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MARIA JUDITE DE CARVALHO

Tendo nascido em Lisboa em 1921 (os pais viviam na


Bélgica), desde os três meses de idade foi criada e
educada por tias paternas, num meio austero e de
extrema contenção. Aos quatro anos morreu-lhe uma
das tias, aos oito a mãe, que mal conheceu, e pouco
depois o meio irmão, pelo lado materno. Com dez
anos, foi a vez de uma outra tia e, com quinze anos, o
pai, que continuara a viver na Bélgica, foi dado como desaparecido. 
Entrara no Colégio Feminino Francês tinha catorze anos e, tendo concluído o secundário no Liceu
Maria Amália, matriculou-se em Filologia Germânica. Em 1944, conheceu Urbano Tavares Rodrigues,
com quem casou em 1949. O casal seguiu de imediato para Montpellier, em França, onde Urbano fora
colocado como leitor de Português. Aqui viveu três anos, e outros tantos em Paris. Entretanto, veio a
Lisboa, em 1950, ter a sua única filha, que deixou ao cuidado dos avós paternos. 
Quando regressou a Portugal, foi trabalhar para a revista Eva, primeiro enquanto secretária,
depois como redatora e chefe de redação. Esta revista publicara-lhe já, em 1949, o seu primeiro conto e,
desde 1953, as «Crónicas de Paris», tendo continuado a colaborar nela até 1974, altura em que a revista
faliu. Foi em 1968 que ingressou no Diário de Lisboa, com as funções de redatora, continuando a publicar
as suas crónicas até à idade da reforma, em 1986.
 Cardoso Pires, que foi diretor-adjunto do Diário de Lisboa, recordou-a, entre 1975-76, nestes
termos: «... não participava em nada.... Sentava-se ali como quem ia à repartição... Não conheci uma
única pessoa com quem se desse. Só uma vez a vi alegre.
Será impossível não relacionarmos todas estas informações com o mundo ficcional que a
escritora nos deixou: os conteúdos das suas histórias, as caraterísticas das suas personagens e os
específicos objetos evocados, pois quase podemos adivinhar as sucessivas etapas que transpôs e seus
particulares estados de espírito, sobretudo a nível das atitudes afetivas que exterioriza perante a
deterioração que deteta nas relações humanas e a que os recursos técnicos narrativos, de que se
socorre, não podem ser alheios. A descrição do presente – momento disfórico do processo da escrita –
servirá, normalmente, como charneira que lhe permite ir ao encontro do passado, daqueles pedaços
vividos que se reportam quase exclusivamente a três períodos: o da infância, o dos seus catorze anos e o
dos dezoito aos vinte anos.
Os textos de Maria Judite de Carvalho discorrem fundamentalmente sobre casos humanos de
solidão – predominantemente femininos – e sobre o desajustamento existencial que lhes é inerente no
quadro do quotidiano social e num registo sentidamente amargo, ainda quando temperado pela ironia ou
pela mordacidade.
Faleceu em 1998 e foi galardoada com o Prémio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora,
nesse mesmo ano.
GEORGE
As três idades da vida A complexidade da natureza humana

Gi - 18 anos - Juventude
Passado Tentativa vã de fugir de si mesma e de esquecer o passado.

George - 45 anos – Vida Adulta

Presente Vida vazia, de solidão contida. Falsa completude existencial.

Georgina– quase 70 anos – Velhice

Futuro Sem esperança de futuro

RESUMO
É numa vila parada do interior, de onde partira vinte e tal anos
antes em busca da liberdade que lhe permitiria tornar-se uma artista de
renome e aonde jamais regressara, que vamos encontrar George no início
do conto.
A questão que nos parece ser a principal deste conto é a
fragmentação da representação unitária da identidade, já que a
personagem George dialoga com o seu passado e com o seu futuro
personificados em Gi e Georgina, respetivamente.
Gi, essa suposta “outra” pessoa com quem George se encontra
quando regressa à terra natal, revela-se como alguém mais jovem. A
descrição de Gi apresenta-se extremamente difusa: faltam-lhe contornos precisos. Esta descrição
imprecisa poderia ser explicada como o resgate pela memória, já que esta sempre recupera factos de
forma difusa.
Contradizendo o condicionamento das mulheres, estabelecido durante o período áureo do povo
português, Gi abandona o seu lar e seus costumes, recusando o casamento arranjado pelos pais e
rompendo com o paradigma inerente à cultura portuguesa até meados do século XX. A saída da
personagem de sua terra natal revela um desejo voraz de além, de liberdade e de reconfiguração
identitária: “Fez-se loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por cansaço de si, mais tarde
castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros, quase pretos, como dantes eram.
Tentando compreender e esquecer o que foi, George dialoga com Gi, jovem de 18 anos e ainda
ingénua e inexperiente em relação às decisões importantes da vida. Tentando visualizar o seu futuro,
George dialoga com Georgina, senhora de quase 70 anos, já vivida, experiente e fisicamente decrépita,
que não é, contudo, quem George quer ser.
George agora é uma estimada pintora, residente em Amsterdão e não quer o seu passado de volta.
E para se livrar dele, definitivamente, vende a casa que recebeu como herança - símbolo de refúgio para
os homens, uma estabilidade que ela não quer. Enquanto pintora, adota um nome masculino estranho
para se afirmar e atingir o sonho profissional e a prosperidade económica. Mantém apenas malas que
"agora são caras, leves, malas de voar, e com rodinhas". Casa? Nem pensar. A velhice mora nelas e a
liberdade passa bem longe.
 A protagonista é uma mulher madura que desvaloriza as relações afetivas. Em vez de amor, tem
amores, ligações frágeis e passageiros. Famosa além-fronteiras, George configura o protótipo da mulher
independente e profissionalmente realizada, aparentemente sem razões para lamentar o passado e,
ainda menos, temer o futuro. E, no entanto, é assaltada por esse temor de modo tão imprevisto como
cruel ao regressar às origens.
Processo em muito idêntico ao da abertura do conto, ainda que mais rápido , preside, perto do
final, a aparição de uma segunda figura de mulher. George está agora de partida, já no comboio que a
levará para longe da vila onde nasceu e das memórias de um passado que tudo fizera para esquecer,
mas que o regresso ao lugar de origem inevitavelmente ressuscita.
Georgina, assim como Gi, é uma personagem que não tem traços definidos; mas em contrapartida,
o seu sorriso nada a ver tem com o da outra: "por que havia de ter? -, são como o dia e a noite". Gi está,
aos olhos da sociedade, no seu melhor momento: 18 anos, noiva, com o enxoval pronto. Já Georgina tem
quase 70 anos de idade, consciente da proximidade da morte, com dinheiro no banco e sem muita
perspetiva de vida. A velhice, "o único crime sem perdão", entra pela porta da frente sem pedir licença.
O encontro com Georgina é marcado pela velocidade do comboio e pela sua marcha sem retorno,
simbolizando a morte definitiva do passado e a aceleração da marcha do Tempo em direção à velhice.
Na velhice, Georgina desvaloriza o sucesso profissional e a prosperidade, dando valor à afetividade e
libertando-se dos modelos impostos pela sociedade.
Sintetizando, Georgina é a voz da experiência, alertando George para os obstáculos com que se
deparará no futuro. Fruto da sua imaginação, esta senhora poderá ser vista como a representação de um
medo inconsciente da personagem.
Georgina, entretanto desaparece e George pensa no seu regresso a Amsterdão, na sua carreira e
no seu novo amor, tentando convencer-se que, graças ao seu destino, na velhice não será uma pessoa
solitária.
4.º Teste de avaliação – 12.º ano fevereiro / março

