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«George»

Maria Judite de Carvalho


«George»

O conto tem uma abertura comparável


ao início de um filme; mostra-nos duas
personagens femininas que irão cruzar-se.

As personagens caminham numa «longa


rua»; George já não vinha a tal lugar há «mais
de vinte anos» – o modo como caminham é
revelador, mostrando o esforço com que se
movem e revelando uma certa renitência em
se encontrarem.
«George»

George configura o protótipo da mulher


independente e profissionalmente realizada,
aparentemente sem razões para lamentar o
passado e, ainda menos, temer o futuro. No
entanto, esse temor assalta-a quando
regressa à terra natal. É nessa vila parada do
interior que vamos encontrá-la no início do
conto.
As três idades da vida
Gi Passado
A infância está presente no conto, na medida em que o regresso à terra natal
constitui sempre um retorno aos primeiros anos de vida. Neste caso, sendo o
objetivo vender a casa dos pais, entretanto desaparecidos, equivale ao seu
apagamento definitivo, à sua morte, a um adeus para sempre à juventude.
Gi
(Passado/juventude)

 O seu retrato é construído (por


George) com o recurso à memória.
 É uma “rapariguinha frágil”.

 Tem 18 anos.
 Tem um “lindo sorriso branco”.

 Revela propensão para o desenho.


 Mora numa vila portuguesa.
 Tem namorado e a mãe está a
preparar-lhe o enxoval.
Gi
(Passado/juventude)

 Através do diálogo entre Gi e George percebe-se que a jovem


tenciona abandonar a terra natal (refere que o namorado não tem
outra ambição senão a de ficar e construir uma casa).

 Tem a função de recordar a George quem foi no passado.


As três idades da vida
George Presente
George deambula incessantemente entre o presente
e vários momentos do passado, imobilizado num dos
seus instantes na fotografia que ressuscita Gi e assim
se associa à rememoração. Perante estas memórias,
prefere então afundar-se no esquecimento (e no
conforto) que lhe proporcionam o seu dinheiro, o seu
sucesso enquanto pintora, os seus múltiplos amores,
as suas metamorfoses constantes, as mudanças, as
viagens. Passado e futuro cruzam-se, assim, com o
presente.
George
(Presente/idade adulta)

 Mora em Amesterdão.

 É uma pintora famosa.

 Visitou a terra natal para se desfazer da casa paterna (que recebeu em herança
após a morte dos pais), o que significa o corte com o passado.

 Durante a fase adulta, sofre diversas transformações.


George
(Presente/idade adulta)

 É inconstante no amor e de  Nada possui do passado, com


personalidade complexa: muda exceção de uma fotografia sua
constantemente a cor dos cabelos, quando jovem.
não possui nada de seu, mora em
casas alugadas, desfaz-se dos livros.

 Possui ânsia de liberdade desde  Vive reconfortada com o seu


jovem. êxito como pintora e com as
repercussões financeiras que este
lhe traz.
As três idades da vida
Georgina Futuro
A velhice é representada por uma personagem que surge, diante de George, no
comboio. Tem cerca de setenta anos, é reservada, (sorri de si para consigo) e exibe
uma certa sofisticação discreta (uma carteira cara, maquilhagem, cabelos
pintados). Autocaracteriza-se como solitária e considera que o único crime que
cometeu foi ter envelhecido.
Georgina
(Futuro/velhice)

 O seu retrato é construído (por George) com


recurso à imaginação; perspetivação do futuro da
figura feminina.
 Trata-se de uma velha, imperfeitamente
maquilhada com vários tons de rosa, cabelos cor de
acaju.

 Usa uma carteira cara (italiana).

 Tem a função de deixar antever a George o que será o seu futuro, um tempo
marcado pela solidão e pela degradação física, o que impedirá a protagonista de
pintar.
Metamorfoses da figura feminina

Passagem do tempo Inquietação e insatisfação


• A juventude. • Partida da vila e concretização do
• A idade adulta. sonho de ser pintora.
• A velhice. • Alteração de visual.
• Inconstância amorosa.
• Mudanças frequentes de residência.
As três idades da vida

Georgina – quase
Gi – 18 anos George – 45 anos
70 anos
A «rapariguinha» do A mulher independente, A velhice, o espectro da
retrato: a inocência, a profissional e solidão e da
juventude, a vida financeiramente inevitabilidade da
familiar na vila. bem-sucedida. morte.

