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1. GERAÇÃO NO LIMBO

Musica Ciclamen é a historia de uma geração perdida. Precedida pelos jovens


que eram universitários ou estudantes secundaristas nos anos 60 e que tinham
participação política efetiva, os “engajados” que, por sua vez, eram
sucessores naturais dos jovens dos anos 50, os amantes da bossa nova. Do
Beco das Garrafas.

Tanto a história das culturas destas gerações como já foram e vem sendo
cantadas em prosa, verso, musica e imagem. Por Zuenir Ventura ‘ 1968- O
ano que não terminou “e Joaquim Ferreira dos Santos – “ 1958- o ano que não
devia ter “terminado”. Decorre dai a constatação do vácuo, do lapso.

Quem eram estes jovens que nasceram entre 1952 e 1955? Que nasceram com
Getúlio, cresceram com JK e mal se lembram de Jânio e de Jango ? Que não
fizeram passeata, não discutiram a ”nouvelle vague” no Cinema Paissandu?
Que não podiam falar de política. Que receberam, isto sim o impacto de um
golpe militar sem saber onde nem por que. E cujas mentes foram arejadas
pelos ares da liberdade, paradoxalmente importada da revolução dos costumes
que vinha de Londres, de Paris e, principalmente da América do Norte.

Importação permitida pela ditadura, estimulada, sem que se apercebessem os


censores que aquelas musicas, “posters”, livros aparentemente inocentes
forjavam uma cultura que desconheciam, não controlavam e que, nós, os
meninos dos anos 60 estávamos nos divertindo, cantando, namorando e
ignorando solenemente nossos algozes culturais.

Esta geração sempre ficou no limbo, na sua época e depois dela. Dela se fala,
eventualmente, nos cadernos “B”, quando morre um artista, ou quando se diz
que a tal moda psicodélica ou cigana está querendo voltar, embrulhada, agora
em papel de presente de loja cara, onde nunca esteve.

Estiveram, moda e geração, nas ‘boutiques “das galerias de Ipanema e de


Copacabana, nas vielas de Salvador, nas areias do Rio de Janeiro e nas suas
águas.
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Seus sonhos e sensações ficaram nos corações e mentes dos que viveram estas
juventudes inebriantes e inebriada e hoje, à beira dos cinqüenta anos, não há
doutor, publicitário, economista de renome ou motorista de táxi cuja alma não
estremeça ao ouvir a introdução de “Yellow River” ou “Reflections of My
Life”.
Desta turma não se pediu opinião política; com o rótulo de alienados,
outorgado pelos mais velhos, parecia inofensivo delirante e infantil, com
chapéus esquisitos e roupas mais ainda.

Mas era gente boa, muito boa, aquela rapaziada generosa, solidária e meio
abandonada, sensível até a raiz dos cabelos longos. Deles veio a revolução de
verdade, aquela que coloca uma coisa no lugar de outra, em vez de trocar
uniforme s e gravatas.

CAPÍTULO 1- O SATÂNICO DR. NO

Bond. James Bond.

Quando Sean Connery, o agente 007 , apresentou-se aos


espectadores do Cinema Leblon, alguma coisa mudou. Surgia nas telas a
modernidade, com a guerra fria retratada de forma diferente. Leve,
tecnológico, sexual e basicamente bem humorado, o filme sugeria o mundo
novo que começava a se delinear. Contraponto da cultura nacional levemente
tendente à esquerda da Zona Sul carioca, onde era como diria posteriormente
“O Pasquim”, válido, lúcido e inserido no contexto ser “de esquerda”.

Os meninos de 10, 12 anos de idade não se interessavam


por João Gilberto ou por Carlos Lyra. Nada sabiam de Zé Kéti e não tinham
idade para ir a passeatas. Provavelmente nunca teriam esta experiência. Mas
conheciam bem o valor de um capacete de astronauta da Estrela (ilustrar), ou,
maravilha das maravilhas, de uma maleta 007 americana. Com facas laterais 3.
de matéria plástica, naturalmente, vidros contendo balas de munição,
comestíveis, e uma arma.
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Isto, sim, era moderno.

Ursula Andress, saindo da água, com seu biquíni branco, com cinto era
moderno e povoava um imaginário de meninos,, que não sabiam bem o que
fazer com ela se a tivessem nos braços. Mas era diferente... Não era dramática
como Elizabeth Taylor, nem ingênua como Hayley Mills heroína das tardes de
cinema no cinema Miramar.
Cinema Miramar...

Já se desconfiou até de sua existência à beira mar, na Av . Delfim Moreira,


dominando a esquina da Rua . Os casais iam à noite, as crianças nas tardes
de domingo, com as babás e empregadas portuguesas do Leblon – quem as
tinha, claro.
O baleiro na porta-reminiscencias- vendendo Mentex, Frumello, Mentella,
Frutas, amendoim Bitan, bonecas cor de rosa de açúcar e anilina. Chu cola,
drops de coca cola, acreditem. Drops Life Savers de cores variadas, parecendo
pequenas bóias, e um, inesquecível, de sabor butter-rum. Suplantados, com
vantagem, pelos novos, especiais, drops Dulcora.

Quadradinhos, embrulhadinhos um a um. De hortelã, misto. E, mais que tudo,


os campeões de venda, o de cevada...

Filmes de Errol Flynn, capa e espada inesquecíveis, embora meio velhuscos.


Muita Hailey Mills, Cary Grant, e o inesquecível água com muito, muito,
açúcar, Mother Goose…

Mas não foi no Miramar que passou o Satanico Dr. No. Foi no cine Leblon,
bem em frente à Casa da Caça e Pesca, na diagonal da Sapataria Clark.

É , bem, ao lado da Casa Tupy, bombonière que ao ver dos petizes vestidos
pelo “O Príncipe” lá pertinho, só encontrava paralelo na Kopenhagen. Mas a
casa Tupy tinha muitos, muitos potes de vidro transparentes, nos quais se
exibiam , faceiros, os amendoins, japoneses ou não, os chocolates d e
bombons sem paternidade definida e os imensos blocos de açúcar cândi ,
amarrados entre si por barbantes , futura alegria e riqueza dos dentistas das
décadas seguintes.

. Ë caso de se perguntar o que fazia uma Casa de Caça ( e pesca ) na Av.


Ataulfo de Paiva. Procede a pergunta. Quanto à caça, não ocorre nada que não
fosse a venda de armas leves para perseguir os porcos e galinhas que
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trafegavam pela Rua Humberto de Campos, perto da Praia do Pinto, favela


que seria destruída por incêndio suspeito, dando origem à Selva de Pedra,
conjunto de edifícios que curiosamente seria destinados à moradia de
militares.

Mas se não era a caça a principal atividade de lazer do Leblon de então,


melhor sorte cabia à pesca. Lá pelas quatro, quatro e meia da tarde,
traineiras aportavam à Av Delfim Moreira e pescadores em botes traziam à
areia o produto da faina daquele dia.

Este o ambiente dos anos 60 no Leblon, que seria chamado de Aldeia


Encantada por mais um saudosista, quase 40 anos depois.
Aos domingos, as famílias almoçavam na “Flor do Leblon”, restaurante
situado na Av Ataulfo de Paiva, perto da Casa Estrela, loja de brinquedos e
papelaria. A “Flor do Leblon” tinha portas de vai e vem , parecendo saloon
americano e servia altíssimos filés com batata frita , língua ao Marsala e
outros acepipes de gosto das famílias . Ainda não existia a caipirinha e
cervejas Portuguesa e Malzbier era, com certeza, o máximo da ousadia
alcoólica daqueles tempos. No verão.
Porque no inverno, era o vinho Granja União, em suas versões Merlot e
Cabernet que imperava.Vinho nacional, considerado o vinho de mesa da
classe média que não se atrevia conhecer as safras e notas daquelas
possibilidades únicas.
Aos petizes, a Coca Cola , o Crush, Grappete, o Guaraná caçula. Talvez o
Guaraná Princesa? Não, este só onde havia a cerveja Black Princess.

Assim era a vida no Leblon, pacata, familiar. O pai no trabalho, as crianças na


escola, os porteiros porteirando, o garrafeiro de calças listradas apregoando. O
afiador de facas fazendo sibilar sua estranha máquina e, às vezes, tocando
melodias inteiras.
.
 
Os leiteiros traziam leite, os padeiros pão. Os leiteiros deixavam na porta o
leite em litros de vidro esverdeado . Os padeiros tinham grandes caixas, onde,
matreiramente, traziam pães doces, cobertos de uma massa até hoje indefinida,
com ovos, mas que provavelmente continham mais maisena que qualquer
outra coisa.
 
