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Ato I
OS LABDACIDAS

Cena 01
 
ÉDIPO REI
JOCASTA
Mas, pelos deuses, Édipo, dize-me: por que razão te levaste a tão forte cólera?
ÉDIPO
Vou dizer-te, minha mulher, porque te venero mais do que a todos Os tebanos!
Foi por causa de Creonte, e da trama que urdiu contra mim.
JOCASTA
Explica-me bem o que houve, para que eu veja se tuas palavras me convencem.
ÉDIPO
Ele presume que tenha sido eu o matador de Laio!
JOCASTA
Mas... descobriu ele isso, ou ouviu de alguém?
ÉDIPO
Ele insinuou isso a um adivinho, um simples impostor, porquanto ele próprio
nada se atreve a afirmar.
JOCASTA
Ora, não te preocupes com o que dizes; ouve-me, e fica sabendo que nenhum
mortal pode devassar o futuro. Vou dar-te já a prova do que afirmo. Um oráculo
outrora foi enviado a Laio, não posso dizer se por Apolo em pessoa, mas por
seus sacerdotes, talvez... O destino do rei seria o de morrer vítima do filho
que nascesse de nosso casamento. No entanto, todo mundo sabe e garante,
Laio apareceu assassinado, numa encruzilhada de três caminhos. Quanto ao
filho que tivemos, muitos anos antes, Laio amarrou-lhe as articulações dos pés,
e ordenou que mãos estranhas o precipitassem numa montanha inacessível.
Nessa ocasião, Apolo deixou de realizar o que predisse!... Nem o filho de Laio
matou o pai, nem Laio veio a morrer vítima de um filho, morte horrenda, cuja
perspectiva tanto o apavorava! Eis aí como as coisas se passam, conforme as profecias
oraculares! Não te aflijas, pois; o que o deus julga que deve anunciar, ele
revela pessoalmente!
ÉDIPO
Como esta narrativa me traz a dúvida ao espírito, mulher! Como conturba a
alma!...
JOCASTA
Que inquietação te pode causar esta lembrança do nosso passado?
ÉDIPO
Suponho que disseste ter sido Laio assassinado numa tríplice encruzilhada?
JOCASTA
Sim.
ÉDIPO
E onde se deu tamanha desgraça?
JOCASTA
No lugar exato em que a estrada se biparte nos caminhos que vão para Delfos.
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ÉDIPO
E há quanto tempo aconteceu isso?
JOCASTA
A notícia aqui chegou pouco antes do dia em que foste aclamado redeste país.
ÉDIPO
Ó Júpiter! Que quiseste fazer de mim?
 
 
JOCASTA
Dize-me, Édipo, que é que tanto te impressiona assim?
ÉDIPO
Não me perguntes nada, ainda. Como era então Laio? Que idade teria?
JOCASTA
Era alto e corpulento; sua cabeça começava a branquear. Parecia-se um pouco
contigo.
ÉDIPO
Ai de mim! Receio que tenha proferido uma tremenda maldição contra mim
mesmo, sem o saber!
JOCASTA
Que dizes tu? Teu semblante causa-me pavor, ó príncipe!
ÉDIPO
A ti, mulher, vou dizer a verdade, do princípio ao fim. Seguia eu minha rota,
quando cheguei àquela tríplice encruzilhada; ali, surgem-me pela frente, em
sentido contrário, um arauto, e logo após, um carro tirado por uma parelha de
cavalos, e nele um homem tal como me descreveste. O cocheiro e o viajante
empurraram-me violentamente para fora da estrada. Furioso, eu ataquei o
cocheiro; nesse momento passava o carro a meu lado, e o viajante chicoteou-
me na cara com o seu duplo rebenque. Ah! mas ele pagou caro essa afronta, e bati-
lhe, com esta mão; ele caiu, à primeira pancada, no fundo do carro.. Todos
terão que me repelir... E o que é mais horrível é que eu mesmo proferi essa
maldição contra mim! A esposa do morto, eu a maculo tocando-a com minhas
mãos, porque foram minhas mãos que o mataram... Não é forçoso que me
exile, e que, exilado, não mais possa voltar a minha pátria de origem, nem ver
os que me eram caros, visto que estou fadado a unir-me a minha mãe, e matar
meu pai, a Políbio, o homem que me deu a vida e me criou? Não pensaria bem
aquele que afirmasse que meu destino é obra de um deus malvado e inexorável? Ó
Potestade divina, não e não! Que eu desapareça dentre os humanos antes que sobre
mim caia tão acerba vergonha!
JOCASTA
Pelas divindades imortais! Se tens amor a tua vida, abandona essa preocupação. Já é
bastante o que eu sei para me torturar!
Pausa.
JOCASTA
Não importa! Escuta-me! Eu te suplico! Não insistas nessa indagação!
ÉDIPO
Em caso algum desistirei de elucidar esse mistério.

