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O ANEL DE MAGALÃO
PRIMEIRO ATO
JOÃO TEITÉ Oh, vida difícil! Oh, bosta de rosca! Gente, tô num miserê,
numa caipora, numa pindaíba que, parece coisa, que uru-
bu desceu do vôo, cagou, embrulhou, deu trinta nós, en-
condeu as duas pontas e enterrou no meu quintal, em lu-
gar onde não sei! Sai do meu cangote, urubu, que ocê
não foi que me batizou! Oh, vida maldiçoada! Coisa ne-
nhuma dá certo! O Marruá, meu patrão português can-
guinha, miserável, não me paga, sorte eu não tenho e di-
nheiro eu não acho. Na minha vida poste é torto e até ro-
da tem ponta! Quer saber? Eu cansei dessa vida torta,
sem janela nem porta, sem parede, sem esteio, sem fren-
te nem costa, sem princípio nem meio! Eu nasci foi prá
brilhar. Sou bonito, charmoso e inteligente. Só me falta
ser rico e isso eu vou ser, nem que tenha que trabalhar!
(BATE PALMAS.) Ô, de casa! Ô, de dentro! Se aí tem um
vivente, abre a porta que aqui fora tem gente! Tia Beralda!
Ô, Tia Beralda! Sou eu, João Teité!
TIA BERALDA Pegue seu rumo, Teité, que com você não quero mais tra-
to! Prá você não faço nem reza mansa!
JOÃO TEITÉ Não trabalho? E a senhora acha que não dá trabalho ficar
o dia inteirinho enganando o Marruá prá não fazer nada?
JOÃO TEITÉ Tá bom, não precisa ser banho completo. Só com espada
de São Jorge e Erva de Santa Maria.
TIA BERALDA Eu vou ver seu futuro nas cartas, mas é a última vez!
JOÃO TEITÉ Mal soube que eu vou me dar bem e já quer me explorar?
Isso é especulação econômica, Tia Beralda! Isto, mais in-
flação inercial, junto com três, quatorze, dezesseis de Pi,
vai desequilibrar a Balança de Pagamentos, com influên-
cia direta na maxidesvalorização do real! A senhora tá fu-
rando o plano de estabilização da economia! É falta de
patriotismo!
TIA BERALDA Ou dinheiro na mão ou nem uma palavra sobre seu futuro.
(SAI)
JOÃO TEITÉ E quem precisa ver o futuro? Já sei o caminho e vou pe-
gar a parte que me toca! O que é do homem o bicho não
come!
JOÃO TEITÉ Sou João Teité que vai ter um futuro melhor do que na-
quela porta de venda que o senhor chama de armazém,
"seu" mão de vaca! (PARA O PÚBLICO.) Este avarento
conferia toda noite cada gomo de salsicha, cada pedaço
de queijo prá ver se eu não tinha roubado.
JOÃO TEITÉ Me larga e não fale assim que, quem não me conhece, vai
pensar mal.
MANÉ MARRUÁ Fica! Eu sei que muitas vezes não fui um bom patrão mas
tenho bom coração. Não me negues a caridade de sua
presença, o prazer de sua companhia.
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JOÃO TEITÉ Não é orgulho. Primeiro, que é pouco, depois que, ama-
nhã, quando o senhor melhorar da carraspana, me toma o
dinheiro de volta e ainda me chama de ladrão. Ô, homem,
toda vez que o senhor bebe é assim!
MANÉ MARRUÁ Eu não sou tão ruim! Você sabe que o que me perde é
aquela bruaca da Boracéia. Maldita hora que me casei
com aquela trombada.
JOÃO TEITÉ O senhor me pede prá coçar cabeça de onça, puxar cas-
cavel pelo rabo mas não me peça prá mexer com dona
Boracéia!
JOÃO TEITÉ Eita, que esse homem quando bebe vira, logo, candidato
a chibungo! Ave Maria, desafasta fresco velho! (PARA O
PÚBLICO) Por que que eu fiquei? Por que que eu fiquei,
hein? (APONTA A CABEÇA) Porque aqui dentro tem "cé-
lebro", tem massa cinzenta junto com os miôlo (APONTA
A NUCA), aqui no "corte celebral", um pouco acima da hi-
pótese! Raciocina: como em toda casa, homem é só pre-
sidente de honra, quem manda mesmo é a mulher. E na
casa do Marruá, pior! Lá não tem essas coisas de demo-
cracia, não! É ditadura da Boracéia. Oras, se a Boracéia é
quem manda, quem sabe se o meu futuro não está junto
da Boracéia, hein? Hein? Se não é através dela que eu
vou subir na vida? Assim sendo, cogito ergo sum, vou
lançar três olhar, babar meu charme e quando ela menos
esperar vou sapecar uns par de beijos bem beiçudo na
boca dela. O problema é o bigode. Não o meu, que não
tenho, o dela. Mas se o ideal exige, a vontade busca e o
corpo obedece. Eia, Teité, solta o bridão do seu burro que
a carreira já começou!
(SAI)
FABRÍCIO Papá!
FABRÍCIO O meu também, pai, embora chegue aqui com o meu co-
ração partido.
TABARONE Cosa?
FABRÍCIO É a paixão!
FABRÍCIO Linda!
