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Contos

Características gerais:

O conto pode ser definido como uma narrativa curta e com um único conflito. Isso significa
que, nessas histórias, há poucos personagens, o tempo e o espaço são reduzidos ao
essencial e, além disso, o enredo (a sequência de ações pelas quais os personagens
passam) é marcado pela existência de um único acontecimento relevante. Dessa forma, em
geral, os contos apresentam apenas um clímax (aquele momento de maior tensão da
narrativa).

Ação: Narrativa pouco extensa e, por isso, concentrada.

Personagens: As personagens são em número reduzido, havendo, geralmente, uma


centralizadora que confere unidade ao conto.

Espaço e tempo: Apresentam linearidade e surgem numa perspetiva convergente.

Modos de expressão do discurso: Particular exigência no que se refere ao equilíbrio da


dimensão narrativa e descritiva, fruto da reduzida extensão.

Sempre é uma companhia, de Manuel da Fonseca

O conto situa-se na época da II Guerra Mundial e narra-nos a história de um casal que


possui uma venda numa aldeia alentejana e cujo quotidiano é caracterizado pela solidão,
pelo isolamento do mundo, pela monotonia e tédio e pela agressividade entre os membros
desse casal.
Este panorama é alterado com a chegada de dois vendedores de telefonias, que
convencem o Batola, a personagem principal, a comprar um aparelho. Perante a oposição
da mulher, um dos vendedores propõe uma compra à condição: a telefonia ficará à
experiência durante um mês. Passado esse tempo, se não a quiserem, poderão devolvê-la
e receber de volta as “letras”.
A aquisição do aparelho provoca uma mudança enorme na povoação e na vida dos seus
habitantes: os ceifeiros dirigem-se todos à venda do casal para ouvir as notícias da guerra,
saem de lá “alta noite” e a discutir o que ouviram “numa grande animação”. As mulheres
deslocam-se igualmente para a venda após a ceia, para ouvir as melodias e até (as velhas”
dançar ao som da telefonia. Os aldeãos sentem-se, assim, agora, mais próximos do mundo,
por consequência menos isolados e solitários.
Esta mudança acaba por se estender à própria mulher do Batola, que abandona a sua
prepotência e o seu autoritarismo e se mostra submissa, pedindo ao marido para ficarem
com a telefonia, visto que “é uma companhia” naquele deserto.
António Barrasquinho, O batola:
- Antes da rádio
- Preguiçoso, indolente, irresponsável, infeliz, solitário, alcoólico
- Depois da rádio
- Determinado, animado, lúcido, responsável, conversador, ansioso por
notícias

A mulher do Batola
- Antes da rádio
- Responsável, diligente, determinada, autoritária
- Depois da rádio
- Aparentemente confusa, submissa, (quase) terna, conciliadora

Rata, o mendigo - amigo de Batola


- Antes da rádio
- Sociável, companheiro, conhecedor do “mundo” além da aldeia

A população da aldeia - os ceifeiros


- Antes da rádio
- Exaustos do dia de trabalho, presos à rotina
- Depois da rádio
- Animados, alegres, curiosos

Mulheres e crianças
- Depois da rádio
- Curiosas, conversadeiras, alegres

Os pares de namorados
- Depois da rádio
- Apaixonados, absorvidos pela telefonia

O vendedor:
- Observador, dotado de sentido de oportunidade, simpático, sorridente, expedito,
manipulador

Calcinhas:
- Obediente, prestável

Espaço físico e social:


- Alcaria, a aldeia alentejana (quinze casinhas desgarradas)
- A venda e os fundos da casa de Batola
- A rua
- Os campos
- O velho caminho que vem de Ourique

Tempo histórico:
- Durante a Segunda Guerra Mundial
George, de Maria Judite de Carvalho

Tema do conto:
O conto centra-se nas três idades da vida: a juventude, a maturidade e a velhice.
As três idades não são, porém, apresentadas no texto de forma linear, antes de acordo com
a «viagem» empreendida com o narrador, a partir da sua memória.

