguei-me e sentei-me de manso a seu lado
À luz do luar;
E ela fitou-me, sorriu-se indecisa
Em face dos astros, das águas, da brisa,
as ondas do mar.

Depois merencória ergueu-se e fugiu-me


De leve a correr,
Qual garça ligeira seu vôo soltando,
A mística imagem se foi ausentando
Com triste gemer.

Afirmar-se algures que em noites caladas,


À luz do luar,
Ressurge esse anjo — visão nevoenta,
Fitando a ardentia que triste rebenta
Nas praias do mar.
S. Francisco, 1881.

A Primavera
Júlia da Costa
Poesia oferecida à redação da Grinalda
Canta o galo — vozeia a criação,
Surge o dia repleto de alegria
Cada arbusto traduz um pensamento,
Cada gota de orvalho, uma harmonia!

Um poema de amor ergue-se ao longe


Pelos cerros azuis da fantasia:
É a vida suave que começa
Para os filhos diletos da poesia!

Da inquieta floresta surgem eles


Enfeitados de cândidos fulgores,
E a mente sonhadora se extasia
Escutando seu cântico de amores!

É o quadro mais belo que a natura


Oferece à campina semi-aberta;
Enquanto o mar adormece em frio leito
A floresta retumba em mole festa!

Como é belo o acordar da primavera,


Como é doce o entreabrir de um belo dia,
Quando o peito se banha de esperanças,
Quando a mente se inunda de poesia.

Como é bom o viver quando a ventura


Se desdobra a sorrir na solidão;
Quando o livro da vida ainda em branco
Se entreabre buscando uma afeição.
Como é bom idear a f’licidade,
Entre as moitas cheirosas de alecrim;
Quando as aves do brejo em desafio
Manso e manso saltitam no capim.

Esperançosos mancebos, brancos gênios


Que a “Grinalda” banhais de poesia,
Desdobrais vossas asas cetinosas
Nesta quadra de luz e de harmonia.
Sobraçai vossas liras, que a “Grinalda”
Já tão rica de viço e inspiração,
Tomará nova força entre os fulgores
Dessa luz que nos banha o coração.
S. Francisco, janeiro 1882.

Sons Perdidos
Júlia da Costa
Vês o céu, a campina, a natureza,
Este campo infinito de poesia?
Vês as nuvens doiradas que se agitam
Ao cair da neblina em pleno dia?

Vês as garças que pairam sonolentas


Nesta praia isolada que me inspira?
Pois, cantor, o que vês, tudo pertence
Da minh'alma sonora à rude lira.

Serenatas de brisa - vozes soltas


De folhagem bolida pelo vento,
tudo n'alma me cai como um idílio,
Tudo acolhe a sorrir meu pensamento.

Amo a terra somente pelas flores,


Pelas brumas azuis do alvorecer,
Pelas asas gentis das borboletas
Que me fazem de inveja estremecer.

Amo o céu à tardinha pelas cores


Que ele ostenta a sorrir ao pôr-do-sol;
Amo os raios da lua em noite bela...
Amo as nuvens fagueiras do arrebol.

Amo as brisas do mar - as brisas mansas


Que me inspiraram sonhos de alegria;
Que embalsama a terra onde adormeço
Ao balanço da rede em pleno dia.

A minha alma é formada de harmonias


E só vive de luz, de vibrações;
Como a flor que viceja à beira d'água,
Ela vive a cantar nas solidões.
Americana
Gazeta de Joinville, 16-8-1882.

A Noite
Júlia da Costa
O luar manso e triste além prateia
Do céu a imensidão;
E do mar os arcanjos luminosos,
De volúpia estremecem jubilosos,
À voz da criação!

Correm mansas as brisas perfumadas,


Cantando seus amores;
E do cimo azulado da colina,
Surge triste uma fada peregrina
Toucada de esplendores!

Das neblinas não traja as brancas vestes,


É triste o seu sorrir!
Mas no manto que é negro e rogaçante
Traz mil gotas de luz de um mundo errante
Que fala do porvir!

É ela, meu Deus! a doce amiga


Que eu vejo à beira-mar!
Quando ao longe as estrelas maviosas,
Mil centelhas desferem luminosas,
Eu vejo-a despontar!

Desce, ó noite gentil! ó casta filha


Da mórbida saudade!
Vem beijar-me em silêncio... o vento geme,
Suspira a imensidade!

Já não cantam as aves... nem os ecos


Modulam mais sequer!
Mas minh’alma inda beija as mortas folhas
Que alastram o vergel!

Vem, ó anjo do orvalho! doce amiga


De plácida harmonia,
Que me inspiram ainda longes cantos
Nas harpas da poesia!
Gazeta de Joinville, 27 de setembro de 1882.

Uma Folha ao Vento


Júlia da Costa
A noite é negra — o areal é triste,
A praia imensa, taciturna e só!
Eu vou descalça caminhando à toa,
Me cega o vento, me sufoca o pó!

Queres seguir-me, caminheiro errante?


Eu vou em busca do meu pátrio lar!
Mas tenho medo desse mar de gelo,
Da voz do vento que me faz chorar.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura


De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou p’ra o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Queres seguir-me? luminosa aurora


Talvez ressurja nesta note densa!
Talvez perpassem repentinas auras
Pelas areias desta praia imensa.

Talvez à sombra do arvoredo amigo


Por entre redes de cheiroso orvalho,
Possa minh’alma descansar na pátria
Como a avezinha em florido galho.

Deixei meu ninho sobre a fralda escura


De uma montanha que se ergue ao sul!
E vou pr’a o norte procurar meu berço,
Ver as estrelas do meu céu azul.

Avante! As águas remanseiam tristes,


Aragem mansa me bafeja a fronte...
Alva igrejinha entrevejo ao longe
Por entre flores de encantado monte!...

E a brisa geme, — “Paraná” — dizendo,


E os sonhos tristes remurmuram lá!
Nota dorida de uma lira amiga
A meus ouvidos silencia já!

A pátria! a pátria! Sonhadora errante


Já vejo luzes no horizonte azul!
Já na minh’alma desabrocham flores...
Adeus meu ninho... vibrações do sul!

Foi tudo sonho! A chorar acordo,


Olho e só vejo pelo céu a lua!
Nem praias brancas, nem aragens meigas,
Só triste a brisa pelo mar flutua!
São Francisco, 12-11-1882.

A Noite (Soneto clássico, em decassílabos)


Júlia da Costa
Brilha o céu, mas em vão soluça e brada
A terra ansiosa, com pueril receio!
É densa a treva; nessa paz calada
Funda tristeza nos oprime o seio!

Tudo fenece, embaixo da orvalhada


Repousa o campo de perfumes cheio!
Negro é o mar, a floresta sossegada,
Dormem as aves da espessura em meio!

Embalde a noite traiçoeira e linda


Enche de encantos os bosques e os atalhos,
E, enquanto de fulgor o espaço alinda,

Seu manto enfeita de gentis orvalhos:


Mentem os ermos na amplidão infinda!
Mentem as flores a tremer nos galhos!
(Versão encontrada em Marinha, Ano VI, n. 56, 1882)

Harmonias do Crepúsculo
Júlia da Costa
O teu gênio, essa chama que cintila
Do sol ofusca a viva claridade.
Barros Júnior
Ouvi-te tocar um dia
A casta diva sonora
E na minh’alma a essa hora
Levantou-se uma harmonia!
No meu livro abandonado
Fui procurar esse hino
Que dedilhaste sorrindo
Aos ecos da ventania!

Em face do meu piano


Folheando o álbum meu,
Sentindo a brisa do céu
Em meu seio estremecer,
Eu a medo dedilhei
Esse suspiro de uma alma
Que interpretaste com calma
Quando o sol ia morrer!

Então eu vi-te num sonho,


Loura visão de poeta!
Rosa de um dia entreaberta
Nas horas do entardecer.
Vi-te passar altaneira
Cercada de brancas flores,
Lá no país dos amores
Em que te foste esconder!

E tua voz tão pausada,


Tão doce como um suspiro
Da fresca brisa ao respiro
Veio em minh’alma vibrar!
Então meus dedos ligeiros
Pelo teclado roçavam...
Plangentes notas vibravam
Ao ver teu vulto passar!

Bem sei, bem sei que não posso


Com rudes cantos sem arte
Da glória ao cume levar-te,
Descortinar-te o porvir!
Tu no piano és sublime,
E só me incutes desejo
De te imitar num harpejo,
De teus adejos seguir.
S. Francisco, outubro 1883.

A...
Júlia da Costa
Por que meditas? A minh’alma vive
Cismando sempre no teu doce olhar!
Se a noite chega, te recordo em prantos,
À luz fagueira do gentil luar!