MEMÓRIA REALIDADE IMAGINAÇÃO

Diálogo
Presentificação/atualização de réplicas de si própria, através da recordação ou
projeção no futuro, em interlocução.
As relações interpessoais A introspeção e a avaliação do
(sociais e familiares). projeto e percurso de vida.

A complexidade da natureza
humana

A relativização do sucesso e do A fragmentação do eu, a passagem


fracasso. do tempo, a solidão e a morte.
Linguagem, estilo e estrutura

«O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara, e
quando os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem corrido
mundo numa mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o único
fetiche de George.»

Narrativa fotográfica que capta a fragmentação do tempo, do espaço e das


personagens.

Discurso sucinto marcado pela clareza das ideias e dos conceitos essenciais.
Linguagem, estilo e estrutura

«O seu sorriso não tem nada a ver com o de Gi – porque havia


de ter? –, são como o dia e a noite. Uma velha de cabelos
pintados de acaju, de rosto pintado de vários tons de rosa, é
certo que discretamente mas sem grande perfeição. A boca,
por exemplo, está um pouco esborratada.»

Tom narrativo, por vezes, Presença de elipses,


irónico e sarcástico, perante repetições e interrogações
uma perspetiva pessimista retóricas.
da condição humana.
Linguagem, estilo e estrutura

«Tem as mãos enrugadas sobre uma carteira preta, cara, talvez italiana, italiana, sim,
tem a certeza. A velha sorri de si para consigo, ou então partiu para qualquer lugar e
deixou o sorriso como quem deixa um guarda-chuva esquecido numa sala de espera.»

Recursos expressivos recorrentes: comparação, elipse, repetição, interrogação


retórica, metáfora, …

Relevância das sensações.


1. Que características apresenta este
texto para integrar o género: conto?

Este texto apresenta unidade de ação,


brevidade narrativa, concentração de tempo e
espaço e um número limitado de personagens.
2. Como se estrutura o conto?

O texto apresenta uma estrutura tripartida


marcada por tempos diferentes: o regresso ao
passado e o confronto com o presente, e o
diálogo com o futuro.
3. Que formas de discurso relatado
encontramos no texto?

Neste conto, encontramos o discurso direto


e indireto. O discurso direto surge grafado no
texto de forma tradicional e em itálico sempre
que a protagonista dialoga consigo mesma,
misturando tempos diferentes.
4. Que temáticas se cruzam nesta
narrativa breve?

Neste conto cruzam-se várias temáticas: a


condição feminina, a passagem do tempo, a
mundividência artística, entre outras.
O diálogo entre realidade,
memória e imaginação
1. Em que medida é que no conto se
enceta um diálogo entre realidade,
memória e imaginação?
O diálogo entre realidade, memória e
imaginação surge no conto configurado de
duas formas: na aparição de Gi e no respetivo
confronto com a juventude e no diálogo com
Georgina e no confronto com a velhice. A
marcha do tempo é, assim, sintetizada no
afastamento progressivo da infância e na
aproximação à velhice da protagonista, George,
uma pintora reconhecida e conceituada.
2. De que forma se cruza no conto
memória e imaginação?

Quando a protagonista dialoga com Gi


recorre às memórias da sua juventude,
quando interage com Georgina, a mulher
idosa de 70 anos, perspetiva a sua vida futura.
Metamorfoses da
figura feminina
1. De que forma se configura no texto
o percurso de uma figura feminina?

No conto assistimos ao percurso de uma


jovem frágil e sonhadora, Gi, que consegue
afirmar-se num universo dominado pelo
masculino, adotando um nome inusitado,
George, e que constitui o protótipo de mulher
independente, profissionalmente realizada,
mas que acabará só como Georgina.
2. De que modo as metamorfoses da
protagonista estruturam o conto?