Grupo I (100 pontos)

A (60 pontos)

Educação Literária

Grupo I

A.
Lê atentamente o seguinte texto.

Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem forças contra o vento, ou como quem
caminha, também é possível, na pesada e espessa e dura água do mar. Mas não há água nem vento, só calor,
na longa rua onde George volta a passar depois de mais de vinte anos. Calor e também aquela aragem macia
e como que redonda, de forno aberto, que talvez venha do sul ou de qualquer outro ponto cardeal ou
colateral, perdeu a bússola não sabe onde nem quando, perdeu tanta coisa sem ser a bússola. Perdeu ou
largou?

Caminham pois lentamente, George e a outra cujo nome quase quis esquecer, quase esqueceu.
Trazem ambas vestidos claros, amplos, e a aragem empurra-os ao de leve, um deles para o lado esquerdo de
quem vai, o outro para o lado direito de quem vem, ambos na mesma direção, naturalmente.

O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara, e, quando os tiver, a
esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem corrido mundo numa mala qualquer, que tem
morado no fundo de muitas gavetas, o único fetiche de George. As suas feições ainda são incertas,
salpicando a mancha pálida, como acontece com o rosto das pessoas mortas. Mas, tal como essas pessoas,
tem, vai ter, uma voz muito real e viva, uma voz que a cal e as pás de terra, e a pedra e o tempo, e ainda a
distância e a confusão da vida de George, não prejudicaram. Quando falar não criará espanto, um simples
mal-estar.

Maria Judite de Carvalho, George e Seta Despedida, 2015, Porto: Porto Editora, pp.7-8.

Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.

1. Caracteriza as personagens que caminham a par.


2. Explica o cruzamento das referências temporais, neste excerto.
3. Explicita o caráter cinematográfico do início do conto.

B (40 pontos)
Lê, com atenção, o texto a seguir transcrito.

MARIA – Olha: (Designando o de el-rei D. Sebastião.) aquele do meio, bem sabes se o conhecerei: é o do
meu querido e amado rei D. Sebastião. Que majestade! Que testa aquela tão austera, mesmo dum rei
moço e sincero ainda, leal, verdadeiro, que tomou a sério o cargo de reinar, e jurou que há de
engrandecer e cobrir de glória o seu reino! Ele ali está… E pensar que havia de morrer às mãos de mouros,
no meio de um deserto, que numa hora se havia de apagar toda a ousadia refletida que está naqueles
olhos rasgados, no apertar daquela boca!... Não pode ser, não pode ser. Deus não podia consentir em tal.

TELMO – Que Deus te ouvisse, anjo do Céu!

Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa (edição didática), Ato II, 2016, Porto: Areal Editores, p. 88.

1. Tendo em conta o teu conhecimento global da obra, caracteriza as personagens que dialogam.
2. Indica o efeito do retrato do rei na personagem Maria.

Grupo II (50 pontos)

Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.

Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção escolhida.

Leitura | Gramática

Em Mares Bravios

O fotógrafo açoriano Pepe Brix, de 30 anos, documentou durante três meses e meio a vida a bordo do
“Joana Princesa”, um dos 13 sobreviventes da frota portuguesa de navios de pesca longínqua. Chamou ao trabalho
“Código Postal: A2053N”, a matrícula do navio. Construída em 1970, esta embarcação de 80 metros por 12,5
continua a desafiar os mares gelados do Atlântico Noroeste, como tantas outras antes dela.

Com a Europa sujeita a uma igreja católica severa, que proibia o consumo de carne em dois dias da semana,
deu-se início à grande demanda do peixe. As águas ibéricas ficaram curtas para a quantidade de pescado agora
exigido. Em 1497, Giovanni Caboto, natural de Génova, em Itália, partiu de Bristol ao serviço do império inglês,
convencido de que seria mais curto o caminho marítimo para a Ásia rumando a oeste. Contra os planos do
explorador, acabou por chegar à Terra Nova, onde desembarcou no dia de São João Batista. Em homenagem ao
santo, Giovanni Caboto atribuiria depois o nome de “Saint John’s” àquele que seria mais tarde o porto seguro das
tremendas odisseias dos pescadores portugueses na Terra Nova.

Durante séculos a fio, a frota branca, como era conhecida a frota portuguesa de navios bacalhoeiros,
aproveitou os ventos de leste predominantes na primavera para navegar até aos pesqueiros da Terra Nova. A mais
de duas mil milhas de casa, os homens permaneciam na faina por largos meses enfrentando condições
inimagináveis. Ora entre o espaço apertado que existia entre os pequenos botes empilhados (comummente
designados por dóris) e as passadeiras para o corte do bacalhau no convés, ora nas camaratas iluminadas por
candeeiros a petróleo, a tripulação rezava com o coração nas mãos para que o número de homens a bordo no
momento do embarque fosse o mesmo à chegada ao cais dos bacalhoeiros em Aveiro. Foram muitas as vezes em
que o nevoeiro cerrado e o mar gelado venceram a pequenez dos botes com pouco mais de quatro metros de
comprimento. A angústia dos homens que experimentaram a fragilidade desses botes e a desolação na imensidão
gélida do Atlântico Noroeste jamais será compreendida. No sepulcrário de Saint John’s, as tripulações prestavam as
últimas homenagens aos que já não voltavam para descarregar o peixe no fim da campanha.

