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1. GERAÇÃO NO LIMBO
Tanto a história das culturas destas gerações como já foram e vem sendo
cantadas em prosa, verso, musica e imagem. Por Zuenir Ventura ‘ 1968- O
ano que não terminou “e Joaquim Ferreira dos Santos – “ 1958- o ano que não
devia ter “terminado”. Decorre dai a constatação do vácuo, do lapso.
Quem eram estes jovens que nasceram entre 1952 e 1955? Que nasceram com
Getúlio, cresceram com JK e mal se lembram de Jânio e de Jango ? Que não
fizeram passeata, não discutiram a ”nouvelle vague” no Cinema Paissandu?
Que não podiam falar de política. Que receberam, isto sim o impacto de um
golpe militar sem saber onde nem por que. E cujas mentes foram arejadas
pelos ares da liberdade, paradoxalmente importada da revolução dos costumes
que vinha de Londres, de Paris e, principalmente da América do Norte.
Esta geração sempre ficou no limbo, na sua época e depois dela. Dela se fala,
eventualmente, nos cadernos “B”, quando morre um artista, ou quando se diz
que a tal moda psicodélica ou cigana está querendo voltar, embrulhada, agora
em papel de presente de loja cara, onde nunca esteve.
Seus sonhos e sensações ficaram nos corações e mentes dos que viveram estas
juventudes inebriantes e inebriada e hoje, à beira dos cinqüenta anos, não há
doutor, publicitário, economista de renome ou motorista de táxi cuja alma não
estremeça ao ouvir a introdução de “Yellow River” ou “Reflections of My
Life”.
Desta turma não se pediu opinião política; com o rótulo de alienados,
outorgado pelos mais velhos, parecia inofensivo delirante e infantil, com
chapéus esquisitos e roupas mais ainda.
Mas era gente boa, muito boa, aquela rapaziada generosa, solidária e meio
abandonada, sensível até a raiz dos cabelos longos. Deles veio a revolução de
verdade, aquela que coloca uma coisa no lugar de outra, em vez de trocar
uniforme s e gravatas.
Ursula Andress, saindo da água, com seu biquíni branco, com cinto era
moderno e povoava um imaginário de meninos,, que não sabiam bem o que
fazer com ela se a tivessem nos braços. Mas era diferente... Não era dramática
como Elizabeth Taylor, nem ingênua como Hayley Mills heroína das tardes de
cinema no cinema Miramar.
Cinema Miramar...
Mas não foi no Miramar que passou o Satanico Dr. No. Foi no cine Leblon,
bem em frente à Casa da Caça e Pesca, na diagonal da Sapataria Clark.
É , bem, ao lado da Casa Tupy, bombonière que ao ver dos petizes vestidos
pelo “O Príncipe” lá pertinho, só encontrava paralelo na Kopenhagen. Mas a
casa Tupy tinha muitos, muitos potes de vidro transparentes, nos quais se
exibiam , faceiros, os amendoins, japoneses ou não, os chocolates d e
bombons sem paternidade definida e os imensos blocos de açúcar cândi ,
amarrados entre si por barbantes , futura alegria e riqueza dos dentistas das
décadas seguintes.
E durante o dia inteiro, entre a manhã da praia, o fim de tarde e seus peixes,
enquanto os acontecimentos de importância política e social se davam a partir
de Copacabana, no então Distrito Federal, a cidade inteira, fascinada, à
míngua de imagem televisada, ouvia música.
Música, exclusivamente música. Este era o slogan da radio Tamoio, 900 kc,
que apresentava o programa “Músicas na Passarela”..
CAPÍTULO V – CARCARÁ
As coisas eram meio confusas na tal da Revolução. Revolução não havia, mas
a TV Rio, canal, 13, onde haviam cedo instalados ninhos de metralhadora
naquele lusco fusco entre o 31 de março e 1 de abril, transmitia imagens do
novo Presidente da República O General Humberto de Alencar Castello
Branco. Baixinho, sem pescoço, o cearense de Mecejana , ex chefe do estado
maior da Feb na 2ª. Guerra Mundial assumia o governo com a promessa
velada de transitoriedade da tal revolução, que teria sido feita para acabar
coma corrupção e varrer o fantasma do comunismo. Posteriormente, revelou-
se o apoio claro da CIA ao golpe, através do IPEAS, entidade aparentemente
cultural, chefiado pelo Gal. Golbery do Couto e Silva também pela forta de
apoio prometida ao golpe.
