Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Júlia da Costa
Envolta do respeito e amor nos véus.
Surge, surge, ó dia amado!
Com teu lúcido clarão
Vem recordar à minh’alma
A mais celeste afeição!
O que é Vida?
Júlia daa da Costa
Como do raio o lampejar luzente
Desenha formas n’amplidão do céu,
Assim da vida a empalecida chama
Formas desenha n’um mentido véu!
Tristeza
Júlia da Costa
Pálida lua
Nos céus flutua,
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!
Na rama verde
Soluça a rola,
Pelo consorte
Idolatrado:
E o cedro altivo
A fronte dobra,
Pelos tufões
Desarraigado!
Propícias horas,
Meigas, douradas,
Ternas e doces
São p’ra sonhar!
Mas eu não quero
Sonhos mentidos!
Quero somente
Mesta cismar!
Pálida lua
Nos céus flutua!
Frouxas estrelas
Luzem no ar!
Tudo é silêncio!
Dorme a natura!
Propícias horas
São p’ra cismar!
Sou inocente;
não tenhas medo —
Que o teu segredo
Busque saber:
Da noite as trevas
Tem mil mistérios!
Tem mil segredos
No seu gemer!
Porém minh’alma
É um livro em branco,
Sem um arcano
Ter no palor!
Sombrio ermo,
Na crença virgem
Só tem perfume,
Casto verdor!
A um Beija-flor
Beija-flor, meigo, engraçado,
Perfumado,
Como um sonho de ventura,
Vem das folhas de meus cantos
Doces, santos,
Deleitar-me na frescura!
Medo e Pena
Tenho medo do raio da alvorada
Que na fronte me pousa alegremente,
Tenho medo da sombra do crepúsculo
Que nas cismas me lança tristemente.
Tenho pena dos dias azulados
Na manhã de meus anos olorosa!
Quando as sombras da noite sonolentas
Se espreguiçam na selva pavorosa!
Tu és ó brando jasmim,
A flor do meu cogitar!
Nascida, amada e afagada
Nas tardes do meu sonhar!
À Nuvem
Clara nuvem que corres no espaço
Entre um tíbio, mentido esplendor,
Onde vais desvairada e sem norte
Já perdendo o nativo candor?
Qual a ave fugida do ninho,
Qual um beijo ligeiro de amor?
P’ra que climas longínquos te volves
Com tão diva e gentil formosura?
Sobre as asas da brisa levada,
Tão serena, tão lépida e pura?
Inconstante, volúvel, sem pena
De deixar de teu céu a lisura!?
A Órfã
Júlia da Costa
Pobre órfã, por que gemes
Da noite na escuridade?
Se ninguém entender pode
O teu grito d’orfandade!?
Ai! triste de quem é órfã!
De pranto amargo e gelado
O berço regado tem!
Qual branco lírio orvalhado
Ao pé de um ermo sombrio
De abrolhos duros cercado.
Sinhá
Por entre as tênues vibrações chorosas
D’esta minh’alma confrangida e triste
Repete o estro meu teu nome caro
Que fundo no coração gravado existe.
Se no reflexo de prata
Que recata
A superfície do lago,
Hórrido véu de tristeza,
De tristeza,
Não lhe dá um riso, afago?
Amandina
Desprende teus voos, criança celeste,
Procura os anjinhos irmãos de tu’alma!
As asas estende, eleva-te aos ares!
Traduz das estrelas a plácida calma!
Ada
Pálido lírio de gentil devesa
Que meigo aroma na campina exalas,
Por que sereno de inocência cheio
De mim tão longe teu viver embalas?
Melancolia
Nunca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudosos chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?
Em que Cismas?
Em que cismas, criança? Por que curvas
Tua fronte gentil a suspirar?
Por que tremes anjinho vaporoso
Se a lua os olhos teus vão contemplar?
Por que teu peito assim tanto estremece?
Por que também teu rosto empalidece?
Por que teu canto, ó bela, s’estrintece
Do crepúsculo da tarde ao desmaiar?