Se a noite chega, no dormir das flores,


Das flores lindas se me prende a mente!
Oh! quem me dera contemplar-te sempre,
À luz esquiva do luar fremente!

Oh! quem me dera modular-te cantos,


Por essas noites de neblina amada!
Sorrir-te à tarde, quando o sol não arde,
Beijar-te os cílios em manhã doirada!

Oh! quem me dera a primavera eterna,


Para sorrir-te no correr da vida!
Flores mimosas para dar-te em sonhos,
Entre os fulgores de uma luz querida!

Mas nada tenho... foi comigo avara


A natureza, nos favores seus!
Deu-me somente uma lira inglória,
Que vibra e escuta os soluços meus!

Aceita pois desta lira inglória,


Trovar sentido de um sonhar imenso
Não tenho flores para dar-te, ó bardo,
Mas dou-te os mimos de um amor intenso!

LVII
Júlia da Costa
Vive e sonha! Minh’alma te bendiz,
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
e se perde a sonhar, na imensidade!

Vive e sonha! Por ti vibro inda cantos


que a descrença calar me fez um dia!
Por ti julgo rever o céu da vida,
Uma estrela sumida na agonia.

Ao Anjo da Minha Guarda


Júlia da Costa
Por que te vejo eu dormente
Como a flor à beira-mar?
Por que não falas, meu anjo,
Que mal te fez meu cantar?

Que mal te fez a andorinha,


Que esvoaça de ti perto?
Que mal te fez a minh’alma
P’rá viver neste deserto?

Eu quero a vida, essa vida,


Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

O mundo me causa tédio,


Não posso viver, ai não!
Se tu me esperas no céu,
Ouve, ó anjo, esta canção:
Ouve a voz do peito meu,
Que te leva a viração
E de lá desfere um hino
Que ecoe na imensidão.

Por que não falas? Que importa


Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?

Eu quero a vida, essa vida


Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Diz a nuvem do arrebol


Que fulge outra vida lá,
Que o sol, que brilha é prenúncio
De gozos que cá não há.

Quem sabe? Minh’alma diz,


Que tu me esperas no céu!
Diz-me do mar a gaivota,
Que é só meu o sonho teu.

Em minhas noites de febre,


Sempre tu a me acenar.
— não és o anjo das tumbas
Que eu bem sinto o teu olhar...

Não és visão, que eu conheço


Essa face branca e fria,
Esses cabelos doirados
Esse rir, essa harmonia.

És o meu anjo querido


Por quem tanto solucei
E que, perdido uma vez,
Nunca mais o encontrei.

Eu quero a vida, essa vida,


Que sonhei perto da tua,
Entre sorrisos e flores
Ao clarão da branca lua.

Se a rosa branca que dei-te,


Inda conserva o frescor
Por que não cantas a rosa
Da doce lua ao palor?

Se a pátria deixada um dia


Inda guarda o berço teu,
Por que da pátria distante
Já não me falas do céu?

Deixaste a pátria sem pena


Sem pena dos prantos meus!
E foste triste, sozinho
Pousar teu berço nos céus.

A noite desdobra o manto


Pia a coruja nos ares...
Mas a gaivota inocente
Ainda paira nos mares...

Oh! dize a ela que vives


Distante dos irmãos teus,
Mas que aguardas a minh’alma 
Da noite nos puros véus...

O vento cicia triste


Nas folhas do limoeiro!
Oh! a ele pede que seja
De teus hinos mensageiro!

Por que não falas? Qu’importa


Que o mundo, o mundo te escute?
Se teu angélico canto
Só em minh’alma repercute?

Últimas Quadras
Júlia da Costa
Nem uma gaivota paira
No azul triste dos mares;
Tudo é silêncio profundo
Tudo diz agros pesares.
3 de maio

Tantas noites de agonia


Tanto sonho espedaçado
Tantos dias sem valia;
Tanto sol desperdiçado.
4 de maio

Há vozes que vibram,


Que vibram no peito
E lembram pesares
De um sonho desfeito

Há vozes que vibram


Que vibram no escuro
E lembram delícias
De um belo futuro.
18 de maio 1907

Página Solta
Júlia da Costa
As horas caminham, esvaem-se os dias
No báratro fundo de um morno passado;
O sol esmorece, — desmaiam as nuvens,
Por entre as estrelas de um céu adorado.

Nos mares perdido, o nauta cansado


Seus olhos estende fitando o arrebol,
E as doces imagens que a vida lhe ameigam
Lá surgem ao longe cercadas de sol!
Ditosa esperança, vestida de galas,
Lhe beija os cabelos com doce carinho,
E ele sorrindo de leve adormece,
Qual ave mimosa no flácido ninho!

As horas caminham, as aves acordam;


O nauta desperta; — começa a viver!...
Só a pobre proscrita sem pátria, sem norte,
Começa chorando seu mudo sofrer!

E chora, e soluça!... das aves o canto


Saudade lhe trazem de um tempo feliz
Saudades da pátria, dos sonhos ditosos
Que a mente lhe ornaram de grato matiz!

Enquanto tu vives, ó nauta ditoso,


Nas ondas sonhando venturas dos céus,
A pobre romeira, n’um sonho pressago,
Maldiz o destino, descrendo de Deus!...
Sonhos ao Luar
Júlia da Costa
Quem és tu, bardo noturno
Que me fazes meditar?...
Serás por acaso o eco
De meu triste cogitar?...

Eu também amo a saudade


Que me inspira a solidão;
Amo a lua que me fala
Do passado ao coração.

Como tu choro uma noite


De luar que se ocultou;
Como tu choro a esperança
De uma aurora que passou.

Quem és tu, bardo noturno


Que me fazes meditar?...
Quem és tu que na minh’alma
Vens de manso dedilhar?...

Serás inda a sombra errante


De uma noite que morreu?...
Meigo raio de ventura
Que em meu seio se escondeu?...

Quem és tu? dize quem és


Branca sombra lá do céu!
Diz o nome do teu canto
Que eu direi-te quem sou eu!

Noite de Luar
Júlia da Costa
Corre a noite, e branca sombra
Reclinada em mole alfombra
Vai de manso a navegar!
— Bateleiro dos amores,
Deixa o leme, deixa as flores
Vem de manso me inspirar!

— Bateleiro! Que ventura!


Nesta lira que murmura
Achei eco: — cantarei!
Vem, escuta, o canto é belo,
É um idílio bem singelo
Que das brisas imitei!...

Noite bela, céu sem lua


Traz à mente que flutua
Longas cismas de matar!
Mas se tu, ó bateleiro
Pelo mar passa ligeiro,
Mais encanto lhes hás de dar!

Oh! que belo em noite calma


Quando fulge a crença n’alma
Escutar-te em soledade!...
São as brisas do levante
Haras d’um peito amante
E teu hino uma saudade!...
É minh’alma a noiva aérea
Que do vento à voz sidérea
Estremece a suspirar!
E teu canto, ó timoneiro,
O seu sonho mais fagueiro
Nestas noites de luar!...

Canta, canta, que minh’alma


Verga triste como a palma
Do jazigo solitário!...
Sou a noiva de teus cantos,
Vem beijar meus frios mantos
Com teu pálido sudário!...

Tudo é belo —  a natureza


Com seu pálio de tristeza
Vem sorrir ao canto teu!...
E minh’alma a noiva linda,
Com sua luz pálida e infinda
Se reclina em branco véu!...

São as brisas do levante


Harpas d’um peito amante
Que medita em solidão!
E teu canto sonoroso,
Alaúde mavioso
Dos arcanjos na amplidão!

Timoneiro, a noite é bela,


Tem a terra luz singela
Tem perfumes de encantar!...
— Solta a vela, dá-me um canto
Que revele todo o encanto
Desta noite de luar!...

Rosa de Amor
Júlia da Costa
(Imitação)
Nós temos n’alma escondida
Como a onda além dormida,
Uma flor empalecida
Que nos beija o coração;
Uma flor pálida e fria
Repassada de harmonia
Que nos fala de poesia
Ao chorar da viração.

Tudo em roda nos sorri


Canta ao longe o bem-te-vi
Curva a fronte o sapoti
Ao passar do vendaval:
Mas a flor sempre chorando,
Vai de manso se curvando
Como o sol além tombando
Ao gemer do temporal.

Oh! que noites tão sombrias,


Que saudosas harmonias
No correr das ventanias
Não soluça o coração.
De nossa alma a luz se esvai
Como ao longe, ao longe um ai,
E ela triste, triste vai
Soluçar na imensidão.

Tudo é negro, mas nos seios


Entre mórbidos enleios,
Entre cálidos anseios,
Reverdece uma só flor.
Se pergunta-lhes tremendo:
— Quem és tu? — ela gemendo
Te responde estremecendo:
“Eu sou a Rosa de Amor”.