No final da primeira metade do século XX, a frota portuguesa viu os míticos bacalhoeiros à vela
progressivamente substituídos por navios a motor. A pesca longínqua entrava agora numa nova fase, mais
industrial e maciça, em que as técnicas de utilização da linha e anzol foram também substituídas por aparelhos de
pesca de arrasto. Hoje, embora com melhores condições a bordo, esses corajosos pescadores, maioritariamente
oriundos da Torreira e da Murtosa, continuam a prescindir do conforto das suas casas para embarcar nessas longas
jornadas piscatórias rumo aos grandes bancos da Terra Nova.

National Geographic Portugal, https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/369-em-mares-bravios


(adaptado e consultado em 17.09.2017).

Leitura | Gramática

1. Este texto tem como principal intenção comunicativa


(A) expor informação objetiva sobre a pesca bacalhoeira.
(B) veicular informação de caráter social sobre a atividade da pesca longínqua.
(C) apresentar uma opinião fundamentada sobre a pesca na Terra Nova.
(D) expor uma opinião sobre o trabalho dos pescadores portugueses no Atlântico Noroeste.

2. “Joana Princesa” é o nome


(A) do navio que Pepe Brix descreveu durante três meses e meio.
(B) de um dos navios sobreviventes da pesca bacalhoeira.
(C) de um barco de cruzeiro.
(D) do navio que deu notoriedade ao trabalho de Pepe Brix.

3. A pesca na Terra Nova inicia-se


(A) no ano de 1497.
(B) por razões políticas e económicas.
(C) por causa de um aumento significativo de consumo de peixe na Europa.
(D) por iniciativa de Giovanni Caboto.

4. A expressão “tremendas odisseias” (l. 13) valoriza


(A) o trabalho dos pescadores na Terra Nova.
(B) a ousadia dos pescadores portugueses na Terra Nova.
(C) os acontecimentos trágicos e variados enfrentados pelos pescadores portugueses.
(D) a coragem do genovês Caboto.

5. A expressão “com o coração nas mãos” (l. 20) evidencia


(A) a angústia das tripulações portuguesas.
(B) a amizade que unia as tripulações portuguesas.
(C) a insensibilidade dos portugueses.
(D) a devoção das tripulações portuguesas.
6. O segmento “A pesca longínqua entrava agora numa nova fase” (ll. 28-29) estabelece com o
momento presente
(A) uma relação de simultaneidade.
(B) uma relação de posteridade.
(C) uma relação de oposição.
(D) uma relação de anterioridade.

7. No excerto “Hoje, (…) esses corajosos pescadores (…) continuam a prescindir do conforto das suas
casas” (ll. 30-32) está presente o seguinte valor aspetual gramatical:
(A) valor perfetivo.
(B) situação habitual.
(C) situação genérica.
(D) valor imperfetivo.

8. Identifica a função sintática da expressão sublinhada em “demanda do peixe” (l. 7).


9. Classifica a oração “que existia entre os pequenos botes empilhados” (l. 18).
10. Identifica o referente do pronome presente em “que experimentaram a fragilidade desses botes”
(l. 23).

Grupo III

Escrita

O mar é um local de incertezas, de perigos, de morte; é também fonte de sedução e de prazer.

Redige um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 200 e um máximo de 350 palavras, em
que defendas o teu ponto de vista sobre a ideia exposta.

Para fundamentares o teu ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um deles com um
exemplo significativo.

4.º Teste – 12.º ano


Proposta de correção

Grupo I

A.

1. Neste excerto, estão presentes duas figuras femininas: George e “a outra cujo nome quase quis
esquecer”.
George é uma mulher que regressa à terra natal que deixou há vários anos e que se confronta,
no seu regresso, com a sua imagem em jovem: “O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem
contornos, uma pincelada clara, e, quando os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma
fotografia que tem corrido mundo numa mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas
gavetas, o único fetiche de George”.
Na verdade, as duas mulheres caminham lado a lado, no entanto, o vento afasta os seus
vestidos “um deles para o lado esquerdo de quem vai, o outro para o lado direito de quem vem,
ambos na mesma direção, naturalmente”, numa alusão simbólica ao facto de pertencerem a
tempos diferentes.
Concluindo, as duas personagens caracterizam a mesma pessoa em momentos distintos da sua
vida.

2. Neste excerto, existem várias expressões que remetem para o tempo.


De facto, as várias referências temporais cruzam-se, permitindo entrever o passado (“na longa
rua onde George volta a passar depois de mais de vinte anos”), assistir ao presente (“Andam
lentamente, mais do que se pode”) e perspetivar o futuro (“Quando falar não criará espanto, num
simples mal-estar”).
Em conclusão, o texto cruza vários tempos de modo a colocar a mesma personagem em
épocas diferentes da sua vida.

3. O conto abre-se como um filme, por um movimento de câmara mostrando duas figuras
femininas: “Trazem ambas vestidos claros”, que vão em breve cruzar-se.
A câmara muda, seguidamente, de posição, para se aproximar e deter no rosto de uma delas. A
imagem inicial é desfocada e depois tornar-se-á nítida para os olhos da protagonista, que a partir
deste momento coincidem com a objetiva.
Em suma, o caráter cinematográfico permite focar a atenção nas personagens, de acordo com a
intencionalidade do narrador.

B.

4. As duas personagens em cena demonstram uma grande cumplicidade, ao longo da obra.


Assim, Maria é caracterizada como uma jovem excecional, invulgarmente inteligente e de
uma extraordinária sensibilidade. Neste excerto, é possível verificar também o seu patriotismo,
quando exprime o desejo do regresso do rei D. Sebastião: “é o do meu querido e amado rei D.
Sebastião”.
Telmo é o aio velho e fiel que mantém com Maria uma relação de grande proximidade, como é
visível na última fala.
Em suma, Telmo é o protetor de Maria e ambos creem no mito sebastianista.
5. Maria tem um fascínio especial pelo retrato do rei D. Sebastião por ser um rei que ela muito
admira e de cuja morte duvida, tal como muitos em Portugal.
Ao longo da peça e por influência de Telmo, Maria demonstra a sua convicção no regresso do
rei desaparecido em Alcácer Quibir que asseguraria a independência de Portugal: “Não pode ser,
não pode ser”.
Concluindo, a jovem representa aqueles que acreditam no mito sebástico que preconiza o
regresso do rei D. Sebastião.

Grupo II

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10.

D B C B A D B Complemento Oração “os homens”.


do nome. subordinada
adjetiva relativa
restritiva.