Sonho
Ó pálida visão, onde te asilas
Que só vens entre névoas me acenar!
Por que foges de mim, quando desperto
Tua fronte buscando inda oscular?
Aco
Não tenho segredos! é pura minh’alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo — meus campos — meu solo — meu céu!
Melodias
Quando o cendal desdobra a noite amena
E alfôjares desprende;
Quando o mar adormece o branco lírio
Na verde rama pende;
Reco
Quando as brisas da noite suspirosas
Pelos límpidos ares se espalharem,
Quando as águas dos lagos sonolentas
Entre brandos seixinhos repousarem;
Ilusões
Em vão te chamo nos murmúrios vagos
Da doce brisa que fugindo vai;
A voz se perde na procela horrível
Que sobre os mares à noitinha cai.
Ao Trovador
Quando murmura em silêncio
A onda na praia nua,
Por que, ó bardo, tristonho
Lamentas a sina tua?
Da juventude ufanosa
Se abrem as áureas portas
E as esperanças não podem
Por terra cair já mortas.
A violeta descora
Se a brisa passa por ela;
Desmaia se a beija um raio
Da lua meiga e singela.
Quisera
Na cálida brisa que sopra ao sol nado,
No astro que vela da noite ao gemido,
Saber o mistério que encerras no seio,
Quisera, e guardá-lo no estro sentido.
Meu Astro
Em noites formosas tremendo nos ares,
Qual raio sidéreo nos seios de Deus,
Eu vejo-te, ó astro, luzindo faceiro
Qual sonho encantado, qual anojo dos Céus!
Que guardas de triste no brilho saudoso,
Que mudo derramas, sorrindo-me assim?
Se as nuvens se afastam buscando outros climas
Por que tu vacilas do céu no cetim?
Lírio Branco
Flor da vida que adormeces
Ao bafejo da alvorada,
Como és bela entre as mais flores,
Quando raia a madrugada!
Sabiá
Ave sonora que na veiga extensa
Trinas endechas de sentido amor,
Que de vertigens não me entornas n’alma
Asilo onde se abrigou a dor.
A Lua
Entre nuvens de incenso e perfumes
Surge a lua no céu orgulhosa;
Qual donzela vestida de branco
Se mirando nos mares vaidosa.
Ao Lago
Dorme, ó lago dos amores,
Aos doces raios da lua!
Não reveles tuas dores
A gemer na praia nua.
Dorme, dorme, sê ditoso!
Deixa o vento suspiroso
Perpassar no salgueiral!
E consente que minh’alma
Busque a vida, a doce calma
Em teu seio de cristal!...
No Ermo
Quando as ondas mansamente
Da praia ao areal luzente
Vão mistérios segredar,
Tu não sabes a tristeza
Que me inspira, em som plangente
Das ondas o soluçar!
Terra
Minha infância, meu sonho dourado,
Astro lindo que além se escondeu,
Por que as asas brandiste n’um vôo
E sorrindo fugiste p’ra o céu?...
A saudade minh’alma devora...
Que contigo fugiu-me a esperança!
E com ela um arcanjo mimoso,
Minha irmã, doce, meiga criança...
Saudades!...
De celestes visões viveu outr’ora
Minh’alma docemente, e minha vida;
Mas a esp’rança morreu-me dentro d’alma
Na alvorada do amor, entristecida...
Tristeza
Ao merencório marulhar das ondas,
Sozinha, agora, na deserta praia,
Vem a tristeza acrescentar o pranto
Que pelos seios a saudade espraia!
Flor
Era no baile! no febril delírio
Da destra frágil me caíste, flor;
No pó da sala tuas folhes virgens
Eu vi cobertas de mortal palor.
ESPERANÇA
Vem, arcanjo celeste da esperança,
Que afaguei pelas noites de saudade,
Conforto e paz ao coração trazer-me
Que desmaia de dor na soledade!...
DEVANEIO
Meu astro, minha estrela — riso d’anjo
Refletido no céu azul e lhano,
Por que velas teu rosto fulgurante
E não miras a face do oceano?
