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CAMINHOS DO REALISMO Eça de Queirós | Os Maias

SÍNTESE DOS CONTEÚDOS

Contextualização histórico-literária

REALISMO NATURALISMO
√ Movimento artístico que surge, em Portugal, em meados do séc. √ Movimento estético-literário
XIX, contestando o idealismo romântico. com origem na doutrina
√ Valoriza a observação e a análise de tipos humanos e de costumes positivista, estreitamente
sociais, tentando representar objetivamente a realidade. ligado ao realismo e às
√ Adota uma atitude genericamente descritiva e crítica em relação à transformações sociais,
sociedade do seu tempo, tentando descrevê-la e aos seus científicas, filosóficas e éticas
componentes de forma desapaixonada. ocorridas no século XIX,
√ A narrativa (e em particular o romance) é o género que mais se tendo-se manifestado nas
adequa aos propósitos deste movimento, articulando momentos de artes e na literatura.
narração com momentos de descrição. √ No Naturalismo, a obra
√ Na representação da ação, quase sempre de implicações sociais, é literária surge como a
evidente a pormenorizada descrição dos espaços e a personagem é ilustração das teses científicas.
de capital importância pois permite uma reflexão crítica sobre o ser
humano e os seus problemas concretos, sendo muitas vezes encarada
como personagem-tipo.

Em Portugal, o Realismo e o Naturalismo aparecem ligados a nomes como Eça de


Queirós, Antero de Quental, Ramalho Ortigão, Jaime Batalha Reis, entre outros, e a
expressões como Conferências do Casino, Questão Coimbrã, Cenáculo e Geração de 70.
A Geração de 70 foi a responsável pela introdução de ideias novas no país, dando
origem a polémicas e agitação que marcaram a sociedade portuguesa do final do
século XIX.

Diz Eça de Queirós:

O que queremos nós com o Realismo? Fazer o quadro do mundo moderno, nas feições em que
ele é mau, por persistir em se educar segundo o passado; queremos fazer a fotografia, ia quase
dizer a caricatura do velho mundo, sentimental, devoto, católico, explorador, aristocrático, etc.
E apontando-o ao escárnio, à gargalhada, ao desprezo do mundo moderno e democrático –
preparar a sua ruína.

Eça de Queirós. Correspondência. Leitura, coordenação, prefácio e notas de Guilherme de Castilho.


1983. Lisboa: IN-CM.
Os Maias | pluralidade de ações; complexidade do tempo, do espaço e dos
protagonistas; extensão

O romance é um género narrativo de extensão considerável, em que a imaginação do


autor cria peripécias e/ou aventuras e as personagens exprimem os seus sentimentos
e paixões, desvendando, através dos seus comportamentos, o seu destino.
Num período marcado pelo Realismo, o romance assume uma enorme importância, na
medida em que explora, na trama das suas histórias, a relação entre o comportamento
das personagens e a sociedade que as integra.

No romance:
✓o número de personagens é ilimitado e a sua caracterização é elaborada –
apresentando componentes de ordem social, cultural e psicológica –, podendo
evidenciar ou não evolução psicológica;
✓os espaços são múltiplos, amplos e muitas vezes pormenorizados;
✓o tempo organiza-se de forma complexa, conjugando diferentes tratamentos
temporais;
✓há recurso à narração e à descrição;
✓a presença do diálogo e mesmo do monólogo são recorrentes.