Grupo III

Tópicos sugeridos:

 local de incertezas, de perigos, de morte


 o trabalho da pesca é, muitas vezes, inglório;
 todas as dificuldades enfrentadas por aqueles que fazem do mar o seu local de trabalho;
 a morte a que estão sujeitos os pescadores (ex: os mariscadores na Costa da Morte - Galiza);
 os “tsunami”;
 banhos e mergulhos no mar;
 desportos aquáticos;
 …
 fonte de sedução e de prazer
 passeios de barco perto da costa (ex: costa recortada do Algarve);
 viagens em barcos de cruzeiro (ex: viagens no Mediterrâneo, …);
 ilhas paradisíacas (ex: no oceano Índico);
 riqueza marítima (ex: diversidade de peixes, corais, petróleo…);
 …
NOME: ________________________________________________________________________ ANO: ______ TURMA: ______ N.º ______

TESTE 5 «George», Maria Judite de Carvalho + Frei Luís de Sousa, Almeida Garrett Unidade 2

GRUPO I
Apresente as respostas de forma bem estruturada.

Texto A
– Tu? 1

– Tu, Gi?
Tão jovem, Gi. A rapariguinha frágil, um vime, que ela tem levado a vida inteira a pintar, primeiro à maneira de
Modigliani, depois à sua própria maneira, à de George, pintora já com nome nos marchands das grandes cidades da
5
Europa. Gi com um pregador de oiro que um dia ficou, por tuta e meia, num penhorista qualquer de Lisboa. Em
tempos tão difíceis.
– Vim vender a casa.
– Ah, a casa.
É esquisito não lhe causar estranheza que Gi continue tão jovem que podia ser sua filha. Quieta, de olhar
10
esquecido, vazio, e que não se espante com a venda assim anunciada, tão subitamente, sem preparação, da casa
onde talvez ainda more.
– Que pensas fazer, Gi?
– Partir, não é? Em que se pode pensar aqui, neste cu de Judas, senão em partir? Ainda não me fui embora por
causa do Carlos, mas… O Carlos pertence a isto, nunca se irá embora. Só a ideia o apavora, não é? 15

– Sim. Só a ideia.
– Ri-se de partir, como nós nos rimos de uma coisa impossível, de uma ideia louca. Quer comprar uma terra,
construir uma casa a seu modo. Recebeu uma herança e só sonha com isso. Creio que é a altura de eu…
– Creio que sim.
20
– Pois não é verdade?
– Ainda desenhas?
– Se não desenhasse dava em maluca. E eles acham que eu tenho muito jeitinho, que hei de um dia ser uma
boa senhora da vila, uma esposa exemplar, uma mãe perfeita, tudo isso com muito jeito para o desenho. Até posso
fazer retratos das crianças quando tiver tempo, não é verdade? 25

– É o que eles acham, não é?


– A mãe está a acabar o meu enxoval. […]
Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes, perder para todo o sempre árvores e casas da sua
juventude, perder mesmo a mulher gorda, da passagem de nível, será a mesma ou uma filha ou uma neta igual a
ela? Árvores, casas e mulher acabam agora mesmo de morrer, deram o último suspiro, adeus. Uma lágrima 30 que
não tem nada a ver com isto mas com o que se passou antes – que terá sido que já não se lembra? –, uma simples
lágrima no olho direito, o outro, que esquisito, sempre se recusa a chorar. É como se se negasse a compartilhar os
seus problemas, não e não.
Maria Judite de Carvalho, «George», in George e Seta Despedida, Porto, Porto Editora, 2015.
1. Gi, jovem de 18 anos, decide que está na altura de partir. Não sabemos para onde, sabemos porquê.
• Especifique de que «foge» Gi.

2. «Agora está à janela a ver o comboio fugir de dantes…» (l.28)


• Nesta nova situação, explique quem foge e de quê.

3. «uma simples lágrima no olho direito, o outro, que esquisito, sempre se recusa a chorar. É como se se negasse a compartilhar os seus
problemas, não e não.» (ll.32-33)
• Interprete esta estranha forma de manifestar emoções.

Texto B

Leia o texto.

1 Maria – Quereis vós saber, mãe, uma tristeza muito grande que eu tenho? A mãe já não chora, não? Já se não
enfada comigo?
Madalena – Não me enfado contigo nunca, filha; e nunca me afliges, querida. O que tenho é o cuidado que me
dás, é o receio de que…
5
Maria – Pois aí está a minha tristeza: é esse cuidado em que vos vejo andar sempre por minha causa. Eu não
tenho nada; e tenho saúde, olhai que tenho muita saúde.
Madalena – Tens, filha… se Deus quiser, hás de ter; e hás de viver muitos anos para consolação e amparo de
teus pais, que tanto te querem.
Maria – Pois olhai: passo noites inteiras em claro a lidar nisto, e a lembrar-me de quantas palavras vos tenho
10
ouvido, e a meu pai… e a recordar-me da mais pequena ação e gesto – e a pensar em tudo, a ver se descubro o que
isto é, o porque, tendo-me tanto amor… que, oh! isso nunca houve decerto filha querida como eu!…
Madalena – Não, Maria.
Maria – Pois sim; tendo-me tanto amor, que nunca houve outro igual, estais sempre num sobressalto comigo?
15 …
Madalena – Pois se te estremecemos?
Maria – Não é isso, não é isso: é que vos tenho lido nos olhos… Oh, que eu leio nos olhos, leio, leio!… e nas
estrelas do céu também – e sei coisas…
Madalena – Que estás a dizer, filha, que estás a dizer? Que desvarios! Uma menina do teu juízo, temente a
20
Deus… não te quero ouvir falar assim. Ora vamos: anda cá, Maria, conta-me do teu jardim, das tuas flores. Que
flores tens tu agora? O que são estas? (Pegando nas que ela traz na mão.)
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, Ato I, Cena 3, Porto, Porto Editora, 2015.

4. Tendo em conta o estudo que fez do Frei Luís de Sousa, especifique as causas do «cuidado» em que vive D. Madalena com a filha.

5. Explique como se revela, nomeadamente neste excerto, a perspicácia de Maria.


GRUPO II
Nas respostas aos itens de escolha múltipla, selecione a opção correta.
Escreva, na folha de respostas, o número do item e da letra que identifica a opção escolhida.

Leia o texto.