TABARONE Mal. Moglie com muito estudo non presta. Que curso fez?
FABRÍCIO Claro!
FABRÍCIO Nunca!
FABRÍCIO Sim.
TABARONE Ma chè?! Cada um suspira por si, eh? Sabe, figlio, io tam-
bém sono apassionato. Dopo la morte de tua mama, po-
brezinho de mim, que solitário fiquei! Tu tinha dois anos e
la tristezza me cobriu la vita. (NUM CRESCENDO ATÉ
PERDER O CONTROLE E GESTICULAR DESESPERA-
DO COMO O FILHO ANTERIORMENTE.)Foi quando co-
nosci una moglie e la passione, forte come una retroesca-
vadeira, passou come un trator de esteira por cima do mio
coraçón e me cortou em tanto pedaço que la ferida maior
desse enlaço ainda non cicatrizou. (FABRÍCIO SEGURA
O PAI E BATE EM SEU ROSTO TENTANDO FAZE-LO
VOLTAR A RAZÃO.)
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TABARONE Ma, que pensa que io sono!? Se bem que...o que io mais
queria na vita era roubar quella moglie prá mim.
TABARONE É a Boracéia?
BORACÉIA Quer saber? Vai procurar sua mãe na zona e seu pai em
baile gay! (DESLIGA O TELEFONE MAS CONTINUA
GRITANDO PARA O APARELHO.) Maldito! Desgraçado!
Ah!, se eu soubesse quem tu és!
TABARONE É engano. Solo pode ter sido engano. Vamos dormir, fi-
glio. (À SAIDA) Ma, a voz era a mesma! Ma, non! Non é
possibile. Boracéia era uma deusa, una tenra avezinha. E
io sono seu passarinho! (SAI. CAI A LUZ . NO RÁPIDO
MOMENTO DE ESCURO BORACÉIA FALA)
JOÃO TEITÉ Não fica assim. Tem a noite, tem o dia; tem o
mar, tem a areia; tem a caça, o caçador; tem a cera e tem
a "oreia".
JOÃO TEITÉ É isso que eu quero dizer: não vale a pena a senhora se
matar.
JOÃO TEITÉ E por causo disso a senhora vai se tornar uma assassina?
Vai pegar prisão de quinze anos por causo de um pum?
Pense um pouco mais na senhora. A senhora é pessoa fi-
na, sensível. Não se suje por causo de um casca grossa
como o Marruá.
JOÃO TEITÉ Então! Pode até acontecer, assim... não sei, ninguém sa-
be o futuro... mas de repente o Marruá tem uma indiges-
tão e vai prá caixa-prego, veste paletó de madeira e viaja
prá cidade dos pés-juntos desencarnar toda aquela ba-
nha.
JOÃO TEITÉ Eu pensei que uma mulher bonita como a senhora mere-
ceria alguém...
JOÃO TEITÉ Mulher de classe, até que não, mas como era prá senhora
mesmo...
BORACÉIA Como?
MANÉ MARRUÁ Com o que, diabos, que nesta casa não se pode nem
dormir?!
MANÉ MARRUÁ Maltrato, sim! Destrato e rasgo seu contrato! Rua! Raspa-
te daqui prá fora! Estás despedido.
MANÉ MARRUÁ E sem direito a palavra! Vai procurar seus direitos. Fora
de minha casa! (EMPURRA TEITÉ PARA FORA.)
TABARONE (BATE NO FILHO.) Ma, che vai! Vai nada, vai niente! Vaí
é me ajudar no escritório, vagabundo!
TABARONE É lá que agora vive a Boracéia. Quero ver se lhe falo de-
pois de tantos e tantos anos. Vem, filho, vamos seguir o
rumo do Arco-íris!
(TEITÉ SOZINHO)
ARISTÓBULO E eu?
JOÃO TEITÉ (ENTRANDO) Sai pelo mesmo lado que saiu o general.
MATIAS CÃO Ensinando seu pai a ser homem! Vem aqui que vou te en-
sinar também! (CORRE ATRÁS DE TEITÉ E DÁ-LHE
UNS CASCUDOS.)
JOÃO TEITÉ Mas que coisa, que mau humor! Não se pode nem brincar
com a falta de virilidade dos outros?
JOÃO TEITÉ Então vamos falar a sério. Há quanto tempo você é as-
sim?
MATIAS CÃO Muitas inúmeras entre as quais várias. Mas o que eu sei
mesmo fazer é namorar, aprontar e sair bem das confu-
sões.
MANÉ MARRUÁ Eu juro que vou ser sempre bom do você. Vou até cumprir
a CLT, dar férias, aumento...
JOÃO TEITÉ De jeito nenhum! Num aguento mais. De noite ele bebe,
vira santo; de dia, cura a ressaca e vira bicho.
JOÃO TEITÉ Como é que eu nunca tinha pensado nisso! Ocê é um gê-
nio! Nós dois juntos vamos tem um longo futuro. (CUM-
PRIMENTA) João Teité.
JOÃO TEITÉ Eu não sei se você é capacitado prá ser meu empregado.
Se passar na experiência...
MANÉ MARRUÁ Aceito. Eu sou um homem bom e justo. E tudo hei de fa-
zer para me redimir perante você, João Teité. (DESABA
SOBRE TEITÉ.)