Visão global da obra e estruturação: título e subtítulo


Numa época em que o descrédito político era evidente, Eça de Queirós reflete, na sua
obra, sobre a atmosfera decadente e a crise de identidade que se vivia em Portugal no
final do século XIX.
Temas como o casamento (instituição em crise), o adultério, a educação feminina, a
hipocrisia religiosa, a ociosidade da burguesia, a mediocridade do poder político e a
incapacidade de reação da sociedade são abordados, permitindo ao escritor analisar a
sociedade portuguesa em que está inserido.
Os Maias narra a história de uma família aristocrática, ao longo de três gerações:
Afonso, Pedro e Carlos da Maia.
A obra é constituída por dezoito capítulos: as primeiras páginas funcionam como uma
espécie de introdução, situando o leitor no Ramalhete e centrando-se, essencialmente,
na personagem de Afonso da Maia. Através de uma analepse, o leitor recebe
informações sobre a juventude de Afonso e os seus confrontos com o pai, a infância, a
educação e os amores infelizes de Pedro, bem como sobre a educação e estudos de
Carlos.
A ação central, que corresponde a pouco mais de um ano e que conta os amores
incestuosos de Carlos e Maria Eduarda, abrange as restantes páginas do livro, à
exceção do último capítulo, que funciona como epílogo, dedicado à grande viagem
feita por Carlos e Ega e à visita de Carlos a Portugal dez anos após a “trágica semana”.
O título da obra – Os Maias – remete o leitor para a história trágica de uma família da
aristocracia lisboeta, relato de largos anos, permitindo ao leitor percorrer o Portugal
miguelista, fanático e beato de 1820, o Portugal liberal, representado por Afonso da
Maia, o ambiente romântico português, com Pedro da Maia e a geração da
Regeneração, desencantada com o liberalismo e responsável por uma sociedade
falhada e decadente.
O subtítulo – Episódios da Vida Romântica – encaminha o leitor para o ambiente social
da época relatado pelo olhar atento e crítico de Eça de Queirós, que faz o retrato
satírico, mas realista, da Lisboa do final do século XIX.

Ação trágica
Uma das dimensões importantes do romance é a configuração trágica da ação. Esta
dimensão permite refletir sobre a incapacidade de o ser humano controlar a sua
existência, marcada por aspetos imprevisíveis e, muitas vezes, inexplicáveis.
Neste romance, a conjugação das características temáticas da intriga, ou seja, a
relação incestuosa de Carlos e Maria Eduarda, que ignoram ser irmãos, o papel do
destino e da sua força trágica implacável – corporizados por Guimarães e o cofre –,
bem como a presença de presságios que acompanham a vida das personagens – a
escolha do nome de Carlos e o fatalismo do Ramalhete anunciado por Vilaça, por
exemplo – conferem a esta obra uma dimensão trágica.

Representações do sentimento e da paixão: diversificação da intriga amorosa


(Pedro da Maia, Carlos da Maia e João da Ega)
Em Os Maias o sentimento e a paixão estão presentes ao longo de toda a obra, sendo
possível estabelecer um paralelismo entre as principais intrigas amorosas: a de Carlos
da Maia e de Maria Eduarda (que faz parte da ação central) e a de Pedro da Maia e de
Maria Monforte (que integra a ação secundária).

PEDRO E MARIA MONFORTE CARLOS E MARIA EDUARDA


Pedro encontra casualmente Maria Monforte por Carlos vê, por acaso, Maria Eduarda à porta do
quem se deslumbra e apaixona. Hotel Central, ficando por ela fascinado.

De forma obsessiva, Pedro procura conhecê-la, Desesperadamente, Carlos tenta descobrir quem
contando, para isso, com a ajuda de Alencar, seu é aquela “esplêndida mulher”. Procura-a por
amigo. Lisboa, vai a Sintra, na esperança de a encontrar,
mas é apenas através de Dâmaso que consegue
aproximar-se dela.

Pedro e Maria Monforte namoram e, apesar da O casal apaixona-se, relaciona-se e mantém uma

oposição de Afonso da Maia, casam e têm dois vida social na Toca, apesar da oposição de Afonso

filhos, mantendo vida social em Arroios. da Maia.

Com o aparecimento do napolitano, surge a Com o aparecimento de Guimarães e a entrega do

infidelidade de Maria Monforte, que foge com cofre com documentos comprovativos de que

Tancredo, levando a filha. Carlos e Maria Eduarda são irmãos, há o


reconhecimento do incesto, que Carlos vive de
forma consciente.