PINCELADAS
Não existem fórmulas feitas para imaginar e escrever um conto. O meu segredo (e que vale só para 1
mim) é
deixar-me maravilhar por histórias que escuto, por personagens com quem me cruzo e deixar-me invadir por
pequenos detalhes da vida quotidiana. O segredo do escritor é anterior à escrita. Está na vida, está na forma como
ele está disponível a deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do quotidiano.
O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que 5
nunca
termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago.
O mais importante não é o que revela mas o que sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. No
conto o que vale não é tanto o enredo mas o surpreender em flagrante a alma humana. No conto (como em
qualquer género literário) o mais importante não é o seu conteúdo literário mas a forma como ele nos comove e
nos ensina a entender não através do raciocínio mas do sentimento. 10

Mia Couto, «Uma palavra de conselho e um conselho sem palavras» in Pensatempos, p. 46,
Lisboa, Editorial Caminho, 2005.

1. Ao afirmar que «o segredo do escritor é anterior à escrita.», o autor pretende sugerir que «o segredo»
(A) é um dom inato.
(B) é a integração do escritor no quotidiano.
(C) está numa certa forma de encarar a vida.
(D) não existe.

2. Repare no título do artigo de opinião de onde foi extraído este texto. Um conselho que o autor deixa a quem eventualmente queira dedicar-
se à escrita é que:
(A) leia muito.
(B) ouça os outros.
(C) ouça a sua sensibilidade.
(D) esteja atento a tudo quanto o rodeia.

3. A afirmação de que o conto é uma «iluminação súbita sobre essas vidas» (l.6) significa que o conto incide sobre
(A) um momento da vida das personagens.
(B) um momento determinante para o futuro das personagens.
(C) um segredo da vida das personagens.
(D) momentos cruciais da vida das personagens.

4. Este texto de opinião tem traços poéticos que advêm


(A) da utilização de recursos expressivos.
(B) do registo corrente utilizado.
(C) do tema desenvolvido.
(D) da estrutura do texto.
5. Das afirmações que se seguem, indique a que, de acordo com o sentido do texto, não é verdadeira e corrija-a.
(A) Este é um texto de opinião de um escritor.
(B) O tema é a motivação para a escrita.
(C) O texto apresenta uma abordagem objetiva à noção de conto.
(D) O escritor revela a importância de se estar atento aos pormenores do quotidiano.
(E) O valor do conto não assenta necessariamente no seu conteúdo literário.
(F) «uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago.» Nesta frase do texto as palavras sublinhadas traduzem a
mesma ideia.

6. No conto […] o mais importante não é o seu conteúdo literário mas a forma como ele nos comove e nos ensina a entender (ll.9-10)
• Divida e classifique as orações desta frase.

7. Especifique a função sintática das expressões sublinhadas na frase «considero algumas destas opiniões contestáveis».

8. «deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do quotidiano» (l.4)


Vou deixar de tomar os comprimidos.
8.1 Apresente o significado da palavra «tomar» em cada uma das frases.
8.2 Estas duas palavras inserem-se no mesmo campo semântico. Justifique a afirmação.

9. Refira a modalidade que predomina no texto e relacione essa predominância com a intencionalidade do mesmo.

GRUPO III
A relação que os pais estabelecem com os filhos varia, não apenas ao nível das comunidades, mas também de acordo com as épocas.
Têm os pais o direito, ou o dever, de impedir a realização dos sonhos, projetos e objetivos dos filhos? Devem incentivá-los, ainda que não
concordem com eles? Devem desresponsabilizar-se perante a rebeldia dos jovens? O rol de perguntas possíveis é infindável dada a
complexidade do tema presente na vida de todos nós.
Com base na experiência pessoal e na observação do mundo, elabore um texto de opinião, com um mínimo de 200 e um máximo de 300
palavras, sobre:

O conflito de gerações no Portugal do século XXI.

Apresente o seu ponto de vista, que deverá ser fundamentado com, pelo menos dois argumentos, cada um deles acompanhado de um
exemplo significativo que o ilustre.

TESTE 5
GRUPO I

A
1. Gi foge de um projeto de vida que a família lhe destinou e que não está de acordo com os seus sonhos, com as suas perspetivas futuras. A família espera
que ela case, seja uma boa esposa, uma boa mãe e tenha uma situação económica estável. Quanto à sua paixão pelo desenho poderá sempre satisfazê-la,
nas horas vagas, com uns desenhos, uns retratos dos filhos, por exemplo. Carlos, o namorado, está ansioso por começar esta nova etapa das suas vidas e
Gi sente que é a altura de partir.
Gi foge da pressão familiar, de um envolvimento que a aprisiona e de que só conseguirá libertar-se partindo, deixando tudo para trás – família, namorado,
amigos, estabilidade. Foge à procura da realização do seu sonho.
2. Nesta situação é George quem «foge». Ou seja, é a mesma personagem, agora bem mais velha. Foge do passado ou, mais precisamente, das
lembranças do passado. Lembranças da família que deixou na vila, quando partiu há muitos anos atrás, lembranças do mundo em que viveu até à sua
adolescência, lembranças de si própria, muito jovem, cheia de sonhos e ansiosa por concretizá-los. Foge do «dantes» a que já só estava presa pela «casa»
de família que viera vender.
3. As emoções de George são contraditórias. Se, por um lado, sente a nostalgia de um tempo que passou e em que parece ter sido amada e feliz, por outro,
sabe que só conseguira construir o que agora tem por ter tido a coragem de partir. Hoje é uma pintora consagrada. Uma parte de si congratula-se com a
realização presente e sabe que valeu a pena a opção que tomou, apesar das dificuldades que teve de enfrentar. Outra parte de si relembra com nostalgia um
passado que vai ficando, definitivamente e cada vez mais para trás à medida que o comboio avança.

B
4. Os cuidados em que D. Madalena vive permanentemente com a filha devem-se à saúde débil de Maria e ao seu temperamento curioso, atento, perspicaz,
que poderá levá-la a desconfiar do mistério que envolve a família. Maria, jovem de treze anos, sofre de tuberculose, o que é percetível logo no início da peça
através de alguns indícios, como o estado febril permanente ou a audição demasiado apurada. Não menos preocupante, pelo menos para a mãe, é o facto
de Maria não ter os mesmos interesses e brincadeiras de outras jovens da sua idade. Muito precoce, a jovem tem uma particular curiosidade por tudo o que
diz respeito à História de Portugal, sobretudo aos factos relativos à batalha de Alcácer Quibir, ao desaparecimento do Rei, ao seu desejado regresso, à perda
da independência nacional. A sua crença no regresso do passado preocupa a mãe, tanto mais que Telmo, seu aio e amigo, lhe conta histórias desse tempo
que a entusiasmam. Inadvertidamente poderá referir D. João, o primeiro marido de D. Madalena, cujo regresso tornaria nulo o segundo casamento e faria de
D. Maria uma filha bastarda. A inteligência e curiosidade da filha são, pois, outra fonte de preocupação para D. Madalena. Desconfiará Maria do segredo que
a mãe guarda com tão visível angústia? Poderá vir a descobri-lo, piorando a sua já muito débil saúde?
5. Maria passa noites a procurar explicações para palavras soltas que ouve nas conversas dos pais, pequenas ações ou gestos, que capta,

que lhe despertam a atenção e as suas reflexões não conseguem encontrar respostas. Um dos aspetos que mais a intriga é a visível e permanente
preocupação dos pais com ela, sem motivo aparente. As palavras da mãe não a convencem. O que os pais lhe dizem para a sossegar, os olhos deles
desdizem. E Maria sabe «ler» para além do que é vulgar – nos olhos e nas estrelas.
GRUPO II