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BORACÉIA Que razia dos infernos estão a fazer sob minha janela?!
BORACÉIA Sim, é sua! A cara também é sua e o tabefe vai ser meu!
Fique a esperar que eu já desço! (SOME DENTRO DE
CASA.)
MANÉ MARRUÁ Empregado meu não pede demissão sem minha ordem!
Deixa que a cascavel venha que hoje ela encontra quem
lhe tira o veneno!
MANÉ MARRUÁ Bem se vê que louco sou por ter-me casado com uma
hárpia como tu!
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MATIAS CÃO Matias Cão. Vim do sertão, da barriga da minha mãe, vim
da rua e chego aqui depois de tantos anos só para servi-
la, madame.
BORACÉIA Jesus!
MATIAS CÃO Não me entenda mal. Sei cantar, sei levar recado muito
bem e sei muito bem aconselhar.
JOÃO TEITÉ E prá ocê largar de ser saliente pode ir descarregar o ca-
minhão que chegou no armazém. Depois volta aqui que
ainda tem muito trabalho.
JOÃO TEITÉ E tome cuidado prá já não sair. Vai! Vai! Vai! (MATIAS
SAI.) Eu preciso é abrir o olho. Esse um é muito ladino.
Deixa o ninho, passarim, que na volta não vê ovo, só vê
chupim! Mas tá prá nascer quem me leve no bico, quem
me tire as meias sem tirar o sapato. Seu Matias, tira-se o
leite onde há pasto! E no curral berra o boi mais esperto!
(ENTRA. LENTAMENTE APAGA-SE A LUZ.)
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JOÃO TEITÉ (AO PÚBLICO)Ô, vidão! Boa comida, boa bebida, boa
cama! Prá completar só falta uma mulher. E tô aqui, matu-
tando, que não quero mulher prá dividir o que eu ganho.
Quero mulher prá somar ao que eu já tenho. Quero uma
herdeira. O senhor, não deve ser muito inteligente mas já
percebeu o que eu quero: a Rosaura, a filha do Marruá.
(ENTRA MATIAS)Deixa o tempo correr que ele corre é ao
meu favor! (A MATIAS) Que é que tava aí escondido, me
escuitando? Queria me pegar no sofragante? Sou capiva-
ra, sou? Ocê é onça prá me atocaiar?!
JOÃO TEITÉ Fica que ainda não findei o sermão! Ocê é um empregado
muito do subalterno, muito do mexeriqueiro!
JOÃO TEITÉ Olha o quê? Ocê é, mas é um sarambé sem mourão que
te apoie, sem telheiro que te abrigue. Ora, se não é!
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JOÃO TEITÉ Teité, não, que prá você sou seu João, "seu" bode reiúno
descurralado!
MATIAS CÃO Depois que apareceu "desculpa", cabra safado não apa-
nha mais! (EMPURRA TEITÉ) Abre seu olho, apure os
ouvidos e dobre sua língua! (ENTRA MARRUÁ E BORA-
CÉIA DISCUTINDO EM ALTOS BRADOS.)
MANÉ MARRUÁ Vai puxar o saco de seu avô, imprestável! (MATIAS RI)
JOÃO TEITÉ Vai rindo, bestão, que se eu me der mal, você me segue
pelo mesmo caminho!
JOÃO TEITÉ Nada. Vai buscar água para seu patrão, peste!
MANÉ MARRUÁ Que coisa é essa? Não vou tomar essa porcaria.
JOÃO TEITÉ São órdens do médico! O seu fígado está fazendo muito
mal prá bebida!
FABRÍCIO Psiu!
MATIAS CÃO Aí, depende. Tenho informação prá vender, trocar e até
alugar. Prá dar mesmo, só nome de rua.
TABARONE Bene...
TABARONE Come?
FABRÍCIO E vende?
MATIAS CÃO Quem pensa que eu sou? Uma besta? É claro que vendo!
(FABRÍCIO DÁ-LHE DINHEIRO.) A dona da casa é a Bo-
racéia, sim, só que não vai ser muito tempo. Primeiro
porque vive brigando com o Marruá...
JOÃO TEITÉ Não! Ocê fica tomando conta de tudo. Eu logo vol-
to!(SAEM)
ROSAURA Papai!
MATEÚSA Quem pede o que quer pode ganhar o que não apreceia!
MATEÚSA Faço com ele o que faço com burro empacado lá na fa-
zenda, prima?
MATIAS CÃO Pois, prá mim, a senhora até que é bem certinha. (MA-
TEÚSA TORCE SEU BRAÇO.) Ái, dona! Não faz isso que
doi. Tô gostando, mas doi! Ai!
ROSAURA Fala!
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ROSAURA Desgraçados!
ROSAURA Ah!, meu Deus! Depois de tanto tempo voltar prá casa em
encontrar meu pai nesse estado. Com certeza está assim
por causa daquela cobra da Boracéia!
MATIAS CÃO Bem, dona, então é melhor a senhora abrir o olho que a
coisa aqui vai de mal a pior!
MATIAS CÃO Como o que menos apita é o que primeiro grita, eu fico do
lado de vocês. Mas com uma condição:
ROSAURA E qual é?