Sonho de Uma Noite


Júlia da Costa
I
É noite! A viração saudosa geme,
Tem estrelas no espaço, — a terra em flores;
E entre névoas e brumas o mar brilha
Espelhando do céu áureos fulgores.

É noite, e no mar um vulto assoma,


Caminhando nas ondas mansamente;
É um batel que volteia preguiçoso
Ao clarão do luar doce, tremente.

Dentro dele, de leve reclinado


Sobre moles coxins de rósea cor
Dorme, dorme um mancebo descuidado
Entre os sonhos azuis de um puro amor.

E a brisa sacode-lhe tremendo


Os anéis dos cabelos alourados!
E a lua do céu manda-lhe beijos
Pelas asas dos zéfiros dourados!

E ele dorme e caminha! Mas o vento


N’um gemido de dor ergue-se então,
E do moço poeta o sonho lindo
Pelos ares dispersa, qual visão.
Então ele se ergue, fita o espaço,
Fita os mares, o barco, o bateleiro,
E uma lágrima de dor e de saudade
Manda ao teto que deixa—hospitaleiro!

— Adeus, anjo que amei! — ele murmura,


Vendo a barca voar, doce, ligeira!
— nunca mais me verás — mas a tu’alma
Sonhará com o bardo a vida inteira!

— Adeus mãe adorada! pobre amiga


Que meus sonhos doiraste na soidão!
Os favônios do sítio onde deixei-te
A esta hora de mim te falarão.

E o batel caminhava! a madrugada


Já beijava do céu o róseo manto,
Quando o loiro mancebo no horizonte
Se sumia, co’a face envolta em pranto!...

II
Longo tempo é passado! A doce pátria
Do poeta gentil das alvoradas,
Está muda e deserta como a lousa
Que suas crenças de amor guarda mirradas .

Longo tempo é passado! a meiga virgem


Que o chorava na noite no mistério.,
Sem ter vida no peito — já cadáver,
Dorme, dorme no frio do cemitério.

Fora ali no país triste da morte


Que ele a vira sorrir pura e formosa!
Fora ali que a encontrara a vez primeira
Entre nuvens de gaze cor-de-rosa!

E hoje é mudo o cipreste qu’inda guarda


Do poeta e da virgem o primo olhar
E só junto às muralhas da saudade
Se ouve triste a rolinha a soluçar.

Tudo é mudo e sem vida como a noite


Que do anjo sem vida a face gela!
Nem mais raios de sol nem alvoradas
Nem mais cantos gentis de filomela!

Um Livro
Júlia da Costa
“Canta, canta, oh! filho da poesia.
Se o céu tem pérolas e a terra flores
teu coração tem sorrisos a derramar
por tudo que o rodeia!”

nas trêmulas brumas de noite sombria


achei um livrinho sem luz nem calor
— História de um anjo! Que fundo mistério!
Os anjos têm livros que falam de amor!

Os anjos escrevem, têm sonhos mimosos


Têm lindos cadernos que fazem chorar!
Têm livros de rosas, com fechos dourados,
Que fazem os astros de leve sonhar!

Os anjos suspiram nas loiras madeixas


Das filhas da terra que pálidas são!
Têm horas suaves de magos arroubos,
São eles poetas no azul da amplidão!

São bardos sublimes que vibram saudades


Na lira inspirada dos túmidos mares!
São meigos cantores que à luz das estrelas
Do peito saudoso dissipam pesares!

— História de um anjo! — que livro formoso,


Que lindo parnaso, que vida, meu Deus!
No meio das flores... no centro dos bosques...
Foi pena que o anjo voasse p’r’os céus!

Que livro formoso! É pena ser triste,


Só fala de lousas, de morte também!
— Que anjo descrido que deixa ventura
Que foge entre prantos p’ra o mundo d’além!

Silêncio! Não quero, não quero que saibam


Os meigos arcanos do livro gentil!
Sua capa é de rosa — seu fecho de flores,
Suas folhas exalam perfume sutil.

Tem riso, tem prantos, tem fel, tem encantos,


Tem frases risonhas que fazem chorar!
Tem dias formosos, tem noites sombrias,
Tem cantos perdidos à luz do luar.

Tem ecos sentidos que acordam saudades,


Que dizem venturas, incertas talvez!
Tem notas sublimes que aqui sobre a terra
Somente se escutam tremendo uma vez!

O Poeta e a Pastorinha
Júlia da Costa
Por que tu te miras no lago que corre
Se a noite sombria no monte desmaia
Por que tu descoras se o vento caminha
Beijando no manto gentil sapucaia!

“O vento que passa,


Me pode esquecer;
Eu sou ciumenta
Não quero sofrer.”

Tu és ciumenta? Que louca tu és!


Não vês que és formosa, dengosa, gentil!
Que o vento que passa pedindo-te beijos,
Te busca debalde no monte de anil?
“Me deixa em sossego,
Não queiras teimar;
Eu sou ciumenta
Não queo penar.”

Nem deixas, morena, teu vago perfume


Ao bardo que chora de leve aspirar?
Teus lábios formosos beijar em segredo,
Aos raios nitentes do claro luar?

“És louco, mui louco


Falando-me assim;
Me deixa em sossego,
Tem pena de mim.”

Mas olha que nuvem, que noite medonha


Lá vem envolvida no fúnebre véu!
A vaga se agita— suspiram as águas,
Ai, vem recosta-te no peito que é meu.

“Aqui, sem abrigo


Prefiro morrer
Eu sou ciumenta
Não quero sofrer.”

Que louco ciúme! que flor caprichosa


Que a morte procura na borda do mar!
— Eu dou-te minh’alma, meus cantos singelos
Se tu em meu seio quiseres sonhar!

“Não quero tu’alma,


Não quero teus cantos;
Dos anjos eu tenho
Harpejos mais santos.”

Adeus, ó pastora! teus campos eu deixo,


Tu ficas exposta aos ventos do rio!
— mas longe diviso gentil passarinho...
Que novas traz ele? Minh’alma sorriu!

“Já vês, ó poeta,


Que eu não te falava,
Sem ter uma idéia
Que firme guardava.”

Que flor caprichosa! teus vagos receios


São gotas de orvalho que brilham no céu,
Tu tens mais candura que a concha inocente
Que a concha inocente do lago sem véu.

“O bardo bem pode


Mentir no amor;
É minha divisa
Firmeza e candor.”

Então, tu desprezas meus cantos singelos,


As trovas tão lindas que dou-te a sorrir?
Não amas o bardo que sofre saudades,
N’um mundo deserto, sem luz nem porvir?

“Já disse que amava,


Só tenho um amor;
— Não sou da cidade
Meu jovem cantor.”

Então se tu fosses rainha das salas,


Mentias-me, dize, mentias-me assim?
Se em sedas custosas te visses envolta,
Não tinhas, não tinhas mais pena de mim?

“Se eu fosse coquette,


Se eu fosse bonita
Prendia-te rindo
Nas pontas da fita.”

Bem dizes, pastora! Tu’alma é singela;


Os anjos felizes não sabem amar!
Cabeças tão leves qual floco ambulante,
Só buscam triunfos no mundo ganhar.

“Se pensas assim,


Não vás à cidade;
As moças felizes
Não nutrem saudade.”

Bem dizes, pastora! contigo nos prados


Por entre boninas feliz correrei!
— Mas tu aborreces meus cantos sombrios...
Nas liras sem cordas jamais tocarei!

“Oh! canta, que eu quero


De leve sonhar!
Sutil poesia
Me traz teu cantar.”

O Poeta
Júlia da Costa
O poeta é a flor que desabrocha túmida
Ao sol da vida que dá luz ao val
É o orvalho doce de gentil aurora
Em tímido rosal!

É o círio ardente de uma crença santa


Que o mundo aponta ao descair do dia
É um’alma crente que se une aos anjos
Em mágica harmonia

O poeta é a luz que rutila vívida


Nos verdes campos da feliz mansão!
É um sorriso que desmaia trêmulo
À voz do coração!

O poeta é o gênio que dá vida à terra,


Dá voz à brisa, dá perfume ao mar!
É o cisne lindo que desprende as asas
Em trêmulo ansiar!...
A Mocidade
Júlia da Costa
O que é a mocidade?
A rosa que a ventania
Dispersa no chão da vida,
Como a noite espanca o dia,
Como o tempo a luz do gênio,
Como a procela a ardentia,

Como palpá-la, gozá-la,


Se é tão breve o seu reinado?
Se a luz da vida é sombria
Como a fronte de um finado,
Se os sonhos da aurora morrem
Ao fogo de um sol doirado?

Como gozá-la entre risos


Na estação pura das flores
Se a humanidade é tão louca
Que se perde entre negrores,
Se o peito tem tanta vida
Se a vida tem tantas dores?