 JOCASTA
No entanto, é para teu bem que assim te aconselho.
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ÉDIPO
Saiam todos! Saiam, eu ordeno! Saiam, agora! (Silêncio)
Tudo agora está claro. Malditos olhos que não enxergaram a verdade tão
próxima! Que seja a última vez que eu veja a luz do dia. Infeliz! Matar a quem
não deveria matar! Casar-me com quem casei. Olha para mim, mãe! Mãe e
esposa, por ventura de um terrível destino. Olha pra mim! Olha, eu ordeno!

 Jocasta sai.

ÉDIPO
Não quero mais ser testemunha de minhas desgraças, nem de meus crimes! Na treva,
agora, não mais verei aqueles aquém nunca deveria ter visto, nem
reconhecerei aqueles que não quero mais reconhecer!
(Improvisação: Édipo fura os olhos)

ÉDIPO
Vejam. Olhem bem, todos vocês cidadãos da gloriosa Tebas. Vejam a punição
daquele que matou o Rei Laico. Agora, mergulhado em seus infortúnios e
privado de ver tudo aquilo que o desgraçou. Ah! Infeliz de mim! Para onde irei?
Ó meu destino, quando acabarás de uma vez?!... Como me traspassam as dores do
meu sofrimento e a lembrança de meu infortúnio!

Cena 02

ETÉOCLES
Palas, filha de Zeus! Faze com que meu braço mergulhe a lança vitoriosa no peito de
meu irmão! Concede-me a graça de exterminar agora este exilado decidido a
destruir a nossa pátria!

 
 CREONTE
POLINICES
Divina Hera, quero merecer a graça de poder matar o meu irmão e de molhar as minhas
mãos vitoriosas no sangue quente do meu pior inimigo!
CREONTE
Luta dos irmãos. Acaba com os dois caídos no chão.
JOCASTA
(Fora de cena)

Parem! Parem com essa disputa agora. Meus filhos! Éteocles, Polinices,


suplicante lhes peço, acabem agora com essa disputa! Me deixem passar!

 Jocasta observa o corpo dos filhos estendidos no chão


JOCASTA
 (Virando o rosto para o lado) Infeliz! Infortúnios são o que os deuses
reservaram aos Labdacidas!

O coro tenta levar Jocasta para fora de cena


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JOCASTA
(Agressiva) Me soltem! Me soltem agora! Os meus filhos! Os meus filhos!
 Jocasta aproxima-se dos corpos dos filhos

JOCASTA

Chego tarde demais para vos socorrer, meus filhos! Onde estão os deuses
agora? Os meus filhos! Os meus filhos! Mortos!

POLINICES
 (Com dificuldade) Mãe, mãe. Estou morrendo, minha mãe... Tenho pena de ti,
e também sinto pena de minha irmã e até de meu irmão que morre, pois apesar de
nossa amizade fraterna ter se transformado em inaudito ódio, ele não era
menos meu irmão por isso. Ah! Minha mãe, e tu minha irmã!... Rogo, suplico-
vos!... Desejo que me sepulteis no chão da pátria e apazigueis minha cidade
revoltada!... Seja-me concedido ao menos um pedaço da terra onde nasci e
onde está o trono de nossos ancestrais, perdido para sempre! Que tuas mãos
cerrem meus olhos, minha mãe.

Polinices, pega e beija a mão de Jocasta.

