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Florbela Espanca
Quando o sol vai caindo sobre as águas Enche o meu peito, num encanto mago,
Num nervoso delíquio d’oiro intenso, O frêmito das coisas dolorosas...
Donde vem essa voz cheia de mágoas Sob as urzes queimadas nascem rosas...
Com que falas à terra, ó mar imenso?... Nos meus olhos as lágrimas apago...
Tens cantos d’epopeias? Tens anseios E nesta febre ansiosa que me invade,
D’amarguras? Tu tens também receios, Dispo a minha mortalha, o meu burel,
Ó mar cheio de esperança e majestade?! E, já não sou, Amor, Soror Saudade...
Donde vem essa voz, ó mar amigo? Olhos a arder em êxtases de amor,
...Talvez a voz do Portugal antigo, Boca a saber a sol, a fruto, a mel:
Chamando por Camões numa saudade! Sou a charneca rude a abrir em flor!
*** ***
À GUERRA! EU
A dicção não implica estar alegre ou Em vão busquei eterna luz precisa
triste
Mas dar minha voz à veemência das ***
coisas
E fazer do mundo exterior substância da Mar
minha mente
Como quem devora o coração do leão I
De todos os cantos do mundo
Olha fita escuta Amo com um amor mais forte e mais
Atenta para a caçada no quarto profundo
penumbroso Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.
***
II
Corpo Cheiro a terra as árvores e o vento
Que a Primavera enche de perfumes
Corpo serenamente construído Mas neles só quero e só procuro
Para uma vida que depois se perde A selvagem exalação das ondas
Em fúria e em desencontro vivido Subindo para os astros como um grito
Contra a pureza inteira dos teus ombros. puro.
27 de Abril de 1974
***
As fontes