DESALENTO
Quando a vida fundida nos encantos
D’um sereno futuro me sorria,
Eu amava em extremos o som dos cantos
Que esta lira querida desferia;
E minh’alma feliz desenrolando
Suas tímidas asas pelo espaço,
A sorrir, a sorrir, além se ia
Do Senhor ao puríssimo regaço!...
Adeus
Adeus, ó prados, sedutoras veigas,
Que tantas vezes a sorrir trilhei;
Talvez bem cedo a vós deixar forçada
Recorde as horas que por vós passei.
Sombras
Um dia, que a mente senti afagada
Por frescos favônios na calma estação,
Ao ver os matizes que a terra cobriam,
Julguei-a ditosa na minha soidão!
LEMBRANÇAS DO BAILE
Que baile! que flores! que noite de encantos!
Que orquestra inspirada! que risos sem fim!
Que festa risonha! que lindas donzelas!
Que rosas da noite, tão puras, tão belas!
Que frontes virgíneas d’ebúrneo marfim!
Anjo do Túmulo
Não ames nunca a palidez do anjo
Que as lousas guarda na mansão extrema;
No berço mudo que revela a morte
Deixa-o à noite que suspire e gema.
Sonho
Era bem noite; não se via a lua
No azul das vagas se banhar gentil;
Manto de trevas se estendia ao longe
Nos ocultando o sideral anil.
Dois de Dezembro
Salve, aurora sublime e grandiosa
Que despontas fagueira no oriente!
Salve, dois de dezembro! luz formosa
Que o horizonte colores resplente!
Escuta
Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.
Ao Sabiá
Canta, canta, ó filho da poesia!
Desperta, ó gênio! A primavera fulge,
Brotam mil flores nos jardins do céu!
Cantam as aves matutinos cantos,
Cobre-se a terra de azulado véu!
SUPLICA
Daí-me, Senhor, o floco errante
Que nos ares de leve se espaneja!
Daí-me o som festival das alvoradas
Que da loira criança o sonho beija!
ROSA
Rosa, rosa dos amores,
Quem me dera os teus palores
Quem me dera o teu viver!
Eu teu berço de harmonia,
Quem me dera um dia, um dia,
De mansinho adormecer!
FANTASIA
Era no baile — eu sorria
Como a flor em solidão;
Tinha na fronte alegria
Mas na mente escuridão.
E eu sorrindo à pergunta
Da mariposa engraçada,
Prendi de manso em meus dedos
A sua asinha doirada.
E eu sorria beijando
A borboleta gentil!
— seus olhos luziam tristes
Com um brilho de luz febril.
Conciliador, 30-10-1873
VII
Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
De meu triste castelo que tombou!
Vamos juntos erguer nossa casinha
Entre o mato florido que ficou.
Ao Sabiá
Júlia da Costa
Ai! quanta inspiração, quanta saudade
Tu me acordas no peito adormecido,
Quando trinas de amor magas endeixas
Da tarde ao declinar.
Ecos Longínquos
Júlia da Costa
Quem és tu que me chamas de poetisa,
Que meu nome repetes com a brisa
Que te banha de luz o coração?
Quem és tu, bardo ignoto que despertas
Do valado as boninas mal abertas
Com teus vôos de santa inspiração?
Súplica
Júlia da Costa
Nas noites brancas distraída eu vejo
Vagar nos mares solitária luz;
Se a lua é clara mais a luz se mostra
Do azul das ondas ressurgindo a flux.
Murmúrios do Crepúsculo
Júlia da Costa
Há na mente uma corda suave
Que vibrada alta noite seduz;
Que afinada nas asas do vento
Um poema infinito traduz.
A Noite
Júlia da Costa
O céu é azul, mas os pássaros são mudos.
O céu cintila, mas embalde a terra
Ergue seu brado pela noite em meio,
Dormem as aves — a floresta é muda,
Funda tristeza nos oprime o seio!