Os peixeiros iam nas casas levando suas balanças de pouca precisão, onde
liam pesos jamais conferidos. Mas quem preferisse podia ir, no final da tarde,
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comprar na praia o peixe direto dos pescadores. Os barcos pesqueiros


chegavam bem perto e as redes estendidas na areia exibiam, pulando, as
pescadas , garoupas, anchovas e pescadinhas que estariam , nuas ou vestidas
de farinha de trigo, pulando em frigideiras, prontas para serem jantadas,
destino que não supunham possível horas antes, nadando nas águas oceânicas.

Neste ambiente, em que a tecnologia do cotidiano estava limitada à balança do


peixeiro, a vida seguia, entre tais personagens, em meio aos armazéns . Na rua
os lotações mal cheirosos, as motocicletas dos transviados, Marlon Brandos
do Atlântico Sul que abriam os escapes das suas máquinas à noite para
provocar a burguesia.

E durante o dia inteiro, entre a manhã da praia, o fim de tarde e seus peixes,
enquanto os acontecimentos de importância política e social se davam a partir
de Copacabana, no então Distrito Federal, a cidade inteira, fascinada, à
míngua de imagem televisada, ouvia música.

CAPÍTULO 2 –MÚSICAS NA PASSARELA,

Música, exclusivamente música. Este era o slogan da radio Tamoio, 900 kc,
que apresentava o programa “Músicas na Passarela”..

. A cada música era atribuídos um bairro e


uma cor. E durante a programação, que durava toda à tarde, os ouvintes
votavam, por telefone na sua música preferida. Às 6 horas da tarde as dez mais
votadas eram repetidas, com sua ordem de classificação, de acordo com os
votos recebidos, da décima à primeira.

Prêmios? Não havia, Mas a sensação de ter votado e acertado na


preferida era especial.

A voz empostada do locutor anunciava: “do bairro de Fátima, Música Verde.


Dio como ti amo, com Gigliola Cinquetti”
Do bairro de Copacabana, com Michelle.... “Se me Voi Lasciare”. E ,
enigmática, “Do bairro do Leblon, Música Ciclamen, com Peppino di Capri...
Roberta”.
Mais de quarenta anos se passaram e o encanto e enigma da cor ciclâmen
com certeza encontrarão eco naqueles que ouviram a radio Tamoio, por ela
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foram igualmente encantados enquanto a vida passava num Rio de Janeiro de


sol, sal e sul, bonde e lotação.

As músicas que integravam a multicolorida parada eram italianas, francesas e


americanas; os quatro rapazes de Liverpool ainda não haviam alcançado este
privilégio e como música de sucesso americana ouvia-se Bobby Darin e
Brenda Lee, com sua voz entrecortada cantando Jambalaya , Trini Lopez-
cantando La Bamba, Perfídia ou Michael. -( desenvolver)
Na radio Tamoio, samba , só se fosse samba canção, com Elizeth Cardoso-
Guarda a Rosa que eu te dei- ou outras músicas com certa unanimidade de
paladar. O rock era presleyano, não provocativo, quase comportado.

As marchinhas de carnaval não tocavam na Radio Tamoio, mas nas rádios


populares, servindo de pano de fundo para uma cidade alegre, bem humorada,
e que tinha ignorado a mudança da capital da República para Brasília.
O povo cantava com alegria e picardia “O Bigorrilho”, letra imperscrutável e
que se prestava a interpretações diversas, insurgia-se romanticamente contra a
conquista do espaço sideral com “A Lua é dos namorados”. E a juventude
tinha como musa da incipiente música de protesto a estranhíssima De
Kalafe , figura pré – andrógina que se apresentava de camisolão e descalça.

CAPÍTULO 3- YUKI, MANDIOPÃ E


SUSTINCAU.

Ouvia-se tudo isso, aos dez anos de idade, lanchando


Mandiopã com sal ou com açúcar e canela, tomando Yuki de damasco ,
encontrado no Peg Pag recém inaugurado na Rua Visconde de Pirajá.
Ipanema , com certeza era efervescente, com
Zeppelins, Boeing Boeing, bossa nova , cineastas às mancheias e bares, muito
bares. Mas os meninos e meninas da geração Tamoio estavam mais
interessados em ir ao cinema Pax aos domingos , ao lado da Igreja Nossa
Senhora da Paz, onde , aos às 10 horas da manhã centenas de pais liberavam
as mães de seus encargos de puericultura e cumpriam o ritual de convivência
com seus filhos, levando-os para assistir o Festival de Tom e Jerry, que
também acontecia no cinema Metro Copacabana na mesma hora.
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existiam, ignora-se, assim como não é possível avaliar quantos desenhos eram
repetidos; mas o encanto do desenho animado colorido na tela enorme, com a
qualidade e detalhamento que a televisão preta e branca nem de longe sugeria
certamente alegrava esta multidão de reis do amanhã.
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Torcia-se, à época , pelo rato Jerry, que estudos


sócio-psicológicos posteriormente demonstrariam tratar-se de um sádico e
perverso provocador, torturador do gato Tom, que não mexia com ninguém ,
exercendo apenas seu legítimo direito de também legítima defesa. A
propósito, na esteira destes estudos , desmistificou-se outro rato, o
anteriormente simpático Mickey Mouse que , a exemplo do cabo Anselmo,
aderiu com entusiasmo aos tempos que se aproximavam, transformando-se
num policial vestido de “trench coat”, alcagüete e informante do Coronel
Cintra. Mas isso é outra história.

E no domingo, tinha Maracanã? Para poucos


meninos . Não era idade de ir ao estádio, mas de imaginar pela descrição
radiofônica, o que seria aquilo, já que a imagem da televisão fazia supor que
os campos fossem de cimento, como eram as garagens onde se jogava a bola
de matéria plástica – BiCampeões do Mundo, com os autógrafos impressos
dos heróis
Na bola, a assinatura de Pelé intrigava , pois girava
pelos ares ao lado das de Jair Marinho, Zequinha, Zózimo, Mengálvio e
outros, cujas feições só eram conhecidas pela febre pré -púbere do álbum de
figurinhas Copolino.

As figurinhas, o álbum Copolino. Cada página, um


time de futebol e seus heróis. Assim, se tornaram conhecidos dos cariocas
jogadores como Poy e Suli, goleiros do São Paulo , irmanados pela fotografia
única. Ou como Bazzani (?), Laércio, Dalmo, Tite , do Santos. Cada página,
se completada , dava direito a um dos eletrodomésticos cujo desenho vinha ao
final. Grande pretexto para que os meninos pedissem os pacotinhos pardos a
suas mães. Afinal, ela poderia ser contemplada com uma maravilhosa
batedeira elétrica ou com um liquidificador, embora não haja memória de
ninguém, que tivesse obtido estes regalos, a despeito da página completada.

Mas nem tudo era tão simples; para se completar uma


página era fundamental que se obtivesse a figurinha carimbada: a mais difícil
da página, geradora de frustrações inenarráveis , procura estimuladora de
compras inúteis, caras de outras tantas dezenas de envelopes para a aquisição
da valorizada peça. Ë claro que ela tinha um poder de troca avassalador com
aqueles que delas necessitavam desesperadamente para completar a página
que lhes daria direito à troca pela batedeira Walita que seria brandida
vitoriosamente em casa , como prova irrefutável da justiça dos pleitos de
aquisição dos pacotes.
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Surpreendentemente , a figurinha carimbada do Santos Futebol Clube, bi


campeão Mundial Inter Clubes era... Mengálvio, um meia com feições
modiglianescas , e não o bom Pelé, por razões que até hoje a razão
desconhece.( crônica-mengalvio?)
As trocas eram feitas, e as personalidades futuras se revelavam, com a
valorização excessiva das figurinhas que a lei de oferta e procura cotavam nos
pátios das escolas, contrapondo-se à ingenuidade dos generosos que aceitavam
mercadorias de pouca valia em troca das suas duplicatas, como eram
chamadas.
Mas era no jogo do bafo que os espertos se revelavam melhor. Ao desafio para
um jogo, figurinhas eram postas sobre as outras, em cruz e quem as virasse
com o vácuo das mãos em concha tornava-se imediatamente proprietário, sem
direito a recurso, daquelas que conseguisse obter. Artifícios, como cola, cuspe,
ou qualquer substância viscosa, eram utilizadas para esta finalidade, e não
raro, o folguedo inocente transformava-se em batalha campal, entre acusações
de roubo que evoluíam para a franca pancadaria.
No rádio, tocava Do you Love Me, com The Dave Clark Five, um som meio
esquisito, rascante, estranho. Diziam que era rock and roll. Mas rock and roll
era Elvis, Little Richard, Jerry Lee Lewis. O que era isso ?