Resumo do conto:
- A ação do conto está centrada em George, uma personagem feminina
focada em três momentos distintos (menina, mulher e velha), que representam as
três idades da sua vida.
- George saiu de casa quando tinha cerca de 18 anos, rumo a Amesterdão
(Holanda), em busca de liberdade e fugindo da sua realidade e da incompreensão
dos pais. O seu talento era desenhar.
- Aos 45 anos é uma mulher de sucesso: pintora reconhecida, viajada, mulher
de muitos amores (“casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a partir e a
chegar”), cabelos sempre pintados de cor diferente (metamorfose), “malas ricas”,
“dinheiro no banco” e a sua casa holandesa.
- A personagem regressa à sua terra natal após cerca de 20 anos de ausência e
desse regresso resulta a convivência imaginária entre a George adulta, a Gi
adolescente e a Georgina, “velha”.
- George e Gi reencontram-se à saída da estação, quando a primeira vem para
vender a casa de família (os seus pais já tinham falecido). Trata-se de um diálogo
imaginado que mostra ao leitor a menina de outrora, indecisa entre ficar na terra
e sair de casa. Faz referência a um namorado antigo, chamado Carlos, e ao
enxoval que mãe lhe andava a fazer para ser uma mulher igual a tantas outras,
votada à lida da casa. Gi finaliza este diálogo e “sorri o seu lindo sorriso branco de
18 anos”. Depois ambas dão um beijo rápido, breve, no ar, não se tocam, nem tal
seria possível, começam a mover-se ao mesmo tempo, devagar (…). Vão ficando
longe, mais longe. E nenhuma delas olha para trás.”. Este diálogo imaginado,
prenhe de memórias, está sempre rodeado de um “ar queimado”, que George
continuamente sente.
- De regresso ao comboio para voltar a Amesterdão, George relembra
memórias e afasta-se desse passado, à medida que o veículo se afasta fisicamente
da estação: “Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes, perder para todo
o sempre árvores e casas da sua juventude”.
- No comboio, fecha os olhos e pensa. Quando os abre, vê sentada à sua
frente “uma mulher velha”, Georgina (outra das figuras desdobradas de George,
neste caso na terceira idade), 70 anos e segura de que a vida passa rapidamente,
aconselhando George a não ser dramática, pois viverá feliz na sua casa até morrer.
Esta confirma o retrato dela mesma enquanto “rapariguinha”, conservado na mala
a vida inteira.
- Georgina fecha os olhos de novo e, quando os reabre, a “mulher velha”
desaparecera. Confiada na pertença do ainda tempo presente, “Georgina suspira,
tranquilizada. Amanhã estará em Amesterdão na bela casa mobilada, durante
quanto tempo?, vai morar com o último dos seus amores.”.

Retrato de George:
É uma pintora consagrada de 45 anos.
O seu nome é inusitado para uma personagem feminina:
- é a provável abreviatura do nome Georgina;
- é o pseudónimo literário de duas romancistas do século XIX:
- a escritora francesa George Sand (1804-1880);
- a escritora inglesa George Eliot (1819-1880);
- trata-se de duas autoras que viviam da escrita
- sendo pseudônimos masculinos, a sua escolha visaria a aceitação da obra;
- evoca uma elite intelectual e artística:
- remete para a independência económica, fruto do seu próprio
esforço;
- associado ao escândalo das ligações sentimentais à margem das
convenções da época:
- o hábito de fumar em público;
- o uso frequente de indumentária masculina;
- as cores extravagantes dos cabelos de George.
É uma personalidade bem-sucedida num universo predominantemente masculino.
Leva um estilo de vida normalmente interdito às mulheres:
- bem-estar económico;
- ligações efémeras e ocasionais com o sexo oposto.
Constitui o protótipo da mulher independente profissionalmente realizada.
Crê no poder imortalizador da arte.
É acentuadamente egocêntrica.
Tem plena consciência do envelhecimento e da solidão.
Vive uma solidão combatida pela presença do dinheiro acumulado.

Símbolos do conto:
A vila: o passado e o retorno à infância.
A fotografia:
- ligação ao passado;
- fixação da juventude perdida;
- imagem ideal da juventude intocada e dos sonhos por cumprir.
O comboio: a marcha rápida para a velhice, a viagem do passado para o futuro.
Os quadros de George: autorretratos; o sucesso profissional e financeiro.
O pincel, as telas, as tintas: a máquina fotográfica e a fixação do momento.