Pedro regressa à casa paterna, em Benfica, Depois de mais um encontro com Maria Eduarda,

reconhece o seu erro e suicida-se, deixando o Carlos cruza-se com o avô, em quem vê espelhado

filho, Carlos, com Afonso da Maia. o horror e o desgosto.

Afonso da Maia reage ao desgosto e à dor, isola- Afonso da Maia morre e Carlos parte para o

se em Santa Eulália e dedica-se à educação de estrangeiro.

Carlos.

O sentimento e a paixão são, também, visíveis no relacionamento de João da Ega com


Raquel Cohen, que conhece socialmente na Foz, no Porto. Essa relação é vivida
inicialmente com um certo recato, mas João da Ega acaba por revelá-la ao seu amigo
Carlos da Maia.
Ega homenageia Cohen com um jantar no Hotel Central, jantar que proporciona a
Carlos o seu primeiro contacto com a sociedade portuguesa.
Os encontros amorosos de Ega têm lugar na Vila Balzac. Quando a relação adúltera é
descoberta, Ega, humilhado, refugia-se em Celorico, enquanto o casal Cohen parte
para o estrangeiro.
Ega, mesmo com a passagem do tempo, não esquece Raquel. Ainda apaixonado,
sente-se humilhado quando percebe a nítida aproximação de Raquel a Dâmaso. A
ligação terminará apenas no final – epílogo – quando Ega reconhece que Raquel não
merece a sua atenção.

As personagens /Os protagonistas


Afonso da Maia. Esta personagem é apresentada como um homem robusto, quer do
ponto de vista físico, quer psicológico. Homem de caráter forte reage à dor da morte
do filho com dignidade e alivia a sua mágoa entregando-se à educação do seu neto
Carlos. Generoso, é o símbolo dos princípios e dos valores tradicionais, apesar de ter
escolhido um modelo educacional (britânico) para o seu neto que corta com a tradição
de tudo o que se fazia, na época, em Portugal. Na sua juventude, defendeu os ideais
liberais, tendo passado pela experiência do exílio. Elemento fundamental da família,
não resiste ao comportamento de Carlos, que comete o incesto conscientemente,
morrendo de desgosto.
Pedro da Maia. A caracterização desta personagem é feita de acordo com o modelo
naturalista. O seu comportamento é explicado pela conjugação de três fatores: a
educação, a hereditariedade e o meio. Instável e nervoso, abúlico e passivo, Pedro é,
muitas vezes, assolado por crises de melancolia que o levam ora para uma
religiosidade extrema, ora para uma vida boémia desregrada. Pedro é descrito como
um homem fraco e pouco atento ao que o rodeia. De cunho marcadamente romântico,
apaixona-se perdidamente por Maria Monforte, paixão esta que o impede de reagir e
o leva ao suicídio após a fuga da mulher.
Maria Monforte. Personagem controversa, Maria Monforte é descrita desde o início
como uma bela mulher, sedutora, enigmática, egocêntrica e caprichosa, sobretudo na
sua relação com Pedro. No entanto, esta mulher, apesar de ter passado por
dificuldades depois de deixar Pedro da Maia, nunca reclamou a herança do marido,
que por direito pertenceria a sua filha.
Carlos da Maia. Personagem central da obra, Carlos é um homem de gosto
requintado, culto, um cosmopolita diletante que se destaca no meio sociocultural em
que se insere. Desde os seus anos de estudante em Coimbra, Carlos vive vários e
arrebatados amores, acabando por envolver-se intensamente numa relação amorosa
proibida com Maria Eduarda, que o marca tragicamente. Carlos é caracterizado pela
dispersão, aspeto que o impede de concretizar os diferentes projetos que idealiza e
inicia. Apesar de ter sido educado para ser um vencedor, rapidamente se deixa
contaminar pelo tédio e indolência de Lisboa e falha em todos os planos da sua vida,
sentindo-se frustrado.
Maria Eduarda. Esta figura feminina é apresentada como uma bela mulher alta e loura,
elegante, mas simples e sóbria. Um certo mistério rodeia Maria Eduarda, de quem
ninguém conhece o passado. A bondade e a capacidade de se emocionar facilmente
são características que lhe são atribuídas.
João da Ega. Amigo inseparável de Carlos, elemento quase familiar, Ega é uma peça
fundamental do romance Os Maias, na medida em que faz parte do universo do
Ramalhete, atuando diretamente na ação central, mas estando também presente em
quase todos os episódios que decorrem do subtítulo e traduzem o ambiente social da
época. Desde a juventude, Ega é um excêntrico, um provocador, um dândi. Homem
culto, irónico e sarcástico, é uma personagem polémica, que gosta de escandalizar a
sociedade lisboeta, considerada por ele ignorante e provinciana. Inicia diferentes
projetos, mas, tal como Carlos, nunca os termina. É Ega que recebe o cofre, elemento
que desencadeia a tragédia, e o faz chegar a Carlos, de quem é amigo e confidente. Na
obra, esta personagem representa o Realismo que se opõe ao Ultrarromantismo de
Alencar.