A mocidade é quimera,
É madrugada de amor!
É flor que pende, se a brisa
Do tempo lhe rouba a cor;
É um sonhar incessante,
Mas que tem muito amargor.
Entre boninas e rosas
Se asila a dor que crucia;
Na mocidade é mais triste
A dor de um peito que ansia,
Tem mais espinhos a vida,
Mais horrores a agonia!...

Queixas
Júlia da Costa
Outrora, outrora eu amava a vida
Meiga, florida na estação das flores!
Amava o mundo e trajava as galas
Dos matutinos, virginais amores.

Que sol, que vida, que alvoradas belas


Por entre murtas eu sonhava então,
Quando ao perfume do rosal florido
Da lua eu via o divinal clarão!

Hoje debalde no rumor das festas


Procuro crenças que só tive um dia!
Minh’alma chora e se retrai sozinha,
O pó das lousas a fitar sombria!

Embalde, embalde, o bafejo amado


Da morna brisa minhas faces beija!
Meu peito é frio, como é fria a nuvem
Que em noites claras pelo céu adeja!
Embalde, embalde, no ruído insano
Das doidas festas eu procuro a vida!
Meu corpo verga... meu alento foge...
Sou como a rosa do tufão batida...

Uma Página ao Coração


Júlia da Costa
Não sou poetisa mas minh’alma em dores
Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge uma floresta esguia!

Amo a saudade que me infunde o dia


Amo a ardentia do oceano azul
Amo a esperança que me traz a tarde,
Quando o sol arde ao descair do sul!

Amo a lindinha que se mira esquiva


Tão pensativa no azul das águas!
Amo seus olhos, de uma cor escura
Sua fronte pura, sem pesar, sem mágoas!

Amo a natura no bailar da terra


Enquanto a serra tem amor, tem luz!
Amo seu riso, seu trajar esbelto
Seu mar inquieto que a cismar conduz.

Adoro tudo que me chama à vida


Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!

Se triste grita a araponga ao longe,


Se a voz do monge se retrai sombria,
Na voz do mato — ao chorar da fonte
Eu sinto a fronte descair já fria!

A noite, a noite! pesadelo horrível,


Tão terrível que me faz gemer!
Por entre prantos nos vergéis de prata
Ele retrata meu cruel sofrer!

Se ela chega a esperança vai-se.


A crença esvai-se como um vão sonhar!
Dançam as larvas de meu leito à beira.
Foge ligeira minha fada alvar!

Um eco escuto como a voz funérea


À nota séria do pesado sino
E o meu anjo guardador eu vejo
Em manso adejo perpassar tristonho!

E ele passa... a cabeleira linda


A sombra infinda perfumando vai!
As asas brancas desatadas soam,
Na sombra ecoam farfalhando um ai!

Depois, silêncio, pesadelo horrível,


Tão terrível, que me faz chorar!
A voz do sino — o cair da neve
Na praia leve do calado mar!

Não sou poetisa, mas minh’alma em dores


Desbrocha em flores ao cair do dia!
Amo o silêncio de um passado longe
Qual ama o monge, uma floresta esguia!

Adoro tudo que me chama à vida


Qual flor pendida que procura a luz!
Mas tenho medo dessa noite imensa
Que rouba a crença, que a cismar conduz!

Sem Título
Júlia da Costa
Pelas horas da noite harmoniosa
Quando o mar adormece — a natureza,
Uma saudade me vem dos tempos idos,
Desses tempos de mágica tristeza.

É no murmúrio gemente da folhagem


Que me fala a linguagem da saudade
Eu soletro uma a uma as harmonias
Que adejaram por mim na mocidade!

Quanta vida meu Deus! quanta esperança


Quanto fogo no peito que batia!
E hoje o frio da morte, o desalento
— Triste prece d’um gênio na agonia!

Alvas, alvas de um dia! Doces sombras


Que me inspirastes mil sonhos de harmonia!
Acolhei os meus cantos funerárias
Ao tristonho ecoar da ventania!

Andorinhas do vale! O berço meu


Longe, longe, diviso no ocidente!
Desdobrai vossas asas deslumbrantes
E levai-me, levai-me docemente.

Lá, só lá, nesse ninho esplendoroso,


Onde a aurora tem puro rosicler,
Poderei ensaiara os vôos meus,
Sem da vida provar o agro fel.

A Rosa Branca
Júlia da Costa
Tu eras a flor mimosa
Que em minha vida saudosa
Brilhavas com triste luz!
Eras a rosa engraçada,
A pérola de amor achada
No fundo do mar azul!

Eras um sonho dourado


Um treno de amor vibrado
Nas cordas da natureza!
Eras a flor mais querida
Que em minha vida esquecida
Brilhavas com singeleza.
Mas entre os hinos da festa,
Ao farfalhar da floresta
Te debruçaste no hastil!...
E o vento da triste noite
Roubou-te no duro açoite
Ao teu parnaso gentil!
Se alvo seio acolheu-te,
E calor suave deu-te
Nas sombras da solidão,
Abençoada a procela
Que fez-te, rosa singela,
Fugir do meu coração.

Mas se já murcha, sem vida,


No mundo foste esquecida
Oh! minha pálida flor.
Maldito seja esse peito
Quer à dura maldade afeito
Deu-te morte, em vez de amor!

Trevas
Júlia da Costa
Ouve-me ainda! Do sepulcro à noite
Surgem fantasmas soluçando prantos!
— O bronze geme gemedora nota...
Quero ouvir da araponga os cantos.

A tumba é fria... adormeci? quem sabe?...


Sinto-me inerte a tiritar com frio!
Minhas auroras, onde foram elas?...
Minhas auroras de formoso estio?!

Dormi — quem sabe?!... tanta sombra vejo!


O meu passado... o que sonhei, meu Deus!
É tudo negro — nem um astro ao menos,
Nem uma estrela a cintilar nos céus!
Dormi! Quem sabe!... meu sudário envolto
No pó das lousas mareou seu brilho!...
As avezinhas que eu beijava em ânsias
Seguiram loucas de saudade o trilho!

Olho e não vejo... acordada eu sinto


A alma minha se agitar na dor!
Mas são tão frias estas pedras alvas
Que minha mente já não tem fulgor!

Dormi! Quem sabe?!... já não cantam aves.


De cor, celeste, já não veste o céu!
Meus lábios frios já não têm sorrisos,
O mundo vejo por nublado véu!

A tumba é fria... adormeci? quem sabe?!...


Sinto-me inerte a tiritar de frio!
Minhas auroras, onde foram elas?
Minhas auroras de formoso estio?

Estrela da Noite
Júlia da Costa
Astro formoso, vespertina estrela
Que em noite bela me sorriste — além!
Vem despertar-me do sonhar profundo
Que neste mundo me enlanguesce... vem!

Há longo tempo que no chão gelado


Triste cansado o meu peito jaz!
Há longo tempo que não vejo flores,
Nem teus fulgores me visitam mais!

Há longo tempo que a mudez da morte


Me aponta um norte que me faz chorar!
Há longo tempo que não ouço cantos
Nem sinto os prantos do saudoso mar!

Há longo tempo que em meu berço triste


A sombra existe me negando os céus!
Erguer-me quero... mas não vejo flores
Nem vejo alvores que me lembrem Deus!

Astro formoso, vespertina estrela


Que em noite bela me sorriste além!
Vem despertar-me do sonhar profundo
Que neste mundo me enlanguesce — vem!

É noite! É noite, as corujas gemem,


As ramas tremem ao tufão medonho!
Só eu te busco minha estrela amada.
Co’a fronte ornada de laurel tristonho!

Caminho sempre! meu caminho é triste,


A sombra existe, o pavor, a morte!
Mas eu prossigo... caminheira errante
Sombra ambulante procurando um norte!

A vida é nada! que me importa o mundo


Pego profundo que me causa horror!
Vago lampejo de uma crença morta.
A mim que importa, sem o teu fulgor!
Oh! fulge! que teu brilho ainda,
Tua luz infinda me esclareça o céu!
Fulge, que um dia despertando eu sinta
Que a luz pressinta no brilhar só teu!

Eu durmo! Eu durmo! Do horizonte as alvas


Nas serras calvas desmaiando vão!
A noite expira... minha alma cansa
Meu sonho avança com mortal clarão!

Página Solta
Júlia da Costa
Queres saber quem eu sou?
Meu nome queres saber?
Escuta! as brisas se abraçam
Eu só não devo gemer!
As brisas sabem meu nome
Só tu não deves saber.

Eu sou a folha de um livro


Que tu não deves voltar;
Sou um arcano, um segredo
Que tu não podes achar;
Sou uma nota distante
Que só te faço chorar.