BORACÉIA Do material.
BORACÉIA E gostas?
MATIAS CÃO Nem tão pouco mas também nem tanto, nem assado nem
assim, nem meio a favor nem muito pelo contrário!
BORACÉIA Sim. E para isso tens apenas que fazer uma coisa: me a-
jude a matar o meu marido!
MATIAS CÃO Que não é preciso teu sacrifício nem eu seria um cava-
lheiro se aproveitasse da senhora!
BORACÉIA Quem?
MATIAS CÃO Tabarone. Tem dez vezes mais dinheiro que o Marruá.
BORACÉIA Que ele me prove que merece o meu amor! Vai, rápido,
voa! Ah, Taborone! Que saudades! (MATIAS SAI)
MATIAS CÃO E aqui vai Matias Cão, engatando uma primeira, cantando
pneu e arrastando a sandália, passando livre pelas três
primeiras ruas do Jabaquara em direção ao centro da ci-
dade. Evita um assalto a mão armada na Vila Mariana,
dribla sensacionalmente dois motoristas paranóicos no
cruzamento do Paraíso, ultrapassa no peito e na raça
uma passeata grevista em plena Avenida Paulista. Perce-
be que tomou metrô errado, evita chegar a linha de fundo
da Estação Clínicas e retorna de novo ao Paraíso. Avança
novamente pela linha norte-sul, evita a torcida de porco
palmeirense que faz baderna na estação Vergueiro depois
da derrota de quatro a zero para o Corinthians e chega
sensacionalmente à Estação da Luz. Faz que vai mas não
vai e toma o subúrbio. Livra-se com um jogo de corpo dos
marreteiros do trem, avança em direção à Lapa, ultrapas-
sa Piqueri, dribla com classe um arrastão de pivete no úl-
timo vagão e chegooooouuuu! Chegooouu a Pirituba! Piri-
tuba! Pirituba!
MATIAS CÃO Ô, seu Tabarone! Vim correndo porque tenho ótimas notí-
cias!
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MATIAS CÃO Disse que o Marruá é um tirano que está acabando com
sua vontade de viver!
TABARONE Tem que chamar a polícia! Por que ela não sai daquela
casa?
MATIAS CÃO Ela lamenta não ter prá onde ir. Me disse, com lágrimas
nos olhos que não tem ninguém que olhe por ela!
MATIAS CÃO Foi o que falei. Mas ela não quer. Diz que não te merece
e que tem vergonha e remorso da má escolha que fez fi-
cando com o Marruá! (TABARONE SOLUÇA COMOVI-
DO.)
MATIAS CÃO Não, seu Tabarone! Primeiro que o Marruá está lá e pode
dar confusão. E depois não acho que a dona Boracéia vai
querer destruir seu casamento! Ela é fiel ao marido!
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TABARONE Come?
MATIAS CÃO A gente espera a noite quando todo mundo estiver dor-
mindo e rouba a Boracéia.
FABRÍCIO Eu também!
TABARONE Bem pensado, isso é lucro! Dois raptos pelo preço de um!
MATIAS CÃO Ma chè bene? Chè bene? Questo é molto male trovato! Io
non concordo!
MATIAS CÃO Este foi pela notícia do começo. Estão ainda me devendo
pela idéia e pela organização do rapto!
MATIAS CÃO Só tem uma coisinha: com essa história de rapto eu vou
perder o meu emprego.
MATIAS CÃO Ixe, que agora a coisa não tem volta! Mas também não dá
prá entrar em brejo sem pisar na lama! Até à noite eu ar-
mo e invento uma saida desse enrosco! (COMO LOCU-
TOR) E, agora, começa o segundo tempo! O placar apon-
ta um para Matias Cão, zero para São Paulo. Matias Cão
entra na área da estação ferroviária de Pirituba! O estádio
lotado, minha gente, às seis da tarde esperando o trem. E
lá vem o bicho apitando pela intermediária! Na confusão
do entra e sai, Matias Cão dribla um, dribla dois (é um
craque, minha gente!), dribla três e consegue um banco
vazio e senta sensacionalmente! Mas o árbitro apita im-
pedimento e Matias Cão tem de levantar prá dá lugar a
uma senhora grávida! O jogo continua e logo começa um
sururu na geral pois, no aperto, alguém aproveitou e pas-
sou a mão num traseiro que não era o seu! Ih, fedeu! A
dona que recebeu a falta estava acompanhada pelo mari-
do! Matias Cão não dá bola prá torcida e desce na Luz.
Dá um jogo de corpo num trombadinha e pega o metrô-
jabaquara! Desce na estação, foge de um tiroteio em fren-
te a um banco, desvia de dois carros tirando racha e che-
ga em casa inteirinho, sem um arranhão! Fecham-se as
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MATEÚSA Deixa de sê estúrdia, prima! Ocê num sai daqui nem que
ieu tenha que te garrá e a gente se imbolar em briga!
ROSAURA Que você quer que eu faça? Que deixe aquele sujeitinho
me raptar?
MATEÚSA Por primeiro, a gente vai deixar que eles venham. O ve-
lho vai raptar a Boracéia que é o que a gente quer.
ROSAURA E o resto?
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ROSAURA Teité? Aquele é outro que eu vou pegar de pau pelo que
ele fez com meu pai!