Noite de Luar
Júlia da Costa
A noite corria e a lua brilhava
Com morno clarão,
As aves dormiam no leito de penas,
Sopravam de manso as brisas amenas
Na grata soidão.
A Primavera
Júlia da Costa
Poesia oferecida à redação da Grinalda
Canta o galo — vozeia a criação,
Surge o dia repleto de alegria
Cada arbusto traduz um pensamento,
Cada gota de orvalho, uma harmonia!
Sons Perdidos
Júlia da Costa
Vês o céu, a campina, a natureza,
Este campo infinito de poesia?
Vês as nuvens doiradas que se agitam
Ao cair da neblina em pleno dia?
A Noite
Júlia da Costa
O luar manso e triste além prateia
Do céu a imensidão;
E do mar os arcanjos luminosos,
De volúpia estremecem jubilosos,
À voz da criação!
Harmonias do Crepúsculo
Júlia da Costa
O teu gênio, essa chama que cintila
Do sol ofusca a viva claridade.
Barros Júnior
Ouvi-te tocar um dia
A casta diva sonora
E na minh’alma a essa hora
Levantou-se uma harmonia!
No meu livro abandonado
Fui procurar esse hino
Que dedilhaste sorrindo
Aos ecos da ventania!
A...
Júlia da Costa
Por que meditas? A minh’alma vive
Cismando sempre no teu doce olhar!
Se a noite chega, te recordo em prantos,
À luz fagueira do gentil luar!
LVII
Júlia da Costa
Vive e sonha! Minh’alma te bendiz,
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
e se perde a sonhar, na imensidade!
Últimas Quadras
Júlia da Costa
Nem uma gaivota paira
No azul triste dos mares;
Tudo é silêncio profundo
Tudo diz agros pesares.
3 de maio
Página Solta
Júlia da Costa
As horas caminham, esvaem-se os dias
No báratro fundo de um morno passado;
O sol esmorece, — desmaiam as nuvens,
Por entre as estrelas de um céu adorado.
Noite de Luar
Júlia da Costa
Corre a noite, e branca sombra
Reclinada em mole alfombra
Vai de manso a navegar!
— Bateleiro dos amores,
Deixa o leme, deixa as flores
Vem de manso me inspirar!
Rosa de Amor
Júlia da Costa
(Imitação)
Nós temos n’alma escondida
Como a onda além dormida,
Uma flor empalecida
Que nos beija o coração;
Uma flor pálida e fria
Repassada de harmonia
Que nos fala de poesia
Ao chorar da viração.
II
Longo tempo é passado! A doce pátria
Do poeta gentil das alvoradas,
Está muda e deserta como a lousa
Que suas crenças de amor guarda mirradas .
Um Livro
Júlia da Costa
“Canta, canta, oh! filho da poesia.
Se o céu tem pérolas e a terra flores
teu coração tem sorrisos a derramar
por tudo que o rodeia!”
O Poeta e a Pastorinha
Júlia da Costa
Por que tu te miras no lago que corre
Se a noite sombria no monte desmaia
Por que tu descoras se o vento caminha
Beijando no manto gentil sapucaia!
O Poeta
Júlia da Costa
O poeta é a flor que desabrocha túmida
Ao sol da vida que dá luz ao val
É o orvalho doce de gentil aurora
Em tímido rosal!
A mocidade é quimera,
É madrugada de amor!
É flor que pende, se a brisa
Do tempo lhe rouba a cor;
É um sonhar incessante,
Mas que tem muito amargor.
Entre boninas e rosas
Se asila a dor que crucia;
Na mocidade é mais triste
A dor de um peito que ansia,
Tem mais espinhos a vida,
Mais horrores a agonia!...
Queixas
Júlia da Costa
Outrora, outrora eu amava a vida
Meiga, florida na estação das flores!
Amava o mundo e trajava as galas
Dos matutinos, virginais amores.
Sem Título
Júlia da Costa
Pelas horas da noite harmoniosa
Quando o mar adormece — a natureza,
Uma saudade me vem dos tempos idos,
Desses tempos de mágica tristeza.