Eu sou a sombra doirada


De um tempo que já lá foi;
Sou o fantasma de um sonho
Que em tua mente pousou;
Sou uma folha sem nome
Que em tua mente pousou;
Sou uma folha sem nome
Que o vento forte mirrou.

Queres saber quem eu sou?


Levanta a pedra gelada!
— Eu sou a alma de um morto
Pela saudade levada
Que sigo ao longe teus passos
Pela floresta crestada.

Saudade
Júlia da Costa
Pelas horas do silêncio
Quando tudo é solidão,
Quando a mente devaneia,
Quando luz a imensidão;
Sinto n’alma uma saudade
Que me fala ao coração.

Quando à noite os bateleiros


Pelo mar passam sutis,
Quando a flor da caneleira
Beijam auras mui gentis
De meu peito os pobres cantos
Se desatam mais febris.

Pelas tardes invernosas


Quando o céu é todo azul
Quando a lua erguida em meio
Se reclina para o sul;
Eu nas trevas peço a vida,
Como pede o cego a luz.
Quando a garça sonolenta
Se espaneja à beira-mar,
Quando o sol já sem conforto
Vai nos montes palejar;
A minh’alma também fria
Vai na sombra repousar.

Meu olhar, astro sem brilho,


Vagamente se entristece!
Rumoreja molemente
Junto a mim a brisa agreste,
Corre ao longe o pegureiro,
Brilha o mórbido cipreste!

Tudo acorda! — a natureza


Torna vestes mais gentis;
Cumprimentam-se nas sombras
Os coqueiros mais senis;
Estremecem de alegria
Em seu ninho os colibris!

Pelos ares se debruçam


As neblinas vaporosas,
Pelos campos lá se enleiam
Mil imagens luminosas;
Pela selva os vagalumes
Se entrelaçam com as rosas!

Tudo acorda — só eu durmo


Como a flor do rio à beira!
— Passam sombras azuladas,
Corre mansa a cachoeira...
Beija flor da carnaúba
Viração doce ligeira!

Tudo acorda só minh’alma


Chora a luz que se escondeu
Como chora o passarinho
O seu ninho que perdeu
Entre as franjas da limeira
Que ao tufão estremeceu.

Oh! meu Deus por que fugiram


Tantas luzes que sonhei?
Tantas alvas buliçosas
Que na vida eu afaguei!
Tantas palmas vicejantes
Que no seio acalentei?

Hoje tudo é ermo e triste


Como é triste o coração!
Vibra a lira que soluça
Ao passar da viração,
Verga o pálido cipreste
Modulando uma oração.

Tudo é triste como a tarde


Que no monte bruxoleia,
Como a palma do sepulcro
Que de manso bamboleia
Como o mocho solitário
Que na ermida só vogueia!

Recitativo
Júlia da Costa
Guarda-me um canto se eu morrer à noite
Por entre os ecos de tristonho harpejo!
Guarda-me um canto, pr’a viver é tarde...
Branco sudário no horizonte vejo!

Embalde vibro do piano as cordas,


Embalde a rosa me abrilhanta a face
Toda esta vida se irá mui cedo,
Como da nota o tremer fugace!

Todas esta vida acabará num sopro,


Todo este mundo que ideei se irá!
Nem mais um hino ao cair da tarde
Minh’alma fria lá no céu terá.

Não chores, anjo, criancinha linda


Que de mim perto soluçando estás!
Deixo-te a vida — venturosa ainda
Tu de mim longe a sorrir serás.

Deixo-te a vida — as estrelas lindas,


Da brisa morna a sutil fragrância,
Deixo-te as aves que criei com mimo
Deixo-te as flores que beijei com ânsia!

Deixo-te a fita que amarrei na trança


Deixo-te as rosas de uma crença fida!
Mas não soluces— o piano vibra...
Bem vês que é cedo pr’a morrer, querida!

É cedo, é cedo! no horizonte há flores,


Só há tristeza no meu peito — aqui!
Cantam as aves... que saudade tenho
Do meu passado que a chorar perdi!

É cedo, é cedo, pr’a morrer, querida,


Sou moça ainda, me fascina a terra!
Mas é já tarde pr’a suster a vida
Que vai perdida soluçar na serra!

Chora o piano, da minh'alma as vozes


Choram com ele num chorar febril!
Mas é já tarde p'r'a suster a vida
Guarda-me um canto querubim gentil!

Vi-te Passar
Júlia da Costa
Vi-te passar borboleta,
Com tuas asas gentis;
Era no mês dos amores
No mês dos sonhos febris.

Vi-te passar, os meus olhos


Seguiram o vôo teu;
Em meus cabelos pousaste
Branca avezinha do céu!

Calada, sempre calada,


Tu adejaste outra vez;
Sugando o suco das flores
Tu me fitaste talvez.

Tiveste pena, vieste,


O que disseste, não sei;
Só sei que os prantos da vida
Em teu regaço guardei.

Depois tuas asas doiradas


Tu desataste outra vez!
E eu segui-te pisando
Formosos mundos... talvez!

Mais tarde o peito em saudade


Por ti debalde chamou!
A borboleta de um dia
Foi meiga luz que passou.

Lírio Branco
Júlia da Costa
O sol desmaia... pensativas auras
Giram nas doces solidões do céu!
Floresce, ó lírio, meiga flor, floresce
Por entre as dobras do sedoso véu!
Esparge aromas, matinais orvalhos
Aos tênues raios da bendita aurora!
Abre teu cálix que o langor definha,
Enfeita os prados da lasciva Flora!

O sol desmaia... como é doce a vida


Por entre sombras rebentando à flux!
Floresce, ó lírio, que contigo ainda
Pisarei mundos de encantada luz.

Minh’alma é o sopro da gemente aragem


Que vai perdida soluçar no mar!
Dá-lhe o perfume de tuas folhas alvas,
Enquanto o tempo não as vem mirrar!

Minh’alma é o eco que na serra vive


Por entre brumas a gemer sem fim!
Desperta os ecos, meiga flor, desperta,
Que terás hinos de tristeza... assim!...
Itiberê, 28-12-1882

Rosa Murcha
Júlia da Costa
Recobra o viço meiga flor de um dia
Como o sol brilha matizando o chão;
Recobra o viço, a teus lares volta,
Que o exílio é triste, pois eu já senti!

Vem ver teus bosques como estão tão verdes


Como o sol brilha matizando o chão;
Vem modular-me: — inda cantam aves...
Rosa só minha, de fatal condão!

Ai! vem ao menos enfeitar-me a fronte


Quando na tumba eu jazer um dia;
Vem modular-me: — inda cantam aves...
O céu tem inda perenal magia!

Vem! Que meu estro emurchecido expira


Sem luz, sem seiva que lhe dê vigor;
Vem, rosa minha, no sepulcro ao menos
Ornar-me o seio com sentido amor!

Poesia
Júlia da Costa
Quando o gênio da poesia
Com seus cantos de harmonia
Me beijava a fronte ardente;
Tinha eu lá no firmamento
Entre a luz do pensamento
Uma estrela refulgente.

Quando a lua ressurgia,


Quando o sol além dormia
Sempre ela a me acenar!
Sempre a mesma morbideza
De seu giro de tristeza
Sempre o mesmo meditar!
Ma um dia na minh’alma
Da esperança a verde palma
A chorar emurcheceu!
— Nessa noite a minha estrela
Não surgiu mais pura e bela...
Da minh’alma se esqueceu!...

Meu doirado paraíso


Meu constante e puro riso
Vagamente desmaiou!
Veio a sombra, a noite veio,
E o meu peito em mudo anseio
Tristemente suspirou;

Veio o dia, a luz beijou-me,


Veio o sol, enfeitiçou-me,
Veio a lua me inspirou!
— Dessa estrela além perdida,
A minh’alma então descrida
Soluçando se afastou!

Noite densa! Flor sem brilho


Em meu duro e negro trilho
Friamente se estendeu!
Era a flor agro martírio
Era espinho, era delírio,
Era a voz do peito meu!

Noite densa! Pranto imenso


Entre as flores, entre o incenso
Que subia ao criador!
— Minha estrela inda vivia
O meu sonho assim dizia
D’entre os ventos no exterior!

Caminhei, soltei as asas


Pelos campos, pelas várzeas,
Pelos gelos da soidão!
Minhas vestes cor de lírio
Flutuaram no delírio
De meu pobre coração!
Já cansada sobre a serra
Ao florir da primavera
Fatigada me sentei!
Branca estrela refulgente
Debruçada no oriente
Vagamente divisei!

Era ela, — estrela minha


Com sua face peregrina
Com seu brilho de encantar!
Era a estrela que em criança
Com seu riso de bonança
Me fazia suspirar.

Desde então minh’alma sente


O prazer de vê-las sempre
Quando fulge a branca lua!
Se adormece a natureza
Ela triste em morbideza
Vem beijar-me a face nua!...