A representação de espaços sociais e a crítica de costumes


Os Maias dão-nos uma visão caricatural da sociedade portuguesa do século XIX.
Fazendo uma crónica dos costumes da época, Eça traça um retrato vivo e dramático da
Lisboa da época da Regeneração, permitindo-nos observar características ainda hoje
visíveis e passíveis de serem, igualmente, criticadas/caricaturadas, se compararmos a
cidade de outrora com os mesmos ambientes sociais atuais.
Retratando a alta sociedade lisboeta, Eça serve-se de determinados tipos de
personagens (desvalorizando a personagem individual) para apresentar os vícios, a
postura e a mentalidade das últimas décadas do século XIX.
Descrevendo de forma pormenorizada, fazendo uso da ironia e da sátira mordaz,
atribuindo trejeitos ou particularidades físicas às personagens sempre que estas
interferem na ação, Eça consegue recriar ambientes que dão vida à crónica de
costumes dos Episódios da Vida Romântica.
Na crítica realizada, destacam-se episódios como:
✓O jantar do Hotel Central, episódio que retrata o primeiro contacto social de
Carlos com a sociedade lisboeta.
É um jantar de homenagem a Cohen, banqueiro da alta finança, organizado por Ega,
o amante de Raquel Cohen. As conversas entre as diferentes personagens presentes
no jantar abordam temas fundamentais da vida política e cultural lisboeta: a
literatura e a crítica literária (Ultrarromantismo versus Realismo), o mau estado das
finanças do país, assim como a decadência em que o país se encontrava, permitindo
a denúncia da mentalidade retrógrada deste grupo social.
✓As corridas do hipódromo, quadro que está ao serviço da crítica à sociedade
portuguesa e à sua tendência para imitar tudo quanto é estrangeiro. Numa
perspetiva muito crítica, Eça evidencia o provincianismo português e o seu desejo de
cosmopolitismo. O cenário é descrito como desajustado e vê-se nele desfilar a alta
sociedade lisboeta, e mesmo o rei, todos evidenciando desajuste relativamente a
acontecimentos daquela natureza. Neste episódio, Dâmaso Salcede é a personagem
mais criticada, sendo destacados todos os seus vícios.
✓O jantar do Conde de Gouvarinho foi oferecido a Carlos, propiciando a reunião de
diferentes elementos da alta burguesia e da aristocracia portuguesa. Neste jantar, os
temas discutidos são, novamente, denunciadores do estado intelectual decadente
do país, bem como da inequívoca falta de valores sociais: a educação das mulheres,
a falta de cultura e de inteligência de personagens como Sousa Neto, ligado ao
poder político, e do próprio conde de Gouvarinho, que aparece associado a
comentários que denotam a sua pouca cultura e incompetência política.
✓Os episódios da “Corneta do Diabo” e da redação do jornal “A Tarde” são
situações que denunciam um jornalismo corrupto, parcial, comprometido com
apadrinhamentos políticos. A mediocridade ressalta quando se constata que os
artigos publicados versam, essencialmente, assuntos sensacionalistas e degradantes
da sociedade portuguesa.
✓ O sarau literário do Teatro da Trindade permite constatar o problema cultural da
sociedade portuguesa, a sua superficialidade, bem como a sua ligação à retórica fácil
e de sentimentalismo excessivo, marcada pelo Ultrarromantismo, movimento aqui
representado pelo poeta Alencar. O desinteresse manifestado pela música de
Cruges é evidente e reflete a insensibilidade cultural da suposta elite nacional. É
neste cenário humano e social que gira a personagem central de Carlos da Maia,
sendo ele que evidencia a falta de espírito crítico, a decadência e a degradação da
sociedade portuguesa, bem como a sua apatia e incapacidade de reação.