A Rosa Branca
Júlia da Costa
Tu eras a flor mimosa
Que em minha vida saudosa
Brilhavas com triste luz!
Eras a rosa engraçada,
A pérola de amor achada
No fundo do mar azul!
Trevas
Júlia da Costa
Ouve-me ainda! Do sepulcro à noite
Surgem fantasmas soluçando prantos!
— O bronze geme gemedora nota...
Quero ouvir da araponga os cantos.
Estrela da Noite
Júlia da Costa
Astro formoso, vespertina estrela
Que em noite bela me sorriste — além!
Vem despertar-me do sonhar profundo
Que neste mundo me enlanguesce... vem!
Página Solta
Júlia da Costa
Queres saber quem eu sou?
Meu nome queres saber?
Escuta! as brisas se abraçam
Eu só não devo gemer!
As brisas sabem meu nome
Só tu não deves saber.
Saudade
Júlia da Costa
Pelas horas do silêncio
Quando tudo é solidão,
Quando a mente devaneia,
Quando luz a imensidão;
Sinto n’alma uma saudade
Que me fala ao coração.
Recitativo
Júlia da Costa
Guarda-me um canto se eu morrer à noite
Por entre os ecos de tristonho harpejo!
Guarda-me um canto, pr’a viver é tarde...
Branco sudário no horizonte vejo!
Vi-te Passar
Júlia da Costa
Vi-te passar borboleta,
Com tuas asas gentis;
Era no mês dos amores
No mês dos sonhos febris.
Lírio Branco
Júlia da Costa
O sol desmaia... pensativas auras
Giram nas doces solidões do céu!
Floresce, ó lírio, meiga flor, floresce
Por entre as dobras do sedoso véu!
Esparge aromas, matinais orvalhos
Aos tênues raios da bendita aurora!
Abre teu cálix que o langor definha,
Enfeita os prados da lasciva Flora!
Rosa Murcha
Júlia da Costa
Recobra o viço meiga flor de um dia
Como o sol brilha matizando o chão;
Recobra o viço, a teus lares volta,
Que o exílio é triste, pois eu já senti!
Poesia
Júlia da Costa
Quando o gênio da poesia
Com seus cantos de harmonia
Me beijava a fronte ardente;
Tinha eu lá no firmamento
Entre a luz do pensamento
Uma estrela refulgente.
Devaneio
Júlia da Costa
Nuvem mimosa que corres
Tão sozinha pelos ares!
Por que não desces, não vens
Ameigar os meus pesares?!...
Sabiá
Júlia das Costa
Perdi-te... a floresta
Tem hinos de festa
Nas aves que eu vi!
Mas eu te procuro
Das matas no escuro,
Chorando por ti!
Morreram as flores
Mas fulgem verdores
Na esteira do céu!
Formosa neblina
Envolve a bonina
Qual noiva n’um véu!
O inverno é chegado,
Teu ninho deixado
Suspira de amor!
Ó vem com teu canto
De mago quebranto
Dar sonhos à flor!
Melodias
Júlia da Costa
Desce, ó noite! surge, surge
Branca sombra dos amores!
Vem beijar-me destemida,
Vem banhar-me de fulgores!
À Minha Pátria
Júlia da Costa
Ai! quem me dera os sorrisos
Da minha pátria adorada,
Quando na serra a alvorada
Deixa seus raios cair!
Quando o jambeiro mimoso
Roja de flores o chão,
Quando no agreste sertão
Geme a rolinha de amor!
Ir contemplar em silêncio
Os verdes prados que outrora
À luz fagueira d’aurora
Me deleitavam de amor!
Ir despertar em saudades
Os sinos da minha terra,
Aos tristes ecos da serra
Que me acordavam na infância!
Um Raio de Luz
Júlia da Costa
Visão pura do céu! Mágica sombra
De meu lindo passado estremecido
Que nas ondas da vida sossobrou!