POLINICES
Agora... adeus. Já me recobre a escuridão da morte.
Polinices morre. Jocasta chora sobre o corpo dos filhos mortos. Antígona
levanta a mãe que a acompanha por alguns passos e cai. Jocasta pega com raiva a
terra. Num crescente ela vai pegando a terra até culminarem atirar ela contra
as janelas. Ela então pega as espadas de seus filhos e vai saindo de cena.
Fica em cena apenas Antígona e os dois cadáveres. Ouve-se de fora de cena
dois gritos estridentes de Jocasta. Após o segundo grito, ouve-se o som das
espadas caindo no chão. Entra Creonte e o Coro, para retirar o corpo de
Etéocles.

Cena 03
 
ANTÍGONACREONTE
Já houve aqui lamentações suficientes. É hora de pensarmos nos funerais.
Este, é o momento de levar um desses cadáveres para o palácio, e lá receber
as honras da morte, juntamente com minha infortunada irmã, Jocasta! Mas este
aqui refiro-me a Polinices, que se juntou a numerosos estrangeiros para
saquear a pátria de seus pais  lançai-o sem cerimônias costumeiras e sem ser
sepultado, fora dos limites do nosso território.
Espalhem o meu decreto irrevogável: “qualquer pessoa encotrada coroando
esse cadáver ou lhe dando sepultura, receberá a morte pela rebeldia. Ele terá de
ser deixado sobre a terra, sem lágrimas e sem cerimônias fúnebres, para servir de
pasto às aves carniceiras”. Esta sentença não foi minha, foi de Etéocles!
Polinices foi inimigo de Tebas edeve ser tratado como os inimigos!
Retiram o corpo de Etéocles, durante a fala de Creonte. Ao final, fica Antígona
e o corpo de Polinices.
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ANTIGONA
Prendem-se a minha glória aos sofrimentos de um pai desventurado. Choro,
pelas humilhações sofridas por ti Édipo, meu pai, e também pelo teu triste
destino meu irmão querido, cadáver insepulto para sempre. Mas ainda que
tenha de morrer, hei de enterrá-lo, eu mesma e em segredo!
Entra Ismene.

ISMENE
Mas, minha pobre irmã, em tais condições, em que te posso eu valer, que rpor
palavras, quer por atos?
ANTIGONA
Quererás auxiliar-me? Agirás de acordo comigo?
ISMENE
A que perigos pensas arriscar-te ainda? Que pretendes fazer?
ANTIGONA
Ajudarás estes meus braços a transportar o cadáver?
ISMENE
Queres tu, realmente, sepultá-lo, embora isso tenha sido vedado a toda
acidade?
ANTIGONA
Uma coisa é certa: Polinice era meu irmão, e teu também, embora recuses o que eu te
peço. Não poderei ser acusada de traição para com o meu dever.
ISMENE
Infeliz! Apesar da proibição de Creonte?
Ismene sai. Fica Antígona e o cadáver de Polinices. Entra Creonte.
ANTÍGONA
Visto que já me tens presa, que mais queres tu, além de minha morte?

 
 
CREONTE
Nada mais! Com isso já me darei por satisfeito.
ANTÍGONA
Por que demoras, pois? Em tuas palavras tudo me causa horror, e assim seja sempre!
Também todos os meus atos te serão odiosos! Que, maior glória posso eu pretender,
do que a de repousar no túmulo de meu irmão? Estes homens confessariam que
aprovam o que eu fiz, se o terror não lhes tolhesse a língua! Mas, um dos
privilégios da tirania consiste em dizer, e fazer, o que quiser.
CREONTE
Em Tebas só tu assim consideras as coisas.
ANTÍGONA
Eles pensam como eu; mas, para te agradar, silenciam...
CREONTE
E tu não te envergonhas de emitir essa opinião?
ANTÍGONA
Não vejo de que me envergonhe em ter prestado honras fúnebres a alguém,
que nasceu do mesmo ventre materno...
CREONTE
E por acaso não era teu irmão, também, o outro, que morreu?
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ANTÍGONA
 
Sim! Era filho do mesmo pai, e da mesma mãe!
 
CREONTE
 
Então por que prestas a um essa homenagem, que representa
uma impiedade para com o outro?
 
ANTÍGONA
 
Asseguro-te que esse outro, que morreu, não faria tal acusação!
 

 
CREONTE
 
Sim! Visto que só honraste, com tua ação, aquele que se tornou criminoso.
 
ANTÍGONA
 
O que morreu também não era seu escravo, mas seu irmão!
 