CAPÍTULO IV- O 1º. De abril

Os Beatles representavam o novo mundo, o


longínquo, terremoto, Inglaterra em movimento. Aqui cantava Ari Toledo,
com o seu Comedor de Gillete, muito mais apropriado à realidade nacional.

“ Vou-me embora pro meu Ceará, porque lá


tenho um nome,
Aqui não sou nada , sou só Zé com Fome”

O momento era regional: Zé Kéti, Nara Leão, o


teatro Opinião falavam das coisas sérias do Brasil, do dia que chegaria, da
libertação nacional, dentro de uma ditadura tolerante que pretendia a glória de
ter salvado o país das garras do comunismo ateu. Não era outro o sentido da
revolução dita Redentora, pastiche de outras mais sangrentas. Ou o Coronel
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Montagna não havia tomado o Forte de Copacabana com um portentoso tapa


na cara do sentinela?

Ou o general Mourão Filho , com o propósito de


credenciar-se como pai da Revolução não antecipara o início da mesma,
fazendo marchar suas tropas a partir de Juiz de Fora antes do combinado, com
um telefonema de sua casa, onde estava de pijamas?

O dia 1 de abril prometia para o menino, que


antegozava as mentiras que pregaria nos desavisados amigos. Acordara cedo,
com sempre e estranhou que seu pai não estava vestido com o seu costumeiro
terno azul marinho. Estava de pijamas e informou que neste dita não iria ao
trabalho, nem o menino à escola. Havia uma revolta militar e como a escola
ficava perto do Forte de Copacabana, não haveria aula.

Não estranhou. Na sua casa o jornal era lido


diariamente por todos. O Correio da manhã, que nos domingos publicava o
Suplemento Infantil, disputado, às vezes aos tapas, com a irmã. Queriam ler
Mutt e Jeff, Os sobrinhos do Capitão, Flash Gordon.

Mas nos dias de semana, acompanhavam a política. A final, era impossível


desconhecer os tanques na rua de vez em quando, as manchetes que davam
conta do estado de sítio proclamado pelo governo. Haviam acompanhado, três
anos antes, a eleição e a renuncia de Janio Quadros. Primeiro, a eleição, da
qual se haviam dado conta pela farta distribuição de ponteiras para lápis com
vassourinhas, que prometiam varrer a corrupção do país Na verdade, ele
preferia como brinde as espadinhas de metal que o Marechal Lott fazia
distribuir.

Quando Jango Goulart aceitara a sua volta da China, onde se encontrava na


renúncia de Jânio e a posse condicionada à aceitação do parlamentarismo,
tudo se acalmara. Mas quando o presidente convocou um plebiscito para que a
população decidisse se queria continuar com o parlamentarismo ou se
desejavam voltar ao presidencialismo, os muros da cidade ficaram coalhados
de pichações em preto e vermelho
SIM ao presidencialismo. Vote NÃO ao parlamentarismo. E vice-versa.
Foi em 1 de abril sim, que se iniciou a mentira da salvação nacional, na qual
embarcou a classe média brasileira, pensando que tirava o país das garras do
comunismo ateu, embalando-o nos braços da família e da liberdade. A pátria
salva, agradecia com marchas com Deus, pela Família e pela Liberdade, na
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qual um tal Padre Peyton , norte americano, conclamava as mulheres a darem


ouro pelo bem do Brasil. E elas davam.

Correntes, anéis, alianças, jóias de família eram


arrecadadas nas ruas e em postos especiais, recebendo o doador em troca uma
espécie de aliança ou medalha, onde se encontravam inscritas as palavras
redentoras: EU DOEI OURO PARA O BEM DO BRASIL. O destino das
oferendas é desconhecido, assim como era desconhecida a sua destinação
original.
Não se esclarecia se aquele ouro seria fundido
ou de que forma seria transformado em moeda para a quitação das dívidas
que, em contraponto, faziam o mal do país.

A nação estava salva, era o que importava.


Não mais hierarquias desestabilizadas, sargentos sublevados, liderados pelo
Cabo Anselmo, a pregar condições de trabalho mais favoráveis, participação
nas decisões militares e democratização nas escolhas do oficialato. A
Revolução vinha para salvar e , meio jocosamente, começou a ser conhecida
como a Redentora.

Não importava ao menino a História, nem as


maquinações do então Embaixador Lincoln Gordon com o homem da CIA,
General Vernon Walters. Não importava e não sabia da criação do IPEAS, sob
o comando do General Golbery do Couto Silva, instituto destinado a coletar
recurso do assustado empresariado nacional para financiar o movimento
golpista.
Importava, isso sim, o movimento nas ruas, as
manchetes dos jornais, os tanques na rua, a curiosidade infantil sobre o rosto
do novo Presidente da República.

Angustiou-se com o destino dos filhos do presidente


deposto. O que seria feito de Denise e de João Vicente? Anos depois, muitos
anos depois, percebeu que teve medo, não por João Vicente, não por Denise,
mas por si, pelo medo de que também seu pai fosse exilado, expulso, demitido
do emprego, como o presidente que amava.

Amava o Presidente, seu retrato pendurado na parede


da sala de aula, seu sorriso simpático, sua faixa verde amarela que ensinavam
a respeitar.
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Também amava os hinos, o Nacional, que se


orgulhava de cantar sem errar nada, nem mesmo confundir o sonho vívido
com o amor eterno, como a grande maioria. Tinha um medo irracional do
Hino à Bandeira, tristonho, soturno. E a final, o que seria um símbolo
augusto? Augusto era o menino da rua, com cara de débil mental, que era seu
eventual sócio nas vendas de revistas em quadrinhos em banquinhas montadas
na calçada.
Símbolo augusto da paz, coisa nenhuma!

Da República amada e de seu hino, o menino gostava


mesmo do toque de clarim do refrão, embora ainda lhe parecesse estranha a
mania dos compositores de hinos de usar ordem inversa.

Liberdade , Liberdade, abre as asas sobre nós,

Das lutas nas tempestades, dá que ouçamos tua voz.


Mas o campeão, o hino épico, o que desfraldava o
verde ouro do coração era, sem dúvida, o Hino da Independência: também na
ordem inversa, mas esse dava para entender.

Já podeis da pátria filhos,


Ver contente a mãe gentil

Já raiou a liberdade no horizonte do Brasil.

-Prestava-se , também, a alterações inocentíssimas:


]
Japonês tem quatro filhos
Todos quatro aleijados
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos
Um é surdo, o outro é mudo
Um é surdo, o outro é mudo
E os outros dois são barrigudos.
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E assim, da noite para o dia, na madrugada de 1 de abril, posteriormente


modificada para 31 de março para evitar comparações incomodas, ruiu o
Brasil, o mundo infantil e o respeito que o menino tinha pelos até então
valentes soldados da pátria que se acostumara a admirar.

CAPÍTULO V – CARCARÁ

As coisas eram meio confusas na tal da Revolução. Revolução não havia, mas
a TV Rio, canal, 13, onde haviam cedo instalados ninhos de metralhadora
naquele lusco fusco entre o 31 de março e 1 de abril, transmitia imagens do
novo Presidente da República O General Humberto de Alencar Castello
Branco. Baixinho, sem pescoço, o cearense de Mecejana , ex chefe do estado
maior da Feb na 2ª. Guerra Mundial assumia o governo com a promessa
velada de transitoriedade da tal revolução, que teria sido feita para acabar
coma corrupção e varrer o fantasma do comunismo. Posteriormente, revelou-
se o apoio claro da CIA ao golpe, através do IPEAS, entidade aparentemente
cultural, chefiado pelo Gal. Golbery do Couto e Silva também pela forta de
apoio prometida ao golpe.
O fato é que a tal Revolução se fez e com ela, romperam-se as referências
de todos. A classe média, apavorada com as reformas de base prometida por
João Goulart, apoiou entusiasticamente a mudança. |Não se dera conta de que
o discurso aos udenistas era o mesmo que levara ao suicídio de Vargas e que
continha a demagogia de Janio Quadros, que prometera com a sua vassourinha
encantada varrer a corrupção que anos mais tarde se revelaria quase inocente.