Dá-me um raio de luz que a fronte exausta
Sinto morta pender qual flor sem brilho
De um dia que passou!
Ecos Saudosos
Júlia da Costa
É noite festiva! nos céus azulados
A lua caminha, nos montes se alonga
Cobrindo de frocos de renda de prata
A mansa baía— gentil Babitonga!
Poeta Escuta
Júlia da Costa
Poeta escuta... que murmúrios brandos
Que sons divinos o oceano tem!
Choram as vagas, a gaivota chora!...
Que tristes ecos acordar-me vem!
Íntima
Júlia da Costa
É doce derramar no ambiente perfumado,
quando a lua fulge e o coração palpita,
as emoções suaves da alma,
os sonhos maviosos do coração!
I
Alegra-te... o céu é azul e os pássaros cantam.
II
Crê e espera.
Em tua fronte brilha a luz do gênio…
teus cantos alegram a minh’alma…
III
Emudeceste? Acaso iludi-te o coração? Quem sabe?
IV
Vive e sonha! Minh’alma te bendiz
Astro lindo de amor e de saudade!
Por ti vela a sorrir meu pensamento,
E se perde a sonhar, na imensidade.
Vive e sonha! Por ti vibro inda cantos
Que a descrença calar me fez um dia!
Por ti julgo rever no céu da vida,
Uma estrela sumida na agonia!
V
Sonha, sonha, ó filho da poesia!
Se o céu tem pérolas e a terra flores, teu coração tem sorrisos a derramar por tudo que o rodeia!
Sonha, e deixa o mundo revolver-se no materialismo de um século que tudo brutifica!...
Ama-me sempre, oh! filho da minh’alma! Mas não reveles a ninguém o sigilo do teu peito!
Teu amor é puro como tu’alma, portanto, é preciso divinizá-lo,
Para que ele seja eterno!
Ama-me sempre, mas com um amor todo espiritual, com um amor, que não perturbe a paz do meu
espírito.
Compreendes-me? Perfeitamente.
VI
Tua poesia é terna como teu coração.
Bem desejava escrever-te longamente sobre ela, mas não posso.
Creio na pureza do teu amor, creio em tudo o que me dizes...
Em tua carta, falas-me de uma estrela ... tenho ciúmes dela...
Se tens saudades do passado, é porque não confias no futuro.
VII
Amanhã responderei. Enganas-te completamente comigo. Eu nada revelei. És ingrato, muito ingrato.
Meu coração sofre... minh’alma padece.
VIII
Escuta-me, e depois condena-me se quiseres.
Ontem me fizeste sofrer muito.
Eu nada revelei; dou-te a minha palavra, é quanto basta.
Divulgar o teu amor, seria trair-me.
Pedi que te acautelasses, não colocando tuas cartas senão à noite; não me compreendeste, e fugiste de
mim, não me aparecendo nem mesmo à tardinha.
És ingrato, repito. Fazes uma idéia muito triste do meu amor.
Nossa correspondência será sempre ignorada, enquanto a não divulgares. Só duas pessoas sabem do
segredo; eu e tu; vulgarizado ele, está claro que um de nós faltou à promessa.
Não serei eu, por certo.
Amo-te muito, mas teu nome só se debruça em meus lábios nas horas de oração.
Adeus, não me fujas...
IX
Ontem, fui feliz por momentos...
Onde estava? Não sei. Sonhei muito, sonhei muito... depois veio o silêncio e o despertar monótono dos
sonhos...
Desejava falar-te, mas como? Como, se o impossível me cerca?
Amo-te, ó filho da minh’alma!
Agora começo a vida, mas essa vida do coração que se confunde com o perfume das flores e com o
murmúrio dos ventos...
Abençoado sejas tu, que me fizeste sentir o amor, esse fantasma errante, tantas vezes procurado em
meus sonhos de criança!
Adeus.
Desculpa escrever-te a lápis, há sobre mim vigilância extrema.
Amanhã, é o primeiro de julho; espero uma poesia, ouves?