ROSAURA Como é?
MULHER (OFF) Tira esse cavalo daí que ele tá cagando na minha
calçada!
CENA 17 - A SEDUÇÃO
ROSAURA Me solta!
ROSAURA Eu grito!
JOÃO TEITÉ Vou te dar um beijo tão beiçudo que a senhora não vai ter
fôlego nem vontade! (AO PÚBLICO.)Onça só solta os
dentes depois da presa abatida! E Teité é tal e qual ou
mais! (VAI BEIJAR ROSAURA MAS SURGE MATEÚSA
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MATEÚSA Eu tardo mais não falho! Me ajude rastar esse um pro seu
quarto.
MATEÚSA Sossega que está tudo nos conformes. Vem que o Matias
logo chega. (SAEM)
MATIAS CÃO Seu Fabrício, ajuda seu pai e deixa que eu levo dona Ro-
saura que é mais leve. (FABRÍCIO AJUDA O PAI. MATI-
AS OLHA DENTRO DO SACO E SE ALIVIA. SAEM. MA-
TIAS ARRASTA O SACO SEM NENHUM CUIDADO.)
TABARONE Io non carrego mais! Daqui prá frente os raptados vão an-
dando! Me ajuda aqui, filho. (TENTAM DESAMARRAR O
SACO ONDE ESTÁ BORACÉIA. À DISTÂNCIA TEITÉ
ACORDA.)
MATIAS CÃO É uma brincadeira, são jogos eróticos, querido! Fique qui-
eto só mais um pouquinho. (BORACÉIA É DESCOBER-
TA.)
BORACÉIA Não! Também não quero que sofras! Voltar ou não vol-
tar?! Cessa toda razão e só o coração responda: sim, sim
à paixão! (TABARONE E BORACÉIA ABRAÇAM-SE.
ROSAURA, MATEÚSA E MARRUÁ APARECEM SEM
SEREM VISTOS.)
JOÃO TEITÉ Vamos continuar esse tal de jogo erótico, meu bem?
JOÃO TEITÉ Me solta que lhe tasco um beijo daqueles bem molhados
de arroxear os beiços!
JOÃO TEITÉ Cândida! Sapóleo! Amoníaco, gente, prá lavar essa boca!
(MARRUÁ VAI EM DIREÇÃO A TABARONE.)
MANÉ MARRUÁ Até hoje. De hoje em diante será meu amigo do peito por
ter me livrado dessa lacraia!
JOÃO TEITÉ Ah, desgraçados! Podem rir que, por último, vou arrega-
nhar os dentes com mais gosto! Essa vergonha que eu
passei ocês vão pagar tim-tim por tim-tim! Eu vou mas eu
volto prá me vingar. João Teité sempre volta! (LUZ CAI.
UM ATOR ANUNCIA INTERVALO. QUANDO O PÚBLI-
CO JÁ ESTÁ SE LEVANTANDO E OS ATORES SAINDO,
ENTRA CORRENDO ARISTÓBULO.)
SEGUNDO ATO
JOÃO TEITÉ „Ocês pensam que é fácil, é? Pensam que é fácil trucar
com sete-copas e ouvir "um seis com zape" na "oreia"?
Ái, Santa Rita do Passa Quatro! "Tava" tudo caminhando
certinho na trilha e de repente me acabo beijando homem
na boca, humilhado, escorraçado e mal falado! Tô aí: na
carreira da tristeza, no trilhado do desalento, na rua da
amargura! (ENTRA MANÉ MARRUÁ. TEITÉ O CUMPRI-
MENTA FELIZ.)
MANÉ MARRUÁ Sai prá lá pedaço de má criatura que eu não tenho satis-
fação nenhuma em te ver.
JOÃO TEITÉ Eu sei que sou culpado, seu Marruá, mas prá que serve a
culpa se não para aumentar a grandeza daquele que per-
doa?
JOÃO TEITÉ Eu serei seu escravo, vou beijar o chão que o senhor pi-
sa!
MANÉ MARRUÁ Mas, nem que lustrasses meu sapato com tua cara, ó
pardavasco!
MANÉ MARRUÁ Oh, Teité! Sinto que não és tão mau assim! (ABRE) A-
guardente, cachorro!
JOÃO TEITÉ Não tem mais jeito! Ele foi nos Alcoólicos Anônimos! En-
tão, devolve a garrafa que me custou o último tostão!
MANÉ MARRUÁ Pois, que devolvo! Devolvo, nada, pois foi um presente. E
eu sou um comerciante, eu vendo. Mas vendo em doses
que dá mais lucro! (RI)
JOÃO TEITÉ Marruá, eu sou homem que perdoa mas não esquece.
Sou mineiro que não afronta, mas faz tocaia! Ocê inda há
de comer na minha mão, há de tremer ao som da minha
voz! Há de verter lágrimas de sangue, pesadelos vão to-
mar seus sonhos e o terror vai dominar suas noites!
MANÉ MARRUÁ Mas, raspa-te daqui, obra ruim de mau pai! (CORRE PA-
RA TEITÉ QUE DÁ UM GRITO E SAI PELA DIREITA.
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FABRÍCIO Eu te amo!
ARISTÓBULO (ESPANTADO)Eu?
