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Ale Silva
Personagens:
Zeca
Julinha
Coroné
Capanga
Virgulino (Lampião)
Maria Bonita
Mané Ventania (Contador I)
João Pedra Azul (Contador II)
Chico Peba
Violeiro I
Violeiro II
Seresteiros
ABERTURA
1
FONSECA, Domingos. Violas e Repentes. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Leitura/MEC, 1972.
ZECA – E não?
VIRGULINO – Que ta fazendo aí, criatura?
ZECA – Descansando... Afinal, a vida é dura e não sou feito de aço!
VIRGULINO – Deixa o Coroné te encontrar que ele acerta teu passo!
ZECA – Se aperreie não!
VIRGULINO – Ta aí há muito tempo?
ZECA – Nada! Pouco antes de tu chegar. Tava lá pras bandas do riacho e deu
uma vontade de trabalhar...
VIRGULINO – Trabalhar?! Dessa eu tenho que rir! Tu ta é fazendo graça!
ZECA – To nada! Mas aí eu meu deitei aqui, que é pra ver se a vontade
passa...
VIRGULINO – Ah, entendi... Zeca, tu não tem é remédio...
ZECA – Melhor assim... que o que não tem remédio, remediado está! Mas me
conte, meu amigo, por que tanta exaltação? Brigaste mais Maria, caíste do
alazão?
VIRGULINO – Se fosse isso, dava um jeito, o caso é muito mais complicado! É
o desinfeliz do Coroné, que ta aqui (faz gesto) atravessado! To juntando meus
“panos de bunda”, hoje mesmo vou partir. Vou pro quinto dos infernos, mas
não fico mais aqui!
ZECA – Cuidado com o que desejas, Virgulino, pois tu podes conseguir!
VIRGULINO – Vou procurar trabalho nas terras lá do norte. Tem coroné
contratando gente, pode ser que eu tenha sorte.
ZECA – Pois acho que vai é trocar seis por meia-dúzia! Todo coroné é ruim por
natureza, seja aqui ou em qualquer lugar. Acha que quando me bate a tristeza,
também não penso em me mudar?
VIRGULINO – E é?
ZECA – E não? Penso em “picar a mula”, me arranjar em outro lugar. Trabalhar
na lavoura, colher ou plantar. Cuidar de boiada e até mesmo capinar!
VIRGULINO – Essa eu queria ver! Pois, de fato, é mais fácil tu puxar uma
cascavel pelo rabo do que arrancar um pé de mato!
ZECA – E é?
VIRGULINO – E não?
ZECA – E é assim que vai ser? Está tomada a decisão?
VIRGULINO – E seja o que Deus quiser! Aqui não fico mais não!
ZECA – E tua Maria? Vai deixar abandonada, estilhaçar seu coração?
VIRGULINO – Minha Maria vem comigo, disso eu não duvido, pois é grande o
seu amor! Do jardim é a flor mais bela, minha amiga e companheira, vai comigo
pr´onde eu for!
ZECA – Que bonito versejar! Que história comovente! Chega até apertar o
coração da gente!
VIRGULINO – E é?
ZECA – E não?
VIRGULINO – Assim é a vida e desse jeito se vai vivendo. Deixa eu chamar
Maria que já ta escurecendo!
ZECA – E vão viver de que, homem de Deus?!
VIRGULINO – Do que Deus quiser, pois Ele proverá! Sempre se arranja o que
fazer, e o que precisar eu faço! Humilde carpinteiro, valente boiadeiro ou
bandoleiro do cangaço! Pois, querendo tanger comboio, até sou bom
comboieiro. Querendo fazer sapato, até sou bom sapateiro. Querendo andar no
cangaço, até sou bom cangaceiro, que isso de se matar gente, é serviço mais
maneiro 2.
ZECA – Vai ser cangaceiro? Endoideceu? Viver sertão adentro, enfrentando a
milícia?
VIRGULINO – E o mais conhecido que se vai ter notícia! Nos quatro cantos do
sertão, de mim vai se ouvir falar e não demora nada, volto pra me vingar, pois
coroné nenhum, vai me pisotear! Agora vou andando, vou buscar meu alazão,
preparar a minha sela e encontrar Maria Bonita, debruçada na janela! E é longa
a viagem nessa selva nordestina... (faz um cumprimento ao amigo e sai)
ZECA – Só espero, Virgulino, que o ódio do teu coração, não seja tua ruína!
(entram os Contadores com os Seresteiros. Virgulino canta para Maria Bonita,
que entra em seguida)
2
RIBEIRO, Joaquim. Os Brasileiros. Rio de Janeiro: Pallas, 1977.