Devaneio
Júlia da Costa
Nuvem mimosa que corres
Tão sozinha pelos ares!
Por que não desces, não vens
Ameigar os meus pesares?!...

Estrela que longe brilhas


Nos seios da cerração,
Por que não desces, não vens
Consolar meu coração?!...

Brisa odorosa da tarde


Que embalas a flor do rio
Por que não levas minh’alma
Envolta no teu cicio?!...

Correm as nuvens doiradas


Pelo fagueiro arrebol!
Mas para o triste que chora
Não há perfumes nem sol.

Brilham os astros supensos


Pela bafagem de Deus!
Mas para o triste proscrito
Não há luzeiro nos céus!

Longe da pátria que adora,


Embalde busca ventura;
Nos dias idos e vindos
Só vê perene amargura

Eu sou como a flor que morre


Por falta de viração
Sou como o pobre proscrito
Perdido na cerração.

Ontem na infância a sorrir


Sorria a mimosas flores;
Hoje a descrença invadiu-me
Da vida nos vãos fulgores.
Embalde pergunto ao vento
Se há flores na soledade;
O vento lá foge, voa,
Se perde na escuridade!

Embalde procuro em risos


Fazer reviver minh’alma
Meu eco se curva triste
Dos mortos beijando a palma!

Eu sou como a flor que morre


Por falta de viração;
Sou como o pobre proscrito
Perdido na cerração!

Sabiá
Júlia das Costa
Perdi-te... a floresta
Tem hinos de festa
Nas aves que eu vi!
Mas eu te procuro
Das matas no escuro,
Chorando por ti!

Perdi-te... teu canto


Foi mago quebranto
Que breve passou!
Num galho distante
De arbusto pujante
Teu vôo parou!

Ó rei dos cantores


Teu bosque sem flores
Soluça... talvez!...
Desata tuas plumas
No seio das brumas
Descanta uma vez!

Ó rei das florestas,


Tuas matas desertas
Têm ecos de dor!
O inverno, que importa?
Que importa à flor morta
Teus hinos de amor?

Morreram as flores
Mas fulgem verdores
Na esteira do céu!
Formosa neblina
Envolve a bonina
Qual noiva n’um véu!

O inverno é chegado,
Teu ninho deixado
Suspira de amor!
Ó vem com teu canto
De mago quebranto
Dar sonhos à flor!

Ó vem com teus hinos


Formosos, divinos,
A pátria saudar!
Que as loiras mangueiras
As verdes roseiras
Te hão de abrigar!

Vem, antes que a noite


Do vento ao açoite
Se estenda a gemer!
Minh’alma vacila
A tua cintila
N’um vago tremer!

Ó rei das florestas


Tuas matas desertas
Têm ecos de dor!
O inverno que importa?
Que importa à flor morta
Teus hinos de amor?!...

Melodias
Júlia da Costa
Desce, ó noite! surge, surge
Branca sombra dos amores!
Vem beijar-me destemida,
Vem banhar-me de fulgores!

Tudo dorme e meu passado


Se transforma em pura luz!
Vem, ó sonho! brilha, oh! brilha
Brilha, arcanjo dele à flux.

Vem, oh! sonho! minha vida


Presa vive por ti só
Se adormeço, vem teu lume
Deslembrar-me que sou pó!

Se adormeço, vem a crença


Segredar-me hinos de amor!
Vem dizer-me: — Ergue-te,anjo,
Que tu’alma abre-se em flor!

E eu conheço que inda vivo


Que palpita o peito meu!
Ergo a fronte!... vejo alvores
Vejo flores lá no céu!

Vejo um mundo que deslumbra,


Rodeado de arvoredo!
Vejo tudo que almejava
De minh’alma no segredo!

Ouço as brisas do deserto


Que murmuram: — mocidade!
Ouço as aves da floresta,
Que modulam: — liberdade!

E eu me sinto tão diversa


Do que sou, que alegre eu digo:
— Se sou livre como as aves
O seu vôo também sigo!
Transmonto-me nos ares
A seguir os passarinhos
Té que em sítio estranho e belo
Eu os vejo erguer seus ninhos!

Vem, ó sonho! Eu sou a rola


Que vou lá meu ninho achar
No país das harmonias
Que tu foste me ensinar!

Vem, ó sonho! eu sou a rola


Esta noite o quero ser
Sou a rola que soluça
Lá bem longe ao escurecer.

Amanhã serei o vento


Que desperta destemido
No país das harmonias
Imitando um ai perdido.

À Minha Pátria
Júlia da Costa
Ai! quem me dera os sorrisos
Da minha pátria adorada,
Quando na serra a alvorada
Deixa seus raios cair!
Quando o jambeiro mimoso
Roja de flores o chão,
Quando no agreste sertão
Geme a rolinha de amor!

Ai! quem me dera os perfumes


Das lindas tardes de maio
Do sol ao tênue desmaio
Ir escutar seus queixumes!
Oh! quem me dera em seus rios
Que correm manos no estio
Da aurora em doce rocio
Devanear com paixão!

Inda me lembro... criança


Cheia de amor eu deixei-a
Nas noites de lua cheia
Quando as estrelas fulgiam...
A mata tinha perfumes,
A terra — vaga tristeza
A lua — mortal frieza
Dos gelos na imensidão!

Inda me lembro... era noite


Corriam os bateleiros
Em seus esquifes ligeiros
Cantando no mar... azul!
E eu chorava, deixando,
Deixando meus doces lares
Meus verdes, ricos palmares,
Minha casinha gentil!

Ai! que saudades eu tenho


Da minha mata frondosa
Quando nos prados a rosa
Faz seus perfumes sentir!
Quando a bonina inocente
Ao pôr-do-sol se ilumina,
E uma pérola aninha
Em seu mimoso botão.
Pudesse um dia minh’alma
Do vento á voz sonolenta
De amor e vida sedenta
Ir perscrutar seus segredos!
Ir escutar seus gemidos
Da aurora à luz perfumada,
Ir despertar inspirada
Em seus espaços de anil!

Ir contemplar em silêncio
Os verdes prados que outrora
À luz fagueira d’aurora
Me deleitavam de amor!
Ir despertar em saudades
Os sinos da minha terra,
Aos tristes ecos da serra
Que me acordavam na infância!

Ai! quem me dera os sorrisos


Da minha pátria adorada,
Quando na serra a alvorada
Deixa seus raios cair!
Quando o jambeiro mimoso
Roja de flores o chão,
Quando no agreste sertão
Geme a rolinha de amor!

Um Raio de Luz
Júlia da Costa
Visão pura do céu! Mágica sombra
De meu lindo passado estremecido
Que nas ondas da vida sossobrou!
Dá-me um raio de luz que a fronte exausta
Sinto morta pender qual flor sem brilho
De um dia que passou!

Tange a lira dos ventos aromados


Visão pura que inspiras a minh’alma
Em trenós de suavíssima harmonia!
Dá-me as crenças formosas que repousam
Em tuas asas de ouro perfumadas,
No azul da serrania!...

Dá-me um raio de luz! A flor se inclina


À beira do riacho que murmura
Despertando em folguedo a solidão!
E o pobre sonhador que além dormia,
Já desperta do sonho feiticeiro,
Sorrindo à criação!

Dá-me um raio de luz! a fronte pálida


Eu já sinto pender no frio gelo
De uma noite de horror e de saudade!
Sinto a vida mover-se... a natureza...
Mas a crença me foge e me abandona
No azul da imensidade!

Quanta pompa, meu Deus! quantos fulgores!


É minh’alma nas trevas envolvida
Como o verme no pó dos cemitérios!
Dá-me radiosa, Senhor, uma visão
Um sonhar que me aclare do futuro
Os célicos mistérios!...
Dá-me um raio de luz! Uma esperança
Um só dia de esplêndida ventura
Entre as flores azuis do meu sonhar!
Dá-me um riso, Senhor, que me acalente
Nestas horas do dia em que soluço
Do sol ao declinar!

Tange, ó lira dos ventos aromados


Visão pura que inspiras a minh’alma
Em trenos de suavíssima harmonia!
Dá-me as crenças formosas que repousam
Em tuas asas de ouro perfumadas,
No azul da serrania!...

Ecos Saudosos
Júlia da Costa
É noite festiva! nos céus azulados
A lua caminha, nos montes se alonga
Cobrindo de frocos de renda de prata
A mansa baía— gentil Babitonga!

As vagas se enrugam, os ventos se abraçam,


Na sombra se beijam os faunos ditosos;
Os rios desatam as vestes de espuma;
Nos ares recendem os lírios cheirosos.

É noite, e a beleza que tem o infinito


Me faz do alaúde uma corda a vibrar,
Mas é a saudade que faz minha lira
Na terra adotiva seu canto soltar.