O fato é que a tal Revolução se fez e com ela, romperam-se as referências
de todos. A classe média, apavorada com as reformas de base prometida por
João Goulart, apoiou entusiasticamente a mudança. |Não se dera conta de que
o discurso aos udenistas era o mesmo que levara ao suicídio de Vargas e que
continha a demagogia de Janio Quadros, que prometera com a sua vassourinha
encantada varrer a corrupção que anos mais tarde se revelaria quase inocente.
A moda era o Banlon, uma tecido sintético que grudava no corpo modelando
as formas em camisas de cores vivas: o vinho, o amarelo , o verde limão e o
rosa schocking eram as preferidas. As calças? De Helanca, naturalmente,
elásticas e em textura cotele, a imitar as desejadíssimas calcas Lee de
veludo, autenticas, cheirosas , que chegavam ao pais por meios diversos.
Um parente, um amigo da família que aceitava a incumbência de trazer calcas
Lee, de veludo ou brim, de um azul índigo que impedia sua confusão com as
imitações nacionais, identificadas, denunciadas e desprezadas nas festinhas
pelos olhares argutos dos maldosos proprietários das jóias sob forma de
vestimenta.
Poderoso eram aqueles que podiam ostentar os blusões de universidade
americanas , também objeto da cupidez infanto juvenil. Estes, nem se vendiam
aqui , ou eram raros nas importadoras. Possuí-los significava algum ser
viajante nas cercanias , alguém que viajara aos Estados Unidos, , fosse pelas
asas da Panair, Boac, British Caledonian , Braniff ou Pan American.
Harvard, em azul, Cornell, em amarelo mostarda.
Isso , sim, era estar no urro da moda, no dernier cri da ostentação pré
adolescente. Se houvesse uma pulseira de prata, verdadeira, com uma chapa
com seu nome gravado, então, era o sucesso garantido.
Claro que os meninos mais velhos levavam vantagem e este kit não trazia
conseqüências maiores que impressionar as meninas com uma sofisticação
distintiva dos demais, os garotos que usavam camisas de algodão de mangas
curtas, calcas Lee nacionais, de escudo de matéria plástica , sem o pequeno R
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intangível, Sony, com sua caixa de couro preta e com surdo também. Se esse
dia chegasse, nunca mais a Cabeleira do Zezé, nem Olhando para o Céu –
Sukiaky, nem o Rancho da Praça XI com o trinar de Dalva de Oliveira ,
tampouco a Perereca da Vizinha , com Dercy Gonçalves, provável namorada
do Bigorrilho, nunca mais isso atrapalharia a atenta escuta daqueles sons
novos estranhos e inebriantes que surgiam dos quais se destacavam uns
cabeludos que gritavam Yehaaaah, Yeahaaah, para choque e horror dos pais.
CAPITULO VI
ciclo no qual ingressara, analfabeto, cinco anos atrás. Agora era quase um
homem. Fora promovido às calças compridas pouco antes, rito de passagem.
Não só lia, escrevia, declamava, como conhecia as utilidades da análise
morfológica, do Máximo Divisor Comum, do Mínimo Múltiplo também
Comum, os famigerados MDC e MMC. Passara no exame de admissão
fiscalizado com rigor pelos inspetores do Ministério da Educação e Cultura.
Sabia as preposições, os afluentes do Rio Amazonas, o hino Nacional, da
Independência, da Republica e as fronteiras do Brasil, excetuando-se,
naturalmente, o Equador e o Chile. Sabia também as escalações completas do
time do santos, Bi Campeão Mundial Inter Clubes, da Seleção Brasileira Bi
Campeã Mundial, do time do Flamengo e para seu próprio horror, não
conseguia esquecer também a escalação completa de seu arquiinimigo, o
Botafogo.
Sabia, portanto, o que era necessário para sobreviver no Estado da
Guanabara.Inclusive o destino e número dos lotações, micro ônibus
fumarentos que empestavam a cidade.
Ia se formar naquela tarde, às cinco horas. De terno,
gravata de elástico, com a presença dos pais, da irmã, dos pais e irmãos de
seus colegas. A família, em festa ,se preparava .
Mas havia um problema. Perto da escola, bem
pertinho mesmo, na R Raul Pompéia, o Cine Alvorada passava, em matinée,
um filme. Um filme, não. O filme. Com os Beatles.
