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Metamorfose da figura feminina ao longo da vida

George vai-se transformando ao longo do tempo, de acordo com diversos fatores: as suas
opções de vida, os lugares onde habita, a idade,
Quando era a jovem Gi e habitava na vila, tinha os cabelos escuros e era uma rapariguinha
frágil, magra, de pescoço alto.
Após a sua partida da vida, George pintou o cabelo de diversas cores (loiros, todos os loiros,
ruivos, castanhos, esverdeados) e nunca mais quis tê-lo escuro.
Georgina, a figura que ela imagina na velhice, tem o cabelo pintado de acaju, o rosto pintado
de vários tons de rosa, a boca esborratada, as mãos enrugadas, tudo marcas que refletem os seus
quase setenta anos. Note-se que até o sorriso é diferente: «O seu sorriso não tem nada a ver com o
de Gi […], são como o dia e a noite.».
Por outro lado, psicologicamente, enquanto jovem, Gi era inexperiente e condicionada pelos
pais e pela sociedade provinciana da vida em que habitava, não se sentindo de forma alguma reali-
zada. Quando parte da vila, torna-se uma adulta autónoma e livre e uma mulher realizada profissi-
onalmente (é uma pintora famosa, reconhecida e rica) e economicamente independente. Na ve-
lhice, imagina que será uma mulher só, consequência da sua vida de independência e liberdade,
naturalmente afetada pelos males fisiológicos do envelhecimento e pela falta de afeto. Será que o
dinheiro atenuará, de algum modo, este quadro?

A Viagem

Metamorfose da personagem feminina

▪ Nível físico: juventude → amadurecimento → envelhecimento

▪ Nível psicológico: ilusão e inexperiência da vida → conhecimento / experiência, desvaloriza-


ção das relações afetivas, materialismo, cansaço relativamente à vida → consciência da fini-
tude, desvalorização de bens materiais e reconhecimento da importância das relações afeti-
vas.

▪ Nível socioeconómico: pobreza → sucesso profissional e prosperidade financeira → desva-


lorização da prosperidade e do sucesso profissional perante a consciência do envelheci-
mento e da morte.

Passagem do tempo Inquietação e insatisfação


. juventude . partida da vila e concretização
. idade adulta do sonho de ser pintora
. alteração de visual (cor de ca-
belo)
. inconstância amorosa
. mudanças frequentes de resi-
dência
Manual Encontros 12

Manuel Plural 12, p. 159

Relação entre as mudanças físicas e os nomes da protagonista

Os nomes da protagonista adequam-se aos diferentes momentos da sua evolução:


1) Gi é um nome constituído por apenas uma sílaba, uma abreviatura carinhosa usada até à
sua juventude.

2) George é o nome por que é conhecida na fase adulta da sua vida, talvez o seu nome artís-
tico: transmite uma maior sobriedade.

3) Georgina é o nome mais longo, mais sério e pesado (até pelo número de sílabas que o
constitui), condizendo com a sua idade: quase 70 anos.

«Abreviatura provável de Georgina, o nome desta pintora consagrada de quarenta e cinco


anos evoca o pseudónimo literário de duas conhecidas romancistas do século XIX: a francesa George
Sand (1804-1876) e a inglesa George Eliot (1819-1880), que com a protagonista apresentam em
comum, não apenas o sucesso num mundo predominantemente masculino, mas também um estilo
de vida normalmente interdito às mulheres – e ainda hoje pouco aceite no sexo feminino, se bem
que por muitos visto como sinal de emancipação. Pleno de sugestões, o nome da personagem con-
densa assim, se não o essencial da sua personalidade, pelo menos a parte que nela se diria indisso-
ciável da sua pertença a uma elite intelectual e artística cuja diferença passa não só pela indepen-
dência económica conseguida graças ao seu próprio esforço, mas também, com alguma frequência,
pelo escândalo das ligações sentimentais à margem das convenções – às vezes mesmo pela adoção
de comportamentos e formas de apresentação pouco comuns (o hábito de fumar em público ou o
uso frequente de indumentária masculina por parte de George Sand, por exemplo… as diversas e
por vezes extravagantes cores que vão tingindo os cabelos de George). […]
Acresce, em George, a consciência plena do envelhecimento e da solidão, que combate ilu-
dindo-se com a possibilidade de via a escapar à última graças ao dinheiro acumulado ao longo de
anos de uma bem-sucedida carreira artística.»

Maria João Pais do Amaral, in Maria Isabel Rocheta & Serafina Martins (coord.),
Conto Português [séculos XIX-XXI]: Antologia Crítica

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