FABRÍCIO Tudo o que fiz foi por amor, Ro sau ra. (ARISTÓBULO
SENTE-SE ALIVIADO.)
ARISTÓBULO Desculpem...
ROSAURA Eu te odeio! Some, que não consigo nem olhar prá sua
cara!
ROSAURA Prefere fugir feito cachorro sem dono a ouvir umas verda-
des?! (ENTRA MATEÚSA E SE PÕE A OUVIR.)
MATEÚSA Ih, deu “pralisia”? Lasca logo um beijo que ele se derrete,
prima!
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MATEÚSA Ô gente que não briga nem se arroxa, não aperta nem a-
frouxa. Ou obra ou sai da moita, uai! (EMPURRA FÁBRI-
CIO PARA A SAIDA À DIREITA.)Vai embora, seu Fabrí-
cio!
ROSAURA Então faça bom proveito! Se bem que eu acho que você
está de olho no Matias!
MATEÚSA Magina, prima! Ele é que "tá" com um olho muito do gran-
de prá cima das minhas curvas. Mas que ele não avance
sinal, não ultrapasse em lombada, respeite mão e contra-
mão, senão eu faço o danado capotar de cara no chão.
Agora, o Fabrício! Um mocetão distinto, desenleado, forte
e aprumado que nem peróva.
MANÉ MARRUÁ (ENTRANDO) Mas quem é que grita à minha porta? Ah!,
Fabrício! Que bom ver-te, meu rapaz. E teu pai? Como
está indo? (NÃO SE CONTÉM E RI.)
MANÉ MARRUÁ Também, comprou cobra por linguiça, levou gato por lebre
e está chamando onça de "meu gatinho"! (RI) Mas o que
queres com Rosaura, Fabrício?
MANÉ MARRUÁ Pois de fossem outros tempos eu apagava este teu fogo e
enfiava os tições fumegantes onde não falo mas tu imagi-
nas! Mas hoje, como somos amigos, te dou um conselho:
desista da Rosaura.
FABRÍCIO Nunca!
MANÉ MARRUÁ Não importa quanto macho és, ela é mais macha! É mu-
lher, é muito feminina, mas se for contrariada vira fera!
ARISTÓBULO O Bonito!
AS DUAS Não!
BORACÉIA Sim, senhor! Não quero que me escrevas uma poesia on-
de me cobres de ouropéis, bordados e seda da china:
quero um vestido novo, entendeste?!
TABARONE No!
TABARONE Io penso que non tem direito a niente: tu morava com ele
a meno de cinco ano, abandonou o lar...
TABARONE Non é tan fácile, eh? E, dopo, questa cosa custa dinheiro.
Quem paga meus honorário?
MATIAS CÃO Ôxe! Até que hoje ela acordou de bom humor!
MATIAS CÃO Pelo jeito que a Boracéia saiu acho que não vai ser só o
coração! Seu Tabarone, como é que é?
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MATIAS CÃO Me ajude a ganhar meu salário! Fala prá teu pai me pa-
gar.
FABRÍCIO Pagar? Prá mim ele não paga a mesada desde junho de
setenta e dois! Mas em mim você pode confiar. Me ajeite
as coisas com a Rosaura que será bem recompensado.
MATIAS CÃO Então é comigo! O que o senhor quer? Namoro com mão
na mão, mão naquilo, casamento antes ou depois daqui-
lo?
MATIAS CÃO Isso vai ficar bem mais caro. (LUZ CAI)
JOÃO TEITÉ Eu não vim pagar. Eu vim aqui foi cobrar o meu futuro! A
senhora não falou que eu ia subir na vida? Teité "tá" lá
em cima? "Tá" nada! "Tá" é aqui embaixo amassando
bosta! Eu vou reclamar das suas profecias no Procom.
JOÃO TEITÉ Então já que meu futuro está confirmado eu vou sentar
num toco de pau, pitar meu cigarro e esperar sentado. E
quando eu for mais rico que um bispo, do meu dinheiro a
senhora não vê nem cor nem cheiro!
TIA BERALDA Que força nenhuma desfaça o poder do anel nem poder
maior esteja acima desta oração. Pronto! Seu futuro agora
está no anel.
TIA BERALDA Quem estiver usando este anel vai ficar sob o
poder de quem usar este breve. (MOSTRA O ESCAPU-
LÁRIO.).
TIA BERALDA Prá tudo! Mas faça tudo rápido e direito porque o poder do
anel não vai durar muito. (AMARRA O ESCAPULÁRIO
NO PESCOÇO DE TEITÉ.)
JOÃO TEITÉ Dá três nó cego e arroxa bem, tia Beralda, que é prá ele
nunca sair daí! Eu te juro, tia Beralda, de hoje prá manhã
eu enrico! (APONTA A CABEÇA.) Já está tudo bem pla-
neado no meu bestunto!
TIA BERALDA E lembra: quando o poder do anel se for o seu futuro vai
com ele. E vê se volta prá me pagar.
