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Grupo de Estudos Èdè Yorùbá

Ẹ̀ kọ́ Kíní
(Primeira Lição)

O Povo Yorùbá e Sua Língua

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1 Ẹ̀ kọ́ Kíní O Povo Yorùbá e Sua Língua 6
Proprietário Autor Revisão Data
Ilé Aṣẹ́ Cofaroibi Afẹfẹ́ Ti Oyá Pejigá Júnior Ti Òṣàgiyán 1 24/07/2019
Èdè Yorùbá Ẹ̀ kọ́ Kíní O Povo Yorùbá e Sua Língua

1. Vamos Falar de História?


O Candomblé é uma religião brasileira, ainda que suas origens sejam as crenças e costumes religiosos dos povos
africanos que, àquela época, ainda não tinham sido influenciados pelo Cristianismo. Porém, para falar da história
do Candomblé é necessário relembrar dois momentos: as grandes navegações e o tráfico negreiro.

Tudo começou no século XV, com as grandes navegações ibéricas. Com a obstrução das rotas comerciais entre a
Europa e a Índia, os europeus buscaram novas rotas marítimas através das grandes navegações, que circundavam
o continente africano, atravessando o Atlântico e o Índico, até chegar à Índia.

Figura 1- As grandes navegações portuguesas

Como se vê na Figura 1, quatro expedições partiram de Portugal rumo à Índia: as duas primeiras em 1487, uma
liderada por Pedro de Covilha (verde) e a outra por Bartolomeu Dias (vermelho). A terceira partiu dez anos depois,
em 1497, capitaneada por Vasco da Gama (amarelo), e em 1500 a expedição de Pedro Álvares Cabral (azul), que
acabou por “descobrir” o Brasil antes de chegar ao seu destino. Durante as duas primeiras expedições, os
portugueses se depararam com a costa ocidental da África, e não tardou para iniciarem sua colonização.

Figura 2 - A expedição de Bartolomeu Dias

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A expedição marítima da Figura 2 apresenta o ano em que os portugueses entraram em contato com os povos
estabelecidos na África e começaram a estabelecer com eles relações comerciais. Num primeiro momento esse
comércio consistia na venda de produtos manufaturados, como espelhos e armas, e na compra de matéria-prima,
como minério e pedras preciosas.

Já com o início do povoamento do Brasil, que tornou-se o maior fornecedor de matéria-prima de Portugal, criou-
se a necessidade de uma grande quantidade de mão-de-obra para a exploração do território, e tendo fracassado
em escravizar os índios brasileiros, os portugueses começaram a comprar negros africanos e transportá-lo através
do Atlântico rumo ao “novo mundo”.

Durante este advento, conhecido como tráfico negreiro, diversos povos de diferentes tribos africanas foram
sequestrados de sua pátria, levados em condições sub-humanas para um novo continente, as Américas, e forçados
à servidão, tendo que se adaptar aos costumes dos “brancos civilizados”, cuja desculpa moralmente “aceitável”
para a barbárie que representava o tráfico humano era “salvar a alma” dos negros africanos, condenados ao
“inferno” por seus cultos “pagãos”.

Nesse contexto, de escravos desterrados para o Brasil, destacam-se duas etnias ou grupos linguísticos: os bantos
e os nagôs. Os bantos habitavam o centro-sul africano, onde hoje localiza-se os países de Angola, Congo, Zâmbia
e Moçambique, e falavam uma diversidade de idiomas, entre eles o Umbundu, o Kimbundu e o Kikongo. Já os
nagôs povoavam o noroeste africano, na região onde atualmente encontram-se os países de Guiné, Togo, Benim e
Nigéria, e também falavam uma enormidade de idiomas, entre ele o Yorùbá, Èwè e o Fòn.

Durante todo o período colonial brasileiro, que durou três séculos, os negros escravizados na África e vendidos ao
Brasil eram trazidos para as capitânias hereditárias de Salvador (a capital da colônia), Pernambuco e São Vicente
(do norte do Rio de Janeiro ao sul de São Paulo), como apresentado abaixo na Figura 3.

Figura 3- O tráfico humano dos séculos XV à XIX

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Estes dois pontos da costa oriental da África, centrado nos portos de Benim e Angola, às margens do Atlântico,
formavam o principal mercado de escravos africano entre os séculos século XV e XIX, e essas tribos africanas,
forçadas à servidão no Brasil, trouxeram consigo suas crenças religiosas, sua hierarquia social e seus costumes
tribais e familiares. E foi dessa diversidade de etnias, crenças e valores culturais que originou-se o que chamamos
de Nações do Candomblé.