Ao serviço da crítica de costumes estão as seguintes personagens-tipo:

PERSONAGEM-TIPO ASPETOS CRITICÁVEIS


Eusebiozinho A sua educação retrógrada transformou-o num homem
apático e sem personalidade.
Tomás de Alencar Poeta ultrarromântico, amigo de Pedro da Maia.
Conde de Gouvarinho Medíocre e politicamente incompetente, revela
ignorância e ausência de espírito crítico.
Sousa Neto Representa a ignorância e presunção que caracterizam a
Administração Pública.
Cohen Representa a alta finança.
Condessa de Gouvarinho e Raquel Cohen Representam a futilidade das mulheres da alta burguesia
que, infelizes no casamento que não escolheram,
procuram no adultério o preenchimento das suas vidas.
Palma “Cavalão” e Neves Representa o jornalismo medíocre, corrupto e sem
escrúpulos.
Steinbroken Representante da diplomacia, é ministro da Finlândia,
observador do país e apreciador
de alguns prazeres (um bom vinho, um bom whist).
Taveira Representa a ociosidade.
Dâmaso Salcede Representa o provincianismo e novo-riquismo,
exibicionismo, cobardia e degradação moral.
Cruges Revela talento artístico, mas é incompreendido pela
sociedade.
Craft É um diletante inglês, rico e amigo de Carlos.
Guimarães De pendor democrata, é tio de Dâmaso e,
inconscientemente, o portador da desgraça
– o cofre de Maria Monforte – que desencadeará a
catástrofe da família Maia.
Vilaça, pai e filho Representam a lealdade. São procuradores da família
Maia, a quem se unem por laços afetivos.
Espaços e seu valor simbólico e emotivo
No espaço físico de Os Maias distingue-se o espaço geográfico, correspondendo ao
percurso da personagem protagonista ao longo da ação e aos cenários interiores que
aí ganham destaque.
Lisboa é o espaço de maior relevo, mas Coimbra e Santa Olávia são igualmente
importantes.
Santa Olávia é o espaço rural, o espaço do restabelecimento familiar, da tranquilidade,
o espaço onde Carlos cresce saudável e feliz e onde é educado em contacto com a
natureza, seguindo uma educação britânica. É um espaço positivo, sinónimo de vida e
de produtividade.
Coimbra é o espaço da formação académica de Carlos (medicina), da sua vida boémia
e do seu diletantismo. É também o local que contribui para a formação de Carlos
enquanto ser social e cívico, pois é aí que contacta com as novas ideias reformistas (o
socialismo de Proudhon, por exemplo), ajudando-o a desenvolver a sua capacidade
crítica. É um espaço, também, identificado com uma certa rebeldia própria da
juventude estudantil.
Lisboa é o grande espaço físico (é o espaço social privilegiado), o palco do desenrolar
de toda a intriga, para além de ser, também, o espaço símbolo da nação, a sua capital,
o local onde tudo se passa. Eça utiliza alguns referentes/símbolos de um Portugal
glorioso e lutador (estátua de Camões, monumento aos Restauradores, estátua de
D. Pedro IV, por exemplo) para acentuar o marasmo em que a sociedade se encontra
no presente.
Sintra aparece como um espaço de fuga (capítulo VIII), embora se situe perto de
Lisboa. É um espaço poetizado e idilizado que propicia o sonho, a divagação e os
encontros amorosos.
As grandes capitais europeias são, igualmente, um espaço de fuga, de evasão. Elas
representam a civilização e o progresso e são um espaço que aparece por oposição ao
Portugal atrasado culturalmente. São, ainda, espaços privilegiados para o exílio
voluntário de algumas personagens (Afonso e Carlos da Maia).
Os cenários interiores ou os espaços físicos interiores atingem uma importância
significativa, pois ligam-se diretamente à vivência das personagens, permitindo
acentuar aspetos relevantes na sua caracterização. São cenários descritos com
bastante realismo e, entre eles, destacam-se:
• O Ramalhete, a residência da família dos Maias, é um espaço que, ao longo da
obra, acompanha o desenrolar da intriga até ao eclodir da catástrofe. É, também, o
local do reencontro, no final da obra. Aparece no início da narrativa (cap. I),
evidenciando o bom gosto dos Maias – é uma casa confortável e luxuosa. E se em
1875 o Ramalhete aparece descrito com todo o seu esplendor, no final, em 1877,
mostra a sua decadência, que é também o reflexo da decadência da família, bem
como da decadência da sociedade portuguesa do final do século XIX. É o local onde
Carlos viveu verdadeiramente, assumindo, por isso, uma enorme importância.
• A Toca é um cenário marcado pela excentricidade e exotismo, espaço simbólico
nas relações de Carlos da Maia e Maria Eduarda. É o refúgio amoroso que preserva
estas personagens, mas que anuncia, desde logo e através da sua decoração, o seu
final trágico (cf. a presença da alcova “onde desmaiavam, na trama da lã, os amores
de Vénus e Marte”, de um armário da Renascença com dois faunos, símbolos da
atração carnal, de um “painel antigo, defumado” com a cabeça degolada de S. João
Batista, da “enorme coruja empalhada” e de “um ídolo japonês de bronze”). As
próprias cores – vermelho, amarelo e dourado – e os materiais – veludo, sedas e
cetim – usadas na decoração apontam para uma atmosfera de “luxo estridente e
sensual”, para um ambiente de luxúria, de emoções fortes e excessos, de mistério e
proibições. A Toca é, pois, o espaço que propicia a vivência do amor marginal de
Carlos e Maria Eduarda.
• O Hotel Central e a Rua de S. Francisco são espaços associados a Maria Eduarda. O
bom gosto e o conforto são evidentes, sobretudo na rua de S. Francisco. A
intimidade e uma certa sensualidade são aspetos igualmente visíveis, apresentando,
contudo, uma certa dissonância.
• No consultório de Carlos o requinte é visível, como o são, igualmente, alguns
traços caracterizadores de Carlos: a dispersão, o diletantismo, a ociosidade, a sua
vivência/formação no estrangeiro, mas também a sua sensualidade. Este espaço
acaba por ser denunciador da incapacidade da personagem desenvolver o seu
projeto profissional.
Educação
A educação é um tema que surge, de forma recorrente, na obra Os Maias e é
determinante para a caracterização das personagens. É através deste tema que o leitor
fica a conhecer muito da mentalidade da sociedade lisboeta do final do século XIX.
Duas perspetivas educativas surgem em oposição: a típica educação portuguesa e a
educação inglesa, que aparecem associadas a Pedro da Maia e Eusebiozinho e a Carlos,
respetivamente.
Afonso da Maia defendia o modelo britânico, que quis aplicar ao seu filho (sem
sucesso, por oposição da mulher, Maria Eduarda Runa), modelo baseado no rigor dos
princípios e no método, mas também na tolerância e na abertura à realidade. Este tipo
de educação valorizava o exercício físico e o contacto com a natureza, o estudo das
línguas e das ciências experimentais. Foi assim que Carlos foi educado pelo avô e pelo
precetor inglês Mr. Brown. Afonso queria fazer do seu neto um ser digno, forte, física e
psicologicamente, capaz de enfrentar a vida, ao contrário do que havia acontecido com
o seu filho Pedro, que tinha sido educado pela mãe e pelo padre Vasques segundo o
modelo tradicional e conservador, que assentava no primado da cartilha e na religião,
no ensino do latim e na memorização de textos, impedindo as crianças de
desenvolverem o espírito crítico e a vontade própria. Num regime de superproteção,
Pedro da Maia, mas também Eusebiozinho, cresceram apáticos e passivos, medrosos e
indiferentes à realidade que os rodeava, sendo incapazes de definirem objetivos para a
sua vida.