A complexidade da natureza humana no conto George


Este conto constitui uma profunda reflexão sobre a complexidade da natureza humana,
centrada na figura de George: (sobre) o fracasso do amor, a separação, a dificuldade de
atingir a realização profissional, a condição feminina, a efemérida da vida, a solidão, o vazio
e a morte. Por outro lado, o conto compreende uma reflexão sobre a intemporalidade da
arte e a imortalização do artista. Através do desdobramento da protagonista, bem como
pela duplicidade do seu nome (entre feminino e masculino), o conto possibilita uma reflexão
sobre as diferentes fases da vida e sobre os caminhos que o ser humano trilha, uma vez por
opção, outras por imposição das circunstâncias que o rodeiam. Quando jovem, vivia
inconformada com as limitações da conceção de vida que a família e a sociedade local lhe
ofereciam, por isso decidiu partir, sozinha, para uma cidade e um país desconhecidos. O
seu enorme desejo de liberdade e de independência, bem como a vontade de diversificar ao
máximo as suas experiências de vida, levaram-na a alterar constantemente o seu aspeto
físico, a viver os afetos e o amor com grande desprendimento e até superficialidade e a
mudar frequentemente de local de residência. Além disso, vivia sempre em quartos
alugados ou casas arrendadas mobiladas para que não se apegasse aos objetos. O desejo
de ser livre e independente predominava. Apesar de conservar uma fotografia sua da
juventude (de quando era Gi), prefere o esquecimento e não chora pelo passado. Em suma,
George tornou-se uma pintora de sucesso, famosa e rica. Perante a imagem (antecipada)
da sua velhice e da solidão que a espera, mostra-se incomodada e arrogante, preferindo os
pensamentos agradáveis e confiante de que o dinheiro constituirá a sua tábua de salvação.

Falta de amor:
No texto, por exemplo, George, em vez de amor, tem amores, isto é, relações frágeis e
efémeras, passageiras, todas provisórias, como provisórias são as casas e as cidades onde
mora. Essa ausência de afeto e a solidão que afeta as personagens da obra da escritora –
tanto homens como mulheres – têm como consequência, se não a morte, uma espécie de
morte em vida, «uma existência desprovida de sentido que, ao longo dos anos que nas
suas memórias se vão confundindo, se arrasta e pesa mais do que a própria morte.». A
vida, metaforicamente vista como uma viagem, é complexa, tanto na juventude como na
velhice. Famosa além-fronteiras, George configura o protótipo da mulher independente e
profissionalmente realizada, aparente sem razões para lamentar o passado e, ainda medos,
recear o futuro. No entanto, esse medo assalta-a de forma imprevista e cruel no momento
em que regressa à sua terra natal e que vai suscitar um confronto quer com o passado quer
com o futuro.

Resumindo:
Gi → passado/juventude
George → presente/idade adulta (metamorfose da figura feminina)
Georgina → futuro/velhice

Gi:
O seu retrato é construído (por George) com o recurso à memória.
É uma “rapariguinha frágil”.
Tem 18 anos.
Tem um “lindo sorriso branco”.
Revela propensão para o desenho.
Mora numa vila portuguesa.
Tem namorado e a mãe está a preparar-lhe o enxoval.
Através do diálogo entre Gi e George percebe-se que a jovem tenciona abandonar a terra
natal (refere que o namorado não tem outra ambição senão a de ficar e construir uma casa).
Tem a função de recordar a George quem foi no passado.
George:
Mora em Amesterdão.
Visitou a terra natal para se desfazer da casa paterna (que recebeu em herança após a
morte dos pais), o que significa o corte com o passado.
É uma pintora famosa.
Durante a fase adulta, sofre diversas transformações.
É inconstante no amor e de personalidade complexa: muda constantemente a cor dos
cabelos, não possui nada de seu, mora em casas alugadas, desfaz-se dos livros.
Nada possui do passado, com exceção de uma fotografia sua quando jovem.
Possui ânsia de liberdade desde jovem.
Vive reconfortada com o seu êxito como pintora e com as repercussões financeiras que este
lhe traz.

Georgina:
O seu retrato é construído (por George) com recurso à imaginação; perspetivação do futuro
da figura feminina.
Trata-se de uma velha, imperfeitamente maquilhada com vários tons de rosa, cabelos cor
de acaju.
Usa uma carteira cara (italiana).
Tem a função de deixar antever a George o que será o seu futuro, um tempo marcado pela
solidão e pela degradação física, o que impedirá a protagonista de pintar.

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