X
Nunca acreditei no destino, mas hoje curvo-me ao seu império.
Conheço que te amo; não com esse amor árido de sociedade onde o cálculo é tudo, mas com um amor
imenso, imenso como o infinito!
Nunca amei senão agora, acredita. Tenho tido muitos caprichos, mas amor nunca senti senão por ti.
Escuta
Júlia da Costa
Teus cantos são gotas de puros orvalhos
Que descem sorrindo dos seios de Deus...
São notas aéreas vibradas ao longe,
Por dedos de arcanjo, nos prados dos céus.
XII
Entristece-me, com a descrição do teu passado. Meu coração se encheu de lágrimas escutando as vozes
de tua alma...
És severo demais em tuas apreciações: o mundo escarnecer-te? pagar-te os risos com chufas? Não,
perdoa-me; o mundo, meu amigo só tem para aqueles que o desprezam o rir da indiferença. A sociedade
não pode zombar do homem talentoso.
Deixemos o mundo:que nos importa ele o todo seu cortejo de pálidos espectros?
Que temos nós, moços e inda crentes, com o passado que vai longe?
Alegra-te, que meus olhos não descubram em tua face um vislumbre de tristeza, que meus ouvidos não
escutem no silêncio um frase de ironia.
Não me fales do passado, ouves? Fala-me do futuro, de teus sonhos, de tuas aspirações, de teu amor...
O horizonte de nossa vida é vastíssimo. Não precisamos das riquezas da terra, nem dos incensos de um
mundo que desprezamos.
Adeus. Escreve-me ainda hoje duas linhas.
XLII
Em que pensas, anjo meu, que já não te lembras mais da tua pobre amiga? que motivo poderoso te força
a tratar-me com tanta reserva, com tanta indiferença? Arrefeceria o teu amor em quatro meses apenas?
Não creio. É tal a confiança que em ti deposito , é tal a ligação que existe há cinco anos entre nossas
almas, que até me parece um sacrilégio suspeitar de ti. No entanto há momentos para mim de dúvida
cruel... qual é o motivo do teu silêncio? Por que a tristeza substituiu ao teu ao teu sorriso habitual, a esse
sorriso que abria-me o paraíso na terra?
Fala! Que a tua voz meiga e sonora cale dentro de minh’alma! Fala, meu pobre noivo, diz o que sentes,
confia ao meu coração o segredo da tua vida!
XXXVIII
Oh! por piedade!... Eu escanecer-te, zombar do teu amor? Nunca! Meu coração soluça, recordando tuas
palavras!...
Ontem fui três vezes ao lugar aprazado e não te encontrei! Tomo a Deus por testemunha que avanço...
fulmine-me a sua cólera se falto à verdade. Minha ausência foi notada, e eu repreendida asperamente...
isto, ainda mais excitou o meu amor...
Hei de falar-te filho, não hoje, porque absolutamente não posso, mas qualquer noite em que estejam os
ânimos mais calmos.
Deixa que Diana procure outros climas e que seja esquecida minha primeira tentativa.
Eu te falarei, sou em quem t’o digo. Se me amas verdadeiramente, não esmoreças com a delonga.
É preciso que sejam olvidados meus passos de ontem à noite. Exigir o contrário, é perder-me...
Adeus. Envio-te uma lágrima das muitas que me fez derramar a leitura de tua carta...
Escreve-me amanhã; diz-me se acreditas ou não no que te digo; prolonga, ou ameniza o meu martírio...
aponta-me a esperança ou o desespero.
XLIII
Vejo-te ainda, querido de minh’alma!…Oh! pudesse eu apertar-te contra o coração, beijar-te os lábios,
prodigalizar-te mil carícias!... Nunca, nunca senti tanta saudade como agora. Às vezes desejei transpor
mares. Chegar a ti e dizer-te: — Sou tua! Acolhe-me em teu seio, porque minha existência foge! —
Mas agora torno a ser feliz, verdadeiramente feliz, porque estás ao meu lado. Logo que te veja, contento-
me com o presente sem me importar com o futuro. Abençoado sejas, anjo meu! Não sei como posso
conter minha alegria! Ela transborda em meu coração em torrentes de harmonia. Sinto-me tão feliz que
até tenho medo de tanta felicidade.