A Hard Days Night vinha arrastando multidões de
jovens histéricos pelo mundo, jovens que copiavam os terninhos bem
comportados e particularmente as botinhas de seus ídolos, sonho de consumo
mais ou menos fácil de alcançar nas sapatarias do Rio. Era um filme em preto
e branco que narrava um dia na vida dos cabeludos músicos que eram a
sensação da Europa, onde haviam estourado nas paradas de sucesso desde o
lançamento de Love Me Do, dois anos antes, na Inglaterra e nos Estados
Unidos em abril de 1964.
And when I tell there I love you, you gonna say you love me too.
O menino cerrou os olhos e sonhou que era um Beatle, que era cabeludo, que
falava inglês, que era grande e que a menina dos brincos de ouro respondia
também em inglês that she loves him too.
Mas sonhar podia, ah, isso podia. Que era um Beatle, cabeludo e que falava
inglês. Sorriu. Ela o amava, com certeza, garantia a música. And when I ask
you too be mine you gonna say you love me too , não era isso ?
Bem que Ary Cordovil lembrava que ....O,O,O,O isso aqui está dando idéia ..
dos últimos dias de Pompéia. Mulher bebendo, mulher fumando , estou vendo
coisas que nunca vi. , Ou tá todo mundo louco ou Nero passou aqui
Pois é, então deixa que digam que pensem que falem, deixa isso pra la, o que e
que tem, eu não estou fazendo nada , você também, faz mal bater um papo
assim gostoso com alguém .
Massas manipuladas pelo discurso fácil, pelo voto de cabresto, mas que agora
também queria ter uma opinião própria e protestar, aguardando a oportunidade
de votas nas prometidas eleições presidenciais de 1965.
Podem me prender , podem me bater , podem até deixar-me sem comer, que
eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não.
O Rio era isso, Bangu, sol, o céu, o sul, o golpe de Estado, e no rádio , uma
menina de 18 anos usando suspensórios e com jeito de moleca pedindo um
martelo .
Pior que o tapa , todos iam saber da tentativa erótica de dar um beijo nela
dentro do cinema , que todo mundo condenou , só porque ele estava amando.
Mengálvios, não devem existir muitos. Não sei por que cismei com ele hoje.
Deve ser por causa da ausência de heróis, que levam a gente a invocar, pelo menos, a turma
do segundo escalão. Os atores coadjuvantes da vida, sempre tão necessários aos narcisistas.
Zito e Mengálvio.
Mas deixa pra lá. O que importa é que o Liminha, no único chute que
acertou na sua vida, meteu um golaço, com um chute de fora da área que entrou no ângulo
da assim chamada na época, meta defendida por Félix, empatando o assim chamado prélio,
que terminou... Bem, isso é outra história.
Ronaldo Cordovil era filho do maestro Hervé Cordovil a brira a porta pela
qual trilharia Roberto Carlos. Em 1960 gravou , como nome de Ronnie Cord
a musica “Hopscotch Polka Dot Bikini”, traduzida como Bquini de Bolinha
Amarelinha, com sucesso. Mas o que traduziu mesmo o momento da
juventude rebelde brasileira, pastiche daquela de James Dean, foi Rua
Augusta , gravada em 1964. Um hino de insurgencia inócua de playboys da
Paulicéia , que disputavam corridas em seus automóveis na então elegante Rua
Augusta demonstrando sua perícia ao parar a quatro dedos da vitrine ,
exibindo-se para a sua gang sem medo.
E razão para medo não havia para estes rapazes de abastadas famílias da
capital paulista , algumas delas quatrocentonas . Com suas blusas de ban lon ,
casacos de couro com fechos de metal, protegidos pelas sueteres que
colocavam nos ombros e as famílias que os colocavam em seus próprios, sua
rebeldia não passava de exibicionismo vazio, .
Mas o quadradinho, dourado e preto , pequeno como a loja que divulgava , era
a um pepita a ser descoberta, pela súplica, pela troca por vários outros ou pela
aqusiicao a dinehrio suado, economizado do lanche.
A Importadora Gong era uma pequena loja, espremida entre o Cinema Roxy,
na Av Copacabana e uma galeria. Uma portinha, uma pequena vitrine e um
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mundo por trás da entrada. Um mundo de calcas Lee, brancas e originais “blue
jeans”, com seu cheiro característico de coisa que vinha de fora, uma etiqueta
de papelão costurada no bolso com afigura de um vaqueiroaudacioso
enfrentando sabia-se lá o que... Um Comanche, um Cherokke malvado ou
talvez um boi renitente. Mas a calça dobrada, endurecida pela goma da fabrica
e que dizia-se ser necessário amaciar até atingir o desbotado que lhe
conferiria beleza , era um irresistivel objeto de desejo. Como tambem os
perfumes que aromatizavam a pequena loja da rua principal .