ZECA – Então da cá um abraço! (abraçam) A gente se encontra por aí! Aos
dois desejo felicidade, do fundo do coração! (vão saindo, Virgulino e Maria
Bonita)
VIRGULINO – Ainda vai ouvir muito falar de mim, Zeca... como Virgulino ou
Lampião! (saem cantando o refrão da música)
ZECA – Que a sorte siga teus passos, nos quatro cantos do sertão!
CONTADOR I - E seguiram estrada afora,
Procurando seu destino
Os dois jovens apaixonados
No mais louco desatino:
A doce Maria Bonita
E o valente Virgulino.
CONTADOR II - Mas quem ousa contrariar
A voz do coração?
Nem Maria, nem Virgulino
- o destemido Lampião –
Aquele que seria o rei
Do cangaço no sertão!
(todos cantam)
MÚSICA “MULÉ RENDERA” (“Mulé Rendera” – Folclore Brasileiro –
Nordeste)
CENA II
3
FONSECA, Domingos. Violas e Repentes. 2. ed. Rio de Janeiro: Ed. Leitura/MEC, 1972.
outra: essa tal Julinha deve ser uma baranga. Deve ter dente saliente, olhos
esbugalhados, cada qual olhando prum lado e pra terminar, tem cambito seco
feito perna de sabiá. Sendo filha desse Coroné, boa coisa não é! Mas chega de
tanto falar, o negócio é esticar as pernas que ta na hora de descansar...
(acomoda-se melhor a um canto, o som do forró vai diminuindo, indicando
passagem de tempo. Entra Julinha)
JULINHA – Que noite linda pra passear... e como se não bastasse as estrelas,
agora chega a lua pra me visitar alegrando meu coração. E quem conhece, há
de concordar que o luar é mais bonito no céu do meu sertão. (entram os
Seresteiros, cantando com Julinha)
CENA III
4
Ditado popular.
SERESTEIROS - Que beijinho doce... que ele tem...
Depois que beijei ele, nunca mais amei ninguém...
JULINHA – Ah, noite bonita! Mil vezes bendita, mesmo tendo me pregado uma
peça. Pois fui ganhar de um desconhecido, um beijo descuidado, que deixou
minh´alma em festa. (fecha a janela, os Seresteiros vão saindo ainda cantando
o refrão)
CENA IV
CENA V
CAPANGA – (entrando) Mas é hoje que eu acerto o passo desse frangote, vou
deixar todo marcado com uma surra de chicote, pois to feito cobra venenosa
pronta pra dar o bote.
ZECA – (entrando) Vamos ver se vai cumprir, tudo que tem falado, pois só de
olhar pra tua fuça eu já fico aperreado. Tanto me insultou, que hoje eu to “caba
danado”!
CAPANGA – Pois então comece a rezar, se quer tua alma salvar! Pois é na
ponta do meu punhal que acabo com esse duelo! (faz gesto de pegar o punhal)
ZECA – Se eu fosse tu, guardava isso e me pegava com “padim padi Ciço”,
pois ta na mira de cinco “papo-amarelo”.
CAPANGA – (desconfiado, olhando para os lados) Que ta dizendo?...
ZECA – Que, mesmo não podendo ver, tem cinco camaradas com a
espingarda engatilhada apontando pra vosmecê!
CAPANGA – Tu ta é com armada pro meu lado...
ZECA – Daqui pra frente, vai ser tudo diferente, é melhor tomar cuidado! E é
bom não se esquecer, que qualquer coisa que me acontecer, tu vai ta é
fuzilado!
CAPANGA – Tu ta é muito enganado, se ta achando que eu vou cair nesse teu
jogo... (ameaça)
ZECA – Se é assim que deseja! O meu sinal agora é dado: (faz sinal com o
braço) Podem abrir fogo! (ouve-se os rojões. Capanga se abaixa, gritando com
gestos espalhafatosos e cômicos)
CAPANGA – Misericórdia! Ai, que eu to morto!!
ZECA – E se ainda tem algum juízo, se põe daqui a correr, que isso foi só um
aviso, pra não se esquecer desse “caba danado”.
CAPANGA – (saindo) Eita, se sangue fede eu to todo ensangüentado!
ZECA – (rindo) Isso, corre...corre caba frouxo dos seiscentos diabos!
CHICO PEBA – (entrando com o rojão na mão) Pelo que vejo esse valentão já
ta amansado!
ZECA – E correndo assim, desembestado, quando amanhecer já vai é ta em
outro estado... (riem)
CHICO PEBA – Com esse Capanga, pode ficar sossegado, companheiro...
ZECA – É, meu amigo Chico Peba, só tenho a dizer muito obrigado, pois seu
tiro foi certeiro! (saem rindo)
CONTADOR I - Depois de pregar uma peça
No Capanga valentão,
Nosso amigo se prepara
Pra encontrar sua paixão,
Pois de longe da pra ouvir
Os tum-tuns do coração.