Assim, a dita Revolução mudava quase tudo de


forma quase imperceptível. Mas não mudava o cinema , nem o amendoim,
nem os encantamentos infantis e a percepção de que os tempos estavam
mudando como cantava um neo bardo branco judeu em Nova Iorque.

Talvez o sapato bi color comprado na Casa Clark da


Rua do Ouvidor merecesse ser trocado por uma botinha dos Beatles , isso sim
e talvez o cabelo cortado à moda cadete- concessão maternal face ao pavor do
corte a maquina zero, do qual restava somente um topetinho- pudesse ser
trocado por um corte mais longo.
Eram os estertores de uma ditadura, a do Gumex,
uma pasta cor de rosa de que dispunham todas as barbearias da cidade e que
podia ser sintetizada em casa, também, com a adição de água a um envelope
com um pó igualmente rosado.
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Após a negociação sempre derrotada sobre o


comprimento dos cabelos, o “grand final” do barbeiro era emplastrar o cabelo
do jovem com Gumex, penteando com um pente grosso. A pasta se
solidificava e durante uns bons três dias, os meninos esfarinhavam com os
dedos os feixes de cabelo, para excluir aqueles fios endurecidos. Só após uns
três dias e uns banhos o cabelo voltava à sua normalidade aparente.

Ocaso da uma ditadura do Gumex, substituído pela


novidade do Bryllcrem , alvorada de outra, literalmente.
A TV Rio , canal 13 noticiava , por Gontijo
Teodoro, novas mudanças institucionais. Enquanto virava as folhas de sua
prancheta, narrava o locutor aquilo que o governo revolucionário legislara em
nome de pérola jurídica, um a Revolução que , no corpo dos textos legais-
Atos Institucionais se auto legitimava , investia no poder constituinte e criava
a sua própria história, lenda e ficção . ( inserir fac símile do a 1)

A moda era o Banlon, uma tecido sintético que grudava no corpo modelando
as formas em camisas de cores vivas: o vinho, o amarelo , o verde limão e o
rosa schocking eram as preferidas. As calças? De Helanca, naturalmente,
elásticas e em textura cotele, a imitar as desejadíssimas calcas Lee de
veludo, autenticas, cheirosas , que chegavam ao pais por meios diversos.
Um parente, um amigo da família que aceitava a incumbência de trazer calcas
Lee, de veludo ou brim, de um azul índigo que impedia sua confusão com as
imitações nacionais, identificadas, denunciadas e desprezadas nas festinhas
pelos olhares argutos dos maldosos proprietários das jóias sob forma de
vestimenta.
Poderoso eram aqueles que podiam ostentar os blusões de universidade
americanas , também objeto da cupidez infanto juvenil. Estes, nem se vendiam
aqui , ou eram raros nas importadoras. Possuí-los significava algum ser
viajante nas cercanias , alguém que viajara aos Estados Unidos, , fosse pelas
asas da Panair, Boac, British Caledonian , Braniff ou Pan American.
Harvard, em azul, Cornell, em amarelo mostarda.
Isso , sim, era estar no urro da moda, no dernier cri da ostentação pré
adolescente. Se houvesse uma pulseira de prata, verdadeira, com uma chapa
com seu nome gravado, então, era o sucesso garantido.
Claro que os meninos mais velhos levavam vantagem e este kit não trazia
conseqüências maiores que impressionar as meninas com uma sofisticação
distintiva dos demais, os garotos que usavam camisas de algodão de mangas
curtas, calcas Lee nacionais, de escudo de matéria plástica , sem o pequeno R
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de registered que identificava as verdadeiras. Mas e que o próprio usuário já


se sentia um pão, como se dizia, um ser apto a saracotear nas festinhas , com
toda a legitimidade de sua indumentária, para dançar nas fileiras timidamente
misturadas- meninos e meninas- que se formavam nestas efemérides
vespertinas.
Estar na festa como um ser integrado no mundo que passava no tocava no
radio e nas pequenas vitrolas, incendiando a imaginação. Estas musicas
estranhas, que prenunciavam algo e que eram distintas do Dorival Caymmi
ouvido em casa na vitrola RCA.
Chubby Checker , o hully gully, Trini Lopez cantando If had a Hammer ,
spiritual que lançou a jovem Rita Pavone como um sucesso mundial,
traduzido por Dattemi un Martello,... isso era diferente...
Rita Pavone era uma sardenta menina de 18 anos de idade e que dançava algo
meio frenetico , diferente de suas contemporâneas Gigliola Cinquetti, que
emocionava os antigos com Non Ho Letã.
Legal às pampas , não se sabe porque, mesmo era a estranha Irma Sorriso
cantando Dominique , grande sucesso em 1964 pela voz de Giane.
Então era isso também: Giane cantando Dominique, Demétrius e seu topete
entoando o Ritmo da Chuva , versão de Rythm of the Pouring Rain
( identificar), e um tal de Prini Lorez vendendo às mancheias um compacto
simples de capa preta com America e If I Had a Hammer, contrafação do
alegre Trini que trinava no PJ Clarks de Nova Iorque , como mostrava seu
disco.
Um tal de Michelle tonitruava Se mi vuoi Lasciare, cujas palavras embora
incompreendidas sugeriam um grande drama insolúvel, de proporções épicas
percebidas por instinto.
Era isso que se ouvia , nas festas , no rádio de válvulas Phillips de casa, que
demorava a esquentar e nos pequenos rádios transistores , que eram também
objeto de desejo alucinado, pois conferia a independência total da incomoda
divisão de rádios e estações com irmãos, irmãs desejosas de embevecer-se
com a Garota de Ipanema, cantada por Astrud Gilberto em notável inversão
do caminho das versões dos incipientes rocks. empregadas domesticas que
desejava m ouvis em paz Altemar Dutra , cantando O que queres tu de mim,
Jorge Veiga cantando a O Bigorrilho, musica passível de obscuras maliciosas
interpretações de notável subjetividade, já que a letra era incompreensível.
Para de dividir o radio, as paradas de sucesso com o Programa Julio Louzada
seria maravilhoso, mas para isso, era necessário um radio transistor.

Um Spica , de capa de couro, com outra caixinha acoplada com o chamado –


surdo- monofone auricular . Mas marca nova despontava no mercado, , luxo
15

intangível, Sony, com sua caixa de couro preta e com surdo também. Se esse
dia chegasse, nunca mais a Cabeleira do Zezé, nem Olhando para o Céu –
Sukiaky, nem o Rancho da Praça XI com o trinar de Dalva de Oliveira ,
tampouco a Perereca da Vizinha , com Dercy Gonçalves, provável namorada
do Bigorrilho, nunca mais isso atrapalharia a atenta escuta daqueles sons
novos estranhos e inebriantes que surgiam dos quais se destacavam uns
cabeludos que gritavam Yehaaaah, Yeahaaah, para choque e horror dos pais.

Perto dos cabeludos de terninho preto, o rock and roll


era domingueira de clube., e os cometas sugeridos pelo topete de Bill Halley
tocavam dança de salão, com uma coreografia quase tradicional, certinha com
rodopios comportados das mocas, dervixes fêmeas que não mostravam a
calcinha.

Cheiros, prenúncios de tempos novos. Um cheiro de


Hora Íntima nos vestidos franzidos das colegas de sala, um cheiro de Seiva de
Alfazema nos sabonetes oferecidos em festas de aniversário por compra das
mães, ou de u Talco Regina.

Um rescender de Acqua Velva do rosto do pai, de sabonete


Lifebuoy esfregado vigorosamente depois da praia, de Agua do Dr. Pinaud
depois do corte de cabelo. Um cheiro de sabonete Maja , preto. E um leve
odor de Odol no menino, gargarejado antes de sair para a festa com algumas
gotas em um copo de água, que ficavam brancas, leitosas, mas garantidoras
de um hálito fresco, que faria estas meninas moças desfalecer sob os seus
braços ao som sussurrado de Do you want to know a secret.