JOÃO TEITÉ Pode deixar. Amanhã eu volto aqui com um monte de di-
nheiro. E já sei do bolso de quem. (SAI)
TIA BERALDA Vamos ver se esse sarambé faz as coisas certas! (À SAÍ-
DA, PÕE A MÃO NO BOLSO E PARA. RETIRA UM
BREVE.) A oração do poder?! (CHAMA.) Teité! Teité! Foi-
se! Ele levou a oração da paixão. (DÁ DE OMBROS.) Ah!,
paixão também é poder e no final tudo vai dar certo. Ou
não? (SAI)
MANÉ MARRUÁ E que te afaste do meu caminho! Diga o que queres que
não tenho tempo para um doidivanas como tu!
MANÉ MARRUÁ Mas nem me lembro que algum dia na vida foste meu
empregado!
JOÃO TEITÉ Está bem! Cada um faz o que lhe dita a consciência! Mas
para provar ao senhor que não guardo rancor em meu co-
ração, eu lhe trago um presente de despedida? (DÁ-LHE
UM DIMINUTO EMBRULHO)
JOÃO TEITÉ Vou voltar prá Minas Gerais, de onde eu nunca devia ter
saido para encontrar amargura e desconfiança por este
mundo!
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MANÉ MARRUÁ Bem, Teité, para que não me queiras mal também vou te
dar alguma coisa.
MANÉ MARRUÁ Precisas trabalhar mais para ser alguém na vida, ó Teité.
JOÃO TEITÉ E o senhor precisa, "das veiz" pagar melhor pelo traba-
lho.(MARRUÁ ABRE O PRESENTE)
MANÉ MARRUÁ Um anel! Obrigado, mas não uso essas coisas. (PÕE NO
BOLSO.)
MANÉ MARRUÁ Estou! Estou de corpo, estou de alma! Não sei o que sinto
mas quem é que pode explicar o amor?!
MANÉ MARRUÁ Que voz maviosa! Que olhos tu tens, Teité! Me chames
que eu vou!
JOÃO TEITÉ Tia Beralda, velha maldita, que que foi que a senhora me
arrumou!
EURICLENES Perfile-se! Não lhe dei licença de falar! Levou meu recado
prás mulheres da casa do Marruá? (MAJOR BATE NA
CABEÇA INDICANDO ESQUECIMENTO.) Pôs meu a-
núncio de "procura-se alma gêmea" na revista "Contigo"?
(MAJOR BATE NA CABEÇA) Pelo menos marcou meu
encontro com aquela massagista do anúncio do jornal?
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EURICLENES Mas fecha essa boca, major! (SAI. ENTRA MATIAS. MA-
JOR FURIOSO CHUTA O CHÃO.)
MATEÚSA Não.
MATIAS CÃO Ave, Maria! Vôte e arrenego! Eu fico aqui mesmo espe-
rando o Marruá chegar.
MANÉ MARRUÁ Não me rejeites, doçura! Fui vencido pelos seus encantos!
JOÃO TEITÉ Meus encantos são muitos mas não são pro senhor! Eu
mato a Tia Beralda, eu mato! (MARRUÁ AVANÇA. TEITÉ
PEGA UMA GARRAFA DE ÁLCOOL.) Não vem que eu te
pincho e te risco fogo!
JOÃO TEITÉ Eu bebo no seu copo que é prá descobrir seus segredos!
(MARRUÁ BEBE. LEVA O "COICE" DA BEBIDA E PA-
RALISA.) Álcool carburante não falha! (RAPIDAMENTE
TEITÉ RETIRA O ANEL DO DEDO DE MARRUÁ.) Que
perigo, meu Deus!
JOÃO TEITÉ Saio do fogo prá cair na frigideira! (TEM UMA IDÉIA.) É
claro! É isso! (ABRE OS BRAÇOS PARA MARRUÁ.) Meu
amigo! (ABRAÇA-O E LOGO O AFASTA) Chega, que es-
sa coisa de abraço pode desandar! (EMPURRA MARRUÁ
PRÁ DENTRO DE CASA QUE ENTRA CAMBALEANTE.)
MATIAS CÃO Ave Maria, mulher dessa casa é bravo que só homem!
JOÃO TEITÉ Matias, que bom te ver! Uma mão lava a outra: eu te aju-
dei quando ocê chegou nesta cidade e agora ocê vai me
ajudar!
JOÃO TEITÉ Uma coisica de nada! Dá esse anel prá Rosaura e diz que
foi um presente do Fabrício.
JOÃO TEITÉ Teu trabalho é esse. Você tem de fazer ela colocar o anel
no dedo.
JOÃO TEITÉ Só isso e nosso futuro tá garantido. Vamos ser ricos, Ma-
tias!
JOÃO TEITÉ Não posso dizer mas confie em mim! Conto com ocê?
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CENA 12 - O CONTRA-PLANO
MATEÚSA Ieu não quero saber de trela com um da sua espécie! (TI-
RA A FACA)Ocê volte prá Pirituba, ocê sai da minha, vis-
ta porque se não ieu faço um estrago! (ENTRA ROSAU-
RA E SEGURA MATEÚSA AFASTANDO-A DE MATIAS)
MATIAS CÃO Só põe no dedo prá ver se ficou bonito. Se não ficar a se-
nhora vende, dá de presente...
ROSAURA Só vou por e tirar. (PÕE) Bem micho, né? (MUDA RE-
PENTINAMENTE.) Eu quero o Teité! Eu amo aquele ho-
mem. Eu me rasgo, eu me mordo por ele!