Do grupo étnico-linguístico banto, que habitava quase todo o continente africano mas, principalmente, a região
entre a atual Angola à leste, Moçambique à oeste, Congo ao norte e África do Sul ao sul, derivou-se o que
conhecemos por Candomblé de Rito Banto, do qual fazem parte as nações Congo e Angola do Candomblé. Já o
grupo étnico-linguístico nagô, que habitava a costa noroeste africana, deu origem ao denominado Candomblé de
Rito Nagô, que derivou as nações Kétu, Ìjèṣà, Jéje, Èfon, Òyó, Èwè e Ègbá do Candomblé.

É importante enfatizar que a civilização africana do século XV era tribal e familiar. O incesto e a poligamia eram
natural nas tribos, e todos os seus habitantes tinham o sangue de um ancestral comum. O conceito de cidade
africana era consanguíneo, ou seja, participavam de uma cidade apenas aqueles que tinham algum laço de sangue
com seu criador. Essas cidades assemelhavam-se a pequenos reinos, ou cidades-estados, que consistiam em regiões
autônomas onde cada governante gozava de total autoridade. Muitas vezes esses reinos submetiam-se à uma
autoridade centralizada, como é o caso dos integrantes do Império de Oyó, localizado no território entre o atual
Togo, Benim e Nigéria, cujo mais conhecido rei foi Xangô.

Figura 4- O Império de Oyó ("yorubalândia")

Nessa África tribal, cada cidade tinha seu protetor, em geral um ancestral que nela desempenhara papel de
governante ou fora uma pessoa de grande influência. Óxum, Ôgum, Ôyá, Ôxóssi, Oxaguiã, Oxumarê, Oduduwá,
Oxalufã, cada um destes orixás foi o protetor de uma cidade, de uma região, onde era reverenciado e cultuado.
Também, cada uma dessas cidades cultuava (e ainda cultua) poucos ou apenas um orixá.

Óxum e Logunedé eram divinizados em Ijexá, Osogbo e Ijebu Odé, Iyewá era adorada em Egbádo, Oxóssi era o rei
de Ketu, Ôgum era o protetor de Irê-Ekiti, Iemanjá era cultuada em Egbá, Oxaguiã era adorado em Ejigbo; em sua
maioria, eles tinham em comum o fato de serem desconhecidos fora de seus territórios, porém estudiosos

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concordam que alguns deles eram cultuados em alguns outros locais da África. Um deles era Oxalufã, criador e
governante da cidade de Ifé (antes de ser conquistada por Oduduwá), considerada na mitologia nagô a primeira
cidade do mundo. Outro era Exú, que foi rei de Ketu, e que seu culto se estendia por quase todo o território nagô.
Xangô, neto de Oduduwá, também é conhecido em todo o território nagô por ter unificado vários reinos sob o
Império de Oyó.

Além da servidão nas Américas, os negros escravizados na África tinham em comum seus costumes sociais e sua
organização política tribal e familiar. Também, apesar de seus ritos religiosos ser diferentes uns dos outros,
assemelhavam-se mais entre si do que com a religião dominante no novo continente: o Cristianismo. Dessa forma,
por identificação, organizaram-se em grupos para cultuar suas entidades. Desse agrupamento derivou-se o
Candomblé primitivo, cujas festas eram realizadas nas senzalas. Mas na nova realidade da escravidão brasileira, os
negros tiveram que se agrupar de forma diferente do que ocorria na África. Esse agrupamento se deu por
similaridade e os negros, cada qual cultuando o orixá particular de sua cidade, reuniram-se para cultuar a todos
estes orixás em uma mesma festividade, que denominaram Xirê (que em yorùbá significa “festa”).

Durante muito tempo os senhores brancos


viram o canto e a dança dos escravos com
ingenuidade, como uma forma de lembrar suas
origens e tradições, sem dar a estas festividades
qualquer conotação religiosa. Todavia, a Igreja
Católica Romana considerava heresia o culto
aos seus ancestrais, com seus sacrifícios rituais.
Para encobrir suas crenças e continuar a praticá-
las, os negros foram naturalmente sincretizando
suas entidades com os santos e mártires
cristãos. Ôgum virou São Jorge, Yansã se
apresentava como Santa Bárbara, Oxalá era
reconhecido na imagem de Jesus Cristo. Assim
cada orixá recebeu uma representação cristã,
Figura 5 - O Candomblé nas senzalas
cabendo a Exú a imagem de Lúcifer. E essa foi a
mais primitiva forma ritualística de culto do Candomblé, forma esta que perdurou até meados do século XIX,
quando dois novos acontecimentos mudaram totalmente a dinâmica do Candomblé: o primeiro, as leis contra a
escravidão; o segundo, a criação da escrita yorùbá.

Em 1850, a primeira lei abolicionista proibiu o tráfico negreiro, o que resultou no aumento do comércio de escravos
dentro do próprio país. Continuando a ser vendidos e a circular dentro do Brasil, e esse movimento de escravos
entre as províncias onde o Candomblé havia se estabelecido no Brasil – em Salvador e no Rio de Janeiro, e com
menor expressão em São Paulo e no Rio Grande do Sul – desencadeou um processo que fundiu a liturgia e os rituais
do Candomblé ali praticado, que haviam se desenvolvido de forma separada e autônoma durante os três séculos e
meio anteriores.