CAPITULO VI

Referencia para continuar – 1964/1965. Melhorar a parte do Brasil. Cuidado


com a informação exagerada

CAPÍTULO V- The Fab Four

O menino hesitou. Era dia da formatura do primário. Dezembro. 1964. A


primeira cerimônia formal daquelas que pela sua vida se sucederiam. O fim do
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ciclo no qual ingressara, analfabeto, cinco anos atrás. Agora era quase um
homem. Fora promovido às calças compridas pouco antes, rito de passagem.
Não só lia, escrevia, declamava, como conhecia as utilidades da análise
morfológica, do Máximo Divisor Comum, do Mínimo Múltiplo também
Comum, os famigerados MDC e MMC. Passara no exame de admissão
fiscalizado com rigor pelos inspetores do Ministério da Educação e Cultura.
Sabia as preposições, os afluentes do Rio Amazonas, o hino Nacional, da
Independência, da Republica e as fronteiras do Brasil, excetuando-se,
naturalmente, o Equador e o Chile. Sabia também as escalações completas do
time do santos, Bi Campeão Mundial Inter Clubes, da Seleção Brasileira Bi
Campeã Mundial, do time do Flamengo e para seu próprio horror, não
conseguia esquecer também a escalação completa de seu arquiinimigo, o
Botafogo.
Sabia, portanto, o que era necessário para sobreviver no Estado da
Guanabara.Inclusive o destino e número dos lotações, micro ônibus
fumarentos que empestavam a cidade.
Ia se formar naquela tarde, às cinco horas. De terno,
gravata de elástico, com a presença dos pais, da irmã, dos pais e irmãos de
seus colegas. A família, em festa ,se preparava .
Mas havia um problema. Perto da escola, bem
pertinho mesmo, na R Raul Pompéia, o Cine Alvorada passava, em matinée,
um filme. Um filme, não. O filme. Com os Beatles.
A Hard Days Night vinha arrastando multidões de
jovens histéricos pelo mundo, jovens que copiavam os terninhos bem
comportados e particularmente as botinhas de seus ídolos, sonho de consumo
mais ou menos fácil de alcançar nas sapatarias do Rio. Era um filme em preto
e branco que narrava um dia na vida dos cabeludos músicos que eram a
sensação da Europa, onde haviam estourado nas paradas de sucesso desde o
lançamento de Love Me Do, dois anos antes, na Inglaterra e nos Estados
Unidos em abril de 1964.

Não havia negócio. O diploma que aguardasse, a


inspetora, a família, os hinos incomparavelmente inferiores aos Beatles que
ficassem, ali, parados no tempo que avançava a poucas dezenas de metros de
distância.
A mentira aos pais não lhe doeu. O temor de
perder o filme era maior. E havia atenuantes: o melhor amigo, bonzinho,
orgulho dos pais de ambos, outro menino muito bem comportado, era seu
cúmplice e defesa. Com o Alexandre iria na frente para não se atrasar na
formatura. De ônibus, menino, nada de lotação, disse a mãe, sem saber que
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aquele dinheiro extra assegurava, isto sim, o amendoim Bitan, em saco


cilíndrico, do qual a principal dificuldade era a extração dos últimos
exemplares, presos ao fundo.
Limpos, penteados, cheirando à Seiva de Alfazema
e Gumex, de terno de calças curtas do Príncipe, gravata borboleta de elástico,
os meninos partiram para sua destemida aventura insurgente. E, quando
desceram do fumarento lotação, no ponto ao lado do cinema e em frente à
escola, esconderam-se na fila com medo de serem vistos pelos colegas, que na
verdade só começariam a chegar uma hora mais tarde para a cerimônia.
Dois meninos, os únicos que naquela tarde quente
de dezembro assistiam, de terno e gravata borboleta, os quatro cabeludos de
Liverpool, também de terno e gravata, mostrar porque assombravam o mundo
que ajudariam, decisivamente, a modificar.

O filme era tudo que imaginavam e muito mais.


Sem enredo, mostrava um dia na vida dos Beatles, com perseguições de fãs
histéricos, piadas e bobagens ditas pelos então bem humorados músicos, com
seus papéis estereotipados. Ringo, o palhaço. George , o circunspecto. John, o
sarcástico. E Paul, ah, o insuportavelmente belo Paul, era o namoradinho de
todas, dos oito aos dezoito. Impossível competir com Paul no amor das
meninas da sala que carregavam fotos dele para todos os lugares.

E tudo isso, amores e desamores, simpatias e


rancores, desapareciam aos olhos e ouvidos maravilhados dos meninos quando
ouviam A Hard Days Nigth, Please, Please, Me, I Want to Hold Your hand,
Can´t Buy Me Love , And I Love Her, eram executadas em uma coreografia
empolgante, em que cabeças eram agitadas e cortes magistrais mostravam a
audiência de adolescentes visivelmente enlouquecidas , chorando lágrimas
verdadeiras , de amor verdadeiros pelos ídolos no palco.

You think that you lost your love,


well I saw her yesterday.
´She said she love´s you- and you know that can´t
be bad.

O coração do menino se encheu de júbilo- fosse lá o que fosse este tal de


júbilo, mas a Bíblia falava nele e devia ser isso. Júbilo. Alegria. She Love´s
You. Os Beatles afirmavam e eles nem podiam saber da menina de cabelos
louros, curtos e de brinquinho nas orelhas que ele amava em silêncio há quase
um ano.
18

Já sabia quase tudo dela, pelos cadernos de perguntas e respostas que


circulavam nas festinhas chamadas de hi-fi, nome pretensioso para uma
vitrola, vinte meninos e meninas, Coca Cola, Crush, e sanduichinhos de
queijo. Era nestas festas que circulavam estes cadernos que as meninas
respondiam com honestidade feminina e os meninos fingiam responder para
tentar ler nas entre linhas as respostas para seus jovens corações.
Ele já a conhecia o suficiente para justificar sua paixão. O prato predileto –
pizza. Cor preferida- azul celeste. Se gostava de alguém- não. Rádio- Tamoio.
A melhor amiga-muitas ( criaturinha doce, não queria magoar). E-golpe final-
conjunto musical preferido-The Beatles. O que mais seria possível obter numa
mulher de dez anos de idade?

And when I tell there I love you, you gonna say you love me too.

O menino cerrou os olhos e sonhou que era um Beatle, que era cabeludo, que
falava inglês, que era grande e que a menina dos brincos de ouro respondia
também em inglês that she loves him too.

E se ele se apaixonasse mais ainda ? Não podia esquecer do olho comprido de


um garoto também comprido do primeiro ginasial que se encompridara na
festa de dois sábados atrás em direção ao objeto amado. Sentira as agulhas do
ciúme na alma jovem, quando dançaram na sua frente e quando ela sorrira,
anjo vestido convenientemente de azul celeste.
O outro. De calça Lee autêntica, branca, com escudo de couro e não do
plástico da sua imitação barata. Quase podia sentir o cheiro da América
daquela calça, privilégio dos bem nascidos , à venda , aos montes no
Mercadinho Azul de Copacabana ou na Importadora Gong, lojeca na esquina
da Av Copacabana com a Rua Miguel Lemos. Muitas vezes já farejara aquelas
lojas, com pilhas daquelas jóias, com o papel estampado de Lee Riders no
bolso traseiro. Mas , não, não podia nem pensar.

Mas sonhar podia, ah, isso podia. Que era um Beatle, cabeludo e que falava
inglês. Sorriu. Ela o amava, com certeza, garantia a música. And when I ask
you too be mine you gonna say you love me too , não era isso ?

Era muita felicidade. Formando-se naquele dia, tornava-se , também ele, um


ginasiano. Mas o outro ia para o segundo ginasial e ia encompridar mais
ainda, enquanto ele não contava com esta perspectiva para logo. Com certeza,
o outro teria outra calça Lee, de verdade, desta vez azul, embora não menos
19

cheirosa. Talvez até um blusão de universidade, escrito Harvard, em veludo


azul e uma botinha beatle.

E se eu me apaixonasse por você , mais ainda? Ajuda-me a entender . Já


amara antes e descobrira. O amor era mais que segurar as mãos. Se eu te der
meu coração, eu preciso saber desde o começo que você vai me amar mais
que ela me amou. Se eu confiar em você, por favor, não fira meu
orgulho como ela. Eu não agüentaria a dor. E ficaria triste se nosso amor
novo fosse em vão.

If I feel in love with you, would you promise to be true?

A letra pungente, meio entendida, meio adivinhada, tinha um travo de


amargura e uma tristeza esquisita , meio sofrida e meio gostosa instalou-se
em algum lugar. Neste arquivo ia permanecer o resto da vida dele e de tempos
em tempos se revelaria de novo, com a mesma intensidade.

CAPITULO VI- The Times, they are a changin

Bem que Ary Cordovil lembrava que ....O,O,O,O isso aqui está dando idéia ..
dos últimos dias de Pompéia. Mulher bebendo, mulher fumando , estou vendo
coisas que nunca vi. , Ou tá todo mundo louco ou Nero passou aqui

Onde já se viu, mesmo, mulher bebendo ou mulher fumando ? Até cigarro


para mulher já existia, o Pink, de ponta cor de rosa, que era portado pelas
jovens senhoras e devidamente consumido com gestos largos enquanto a
fumaça era soprada aos céus, da forma afetada copiada dos filmes
americanos. As jovens Gildas fumavam, sim e bebiam cocktails, Alexanders e
daiquiris. O mundo começava a virar de cabeça para baixo.