O conto traça o percurso de uma jovem


anónima que parte da aldeia onde nasceu e
que consegue afirmar-se no mundo artístico.
A realização profissional, a sua imortalização
através da arte e a não consolidação de
relacionamentos afetivos terá como
consequência a solidão na velhice.
As três idades da vida
1. De que modo é que percecionamos
a passagem do tempo no conto?

George, a protagonista do conto, no início,


viaja até à infância e cruza-se com Gi e, no
final, empreende outra viagem e encontra-se
com Georgina. As três figuras são a mesma
personagem em três momentos diferentes da
vida.
2. De que forma o conto se estrutura a
partir do tema: as três idades da vida?

As três idades da vida estão presentes no


conto através de dois encontros: George com
Gi e George com Georgina.
3. Que relação se pode estabelecer
entre o conto e a obra do pintor
Edvard Munch?
Edvard Munch é um pintor referido no conto
e autor de um quadro intitulado As Quatro
Idades da Vida. Nesta pintura surgem as figuras
de quatro mulheres em fases diferentes da
vida. Estas figuras pintadas equivalem à visão
da protagonista apresentada no conto em três
momentos distintos da vida: Gi, George e
Georgina.
4. Por que razão podemos considerar
que no conto se faz um balanço do
percurso de uma vida?
Podemos considerar que no conto se faz o
balanço de uma vida, uma vez que Gi e
Georgina são duplos de George e os seus
diálogos configuram o cruzamento de
diferentes tempos: a juventude, a idade adulta
e a velhice.
A complexidade da
natureza humana
1. De que modo este conto constitui
uma reflexão sobre a complexidade da
natureza humana?
Este conto constitui uma profunda reflexão
sobre a complexidade da natureza humana:
sobre o fracasso do amor, sobre a separação,
sobre a dificuldade de atingir a realização
profissional, sobre a condição feminina, sobre a
efemeridade da vida, sobre a solidão e a morte.
Reflete ainda sobre a intemporalidade da arte e
a imortalização do artista.
2. Por que razão podemos considerar
esta narrativa breve um momento de
reflexão sobre a natureza humana?
Este conto, através do desdobramento da
protagonista e também pela duplicidade do
seu nome (entre feminino e masculino)
permite uma reflexão sobre as diferentes fases
da vida e sobre os caminhos que o ser humano
trilha, umas vezes por opção outras por
imposição das circunstâncias que o rodeiam.
A atualidade do conto
A condição feminina
A situação profissional
A independência económica
O amor
Reflexão sobre a Morte e o Tempo
Mundividência invulgar e sensibilidade artística
Reflexão sobre a complexidade da natureza humana
Reflexão sobre a constante (re)definição da complexidade humana
Fusão da arte narrativa com diversas formas de arte
Pintura
Amedeo Modigliani (1884-1920), pintor italiano
Edvard Munch (1863-1944), pintor norueguês
Cinema
Fotografia
“George”
 Intriga focalizada cinematograficamente, valorizando
pormenores.
 Regresso de uma artista de renome à vila do interior,
onde nasceu, depois de 23 anos de ausência.
 Diálogo de mulheres que se cruzam
 Confronto com a juventude: Gi e George
 Confronto com a velhice: George e Georgina
 Partida de George no comboio que a levará para longe
da vila onde nasceu.
A protagonista
As três idades da vida

• Gi
• George
• Georgina
As personagens e o tempo
• Afastamento progressivo da infância e
aproximação da velhice:
– A infância está presente, no primeiro encontro (Gi
e George)
– George e Gi movem-se lentamente, como a
simbolizar a impossibilidade de George de
ressuscitar o passado e de se despedir dele.
– O segundo encontro (George e Georgina) é
marcado pela velocidade do comboio e pela sua
marcha sem retorno, simbolizando a morte
definitiva do passado e a aceleração da marcha do
Tempo em direção à velhice.
O espaço
• Vila parada do interior Regresso ao passado
Casa da infância
Ponto de confluência de lugares e de tempos
 Locais de passagem Visão de futuro
Viagem de comboio
As várias casas alugadas
Amesterdão
Estados Unidos

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