1. (C)
2. (D)
3. (A)
4. (A)
5. (C)
6. No conto […] o mais importante não é o seu conteúdo literário (1.ª oração; coordenante)
mas a forma como ele nos comove – oração coordenada adversativa,
e nos ensina a entender – oração coordenada copulativa sindética.
7. algumas destas opiniões – complemento direto, contestáveis – predicativo do complemento direto.
1.1 «deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do quotidiano» – neste contexto tem o significado de «envolver»;
«Vou deixar de tomar os comprimidos» – neste caso, tomar tem o significado de «ingerir».
8.2 A mesma palavra, «tomar», tem significados diferentes conforme o contexto em que surge.
9. A modalidade que predomina é epistémica, com valor de certeza. O texto apresenta várias observações do autor sobre o conto, enquanto género literário.
Vai, pois, revelando ao longo do texto as «suas» certezas. Ele próprio diz «O meu segredo (e que vale só para mim)…»
transgressor, que o leva a desafiar os preconceitos sociais e os pergaminhos familiares.
Grupo II

1. (B)
2. (C)
3. (C)
4. (C)
5. (D)
6. (D)
7. (A)
8. (B)
9. Predomina a modalidade epistémica com o valor de certeza. Justifica-se porque o locutor exprime um ponto de vista de que está seguro, revela não ter
dúvidas sobre a abordagem das questões levantadas, ao longo do texto.
10. A função de complemento agente da passiva.
Domínio Educação Literária
Ficha de trabalho
“George”
Lê atentamente o excerto do conto “George”.

À sua frente uma senhora de idade, primeiro esboçada, finalmente completa, olha-a aten-
tamente. De idade não, George detesta eufemismos, mesmo só pensados, uma mulher velha.
Tem as mãos enrugadas sobre uma carteira preta, cara, talvez italiana, italiana, sim, tem a
certeza. A velha sorri de si para consigo, ou então partiu para qualquer lugar e deixou o sor-
5 riso como quem deixa um guarda-chuva esquecido numa sala de espera. O seu sorriso não
tem nada a ver com o de Gi – porque havia de ter? –, são como o dia e a noite. Uma velha de
cabelos pintados de acaju, de rosto pintado de vários tons de rosa, é certo que discretamente
mas sem grande perfeição. A boca, por exemplo, está um pouco esborratada.
Sem voz e sem perder o sorriso diz:
– Verá que há de passar, tudo passa. Amanhã é sempre outro dia. Só há uma coisa, um
10
crime, que ninguém nos perdoa, nada a fazer. Mas isso ainda está longe, muito longe, para quê
pensar nisso? Ainda ninguém a acusa, ainda ninguém a condena. Que idade tem?
– Quarenta e cinco anos. Porquê?
– É muito nova – afirma. – Muito nova.
– Sinto-me velha, às vezes.
15 – É normal. Eu tenho quase 70 anos. Como estava a chorar, pensei…
Encolhe os ombros, responde aborrecida:
– Não tive desgosto nenhum, nenhum. Um encontro, um simples encontro…
– Também tenho muitos encontros, eu. Não quero tê-los mas sou obrigada a isso, vivo tão só.
Cheguei a ignomínia de pedir a pessoas conhecidas retratos da minha família. Não tinha
nenhum, só um retrato meu, de rapariguinha. E retratos de amigos, também. De amigos desapare-
20 cidos, levados pelas tempestades, os mais queridos, naturalmente. Porque… o tal crime de que
lhe falei, o único sem perdão, a velhice. Um dia vai acordar na sua casa mobilada…
– Como sabe que…
– E verá que está só e olhará para o espelho com mais atenção e verá que está velha. Irreme-
diavelmente velha.
25 – Tenho um trabalho que me agrada.
– Não seja tonta, menina. Outro dia vai reparar, ou talvez já tenha dado por isso, que está a
ver pior, e outro ainda que as mãos lhe tremem.

CARVALHO, Maria Judite de, 2015. “George”. In George e Seta Despedida. Porto: Porto Editora (pp. 19-21)

Apresenta, de forma bem estruturada, as tuas respostas ao questionário.

1. Explicita o valor expressivo da comparação presente na linha 5.

2. Explica como se sugerem, no excerto, os efeitos da passagem do tempo referidos pela “mulher
velha” (l. 2) na sua última fala.

3. Refere de que modo se concretiza no texto o diálogo entre realidade, memória e imaginação.
1. A comparação “como quem deixa um guarda-chuva esquecido numa sala de espera” (l. 5), insinuando a
ausência de uma causa específica para o sorriso da “velha” (l. 4), salienta a sua abstração e o seu
alheamento.
2. Na sua última fala, a “mulher velha” (l. 2) refere como efeitos da passagem do tempo a perda de visão e
a tremura das mãos. O resultado destes efeitos é sugerido no primeiro parágrafo do excerto, quando o
narrador descreve a “senhora de idade” (l. 1) que olha George e destaca o facto de ter o “rosto pintado […]
sem grande perfeição” (ll. 7-8) e a boca “um pouco esborratada” (l. 8).
3. O excerto apresenta George, na idade adulta, recuperando, através da memória, a jovem que foi (“Gi”, l.
6), e antevendo-se, através da imaginação, a “mulher velha” (l. 2) com quem dialoga.
Teste 4 Sequência 2. Contos

Grupo I
Apresenta as tuas respostas de forma bem estruturada.

A
Lê o excerto do conto “George” de Maria Judite de Carvalho.