CREONTE
 
No entanto devastava o país, que o outro defendia.
 
ANTÍGONA
 
Seja como for, Hades exige que a ambos se apliquem os mesmos ritos!
 
CREONTE
 
Não é justo dar ao homem de bem, tratamento igual ao do criminoso.
 
ANTÍGONA
 
Quem nos garante que esse preceito seja consagrado
na mansão dos mortos?
CREONTE
 
Ah! Nunca! Nunca um inimigo me será querido, mesmo após sua morte.
 
ANTÍGONA
 
Eu não nasci para partilhar de ódios, mas somente de amor!

 
CREONTE
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Desce, pois, à sepultura!... Visto que queres amar, ama aos que lá encontrares!
Enquanto eu vivo for, nenhuma mulhe rme dominará!
Creonte sai. Entra Ismene.
 

 
 
ISMENE
 
Sou culpada, se ela nisso consentir; partilhei do ato, e quero partilhar da
acusação.
 
ANTÍGONA
 
Mas a Justiça não o permitirá! Não quiseste ser cúmplice do que fiz, e eu
própria não mais consenti que tomasses parte.
 
ISMENE
 
Oh! Não te envergonhes, na infelicidade, em consentir, que eu me associe
ao perigo que corres.
 
ANTÍGONA
 Quem tudo fez, Hades e os mortos bem sabem... quem só me ama por palavras,
não pode ser, para mim, uma verdadeira amiga.
ISMENE
Não me julgues, irmã, indigna de morrer contigo, honrado os nossos mortos.
ANTÍGONA
 
Não! Não me acompanhes na morte! Não queiras passar
como autora do que não fizeste! Meu sacrifício, só, bastará!
 
ISMENE
 
E como poderei eu viver, minha irmã, sem tua companhia?
 
ANTÍGONA
 
Pergunta-o a Creonte... Todos os teus cuidados são para ele...
 
ISMENE
 
Por que me magoas assim, sem provei- to algum para ti?
 
ANTÍGONA
Se escarneço de ti, é com dor profunda que o faço!

 
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ISMENE
E que posso eu tentar, em teu benefício?

ANTÍGONA
 
Salvar tua vida... Não tenho a menor inveja de ti, se o conseguires!
 
ISMENE
 
Como sou infeliz! Não
poderei
compartilhar de tua sina!
ANTÍGONA
 Tu escolheste a vida, e eu, a morte.
 
Sai Ismene. Antígona prepara e executa as libações fúnebres no
cadáverinsepulto de seu irmão, Polinices. Creonte entra.

ANTÍGONA
 Dolorosas recordações tu me trazes, renovando as angústias sem fim que tenho sofrido
por meu pai, por nosso destino, pelo infortúnio minaz dos Labdácidas! Oh! Funesto
casamento, o de minha pobre mãe! União com o meu desgraçado pai, que lhe devia a vida!
De que míseros progenitores eu nasci! E será por eles que, maldita, sem ter sido
desposada, eu caminho para a sepultura! Meu irmão, que desastrado casamento tu fizeste!
Tua morte, é que me faz perder a vida! Sem que chorem por mim, sem amigos, sem
cânticos de himeneu, desgraçada, sou conduzida nesta fúnebre viagem!... A luz sagrada do
sol, já não mais poderei ver. Que ninguém lamente minha sorte! Que ninguém suspire por
mim! Seja, eu a última que desço ao Hades antes do termo natural de meus dias...
(Pausa).
Lá, ao menos, tenho esperança de que minha chegada agradará a meu pai, a minha mãe,
e também a ti, meu irmão querido! Quando, morrestes, eu, com minhas próprias mãos,
cuidei devossos corpos, sobre eles fiz libações fúnebres; e hoje, Polinice,
porque dei sepultura a teus restos mortais, eis a minha recompensa! Creio, porém, que no
parecer dos homens sensatos, eu fiz bem.