CONTADOR II - E é assim que vai batendo
O coração apaixonado
Pro encontro já saiu
Meia hora adiantado
Pra esperar a tal Julinha
E ficar bem do seu lado.
CONTADOR I - Meia noite já passou
E o coração acelerado
Com certeza vai sofrendo
Até ficar desconsolado
Em pensar que seu amor
De idéia tinha mudado.
CONTADOR II - Enquanto isso, no seu quarto
Que tava todo perfumado
Julinha esperava
Pelo horário marcado
Sem saber que seu relógio
Tinha sido atrasado! (saem)
CENA VI
CENA VII
5
Fragmento da poesia “Despedida” (Alexssandro Silva)
CAPANGA – (a parte) Eita que eu vou ta é lascado!... (para o Coroné) Calma
Coroné, não faça isso não...
CORONÉ – Será que to ouvindo bem? Ta defendendo o gavião?
CAPANGA – É que o caso é meio complicado e exige reflexão!
CORONÉ – É melhor se explicar rapidinho, que já ta virando confusão! (Julinha
entra, sem ser vista e fica ouvindo a conversa)
CAPANGA – Acontece que o “caba” é cheio de amigo e qualquer coisa que
acontecer a ele, o pessoal vai ficar revoltoso. Então o Coroné matuta aqui
comigo que é mais negócio se livrar dele com um plano mais engenhoso...
CORONÉ – Onde ta querendo chegar?
CAPANGA – Digo que tenho um plano e o Coroné pode descansar. Se me der
sua permissão, já vou tudo arranjar.
CORONÉ – Se ta dizendo que esse negócio vai mesmo funcionar... ta
autorizado.
CAPANGA – Pois deixe comigo que já ta tudo tramado: de tardinha, pouco
antes de escurecer, o Coroné, como quem não quer nada, vai o moço
surpreender. Diz que ficou sabendo do “namorico de portão” e exigir do infeliz,
alguma explicação. Surpreso como vai ta, não vai ter o que falar, mas atrevido
que é, vai “peitar” o Coroné”. O senhor então não se faça de rogado, deixando
nesse instante, na presença de todo mundo, um desafio lançado: dois pedaços
de papel, “absolvido” e “condenado” 6. Se é mesmo “caba danado” e puder
contar com a sorte, ele casa com Julinha e o assunto fica esquecido. Mas se
for “condenado”, pra poder se livrar da morte, vai-se embora com sua trouxinha
e fica tudo resolvido.
CORONÉ – Mas se o infeliz pegar o “absolvido”? Aí eu vou ta é lascado!
CAPANGA – Quanto a isso não tem perigo, pois os dois “papel” vai ta
“condenado”....
CORONÉ – Acho que já entendi o recado... qualquer um que ele pegar, vai ta é
bem arranjado! Vou cuidar do que fazer e tu, deixa tudo preparado, pra quando
escurecer pôr em prática o plano combinado. (sai)
CAPANGA – Não carece preocupação, o Coroné pode ficar sossegado...
(sozinho) Confesso que essa tramóia foi melhor do que o relógio atrasado. (sai
rindo)
JULINHA – Então o Capanga está com meu pai mancomunado? Foi Deus
quem me pôs aqui em boa hora, mas vou correndo e sem demora, pois o Zeca
precisa ser avisado. (sai)
CENA VIII
6
“Absolvido e Condenado”, argumento inspirado num conto universal.
avisar, havia o encontro cancelado. Agora, ao ouvir o que conversavam, quase
perdi a voz, pois falavam de nós e contra tu, um plano estão tramando. Então
agora escuta, preste muita atenção: logo meu pai vai te procurar, querendo
explicação e só por diversão vai um desafio lançar, de casar comigo se for
absolvido e a sua morte (ou banido) se não tiver sorte e for condenado.
ZECA – Ora, não tenho medo de correr perigo quando sou desafiado e posso
até casar contigo se a sorte estiver do meu lado...
JULINHA – (abraçando Zeca) Mesmo não estando comigo, meu coração já é
teu... mas não corra esse perigo, pois em qualquer papel tu estará
“condenado”!
ZECA – (pensando) Tudo quanto é verde, seca... água corrente se acaba...
Mas amor firme não se deixa e quem ama nunca se enfada! 7 Pois eu te digo
que não tem perigo nessa empreitada. Porque o destino ninguém muda e o
meu já ta traçado e como sou “caba danado”, saio dessa com vida e com o
meu amor bem do meu lado... (beija Julinha, entra o Coroné com o Capanga)
CORONÉ – Mas o que é isso que eu to vendo?
JULINHA – Calma meu pai, não é o que ta parecendo....
CORONÉ – Ora! E como não é? Que eu caia morto nesse instante, dum infarto
fulminante, se esse caba não tava lhe beijando!