A pátria! Só ela refulge a meus olhos


Por entre as estrelas que enfeitam o céu
A esta hora ditosa os anjos debruçam
Os louros cabelos nas ondas sem véu!

Foi lá que se abriram em doce fragrância


As flores da infância no meu coração!
Foi lá que uma fada vestida de auroras
Cantou-me no berço serena canção!

Ai, vibra minh’alma! aos ecos da noite 


Recorda saudosa teus dias de sol,
As bordas floridas dos lagos dourados
Tingidos de leve por casto arrebol!

Recorda teus brincos, teus santos afetos,


Os sonhos ingênuos do teu coração!
Recorda, recorda dos anjos que amaste
Um rosto mais cheio de doce atração.

Silêncio! não pulses meu peito, não pulses,


Só fale minh’alma que o tempo esfriou!
Só fale minh’alma que é grande, qu’é nobre
Das crenças da infância que o tempo mirrou.

É noite e a beleza que tem o infinito


Me faz do alaúde a corda vibrar!
Mas é a saudade que faz minha lira
Na terra adotiva seu canto soltar!

— Ai! pobre exilada! tu cantas a noite


Tão longe dos bosques que deram-te amor?
Não cantes, não cantes! — assim diz-me a brisa
Que passa gemendo nas matas em flor.

E eu quebro da lira as cordas doiradas


Sentindo no peito pungir-me a saudade!
— Se os ecos da noite me impõem silêncio
Não devo mais cantos vibrar na soedade.

Poeta Escuta
Júlia da Costa
Poeta escuta... que murmúrios brandos
Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

A tarde desce de volúpia cheia


O sol sem vida no horizonte cai!
A brisa morna na floresta acorda
A rosa branca no vergel se esvai!

O frio lago se intumesce lindo


Ao doce afago do rosal cheiroso!
A triste rola no mangal soluça
Sentidas queixas de um amor saudoso!

Poeta, escuta... que murmúrios brandos


Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

Eu vivo, eu sinto em minha fronte morna


Pousar um raio do horizonte azul!
Mas olha, escuta... que lamentos tristes
Nas asas traz a viração do sul!

Há tanto aroma pelo céu sem nuvens


Porém eu sinto... o que sinto eu?
Talvez um raio desse sol que morre
Busque aquecer-me amanhã no céu.

Poeta, escuta... que murmúrios brandos


Que sons divinos, o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!

Eu sinto, eu sinto a minh’alma em flores


Co’as andorinhas revoar nos céus!
O gondoleiro pelo mar passeia...
Bellini acorda nos cantares seus!...

À luz dos astros tremulante bela


Vem aquecer-me a madeixa fria!
O manto aéreo do crepúsculo amado
Cobre a palmeira que se ergue esguia!

Poeta, escuta... que murmúrios lindos


Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!
O mar soluça, a gaivota geme
No seu gemido, que soletro eu?
Um nome apenas, que acordando os ecos
Vai longe, longe se perder no céu.

Saudade dizem os vergéis de prata


As loiras brisas, o horizonte azul!
Saudade ainda me repete o vento
Que sopra ao longe nos vergéis do sul!...

Íntima
Júlia da Costa
É doce derramar no ambiente perfumado,
quando a lua fulge e o coração palpita,
as emoções suaves da alma,
os sonhos maviosos do coração!

Não há nada mais doce para o poeta


do que ouvir em uma noite de luar,
a toada melancólica do pescador que passa,
o cadenciar sonoro das ondas que murmuram!

Há no cantar singelo do barqueiro,


que suspira um quê de melancólico,
que nos faz pensar na pátria e na família!...

Eu também já estremeci de prazer e de emoção


à suave cantilena do barqueiro que passava!
Mas hoje, todas essas aspirações de gozo
que turbavam a minha alma desapareceram como sombras aos embates do destino!...
Tudo passou, só ficou-me dentro d’alma a lembrança de uma noite de mágico luar!…
Miragem feiticeira de um sonho que morreu!...
Lembrança luminosa de uma imagem que fugiu
acolhe-te chorosa nesta página sem nome
que atiro às ventanias que rugem no deserto!…
(Itiberê, Bouquet de Violetas)

I
Alegra-te... o céu é azul e os pássaros cantam.

II
Crê e espera.
Em tua fronte brilha a luz do gênio…
teus cantos alegram a minh’alma…

III
Emudeceste? Acaso iludi-te o coração? Quem sabe?

IV
Vive e sonha! Minh’alma te bendiz
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
E se perde a sonhar, na imensidade.
Vive e sonha! Por ti vibro inda cantos
Que a descrença calar me fez um dia!
Por ti julgo rever no céu da vida,
Uma estrela sumida na agonia!

V
Sonha, sonha, ó filho da poesia!
Se o céu tem pérolas e a terra flores, teu coração tem sorrisos a derramar por tudo que o rodeia!
Sonha, e deixa o mundo revolver-se no materialismo de um século que tudo brutifica!...
Ama-me sempre, oh! filho da minh’alma! Mas não reveles a ninguém o sigilo do teu peito!
Teu amor é puro como tu’alma, portanto, é preciso divinizá-lo,
Para que ele seja eterno!
Ama-me sempre, mas com um amor todo espiritual, com um amor, que não perturbe a paz do meu
espírito.
Compreendes-me? Perfeitamente.

VI
Tua poesia é terna como teu coração.
Bem desejava escrever-te longamente sobre ela, mas não posso.
Creio na pureza do teu amor, creio em tudo o que me dizes...
Em tua carta, falas-me de uma estrela ... tenho ciúmes dela...
Se tens saudades do passado, é porque não confias no futuro.

VII
Amanhã responderei. Enganas-te completamente comigo. Eu nada revelei. És ingrato, muito ingrato.
Meu coração sofre... minh’alma padece.

VIII
Escuta-me, e depois condena-me se quiseres.
Ontem me fizeste sofrer muito.
Eu nada revelei; dou-te a minha palavra, é quanto basta.
Divulgar o teu amor, seria trair-me.
Pedi que te acautelasses, não colocando tuas cartas senão à noite; não me compreendeste, e fugiste de
mim, não me aparecendo nem mesmo à tardinha.
És ingrato, repito. Fazes uma idéia muito triste do meu amor.
Nossa correspondência será sempre ignorada, enquanto a não divulgares. Só duas pessoas sabem do
segredo; eu e tu; vulgarizado ele, está claro que um de nós faltou à promessa.
Não serei eu, por certo.
Amo-te muito, mas teu nome só se debruça em meus lábios nas horas de oração.
Adeus, não me fujas...

IX
Ontem, fui feliz por momentos...
Onde estava? Não sei. Sonhei muito, sonhei muito... depois veio o silêncio e o despertar monótono dos
sonhos...
Desejava falar-te, mas como? Como, se o impossível me cerca?
Amo-te, ó filho da minh’alma!
Agora começo a vida, mas essa vida do coração que se confunde com o perfume das flores e com o
murmúrio dos ventos...
Abençoado sejas tu, que me fizeste sentir o amor, esse fantasma errante, tantas vezes procurado em
meus sonhos de criança!
Adeus.
Desculpa escrever-te a lápis, há sobre mim vigilância extrema.
Amanhã, é o primeiro de julho; espero uma poesia, ouves?

X
Nunca acreditei no destino, mas hoje curvo-me ao seu império.
Conheço que te amo; não com esse amor árido de sociedade onde o cálculo é tudo, mas com um amor
imenso, imenso como o infinito!
Nunca amei senão agora, acredita. Tenho tido muitos caprichos, mas amor nunca senti senão por ti.

Escuta
Júlia da Costa
Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.

São folhas caídas dos galhos mimosos


Das lindas roseiras no quente verão!
São doces prelúdios de um’harpa que chora
Que fala, que vive, no meu coração!

São trenos sublimes que lançam minh’alma


Nas cismas suaves de um mundo de amor;
São auras travessas que passam, repassam,
Chorando, cantando, da lua ao palor.

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,


Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura,
Do mar prateado — do céu tão azul.

Me falam de um mundo que os ventos queridos


Lá beijam sorrindo nas serras de além!
De um mundo habitado por gênios que vivem,
Que vivem, que sonham que cantos só têm!

Eu amo teus cantos, teus cantos sublimes


Que em vagos desmaios me falam de amor!
Eu amo teus risos que per’las descobrem,
Que fazem meu seio pulsar com fervor!