Posteriormente, a mais importante lei abolicionista, a Lei Áurea de 1888, iniciou o declínio do Império do Brasil,
acarretou a Proclamação da República, e trouxe a consequente alforria ao Candomblé brasileiro. Porém, ainda que
os negros fossem livres, a Igreja Católica Romana ainda mantinha forte influência político-religiosa no Brasil. Os já
se organizavam em confrarias e irmandades religiosas cristãs, onde cada confraria congregava os indivíduos de um
determinado grupo étnico-linguístico. E foram estas confrarias e irmandades que deram origem aos primeiros
terreiros pós-escravidão de Salvador: o Nzo Tumbansi, da nação Angola, a Casa Branca do Engenho Velho e o Opó
Afonjá, da nação Ketu, e a Roça do Ventura, da nação Jêje.

E foi nesse contexto sincrético-cristão, sob a tutela não deliberada da Igreja Católica Romana, que se desenvolveu
e estabeleceu-se o que hoje conhecemos como Candomblé, sua liturgia e seus rituais.

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2. E a Escrita Yorùbá?
O segundo acontecimento que mudou a história do Candomblé foi a invenção da escrita yorùbá. Não é possivel
afirmar com precisão, mas estima-se que o yorùbá seja falado há mais de 4.000 anos. Até meados do século XIX, o
yorùbá era uma língua exclusivamente oral, ou seja, não era possível registrar suas palavras por escrito. Além dos
colonizadores europeus não darem importância às línguas africanas nativas (preferiam ensiná-los a falar inglês), o
fato do yorùbá ser uma língua tonal dificultava encontrar meios de registrá-lo por escrito, tendo em vista que o
alfabeto greco-romano, utilizado pelos ocidentais, não permitia a diferenciação tonal das sílabas do yorùbá.

Em 1843, um missionário anglicano chamado Samuel Ajayí Crowther, negro, nascido no Império de Oyó e
naturalizado inglês, criou um dicionário Yorùbá-Inglês. Em 1850, o mesmo escreveu um tratado sobre a estrutura
gramatical do idioma yorùbá – que sofreu inúmeras alterações desde então. Utilizando o alfabeto greco-romano,
ele criou uma notação de acentuação e pontuação gráfica que permitia registrar por escrito todas as variantes de
letras e tonalidades do idioma yorùbá. E foi a partir de então que eruditos como Pierre Verger, Roger Bastide e
demais estudiosos das religiões afro-descendentes, começaram a registrar a mitologia yorùbá e os fundamentos e
cantigas do Candomblé, cuja transmissão até então era oral.

Na África, ainda hoje dezenas de centenas de


idiomas são falados. Na Nigéria, atualmente,
são faladas 510 línguas. O idioma oficial do
país é o inglês, porém cada tribo, cada cidade,
tem seu próprio idioma.

No século XV, o yorùbá era o idioma falado


pela maioria da população do Império de
Oyó, região que conhecemos vulgarmente
hoje por “yorubalândia”. O yorùbá possui
algumas dezenas de dialetos, então
convencionou-se chamar as regras
gramaticais registradas por Samuel Crowther
de yorùbá-standard.

O yorùbá, no Brasil dos séculos XV à XIX, era


a língua franca das comunidades negras de
Salvador (de maioria nagô) durante o período
Figura 6 - Grupos linguísticos da Nigéria
de escravatura, e seu último refúgio foram as
comunidades de Candomblé de Rito Nagô, sendo mantido vivo através dos cântigos, rezas e diversas expressões
utilizadas no meio candomblecista, que foi um dos maiores motivos da manutenção das tradições seculares.

Tendo em vista que a linguagem é a chave cultural de um povo, conhecer o yorùbá deveria ser, para os
candomblecistas, tão importante quanto conhecer os fundamentos e a liturgia religiosa. Com o tempo criou-se o
hábito de ouvir e repetir palavras sem conhecer seu significado e interpretação. Como consequência, diversos vícios
de linguagem desfiguraram o idioma. Atualmente é possível constatar o quanto o yorùbá foi corrompido
verificando a enorme diferença das palavras de muitos cântigos, rezas e conversações simples, de terreiro para
terreiro. A perda do som original de muitas palavras e os vícios creditados como corretos passaram a impedir a
tradução correta de certas palavras.

Enfim, o aprendizado do yorùbá será a resposta para muitas dúvidas que existem na religião, não somente em
saber interpretar e traduzir os cântigos e rezas, mas pelo fato de poder sentir mais intimamente, através do seu
conhecimento, o alto grau de religiosidade que existe nas mensagens passadas.

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