ZECA – Pois lhe digo, Coroné, por tudo que é mais sagrado, mesmo não sendo
do seu agrado, sua filha eu to amando!
CORONÉ – Ai que aperto no peito! Dessa não escapo, não tem jeito... é a
morte que está me levando!
ZECA – Deixe disso, Coroné, que a situação não é pra tanto!
CORONÉ – E ainda faz gracejo, se fazendo de santo? Pois moleque assim
atrevido, merece é ser punido pra aprender uma lição.
JULINHA – Meu pai, se acalme, pense no que vai fazer, pois com certeza deve
haver alguma outra solução... (vão entrando várias pessoas)
CORONÉ – (pensa) Pra não cometer nenhum desatino, porque é minha filha
que ta pedindo, vou lhe dar uma opção...
ZECA – Pois diga o que foi pensado que eu aceito a condição.
CORONÉ – Fica então, um desafio lançado, tendo os senhores como
advogados (aponta as pessoas), preste muita atenção: vai ser agora preparado
dois pedaços de papel, “absolvido” e “condenado”. Um, ao acaso, vai ser
retirado e com Julinha vai ta casado se este for o “absolvido”. Mas...
ZECA – Mas?...
CORONÉ – Se não puder contar com a sorte, seu castigo vai ser a morte se,
por acaso, “condenado” for o escolhido. (comentários das pessoas)
JULINHA – Meu pai! Enlouqueceu? O senhor não deve estar em seu juízo
perfeito...
CORONÉ – Pois é assim que vai ser! É essa a condição e vai ser do meu jeito!
(faz sinal para o Capanga, que sai) Mas pra que não pense, minha filha, que
não tenho coração, ofereço ao rapaz uma outra salvação: sair daqui na carreira
sem nem mesmo olhar pra trás, provando que era brincadeira o que dizia ser
paixão. (volta o Capanga)
ZECA – O desafio ta aceito! Pois eu sou “caba danado” nunca antes
encontrado nessas bandas do sertão. E o amor que sinto por Julinha, só vai
sair do meu peito se me arrancar o coração.
7
RIBEIRO, Joaquim. Os Brasileiros. Rio de Janeiro: Pallas, 1977.
JULINHA – Ouça a voz da razão! Se me ama como está dizendo, não me deixe
assim sofrendo, pois se algo lhe acontecer, de tristeza vou morrer, por não
suportar tanta dor.
ZECA – Eu sei o eu to fazendo, tu só tem que acreditar no meu amor...
CORONÉ – Pois então, “caba danado”, teu destino ta traçado, basta saber o
que ele tem te reservado... (Capanga mostra uma bandejinha com dois
pedaços de papel. Zeca, lentamente pega um papel, criando um clima de
suspense, colocando-o na boca e engolindo).
CAPANGA – Mas que diabos está fazendo?
ZECA – Comendo o papel escolhido...
JULINHA – (pegando o outro e abrindo) E este, como os senhores estão
vendo... (mostra) é o “condenado”, tendo o meu amado, escolhido o
“absolvido”. (todos comemoram. Coroné e Capanga se olham, atônitos)
ZECA - E pra comemorar o acontecido,
Ta todo mundo convidado
Pra festa de noivado!
Com bebida e rastapé,
Um forró bem animado
Na casa do Coroné! (todos festejam)
CORONÉ – Eita que eu to bem arranjado! (sai furioso)
CONTADOR I - Fica então o nosso causo
Pros senhores bem contado
O perrengue que existia
Também já foi acertado
Esperando que todo mundo
Da história tenha gostado. (ouve-se forró ao fundo)
CONTADOR II - A gente pede licença
Mas ta na hora de partir
Viola, sanfona e zabumba
Já da pra se ouvir
E antes de raiar o dia
Ninguém arreda daqui!
CONTADOR I - Que a festança vai ser boa
Até calango vai dançar
Bota o chinelo de dedo
Nem precisa se perfumar
S´embora todo mundo
Que o forró vai começar!
CONTADOR II - O que assistiram aqui
Vai ficar registrado
No cantinho do coração
E no sorriso que foi dado
Durante “A Peleja do Coroné
Contra o Caba Danado”!... (saem. Ainda em cena,
Capanga)
CAPANGA – Mas não é que o infeliz é mesmo “caba danado”! E dele o sertão
inteiro vai ouvir falar... nas histórias desses “contador”, que nunca vai se
acabar... Só quando Deus enganar gente,
Passarinho não voar...
A viola não tocar!
Quando o atrás for na frente
No dia que o mar secar
Quando prego for martelo,
Quando cobra usar chinelo
Cantador vai se calar... 8 (todos entram para a música de encerramento)
8
Apresentação do livro “O Reizinho Mandão” de Ruth Rocha.