Andam lentamente, mais do que se pode, como quem luta sem forças contra o
vento, ou como quem caminha, também é possível, na pesada e espessa e dura
água
do mar. Mas não há água nem vento, só calor, na longa rua onde George volta a pas-
sar depois de mais de vinte anos. Calor e também aquela aragem macia e como que
redonda, de forno aberto, que talvez venha do sul ou de qualquer outro ponto car-
deal ou colateral, perdeu a bússola não sabe onde nem quando, perdeu tanta coisa
5
sem ser a bússola. Perdeu ou largou?
Caminham pois lentamente, George e a outra cujo nome quase quis esquecer,
quase esqueceu. Trazem ambas vestidos claros, amplos, e a aragem empurra-os ao
de leve, um deles para o lado esquerdo de quem vai, o outro para o lado direito de
quem vem, ambos na mesma direção, naturalmente.
O rosto da jovem que se aproxima é vago e sem contornos, uma pincelada clara,
e, quando os tiver, a esses contornos, ele será o rosto de uma fotografia que tem cor-
10
rido mundo numa mala qualquer, que tem morado no fundo de muitas gavetas, o
único fetiche1 de George. As suas feições ainda são incertas, salpicando a mancha
pálida, como acontece com o rosto das pessoas mortas. Mas, tal como essas pessoas,
tem, vai ter, uma voz muito real e viva, uma voz que a cal e as pás de terra, e a pedra
e o tempo, e ainda a distância e a confusão da vida de George, não prejudicaram.
Quando falar não criará espanto, um simples mal-estar.
Agora estão mais perto e ela encontra, ainda sem os ver, dois olhos largos, semi-
15
cerrados, uma boca fina, cabelos escuros, lisos, sobre um pescoço alto de Modi-
gliani2. Mas nesse tempo, dantes, não sabia quem era Modigliani e outros que tais,
não eram lá de casa, os pais tinham sido condenados pelas instâncias supremas à
quase ignorância […].
Já não sabe, não quer saber, quando saiu da vila e partiu à descoberta da cidade
grande, onde, dizia-se lá em casa, as mulheres se perdem. Mais tarde partiu por

20 além-terra, por além-mar. Fez loiros os cabelos, de todos os loiros, um dia ruivos por
cansaço de si, mais tarde castanhos, loiros de novo, esverdeados, nunca escuros,
quase pretos, como dantes eram. Teve muitos amores, grandes e não tanto, definiti-
vos e passageiros, simples amores, casou-se, divorciou-se, partiu, chegou, voltou a
partir e a chegar, quantas vezes? Agora está – estava –, até quando?, em Amesterdão.

CARVALHO, Maria Judite de, 2015. “George”. In George e Seta Despedida.

Porto: Porto Editora (pp. 7-10)

25

1. objeto que suscita grande interesse e atração.

2. pintor italiano (1884-920).

1. Esclarece o valor expressivo das comparações com que se inicia o texto.

2. Explicita a relação de George com “a outra” (l. 8) que a acompanha, recorrendo a elementos
textuais.

3. Interpreta a expressão “não quer saber” (l. 25), no contexto do último parágrafo.

B
Lê o soneto de Camões.

Correm turvas as águas deste rio,


que as do Céu e as do monte as enturbaram1;
os campos florecidos se secaram;
intratável se fez o vale, e frio.

Passou o verão, passou o ardente estio;


5 ũas cousas por outras se trocaram;
os fementidos2 Fados já deixaram
do mundo o regimento, ou desvario.
Tem o tempo sua ordem já sabida;
o mundo, não; mas anda tão confuso,
que parece que dele Deus se esquece.

10

Casos, opiniões, natura e uso


fazem que nos pareça desta vida
que não há nela mais que o que parece.

CAMÕES, Luís de, 1994. Rimas (texto estabelecido, revisto e prefaciado por

Álvaro J. da Costa Pimpão). Coimbra: Almedina (p. 168) (1.ª ed.: 1595)

1. turvaram; 2. que faltaram à fé dada.

4. Explicita a estrutura do texto, delimitando os momentos da sua organização interna.

5. Relaciona o tema do soneto com a sua intencionalidade crítica.

Grupo II

“Fragmentado”: as múltiplas identidades segundo M. Night


Shyamalan
Se os governos se lembrassem de taxar as pessoas que sofrem de distúrbio de múltiplas
personalidades como uma pessoa coletiva, Kevin Crumb, o perturbado protagonista de
“Fragmentado”, o novo filme de M. Night Shyamalan, ia à ruína num abrir e fechar de olhos.
Crumb tem dentro de si nada mais nada menos do que 23 identidades diferentes, que se vão
manifestando à vez, cada qual com o seu tempo de antena gerido por uma delas, Barry, um
homossexual estudante de moda. Só que três das identidades, Dennis, um tipo patibular1
obcecado com a limpeza e a arrumação, Patricia, uma senhora inglesa afetada e sinistra, e
Hedwig, uma miúda irritante, começam a sobrepor-se às outras, pondo-se ao serviço de uma
24.ª, anunciada como possuindo poderes sobre-humanos. É para esta […] que Dennis rapta
5
três raparigas e as fecha num subterrâneo. […]
Após o apenas curioso “A Visita” (2015), onde Shyamalan voltou a recorrer ao efeito que o
tornou célebre (o “twist”2 final, a surpresa que fecha e esclarece a história) e chegou a ser co-
piado nos tempos em que o autor de “A Vila” era a sensação do momento em Hollywood, o
realizador parece querer regressar aos bons velhos tempos com “Fragmentado”.
É que o cinema de Shyamalan não se limita nem sem esgota no tique do “twist” final. Os
seus melhores filmes são devedores, nas atmosferas, na estrutura e na forma de criar “sus-
10 pense” e construir o medo mostrando pouca coisa e deixando-nos a especular sobre o que
poderá estar oculto, de séries de televisão clássicas do género como “The Twilight Zone”, bem
como da tradição do cinema de série B fantástico e de terror, que é boa e longa nos EUA. Ro-
dado numa Filadélfia invernosa, “Fragmentado” volta a ser um filme de Shyamalan com todos
esses paladares, ambientes e essas características, um “thriller”3 psicológico sombrio que evo-
lui para o sobrenatural e está mais dependente das personagens, das interpretações e da cons-
trução narrativa, do que de efeitos especiais (e desta vez, surpresa!, há não um mas dois ou
três “twists” finais).
15

Aproveitando uma oportunidade para brilhar que os atores raramente têm quando lhes é
proposto um “tour de force”4 destes, James McAvoy atira-se que nem gato a bofe às várias
identidades de Kevin e sai-se muito bem. […] Mas nem por isso a veterana Betty Buckley no
papel da terapeuta de Kevin, e que serve de “explicadora” aos espectadores da condição deste
e da luta de poder entre as várias identidades, nem a jovem Anya Taylor-Joy (já vista no mag-
nífico “A Bruxa”), que faz de Casey, a mais inteligente e arguta das três reféns, que tenta pôr