As mulatas, até as mulatas bossa nova já caiam no hully gully , numa


integração cultural de fazer inveja aos irmãos do Norte . Dois anos antes o
Maracanazinho em peso vaiara a decisão dos jurados que classificara a
mulatissima Aizita do Nascimento, Miss Club Renascença ,em 6o. lugar no
concurso de Miss Guanabara.

Queremos a mulata! Queremos a mulata ! Uivava a plebe ensandecida . Mas a


vox populi não tinha sido a vox dei e Aizita , consagrada na derrota , seria
vitoriosa no cinema e na televisão.
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. \ E o neguinho gostou da filha da madame ,que nos tratamos de sinha .


Senhorita também gostou do neguinho, mas o neguinho não tem dinheiro
para gastar. A madame tem preconceito de cor , não pode evitar esse amor,
senhorita foi morar la na colina, com o neguinho que e compositor.
Senhorita rasgou seu nome da historia e agora e a rainha da escola. Gostou
do samba e vivem muito bem, ela devia nascer pobre também

Pois é, então deixa que digam que pensem que falem, deixa isso pra la, o que e
que tem, eu não estou fazendo nada , você também, faz mal bater um papo
assim gostoso com alguém .

Os tempos decisivamente estavam mudando, como cantara um outro


desalinhado cabeludo: já não havia problema em bater um papo assim gostoso
com alguém, livre do que pensassem , dissessem ou falassem. E já era possível
que uma senhorita gostasse de um negrinho , sem dinheiro no bolso e que era
compositor. Sinais de resistência, que vinham do Alabama, da resistência civil
contra a discriminação e o racismo , obrigando o governo norte americano a
promulgar lei de direitos civis. inserir marchas nos USA)

O Brasil também queria resistir. Ao governo militar, à miséria, à pobreza


folclórica que as elites achavam alegre e bem humorada, como se estivessem
os desvalidos da nação em uma jaula de jardim Zoológico em exibição. Os
terrenos das favelas começaram a ser cobiçados e uma política de remoção
de favelas deportava famílias que estavam há décadas morando no Morro do
Pasmado, em Botafogo, ou na Favela da Catacumba para a distante Vila
Kennedy, , subvencionada pela Aliança para o Progresso, algo que ninguém
sabia direito o que era, mas era dinheiro norte americano e dos bons. O
barraco onde a vida era um palco iluminado, onde se vestia de dourado o
palhaço das perdidas ilusões a contemplar o chão de estrelas transformava-se
em asséptica casinha geminada na tórrida Jacarepaguá qual, é certo, havia
latrinas, mas não era o Rio que passava na aldeia de ninguém.

Massas manipuladas pelo discurso fácil, pelo voto de cabresto, mas que agora
também queria ter uma opinião própria e protestar, aguardando a oportunidade
de votas nas prometidas eleições presidenciais de 1965.

E cantava Nara Leão, da elite de Copacabana, novas alianças feitas com o


morro e com Zé Keti:
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Podem me prender , podem me bater , podem até deixar-me sem comer, que
eu não mudo de opinião. Daqui do morro eu não saio não.

E com opinião ou sem opinião, as favelas iam sendo removidas. Ou por


suspeitíssimos incêndios, como o da Favela do Pasmado e da Praia do Pinto,
ou por remoções financiadas pela Aliança para o Progresso norte americana .

Vila Kennedy era a solução para a eugenia da cidade : casas de alvenaria,


geminadas, com banheiro, vaso sanitário, lá para as bandas de Jacarepaguá,
sem mar , sem vista e longe do trabalho . Vieram da favela do Esqueleto- onde
seria erguida a Universidade do Estado da Guanabara, atual UERJ-, do
Leblon, da Lagoa e de Botafogo, trocando a vista e a proximidade do
trabalho pelo tijolo e pelo calor de Bangu.

Mais coisas estranhas aconteciam em Bangu, alem da Vila Kennedy. Por


sortilégios do destino, reuniu-se um time formidável de futebol naquelas
paragens. Surpreendendo todos o Bangu Atlético Clube foi vice campeão
carioca , como um time que enfrentou o Fluminense na final , inaugurando o
placar e dando um susto nas tradições tricolores e seus torcedores emproados e
empoados.

Aldo, Fidelis, Mario Tito, Paulo e Nilton Santos ( este um homónimo da


Enciclopédia). Ocimar e Roberto Pinto; Paulo Borges , Parada, Bianchini e
Cabralzinho assombraram o campeonato de 1964 , inaugurando uma geracao
que destacaria ao time do Bangu ate 1966, quando outra final histórica com os
alvi rubros se tornaria batalha campal. Outra conversa para mais tarde.

O Rio era isso, Bangu, sol, o céu, o sul, o golpe de Estado, e no rádio , uma
menina de 18 anos usando suspensórios e com jeito de moleca pedindo um
martelo .

Datemi un Martello era a versão bem humorada do folk norte americano If I


Had a Hammer, composto por Peter Seeger ; gravado em versào trefega por
Trini Lopez, em ritmo de rock fazia todos esquecerem a letra da canção que
pedia um martelo de justiça, amor entre os irmãos, o tinir do sino da liberdade
por todo o país.

Reinventava-se a musica , oscilando entre o profano da ingenuidade


adolescente e o sacro das musicas de conteúdo social, que nos anos vindouros
seriam o pano de fundo de gigantescas manifestações e da modalidade amorfa
de encontros que se chamaria futuramente de “happenings”.
22

Mas , por enquanto, Bobby Darin espojava-se em uma banheira ao som


onomatopaico de Splish Splash, um rock ao estilo de Bill Halley e seus
Cometas , que apresentava um espetacular solo de roufenho saxofone.
Ritmada com uma batida forte de bateria, e com provável utilização de
violões eletricos , a musica levava comportadas adolescentes à excitação
contida por suas saias plissadas .

A letra falava daquilo que a juventude americana queria saber: festinhas


animadas onde se dançava o ritmo animado deste rock and roll incipiente e
acrobático.

Mas um ousado apreciador do género no Brasil já lançara a sua particular


leitura da onomatopeia de Splish Splash , inaugurando a era do rock popular
no pais. Erasmo Carlos transformou a música em ousada tentativa de roubo
de um beijo da namorada no cinema escuro, rechaçado com um justificado e
moralizante tapa na cara do abusado .

Pior que o tapa , todos iam saber da tentativa erótica de dar um beijo nela
dentro do cinema , que todo mundo condenou , só porque ele estava amando.

Ele , Roberto Carlos.

CAPITULO VII- Hi, Hi, Johnny/cl65 ( quando rever , acrescentar jogo de


botões e colecoes de plásticos- eleicoes de 65)

Mengálvios, não devem existir muitos. Não sei por que cismei com ele hoje.
Deve ser por causa da ausência de heróis, que levam a gente a invocar, pelo menos, a turma
do segundo escalão. Os atores coadjuvantes da vida, sempre tão necessários aos narcisistas.

Zito e Mengálvio.

Do Zito, sempre a gente se lembrou, primeiro porque era o primeiro nome.


Como Zanata e Liminha. O Liminha, também, onde anda? Dele lembro o golaço no Fla-Flu
de 1969, final sofridíssima para os rubro-negros. O Fluminense ganhava e o nosso
23

espetacular goleiro, o Dominguez, fez uma domingada qualquer e acabou expulso, em


plena final de campeonato. Dizem as péssimas línguas que ele teria, bem, recebido, bem,
um certo estipêndio , naqueles tempos em que isso era um escândalo.

Mas deixa pra lá. O que importa é que o Liminha, no único chute que
acertou na sua vida, meteu um golaço, com um chute de fora da área que entrou no ângulo
da assim chamada na época, meta defendida por Félix, empatando o assim chamado prélio,
que terminou... Bem, isso é outra história.

Eu falava do Zito e do Mengálvio. O destino dos meio-campistas é o gol


contestado, como o do acima referido Liminha, cuja incapacidade para a finalização foi
aqui levemente sugerida.

O Zito, por sua vez, fez um gol esquisitíssimo, na final da Copa do


Mundo de 1962. Disseram que foi de peito. Foi mesmo. De peito varonil, de peito verde e
amarelo, da pátria amada, salva salva naquele momento, em que o jogo com a então Tcheco
Eslováquia estava empatado em um a um.

