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Educação Literária – Fernando Pessoa ortónimo

PEDROUÇOS1

1 Quando eu era pequeno não sabia


Que cresceria.
Pelo menos não o sentia.

Naquela idade o tempo não existe.


5 Cada dia é a mesma mesa
Com o mesmo quintal ao fundo;
E quando se sente tristeza
Está tristeza, mas não se está triste.

Eu era assim
10 E todas as crianças deste mundo
Assim foram antes de mim.

O quintal grande estava dividido


Por uma frágil grade, alta, de tiras
Cruzadas, de madeirinha,
15 Em horta e em jardim.

Meu coração anda esquecido,


Mas não minha visão. De ela não tires,
Tempo, esse quadro onde o feliz que eu fui
Dá-me uma felicidade ainda minha!

20 Inútil o teu frio curso flui


Para quem das lembranças se acarinha.

PESSOA, Fernando, 2008. Poesia do Eu.


2.ª ed. Lisboa: Assírio & Alvim (p. 344)

1. Zona de Lisboa entre Belém e Algés (envolvendo a rua com o mesmo


nome).

1. Explica o modo como o sujeito poético perceciona a infância, de acordo com o conteúdo das duas
primeiras estrofes.

2. Comenta o sentido do dístico final enquanto conclusão do texto, relacionando-o com a apóstrofe
presente na quinta estrofe.

3. Atendendo ao assunto do poema, apresenta uma possível interpretação do título.

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Educação Literária – Fernando Pessoa ortónimo

Cenários de resposta

1. O sujeito poético perceciona a infância como um tempo de ignorância, em que se toma por verdade
o que se sente (“não o sentia”, v. 3, “E quando se sente tristeza / Está tristeza”, vv. 7-8) e não se
concebem construções abstratas como a ideia de tempo (“Naquela idade o tempo não existe”, v. 4)
ou as reflexões e análises pessoais subjetivas (“não se está triste”, v. 8). Sugere, também, que é um
período marcado pela simplicidade e pela rotina (“Cada dia é a mesma mesa / Com o mesmo quintal
ao fundo”, vv. 5-6).

2. No dístico com que termina o poema, o sujeito poético, dirigindo-se ao “Tempo” apostrofado no
verso 18, sugere-lhe que, ainda que seja impossível suster o seu “frio curso” (v. 20), ele é “inútil”
(v. 20), pois a sua “visão” (v. 17), a sua capacidade de recuperar pela memória o passado (v. 21), com
a recordação de momentos como os descritos no poema, permite-lhe atingir momentos de
“felicidade” (v. 19). Assim, como alguém que “das lembranças se acarinha” (v. 21), num tempo em
que o seu “coração anda esquecido” (v. 16), o “eu” recusa ceder ao esquecimento da época em que
ainda era “feliz” (v. 18).

3. O título pode remeter para um dos locais associados ao “quadro onde o feliz” (v. 18) era o sujeito
poético na infância e que o mesmo descreve nas quatro primeiras estrofes.

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