Tenho tanta vontade de falar-te... é um precipício, mas para nós existirá o impossível? Creio que não.
Deus que conhece a pureza do nosso Amor nos abandonará nesse momento? É tanto o desejo que tenho
de ver-te um minuto, de aspirar o teu hálito... de contemplar-te de perto... Oh! mas isto é uma loucura!
o amor cega-me a ponto de eu desconhecer os perigos que nos cercam!
Conservo ainda a derradeira carta que me escreveste. Quem me dera esse futuro de alegrias que me
prognosticas! Amo-te, e a grandeza deste amor tu compreendes. O segredo de minha vida, só tu o
sabes. Tu foste o noivo escolhido por minh’alma, não posso morrer sem que se realize o sonho
embriagador que me afaga o coração.
Se me fores fiel, juro-te em nome deste sol que nos ilumina, em nome de Deus, que nos ouve que serei
tua um dia, custe o que custar. Se Deus demorar a realização do nosso sonho, então pisarei todos os
preconceitos da sociedade, e serei tua embora no centro das florestas, longe do mundo, longe de tudo
que possa lançar-me em rosto o excesso da minha paixão.
Fala-me sempre do passado; mas, por piedade, em nome deste amor infeliz que me inspiraste, eu te
suplico! Não me lembres mais esse tempo maldito, em que julgando-te ingrato, procurei o atordoamento
do espírito no bulício dos festins. Esse tempo passou, e não deixou vestígios. No meu caso, farias o
mesmo. — Guardar-te toda a virgindade da minha vida, calcar aos pés o amor que me ofertavam, gastar
as mais belas noites da minha mocidade a chorar por ti, e um dia saber que tu, o homem por quem eu
vivia e soluçava, saber que tu amavas a outra mulher! — Oh! é terível de pensar! Confesso que procurei
tirar-te do meu coração, mas não creias, querido da minh’alma que o bafo impuro desses homens
corruptos, como dizes, manchasse a candidez de minhas vestes. Não! Quando arrastada pelos cabelos fui
conduzida aos altares, fitei o crucificado que com os olhos cerrados não podia ver tanta maldade, e sem
saber por que tornei-me insensível a tudo.
Esqueci-me até desses momentos de delírio, em que sozinha no meu quarto, pensando no dia do nosso
noivado, envolvia-te n’uma adoração vaga e duvidosa.
Só tive forças para lutar e nada, mais. Já vês que a mulher que tem forças para lutar assim, não
sucumbe por um capricho de vingança. O coração sem amor, cheio de mágoas e de recordações
pungentes, não tomou parte nos devaneios da imaginação.
Tu foste o único homem a quem amei. Por ti me perderia... por outro, nunca!
Não sei ainda como te jogarei esta carta. Mas as tuas devem chegar a mim pela janela do meu quarto de
dormir. Isto é, a que ficar aberta. Antes de deitar-me, deixarei preso a ela um cordão; podes prender
nele a carta; alguma hora eu suspenderei. É a única janela que posso deixar aberta sem causar suspeita,
visto estar sempre fechada por dentro. De outra forma, corremos muito risco...
Aquela noite foi o nosso anjo da guarda que velou por nós. Escreve-me sempre, que eu também te
escreverei. Tenho muita coisa que contar-te, muitas perguntas a fazer-te; enfim, é tal o turbilhão de
idéias que não posso expressar-me n’uma só carta. Boa noite querido... não me ouves mas eu te escuto
aqui dentro do meu coração, porque tua alma é a minh’alma , tua vida é a minha vida.
XLIV
“Vem, meu lindo poeta! pobre noivo
“De meu triste castelo que tombou!
“Vamos juntos erguer nossa casinha
“Entre o mato florido que ficou.