Cheiro de avião, nunca voado. Mas aquelas calcas, as blusas vermelhas de fio
de Escócia, todas rescendiam a voos desejados e a este cheiro misturavam-se
os Lancaster, Vitesse, Pino Silvestre em sinfonia aromatiaca dissonante a
inebriar e estontear quem penetrasse naquele castelo de sonhos irrealizáveis.
Pelo menos, para quem ali fosse lançar um olhar pedinte para o balconista.
Ou para o dono. Implorando por uma aumento de status na sua coleçao. Com
o pequeno, quadrado , preto , dourado e valiossisimo plástico da Importadora
Gong.
Dois partidos foram fundados, por legislação e não por organização popular;
a ARENA- Aliança Renovadora Nacional, partido da situação que congregou
os políticos de apoio ao governo e à ditadura. A oposição consentida e
tolerada reuniu-se em torno do MDB- Movimento Democrático Brasileiro, um
saco de gatos onde se encontraram mesmo aqueles que não comungavam dos
mesmos ideários, mas não dispunham de alternativa para manifestar sua
oposição ao regime usurpador.
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VIII-
Saber que se chorava, se ria, por um amor era um contraponto ao que até então
se aprendia nas ruas ,nas escolas, nas revistas passadas de mao em mào. Uma
possibilidade que Bobby Solo cantava sem vergonha, ao lamentar a distancain
de sua amada que fazia parte dele.
Se piangi, se ridi... Sono parte de te. Uma emoção diferente era quase
adivinhada furtivamente com a compreensão da existência de algo mais na
questão amorosa que a capa da revista ou o desenho canhestro.
O que seria lasciare ?Darindi dom dom. Quase comico, o brado do cantor
Michelle, trazia uma revolta contida contra o abandono,. Revoltado,
indagava o cantar porque havia sido deixados, e suplicava que fosse
informado a razão do abandono. Tu dicevi sempre que vivere per me, Il tuo
amore non era sincero , i tu bacci non eran vero, il tuo occhi me a sempre
mentido.
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Mas a melodia não era lá muito compatível com a tristeza e já trazia uma
modernidade quase de rock and rol, insinuando que depois de explicado o
amoroso lasciato sobreviveria.
Para cada anónima a desaparecer surgiria uma Gigiola Cinquetti linda, bela,
de olhar ingénuo a admirar-se consigo mesma , surpreendia pelo amor que
dedicava a seu leito.
... arrepiava e confundia o menino. Parecia bom aquilo, mas era tão triste que
talvez fosse bom diminuir o rádio, procurar nos velhos armários da cozinha
uns palitos de chocolate Aymoré e esperar que essa música verde acabase
logo. Quem sabe, a sorte lhe sorrisse e a música azul fosse mais luminosa e
alegre.
evitar que mais uma nacao comunista existisse. Em relaidade, o que o Vitena
do Norte desejava nada mais era que unificar ao pais, a antiga Indochina
Francesa, dividido apos a derrota de 1954.
A Cuba de Fidel Castro declarava lei marcial face às ameaças de invasão por
parte dos Estados Unidos.
Não era melódico , nem suave o inicio da Eve of Destruction , com Barry Mc
Guire , que fizera um sucesso iquietante no ano anterior. Ao lado das melosas
cancoes italianas e francesas que desfilavam pela passarela da Tamoio, um
som de bomba anunciava a véspera da destruicaoi. Alertados os ouvintes de
que se o botão fosse apertado o mundo iria para uo tumulo, a voz do cantor
preonizava , reclamava e procurava tirar as pessoas do marasmo e da
indiferença com seu canto rascante :
You don’t believe in war , but what’s that gun you’re totin,
Mas havia longe da América conturbada , uma ilha . Uma cidade. Uma rua .
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O Mundo Ocidental está explodindo,
violência surgindo, balas sendo carregadas,
e você é velho o suficiente para morrer,
mas não para votar.
Você não acredita em armas, mas que arma é essa que você segura?
E até o Rio Jordão tem corpos flutuando.
Mas , me diga , meu amigo, de novo, de novo e de novo,
Ah, você não acredita que estamos na véspera da destruição!
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3.
Nome de capítulo ( nota/lembrete )- I ‘ll follow the sun /Mamas and the Papas
Nome de capítulo (nota lembrete)- Liberdade é uma calça velha, azul e
desbotada/1968