OS ATRIDAS
Cena 01
 
IFIGÊNIA EM AÚLIS
CLITEMNESTRA
Responde com franqueza ao que vou responder.
AGAMENÔN
Pois interroga-me sem mais vacilações.
CLITEMNESTRA
 Preparas-te para matar a nossa filha?
AGAMENÔN
Ousas falar assim? Suspeitas Citeminestra, do que não tens, motivos para suspeitar?
CLITEMNESTRA
Acalma-te, Agamenôn! Responde primeiro.
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AGAMENÔN
Se forem razoáveis as tuas perguntas terás de mim respostas, também razoáveis.
CLITEMNESTRA
Atém-te ao nosso assunto, que eu também me atenho.
AGAMENÔN
Ah! Sorte venerável! Ah! Destino! Ah! Gênio que segues os meus passos incansavelmente!
CLITEMNESTRA
E os meus também e os passos da triste Ifigênia! O mesmo Gênio rancoroso nos
persegue.
AGAMENÔN
Quem está sendo injusto em relação a ti?
CLITEMNESTRA
Perguntas-me? Provas que perdeste a razão! (Silêncio) Obtive informações, já sei o que
preparas. (Silêncio) Este silêncio teu é uma confissão. (Silêncio)E se te perguntares por que
vais matara nossa filha, o que poderás responder? Fala! Responde logo! (Silêncio) Queres
que eu responda por ti? Então escuta: para que Helena volte a ser de Menelau! É
realmente nobre dar seus próprios filhos como resgate de uma mulher sem pudor! Imolarás
tua própria filha. Que prece farás? Que graças pedirás, então, pra ti mesmo na hora de tirar-
lhe a vida?
AGAMENÔN
Amo os meus filhos e seria demente se não os amasse! Ousar é um suplício enorme para
mim, mas não ousar me deixa também infeliz. Que poderei fazer eu? É fácil ver daqui as
nausi numeráveis cheias de soldados, a infinidade de guerreiros bem protegidos pelo
bronze dos escudos; a rota pela qual se pode ira Tróia está fechada para nossa expedição,
se eu não sacrificara nossa filha Ifigênia, seguindo as instruções do adivinho, os gregos não
serão capazes de arruinar os muros veneráveis da antiga Tróia!
Entra Ifigênia.
CLITEMNESTRA
Ai! Minha filha! Tua morte me alucina! Teu pai nos abandona à nossa própria sorte depois
de consagrar-te deste modo ao Hades!
Clitemniestra sai.

IFIGÊNIA
 Nada posso oferecer-te pai, além de lágrimas, única arma de que dispõe uma virgem. Em
vez de ramos que minhas mãos suplicantes enlaçariam em volta de teus joelhos, eu conto
apenas com o corpo imaculado que minha mãe e tu puderam neste mundo. Não me tires
avida antes da hora pai! É doce ver a luz do dia! Não me forces a contemplar as
profundezas infernais! Que tenho a ver com os amores desastrosos de Páris e Helena?
Volta teus olhos pra mim meu pai! Contempla-me, beije-me ao menos para que eu possa
levar uma recordação de ti, se não ouvires as súplicas de tua filha em desespero! Respeita,
pai, teu próprio sangue! Minha mãe! O destino cruel arranca de nossos lábios o mesmo
grito de dor! Devo dizer adeus à luz e despedir-me deste radioso sol! Foi
decretada a minha morte, para trazer de volta os ventos favoráveis à longa viagem até a
altiva Tróia. A deusa Artemis cobra meu virginal sangue e aquele que me deu a vida à
desgraça, à entrega e não me ouve. Apenas, por que Páris deteve o seu olhar sobre a
funesta Helena
 sim, a funesta causadora de infortúnios!
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 Vou dar meu último suspiro imolada pelo cutelo do meu pai! Tomei neste momento a
decisão final de me entregar a morte, mas o desejo é enfrentá-la gloriosa e nobremente,
sem qualquer manifestação de covardia. A Grécia inteira, nossa generosa pátria, dirige
nesse instante os seus olhos para mim; depende só de mim a viagem da frota e a extinção
de Tróia. O fruto de meu sacrifício será este: propiciando uma vitória à nossa pátria,
conquistarei para mim mesma eterna fama. E mais ainda, não é justo que me apegue
demasiadamente à vida mãe, deste-me a luz um dia para toda Grécia, e não somente para
ti. Darei aminha vida à Grécia! Matem-me para que desapareça Tróia! Os Gregos ainda
mandarão nos bárbaros, e não os bárbaros nos gregos, já que eles todos são de uma raça
de escravo enquanto nós nos orgulhamos de ser livres!