O Gérson, da dupla Clodoaldo e Gérson, que de caipira nada tinha,


fez a mesma coisa no Brasil e Itália de 1970. Jogo empatado e o Gerson, com a canhota de
ouro, que nos ajudaria a ganhar a Jules Rimet, também de ouro, posteriormente derretida,
em prenúncio de novos tempos, bem, o Gérson inspirou-se no Liminha, no Zito e no
destino épico dos meio campistas e, na gaveta, no ângulo, e, com todo o respeito, carimbou
a forquilha do Zoff, goleiro da Itália.

Mas, Mengálvio, Mengálvio, não há registro de gols épicos,


jogadas geniais, mas seu nome estará definitivamente gravado na memória daqueles que
acompanharam as epopéias do Santos Futebol Clube, entre os anos de 1960 e 1965 pelo
rádio de válvulas que custavam a esquentar, pelos ruídos, chiados e interferências que
vinham do Estádio do Benfica e de San Siro de Milão, onde se consagravam bi campeões
do Mundial Inter Clubes nosso heróis de infância.

Entre eles, rosto comprido, o Mengálvio, nome único , raro, e


detentor da maior das glórias aos olhos dos meninos de então : era ele, e não Pelé, a
figurinha carimbada do álbum de figurinhas Copolino, cuja página, preenchida com a
raríssima efígie do modiglianesco Mengálvio , dava direito a ofertar para a mamãe um
maravilhoso liquidificador Walita , com copo de vidro , para fazer as vitaminas de aveia
que merecíamos por nosso esforço e mérito no bafo bafo.

O que era bafo bafo? Isso também é outra história.


24

Ronaldo Cordovil era filho do maestro Hervé Cordovil a brira a porta pela
qual trilharia Roberto Carlos. Em 1960 gravou , como nome de Ronnie Cord
a musica “Hopscotch Polka Dot Bikini”, traduzida como Bquini de Bolinha
Amarelinha, com sucesso. Mas o que traduziu mesmo o momento da
juventude rebelde brasileira, pastiche daquela de James Dean, foi Rua
Augusta , gravada em 1964. Um hino de insurgencia inócua de playboys da
Paulicéia , que disputavam corridas em seus automóveis na então elegante Rua
Augusta demonstrando sua perícia ao parar a quatro dedos da vitrine ,
exibindo-se para a sua gang sem medo.

E razão para medo não havia para estes rapazes de abastadas famílias da
capital paulista , algumas delas quatrocentonas . Com suas blusas de ban lon ,
casacos de couro com fechos de metal, protegidos pelas sueteres que
colocavam nos ombros e as famílias que os colocavam em seus próprios, sua
rebeldia não passava de exibicionismo vazio, .

Impressionavam os amigos , as moças entre um Grapette, um Crush, pizzas


um hot dog e pouco mais que isso. Não seriam os Johnnys e Alfredos que
marcariam e ano de 1965 que se iniciava .
Alguns Volkswagens, DKW, Aero Willys , já ostentavam plásticos de
campanhas presidenciais marcadas para Outubro de 1965

A coleção de plásticos era uma obrigação, assim como a sua obtenção em


lojas que usavam esets adesivos para propaganda em automóbveis,. E não
eram poucas. Um olhar esperançoso, um pedido bem formulado para a
balconista ou para o próprio dono dão extabelecimento pderiam garantir um
aumento patrimonial consdieravel. E de “status”. Alguns plásticos eram fáceis
de obter,como o oval da Esso. Ou o da Texaco. Ou o do Touring Club do
Brasil, redondo , com o logótipo quase heráldico. Eram distribuídos
generosamente.

Mas o quadradinho, dourado e preto , pequeno como a loja que divulgava , era
a um pepita a ser descoberta, pela súplica, pela troca por vários outros ou pela
aqusiicao a dinehrio suado, economizado do lanche.

A Importadora Gong era uma pequena loja, espremida entre o Cinema Roxy,
na Av Copacabana e uma galeria. Uma portinha, uma pequena vitrine e um
25

mundo por trás da entrada. Um mundo de calcas Lee, brancas e originais “blue
jeans”, com seu cheiro característico de coisa que vinha de fora, uma etiqueta
de papelão costurada no bolso com afigura de um vaqueiroaudacioso
enfrentando sabia-se lá o que... Um Comanche, um Cherokke malvado ou
talvez um boi renitente. Mas a calça dobrada, endurecida pela goma da fabrica
e que dizia-se ser necessário amaciar até atingir o desbotado que lhe
conferiria beleza , era um irresistivel objeto de desejo. Como tambem os
perfumes que aromatizavam a pequena loja da rua principal .

De Copacabana. Ao lado do cinema Roxy. Onde poderia estar passando o


filme do ano, A Pequena Loja da Rua Principal, um drama tcheco que
ganharia o Oscar de melhor filme de 1966.

Cheiro de avião, nunca voado. Mas aquelas calcas, as blusas vermelhas de fio
de Escócia, todas rescendiam a voos desejados e a este cheiro misturavam-se
os Lancaster, Vitesse, Pino Silvestre em sinfonia aromatiaca dissonante a
inebriar e estontear quem penetrasse naquele castelo de sonhos irrealizáveis.

Pelo menos, para quem ali fosse lançar um olhar pedinte para o balconista.
Ou para o dono. Implorando por uma aumento de status na sua coleçao. Com
o pequeno, quadrado , preto , dourado e valiossisimo plástico da Importadora
Gong.

CL 65 era a inscrição do plástico que proclamava a iminência da candidatura


de Carlos Lacerda, ex governador do Rio de Janeiro, um dos artífices e dos
maiores apoiadores do golpe de 1964. Tinha ele a convicção de ser a opção
civil para o retorno do poder politico para os civis, ate pela sua lealdade ao
movimento que depusera João Goulart.

Juscelino Kubitscheck , amado pelo povo, anunciava sua candidatura com o


slogan JK 65 , a vez da agricultura também sutilmente sugerida em plásticos
que enfeitavam as janelas dos Dauphines, Simcas e Gordinis que trafegavam
pelas cidades.
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Outras pré candidaturas se apresentavam, como a de Janio Quadros, como se


não tivesse sido ele o responsável por jogar o controle do pais nas mãos dos
militares e a do odiado pela direita cunhado do presidente deposto, Leonel de
Moura Brizola .

Os golpistas , porém, se articulavam para impedir estas eleições e perpetuar-se


no poder. Embora o Marechal Castello Branco, Presidente eleito
indiretamente pelo Congresso Nacional, representava uma linha de tendência
moderada , , a pressão exercida pela ala direitista radical para realizar uma
serie de IPM , Inquéritos Policiais Militares com o propósito de punir aqueles
que tinham vínculos políticos com o governo deposto de Jango, acabou por
inviabilizar o retorno à democracia que pregara.

As greves haviam sido proibidas , A UNE desarticulada e a varias entidades


da sociedade civil foram completamente desarticuladas . Milhares de
funcionários públicos foram compulsoriamente aposentados e ocorreram
centenas de cassações de mandatos de parlamentares e suspensão de direitos
políticos .

Neste espectro a vitoria de políticos da oposição, nos Estados do Rio de


Janeiro e Minas Gerais nas eleições governamentais de 1965 conduziu a
adocao de novas medidas repressivas por parte do governo ( citrfonte –
ed=ucacao.uol.com.br).

Assim , pressionado e sentindo que poderia perder o controle da situação


politica pelas derrotas em estados importantes, Castello Branco, em Outubro
de 1965 assinou o Ato Institucional no. 2, que extinguiu os partidos
políticos , ampliou o poder do Executivo e estabeleceu eleições indiretas para
Presidente da Republica, frustrando as pré candidaturas que haviam se
apresentado.

Dois partidos foram fundados, por legislação e não por organização popular;
a ARENA- Aliança Renovadora Nacional, partido da situação que congregou
os políticos de apoio ao governo e à ditadura. A oposição consentida e
tolerada reuniu-se em torno do MDB- Movimento Democrático Brasileiro, um
saco de gatos onde se encontraram mesmo aqueles que não comungavam dos
mesmos ideários, mas não dispunham de alternativa para manifestar sua
oposição ao regime usurpador.
27

VIII-

Alguma reacao popular ocorreu ,por forca da coragem de jornalistas , como


Carlos Heitor Cony e reacao dos estudantes . Mas a violência estava instalada
e pioraria nos anos vindouros. O processo politico havia sido interrompido,
violada a Historia e sua natural evolução e a juventude , atónita, encontrou se
perseguida ou desprezada em seus sonhos, acomodando-se como pode, em
nichos diversos.