Teus cantos, poeta, me enlevam a mente,


Ao sopro aromado das brisas do sul!
Me falam de vida, de amor e ventura
Do mar prateado — do céu tão azul!
1º. Julho 1870

XII
Entristece-me, com a descrição do teu passado. Meu coração se encheu de lágrimas escutando as vozes
de tua alma...
És severo demais em tuas apreciações: o mundo escarnecer-te? pagar-te os risos com chufas? Não,
perdoa-me; o mundo, meu amigo só tem para aqueles que o desprezam o rir da indiferença. A sociedade
não pode zombar do homem talentoso.

Deixemos o mundo:que nos importa ele o todo seu cortejo de pálidos espectros?
Que temos nós, moços e inda crentes, com o passado que vai longe?
Alegra-te, que meus olhos não descubram em tua face um vislumbre de tristeza, que meus ouvidos não
escutem no silêncio um frase de ironia.
Não me fales do passado, ouves? Fala-me do futuro, de teus sonhos, de tuas aspirações, de teu amor...
O horizonte de nossa vida é vastíssimo. Não precisamos das riquezas da terra, nem dos incensos de um
mundo que desprezamos.
Adeus. Escreve-me ainda hoje duas linhas.

XLII
Em que pensas, anjo meu, que já não te lembras mais da tua pobre amiga? que motivo poderoso te força
a tratar-me com tanta reserva, com tanta indiferença? Arrefeceria o teu amor em quatro meses apenas?
Não creio. É tal a confiança que em ti deposito , é tal a ligação que existe há cinco anos entre nossas
almas, que até me parece um sacrilégio suspeitar de ti. No entanto há momentos para mim de dúvida
cruel... qual é o motivo do teu silêncio? Por que a tristeza substituiu ao teu ao teu sorriso habitual, a esse
sorriso que abria-me o paraíso na terra?
Fala! Que a tua voz meiga e sonora cale dentro de minh’alma! Fala, meu pobre noivo, diz o que sentes,
confia ao meu coração o segredo da tua vida!

XXXVIII
Oh! por piedade!... Eu escanecer-te, zombar do teu amor? Nunca! Meu coração soluça, recordando tuas
palavras!...
Ontem fui três vezes ao lugar aprazado e não te encontrei! Tomo a Deus por testemunha que avanço...
fulmine-me a sua cólera se falto à verdade. Minha ausência foi notada, e eu repreendida asperamente...
isto, ainda mais excitou o meu amor...
Hei de falar-te filho, não hoje, porque absolutamente não posso, mas qualquer noite em que estejam os
ânimos mais calmos.
Deixa que Diana procure outros climas e que seja esquecida minha primeira tentativa.
Eu te falarei, sou em quem t’o digo. Se me amas verdadeiramente, não esmoreças com a delonga.
É preciso que sejam olvidados meus passos de ontem à noite. Exigir o contrário, é perder-me...
Adeus. Envio-te uma lágrima das muitas que me fez derramar a leitura de tua carta...
Escreve-me amanhã; diz-me se acreditas ou não no que te digo; prolonga, ou ameniza o meu martírio...
aponta-me a esperança ou o desespero.  

XLIII
Vejo-te ainda, querido de minh’alma!…Oh! pudesse eu apertar-te contra o coração, beijar-te os lábios,
prodigalizar-te mil carícias!... Nunca, nunca senti tanta saudade como agora. Às vezes desejei transpor
mares. Chegar a ti e dizer-te: — Sou tua! Acolhe-me em teu seio, porque minha existência foge! —

Mas agora torno a ser feliz, verdadeiramente feliz, porque estás ao meu lado. Logo que te veja, contento-
me com o presente sem me importar com o futuro. Abençoado sejas, anjo meu! Não sei como posso
conter minha alegria! Ela transborda em meu coração em torrentes de harmonia. Sinto-me tão feliz que
até tenho medo de tanta felicidade.

Tenho tanta vontade de falar-te... é um precipício, mas para nós existirá o impossível? Creio que não.
Deus que conhece a pureza do nosso Amor nos abandonará nesse momento? É tanto o desejo que tenho
de ver-te um minuto, de aspirar o teu hálito... de contemplar-te de perto... Oh! mas isto é uma loucura!
o amor cega-me a ponto de eu desconhecer os perigos que nos cercam!

Conservo ainda a derradeira carta que me escreveste. Quem me dera esse futuro de alegrias que me
prognosticas! Amo-te, e a grandeza deste amor tu compreendes. O segredo de minha vida, só tu o
sabes. Tu foste o noivo escolhido por minh’alma, não posso morrer sem que se realize o sonho
embriagador que me afaga o coração.

Se me fores fiel, juro-te em nome deste sol que nos ilumina, em nome de Deus, que nos ouve que serei
tua um dia, custe o que custar. Se Deus demorar a realização do nosso sonho, então pisarei todos os
preconceitos da sociedade, e serei tua embora no centro das florestas, longe do mundo, longe de tudo
que possa lançar-me em rosto o excesso da minha paixão.
Fala-me sempre do passado; mas, por piedade, em nome deste amor infeliz que me inspiraste, eu te
suplico! Não me lembres mais esse tempo maldito, em que julgando-te ingrato, procurei o atordoamento
do espírito no bulício dos festins. Esse tempo passou, e não deixou vestígios. No meu caso, farias o
mesmo. — Guardar-te toda a virgindade da minha vida, calcar aos pés o amor que me ofertavam, gastar
as mais belas noites da minha mocidade a chorar por ti, e um dia saber que tu, o homem por quem eu
vivia e soluçava, saber que tu amavas a outra mulher! — Oh! é terível de pensar! Confesso que procurei
tirar-te do meu coração, mas não creias, querido da minh’alma que o bafo impuro desses homens
corruptos, como dizes, manchasse a candidez de minhas vestes. Não! Quando arrastada pelos cabelos fui
conduzida aos altares, fitei o crucificado que com os olhos cerrados não podia ver tanta maldade, e sem
saber por que tornei-me insensível a tudo.

Esqueci-me até desses momentos de delírio, em que sozinha no meu quarto, pensando no dia do nosso
noivado, envolvia-te n’uma adoração vaga e duvidosa.
Só tive forças para lutar e nada, mais. Já vês que a mulher que tem forças para lutar assim, não
sucumbe por um capricho de vingança. O coração sem amor, cheio de mágoas e de recordações
pungentes, não tomou parte nos devaneios da imaginação.
Tu foste o único homem a quem amei. Por ti me perderia... por outro, nunca!
Não sei ainda como te jogarei esta carta. Mas as tuas devem chegar a mim pela janela do meu quarto de
dormir. Isto é, a que ficar aberta. Antes de deitar-me, deixarei preso a ela um cordão; podes prender
nele a carta; alguma hora eu suspenderei. É a única janela que posso deixar aberta sem causar suspeita,
visto estar sempre fechada por dentro. De outra forma, corremos muito risco...
Aquela noite foi o nosso anjo da guarda que velou por nós. Escreve-me sempre, que eu também te
escreverei. Tenho muita coisa que contar-te, muitas perguntas a fazer-te; enfim, é tal o turbilhão de
idéias que não posso expressar-me n’uma só carta. Boa noite querido... não me ouves mas eu te escuto
aqui dentro do meu coração, porque tua alma é a minh’alma , tua vida é a minha vida.

XLIV
“Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
“De meu triste castelo que tombou!
“Vamos juntos erguer nossa casinha
“Entre o mato florido que ficou.

“Olha, eu tenho inda o véu com q’adornei-me,


“Tenho a flor com q’ornei-me p’ra te ver!
“Vamos juntos formar o nosso ninho
“Do favônio gentil ao estremecer.

“Tu és loiro e formoso! eu te idolatro


“Como a mãe ao filhinho que criou!
“Como a rola a floresta que lhe acorda
“Uma quadra amorosa que passou!

“Vem, meu jovem poeta! — Vamos juntos


“Levantar nosso ninho que pendeu!
“— Nossos tristes filhinhos nos esperam
“Entre o orvalho da rosa que morreu.

“As laranjeiras se vestem de mil flores.


“Os vagalumes se acendem na espessura
“— vem meu noivo querido! é hoje, é hoje,
“Nosso dia de amor e de ventura!

“Deixa, deixa esta pálida tristeza,


“Nossa casa gentil vamos ornar!
“— Plantaremos na porta mil roseiras
“Cantaremos, meu anjo, à beira-mar.

“Vem, meu jovem poeta! vamos juntos


“Levantar nosso ninho que pendeu
“— Nossos tristes filhinhos nos esperam
“Entre o orvalho da rosa que morreu.

“Quero a vida sorver n’um beijo teu,


“Quero a mágoa esquecer n’um teu respiro
“Quero sonhos doirados da existência
“Lá, só lá converter n’um teu suspiro!

“Vem, meu lindo poeta! pobre noivo


“De meu triste passado que tombou!
“— Vamos juntos erguer nossa casinha
“Entre o mato florido que ficou!
(Poesia recebida por Carvoliva em 22-11-1874)

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