Cena 02
 
AGAMENÔN
CLITEMNESTRA
Contemplo enfim o resultado favorável de planos. Estou aqui exatamente no lugar em que
seguida e firmemente o golpeei no cumprimento de missão apenas minha. Afim de obstar
qualquer defesa ou reação em tentativa de fugir ao seu destino, emaranhei-o numa rede
indestrutível igual às manejadas pelos pescadores, mas para ele um manto fértil em
desgraças. Exulto com meu ato, se quereis saber, e se me parecesse até conveniente
naquele instante derramar sobre o cadáver sagradas libações, seria muito justo, justíssimo
seria meu procedimento; se este homem fez a taça transbordar das maldições inumeráveis
desta casa, é natural que a sorva hoje de um só trago! Quem, jaz aí é Agamêmnon, meu
esposo, morto por obra desta, minha mão direita, guiada só pela justiça; tenho dito. Agora
me condenam ao amargo exílio, ao ódio da cidade, à maldição do povo, mas contra este
homem nada foi falado. No entanto ele, sem escrúpulos, sem dó, indiferentemente, como
se lidasse com algum irracional (e havia numerosos em seus velosos, cuidadíssimos
rebanhos), sacrificou a sua própria filha - e minha -, a mais querida que saiu
deste meu ventre, apenas para bajular os ventos trácios! Não era esse pai cruel quem
merecia ter sido desterrado, expulso deste solo em retribuição ao crime inominável? Pela
justiça feita em nome de uma filha, pelo Destino, pelas Fúrias vingadoras a quem
dedico o sacrifício deste homem, minha esperança não dará lugar ao medo! Aí está por
terra o homem que humilhou a própria esposa entregue à triste solidão! Fui eu quem o feriu,
quem o matou; eu mesma o levarei á sepultura, mas sem que seus parentes o lamentem.
Sua filha infeliz (triste Ifigênia!) irá solícita ao encontro dele no rio célere das aflições e
ternamente há de beijar-lhe as mãos. Maldito! Maldito! Maldito e agora, repousas
como merece! Morto! Morto, pela justiça de minhas mãos.

Cena 03
 
ELECTRA
ORESTES
Não fujas, criatura: nada temas de mim!
ELECTRA
Ó Apolo, eu te peço! Faça com que eu não morra!
ORESTES
Não é a ti que pretendo ferir, mas aos outros que me são odiosos.
ELECTRA
Vai-te embora daqui! Não toques em que é vedado tocar!
ORESTES
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Talvez não haja no mundo pessoa a quem eu possa abraçar com mais direito!
ELECTRA
És tu, meu Orestes?
ORESTES
Electra, minha querida irmã!
ELECTRA
 Até que enfim! Aquele que fará a justiça! Meu querido irmão! O designado a
vingar a morte de nosso desventurado pai, o infeliz Agamenôn!
ORESTES
Mas como posso eu, te ajudar nessa vingança contra os assassinos do nosso pai?
ELECTRA
Usando para com esses assassinos da mesma audácia que vitimaram a Agamenôn.
ORESTES
E tu? Prestarias auxílio? Teria coragem de matar a tua mãe?
ELECTRA
Sem dúvida, e com o mesmo ferro com que ela matou o nosso pai. Mesmo que morrer
após derrubar o sangue de minha mãe!
ORESTES
Nosso pai recebeu sepultura?
ELECTRA
Uma sepultura vulgar, fora da cidade.
ORESTES
Como eu os matarei, a ambos?
ELECTRA
Eu me incubo da morte da nossa mãe. Mandei avisar a ela que dei a luz, mesmo ainda não
ter sido tocada por nenhum homem, ainda que seja pura e casta. Ela virá assim que souber
que eu estou no resguardo do parto. É de interesse dela deplorara bastardamento da minha
raça! Agora a ti Orestes, cabe o primeiro golpe. Egisto, aquele que desposa de nossa mãe
e do trono do nosso falecido pai de forma tão nojenta e injusta, o mesmo que me colocou
neste lugar, longe do palácio, irá até as muralhas, a pedido de um velho benevolente de
nossa causa. Lá Orestes, tu iniciarás a vingança da morte covarde de nosso pai! Agora é
preciso que te mostres valente!
(ORESTES sai)
FIM

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