Paradoxalmente, a vida continuara e as novidades no mundo não eram poucas


. Eram, sim, raras. A tecnologia anunciada no exterior e que aqui chegava
anunciada pelas revistas Life e T, recheadas de anúncios coloridos fascinava e
sugeria um futuro igualmente radioso, com a erradicação de doenças ,
conquista dos espaço sideral para benefício de todos os povos , rádios
transístor , gravadores National e cigarros Chesterfield , LM , Phillip Morris
para todos.

Eletrolas , rádios, revistas , cinema , televisão. Essas era uma tendas


confortáveis, abrigo inexpugnáveis, frente ao que não se podia combater e por
ali trafegava o imaginário possível dos quase adolescentes.

As canções italianas se podia compreender com certa facilidade. Eram


passionais, amorosas e oscilavam entre o drama do abandono, a melancolia da
solidão e a elegia rasgada às musas Assim se aprendia a língua e suas
palavras que despertavam paixões e sensações a viver ainda.

Saber que se chorava, se ria, por um amor era um contraponto ao que até então
se aprendia nas ruas ,nas escolas, nas revistas passadas de mao em mào. Uma
possibilidade que Bobby Solo cantava sem vergonha, ao lamentar a distancain
de sua amada que fazia parte dele.

Se piangi, se ridi... Sono parte de te. Uma emoção diferente era quase
adivinhada furtivamente com a compreensão da existência de algo mais na
questão amorosa que a capa da revista ou o desenho canhestro.

O que seria lasciare ?Darindi dom dom. Quase comico, o brado do cantor
Michelle, trazia uma revolta contida contra o abandono,. Revoltado,
indagava o cantar porque havia sido deixados, e suplicava que fosse
informado a razão do abandono. Tu dicevi sempre que vivere per me, Il tuo
amore non era sincero , i tu bacci non eran vero, il tuo occhi me a sempre
mentido.
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Mas a melodia não era lá muito compatível com a tristeza e já trazia uma
modernidade quase de rock and rol, insinuando que depois de explicado o
amoroso lasciato sobreviveria.

Para cada anónima a desaparecer surgiria uma Gigiola Cinquetti linda, bela,
de olhar ingénuo a admirar-se consigo mesma , surpreendia pelo amor que
dedicava a seu leito.

Dio, como te amo , um cântico, , uma oração de declaração amorosa a ressoar


pelos alto falantes de um aeroporto no filme de mesmo nome.

Passava no cinema Azteca , no largo do Machado, uma construção que


imitava um templo asteca, mesmo , um primor de luxo e cafonice. E como o
filme tratava de de amor verdadeiro , nada mais razoável que ofertar a quem
fosse assistir um pacote promocional do sabão em pó Rinso, com a esperança
certamente que as moças que enxugavam suas lágrimas no futuro risonho que
se lhes apresentava incorporassem o uso do sabão nas suas atividades
quotidianas de proporcionar ao marido alvas camisas e cuecas. Afinal, Rinso
lava mais branco.

... arrepiava e confundia o menino. Parecia bom aquilo, mas era tão triste que
talvez fosse bom diminuir o rádio, procurar nos velhos armários da cozinha
uns palitos de chocolate Aymoré e esperar que essa música verde acabase
logo. Quem sabe, a sorte lhe sorrisse e a música azul fosse mais luminosa e
alegre.

Capitulo VIII- 1966- Brasil dividido em quatro, o mundo em dois e as saias


pela metade. ( papai Walt Disney- copa- Fla vs bangu ).

Ao norte do pais, bem, ao norte , a situação era confusa. A guerra no


longínquo Vietnam não convencia a todos os patrottícos cidadãos, filhos
daqueles que haviam derrotado o inimigo vinte anos antes. Eram outras
motivacoes, pouco claras e certametne envovidas com oa disputa de poder
com a União Soviética. Tímidos protestos se iniciavam contra uma guerra que
se brutalizava e que nada mais signifiva que a tenativa dos Estados Unidos de
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evitar que mais uma nacao comunista existisse. Em relaidade, o que o Vitena
do Norte desejava nada mais era que unificar ao pais, a antiga Indochina
Francesa, dividido apos a derrota de 1954.

Os Vietnams tornaram-se o campo de batalha oficioso da Guerra Fria, uma


disputa entre os Estados Unidos e a USSR, com armamentos , tecnologias e
treinamento fartamente distribuídos aos oponentes . A Guerra do Vietnam
permeou a cultura e a contracultuara americanas de modo definitivo para os
anos que se seguiriam , partindo o pais. Pais e filhos se colocavam em campos
opostos , as universidades fervilhavam com a génese dos movimentos
libertários que eclodiriam depois.

O Presidente Lyndon Johnson iniciara o ano com a declaracao de que os


Estados Unidos permaneceriam no Vietbam até o fim do que chamara de
agressão comunista , incrementando o envio de tropas . O numero de soldados
já era de 190.000 e definitivimanete a juventude não estava motivada a
morrer pela pátria em plagas tão longínquas por conta de uma agressão
comunista que não vira ou aceitara. Iniciaram-se manifestacoes publica
s(onde).

Mais preocupados estavam com as questões de direitos civis internas cujo


porta voz, o Rev. Martin Luther King manifestava-se publicamente em Nova
Iorque , contra a guerra, pela primeira vez .

A Cuba de Fidel Castro declarava lei marcial face às ameaças de invasão por
parte dos Estados Unidos.

Um temor latente da bomba atómica, reduzida a ser chamada de A Bomba ,


permeava o imaginário e inspirara no ano anterior profetas a escrever ou
compor cancoes de protesto e de prenuncio do apocalipse.

Não era melódico , nem suave o inicio da Eve of Destruction , com Barry Mc
Guire , que fizera um sucesso iquietante no ano anterior. Ao lado das melosas
cancoes italianas e francesas que desfilavam pela passarela da Tamoio, um
som de bomba anunciava a véspera da destruicaoi. Alertados os ouvintes de
que se o botão fosse apertado o mundo iria para uo tumulo, a voz do cantor
preonizava , reclamava e procurava tirar as pessoas do marasmo e da
indiferença com seu canto rascante :

The eastern world it is explodin,


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Violence flarin, bullets loadin’,

You’re old enough to kill but not for votin’

You don’t believe in war , but what’s that gun you’re totin,

And even the Jordan river has bodies floatin’,

But tell me over and over and over again my friend,

Ah, you don’t believe we’re on the eve of destruction1

E prosseguia o bardo narrando seus medos e informando que se o botão fosse


pressionado não haveria como salvar o ouvinte do túmulo.

Mas havia longe da América conturbada , uma ilha . Uma cidade. Uma rua .

A efervescente “swinging London “ era a tal. Rebatizada pela jornalista de


moda Diana Vreeland , editora da revista Vogue, por conta da modernidade ,
vibração e arrojo que ali existiam, Londres era o epicentro do vanguardismo.

Não bastasse a Inglaterra ter lançado ao mundo os Beatles, os Rolling Stones,


as releituras do rock and roll, Sean Connery e seu alter ego James Bond, agora
a Inglaterra e a sua vetusta capital interferiam à sua maneira na incipiente
revolucao feminina, encurtando as saias das mulheres e libertando suas
pernas , para escândalo dos homens sérios de bigodes e chapéu coco e das
conservadoras e vetustas inglesas que entendiam que a virtude nunca poderia
ser contida por saias de 30 cm. de comprimento.

1
O Mundo Ocidental está explodindo,
violência surgindo, balas sendo carregadas,
e você é velho o suficiente para morrer,
mas não para votar.
Você não acredita em armas, mas que arma é essa que você segura?
E até o Rio Jordão tem corpos flutuando.
Mas , me diga , meu amigo, de novo, de novo e de novo,
Ah, você não acredita que estamos na véspera da destruição!
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Mary Quant era a sacerdotisa desta geração que nào se envergonhava de


mostrar as pernas e discutir amor livre a , escândalo dos escândalos, o uso da
pílula anticoncepcional, um nome complicado .

Entrar ja por 1966. Copa do Mundo.. Fla Bangu.Estabilidades politicas ,


partidos

3.

Nome de capítulo ( nota/lembrete )- I ‘ll follow the sun /Mamas and the Papas
Nome de capítulo (nota lembrete)- Liberdade é uma calça velha, azul e
desbotada/1968
 

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