1.lúgubre, taciturno; 2. reviravolta, em inglês; 3. filme de suspense, em inglês; 4. feito extraordinário, proeza admirável, em francês.

em conflito as identidades de Kevin e tem um segredo trágico de família que a ajuda a lidar
com o(s) seu(s) captor(es), ficam na sombra da multi-interpretação de McAvoy.
É uma coincidência bastante curiosa que seja com “Fragmentado”, um filme sobre um
homem com uma personalidade pulverizada, que M. Night Shyamalan esteja a recuperar a
sua identidade de cineasta com vocação privilegiada para o fantástico e o terror, “realista” ou
sobrenatural. Uma boa notícia para quem é entusiasta destes géneros [...].
35

BARROS, Eurico de, 2017. “‘Fragmentado’: as múltiplas identidades segundo M. Night Shyamalan”. Observador.
http://observador.pt/2017/02/01/fragmentado-as-multiplas-identidades-segundo-m-night-shyamalan/ [Consult. 2017-02-14]

1. Em termos de género, o texto corresponde a


(A) um artigo de opinião, no qual o autor expressa a sua perspetiva sobre a obra cinematográfica de
M. Night Shyamalan.
(B) uma exposição dedicada à carreira artística do realizador de “Fragmentado”.
(C) um artigo de divulgação científica relativo às abordagens da identidade múltipla no cinema.
(D) uma apreciação crítica que avalia o novo filme do realizador de “A Vila” e “A Visita”.

2. O complexo verbal “começam a sobrepor-se” (l. 8) confere à frase em que se integra um valor aspetual
(A) genérico.
(B) imperfetivo.
(C) perfetivo.
(D) habitual.

3. A passagem “o apenas curioso “A Visita” (2015)” (l. 11) constitui


(A) um comentário irónico.
(B) um juízo de valor.
(C) um argumento.
(D) um excerto descritivo.

4. No contexto em que ocorre, a expressão “que nem gato a bofe” (l. 26) sugere
(A) rapidamente.
(B) com vontade.
(C) sem inspiração.
(D) inesperadamente.

5. Os dois últimos parágrafos correspondem a sequências textuais


(A) argumentativas.
(B) explicativas.
(C) descritivas.
(D) narrativas.

6. Ao longo do texto, as aspas são utilizadas


(A) apenas para assinalar títulos.
(B) para marcar empréstimos, títulos e vocábulos com valor expressivo.
(C) para identificar palavras e expressões usadas em sentido não literal.
(D) para delimitar citações e passagens com sentido figurado.
7. De acordo com o autor,
(A) o melhor de “Fragmentado” são os efeitos especiais.
(B) apenas o ator principal de “Fragmentado” consegue um bom desempenho.
(C) “Fragmentado” constitui o regresso de M. Night Shyamalan às características essenciais e
distintivas do seu cinema, ironicamente através do tema da multiplicidade de identidades.
(D) a qualidade dos filmes de M. Night Shyamalan passa sobretudo pela estratégia de inverter
inesperadamente o rumo dos acontecimentos, no final da ação.

8. Classifica a oração subordinada presente em “está mais dependente das personagens, das interpretações e
da construção narrativa, do que de efeitos especiais” (ll. 22-23).

9. Refere a função sintática desempenhada por “que”, na linha 25.


10. Identifica o antecedente do pronome “a”, na linha 31.

Grupo III

Redige uma exposição na qual reflitas, de forma fundamentada, sobre a construção da personalidade
humana.
Escreve um texto bem estruturado, de duzentas a trezentas palavras, respeitando as marcas do
género.

Grupo I
A
1. As comparações das linhas 1 a 3 são usadas para reforçar a ideia expressa pelo advérbio
“lentamente” (l. 1) e sugerir o esforço de quem caminha num ritmo vagaroso imposto por forças que lhe
são externas.

2. George “quis esquecer” (l. 8) “a outra” (l. 8) que a acompanha e que se sugere ser ela própria através
da referência à fotografia que constitui o seu “único fetiche” (l. 15) e que sempre a acompanha. A
identificação entre as duas é feita também através da menção à “voz muito real e viva” (l. 17) que
continua a ter (no íntimo de George) e ao facto de partilharem a mesma indumentária (l. 9) e a mesma
cor de cabelo (“cabelos escuros”, l. 21, “escuros”, l. 28), que George, mais tarde, mudou (ll. 27-29).

3. A expressão sintetiza os sentimentos de George relativamente ao seu passado, que evoca, com
algum ressentimento. “Nesse tempo, dantes” (l. 22), a sua vida era marcada pela “ignorância” (l. 24) e
pelos preconceitos familiares (l. 26), dos quais se afastou “quando saiu da vila e partiu à descoberta da
cidade grande” (ll. 25-26) e que justificam o desejo de não querer relembrar essa época.

B
4. O soneto apresenta dois momentos distintos. As quadras constituem uma reflexão sobre as
mudanças cíclicas verificadas na natureza, com a passagem do “verão” (v. 5) e a chegada do
tempo “frio” (v. 4). Os tercetos confrontam “a ordem já sabida” (v. 9) do tempo com a confusão que
caracteriza o “mundo” (v. 10) e a “vida” (v. 13) dos homens (v. 12).

5. O poema explora o tema da mudança, salientando as diferenças existentes entre a regularidade e a


“ordem” (v. 9) dos elementos naturais e o “mundo […] confuso” (v. 10). Ao contrário das transformações
que ocorrem na natureza, das quais se conhecem as causas (vv. 1-2 e 3-5) e que seguem ciclos
expectáveis, os “casos, opiniões”, maneiras de ser e fazer dos humanos (v. 12) geram um mundo “tão
confuso” (v. 10) que levam o sujeito poético, em tom crítico, a considerar que “Deus” (v. 11) se esqueceu
dele e a sugerir que não se vislumbra hipótese de mudança (vv. 13-14).

Grupo II
1. (D). 2. (B). 3. (B). 4. (B). 5. (A). 6. (B). 7. (C).
8. Oração subordinada adverbial comparativa.
9. Sujeito.
10. “Casey” (l. 30).
Grupo III
 A personalidade como resultado de um conjunto de influências e de ensinamentos.
 As várias etapas de desenvolvimento da personalidade (infância, juventude, idade adulta).
 Os diversos intervenientes na formação da personalidade (família, amigos e outros grupos sociais).
 Os fatores que influenciam a construção da personalidade (hereditariedade, meio social e experiências
pessoais.
 A importância dos (bons e maus) exemplos na construção da personalidade.

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