A descrição do real e o papel das sensações


O Realismo contesta o idealismo romântico e, por isso, valoriza a observação e a
análise social. Partindo da realidade que os rodeia, os escritores realistas observam os
factos, os objetos e as pessoas em contexto e só depois os recriam, nas suas descrições
e/ou narrações, fazendo da criação literária o reflexo da realidade.
A descrição objetiva, concisa e rigorosa é a estratégia particular que marca a escrita
realista. Captando a luz e a cor e adotando um tom natural, os escritores realistas
fazem o retrato da sociedade, utilizando a técnica impressionista.
Eça de Queirós utiliza nas suas descrições as diferentes sensações (visuais, auditivas,
olfativas, gustativas e táteis), construindo belas imagens sinestésicas. A animização é,
igualmente, uma característica presente.
Linguagem e estilo
A linguagem queirosiana é, sem dúvida, de uma grande expressividade, valorizando a
impressão imediata daquilo que perceciona, característica esta própria do
Impressionismo, que é um movimento artístico do final do século XIX. Os
impressionistas captam a cor e a luz e Eça de Queirós conseguiu, com mestria, transpor
para as suas obras esta capacidade de jogar com a perceção, criando, frequentemente,
relações inesperadas.
Os recursos expressivos mais marcantes da prosa queirosiana são a metáfora e a
comparação, a personificação, a sinestesia e a ironia.
Os diminutivos são, igualmente, uma característica importante: transmitem o afeto
das relações e, mais frequentemente, estão ao serviço do tom caricatural e
depreciativo do narrador aquando da sua crítica de costumes à sociedade do seu
tempo.
O uso expressivo do adjetivo e do advérbio assumem uma grande importância não só
pela frequência com que ocorrem, mas também pela forma inesperada como surgem.
Aparecem associados de forma dupla e auxiliam na crítica irónica, tão característica de
Eça de Queirós, ajudando a captar e a realçar as sensações e as emoções daquilo que é
descrito.
A presença de empréstimos (francesismos e anglicismos) surge para designar
realidades que a língua portuguesa não abarca, mas está também associada à intenção
crítica que acentua o jogo das aparências da sociedade lisboeta e a sua necessidade de
imitar tudo aquilo que é estrangeiro.
A reprodução do discurso no discurso é uma técnica característica do Realismo e
propiciadora da caracterização das personagens. A reprodução do discurso no
discurso, sob a forma particular do discurso indireto livre, evidencia, muitas vezes, o
olhar crítico do narrador. Com este modo de relato de discurso verifica-se uma maior
riqueza expressiva e o texto apresenta-se mais leve e fluido. Eça de Queirós usou com
perícia o discurso indireto livre.

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