MATIAS CÃO (AMEDRONTADO) A culpa não foi minha. Foi o Teité que
me deu o anel prá eu dizer que era presente do Fabrício.
MATIAS CÃO Esse anel tem bruxaria. Eu mesmo pus esse anel e fiquei
igualzinho a senhora.(ENTRA MARRUÁ AINDA BÊBADO)
MATEÚSA Quieta o facho, prima. Ocê vai dar uma sova de relho ne-
le, mas não agora. Deixa comigo que está nascendo uma
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MATEÚSA Vai ficando confiado que lhe ato num pé de pau e lhe
desço vara!
ROSAURA E o anel?
MATEÚSA Esse fica comigo e já sei quem vai se apaixonar pelo Tei-
té! (SAEM OS TRÊS DEIXANDO MARRUÁ.)
MANÉ MARRUÁ Ó, Teité! Por que foste embora, meu amigo? Quem en-
contra um amigo, encontra um tesouro! (BALANÇA A
CABEÇA TENTANDO DISSIPAR O TORPOR.) Mas que
raios estou eu a falar? Ái, minha cabeça! Aquele desgra-
çado me fez beber de novo! Eu juro que, se lhe ponho as
mãos em cima, espremo tanto que a alma lhe sai por bai-
xo! Ái, minha cabeça. (ENTRA TABARONE DESESPE-
RADO.)
TABARONE Quem?
TABARONE Non acredito que não tenha boas lembrança dela. Nos
primeiros anos, talvez?
MANÉ MARRUÁ Sim... talvez na primeira semana ou nos primeiros dois di-
as de casado. Depois foi um longo e tenebroso inferno.
MANÉ MARRUÁ E?
MANÉ MARRUÁ De jeito nenhum! Ela é para pagar todas as coisas que
você me fez no passado!
MANÉ MARRUÁ Nossa amizade não vale tanto prá eu encarar de novo
aquela fera!
CENA 13 - PANTOMIMA
CENA 14 - O CASAMENTO
MATIAS CÃO Você vai ser o Juiz que vai fazer o casamento.
MATEÚSA Que dinheirão? É tudo alugado. Fique quieto, tio, que vai
valer a pena.
ROSAURA Sim.
ROSAURA Sim!
JOÃO TEITÉ Que festa, nada! Ocê já quer gastar o dinheiro que eu vou
herdar? Todo mundo prá fora! Não tem festa, nem nada!
(MALICIOSO) O que vai ter agora é uma inauguração! Fo-
ra! (TODOS SAEM) Enfim sóses! (PEGA A MÃO DE RO-
SAURA) O poder do anel! Dona Rosaura da Beira eu vou
começar pelas beiradas! (BEIJA A MÃO DELA. ROSAU-
RA TIRA A MÃO E ABRE O VESTIDO. POR BAIXO DO
VESTIDO DE NOIVA VESTE ROUPAS DE COURO
PRETO E BOTAS, IDUMENTÁRIA CLÁSSICA DE SADO-
MASOQUISMO. TIRA UM CHICOTE.) Pelos profetas do
Aleijadinho! Que que é isso, amor?!
JOÃO TEITÉ Pára! Pára, desgraçada! Ocê está sob o meu poder!
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JOÃO TEITÉ Então é isso? O anel era falso! Fui miseravelmente traido!
Mas vocês não perdem por esperar! O anel vai parar no
dedo de alguém muito poderoso e eu vou me vingar de
um por um! (ESTENDE O BRAÇO NUMA TRÁGICA
MALDIÇÃO.) Vocês vão lamentar e rilhar os dentes en-
quanto caminharem pela estrada da desgraça! Onde está
o meu anel? Eu exijo o que é meu! Quero o anel verdadei-
ro!
MATIAS CÃO Major, a gente se aproxima contra o vento que é prá ela
não farejar nosso cheiro.
ARISTÓBULO Ôxe, estamos indo raptar uma dona e não caçar onça!
MATIAS CÃO Calma, que o rapto agora é pra um homem é rico, fazen-
deiro e mão aberta.
BORACÉIA Ái, Matias, que se isto for mais uma das suas eu arranco
os pelos de tua barba com alicate!
BORACÉIA Desembucha!
JOÃO TEITÉ Ocês não sabem o que foi! Só no segundo dia quando o-
brou o anel é que o maldito cavalo me deixou em paz!
JOÃO TEITÉ Está aqui o anel e o escapulário com a oração da Tia Be-
ralda. Eu eu não quero mais saber desses feitiço. (MA-
TEÚSA E MATIAS TROCAM GESTOS E OLHARES.)
FABRÍCIO Rosaura!
ROSAURA Fabrício!
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MATEÚSA Deixa, Matias. Com poder ou sem poder o anel serviu pa-
ra o que a gente queria! (ROSAURA E FABRÍCIO QUE
ESTAVAM QUASE SE BEIJANDO VIRAM-SE DE COS-
TAS.)
MATEÚSA Prima!
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JOÃO TEITÉ Velho burro! Isso era segredo só prá ser revelado depois
de sua morte, imbecil! (TODOS SAEM ATRÁS DE TEI-
TÉ.)
FIM