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Os Maias

Romance

Quando falamos do romance, referimo-nos a uma


narrativa em que, tal como acontece n’ Os Maias, se
desenrola uma pluralidade de ações, o tempo apresenta Pluralidade
de ações
grande complexidade, os espaços são múltiplos e
amplos e as personagens estão organizadas de acordo
Complexidade
com a sua intervenção na história contada. É isso que
. do tempo
permite distinguir os protagonistas das personagens . do espaço
secundárias e dos figurantes. . dos protagonistas
REIS, Carlos, 2016. Os Maias. Eça de Queirós. Porto: Porto Editora (p. 55)
Os Maias – Episódios da vida romântica
Dois níveis
Título narrativos Subtítulo

História da família Maia Crónica de costumes


Episódios representativos
Ação principal Ação secundária da sociedade portuguesa
da segunda metade do
século XIX, marcados pelo
Amores de Carlos Amores de Pedro Romantismo
e Maria Eduarda e Maria Monforte
Os Maias: o título e o subtítulo

Título
Os Maias remete para a história da família
Maia, no decorrer de três gerações,
representadas por Afonso da Maia, Pedro da
Maia, protagonista da intriga secundária (a
história amorosa com Maria Monforte), e Carlos
da Maia, protagonista da intriga principal (a
história amorosa com Maria Eduarda).
O título: Os Maias
História da família Maia, ao longo de três gerações bem demarcadas:

A geração das lutas entre


Afonso da Maia
absolutistas e liberais

A geração ultrarromântica,
Pedro da Maia
sobrevivente na figura de Tomás
de Alencar

Carlos da Maia A geração do Portugal da


Regeneração
Os Maias: o título e o subtítulo

Subtítulo
Episódios da vida romântica remete para um conjunto
de momentos em que se recriam ambientes, atitudes e
figuras da sociedade romântica da segunda metade do
século XIX com uma perspetiva crítica.
Os Maias: o título e o subtítulo

Estes dois níveis narrativos articulam-se […], funcionando os


ambientes como pano de fundo para a atuação de algumas
personagens da intriga central que, pelo seu carácter e
comportamento, se destacam da mediocridade geral.

RAMOS, Auxília, BRAGA, Zaida e CASTRO, Isabel, 2022. Os Maias. Eça de Queirós. Porto: Elementos (p. 17)
Os Maias: o título e o subtítulo
A pluralidade de ações:
a intriga principal e a crónica de costumes

A pluralidade de ações diz respeito à multiplicidade e


diversidade de ações presentes no romance, com a articulação
das histórias amorosas de Pedro e Maria Monforte (intriga
secundária) e de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal) com
os vários episódios da crítica de costumes.
A pluralidade de ações:
a intriga principal e a crónica de costumes

REIS, Carlos, 2016. Os Maias. Eça de Queirós. Porto: Porto Editora (p. 63)
O título: Os Maias
Ação secundária e ação principal: a similitude dos encontros
O título: Os Maias
Ação secundária e ação principal: a similitude dos encontros
Local do Traços físicos Impressão causada
encontro da mulher pela mulher

Encontro de «chapéu preto» «[…] pareceu a Pedro


Pedro A rua, frente «perfil grave de estátua» nesse instante alguma
ao Marrare «carnação de mármore» coisa de imortal e superior
e Maria «senhora loura» à Terra.»
Monforte «cabelos loiros»

«meio véu muito apertado e


Encontro de muito escuro» «[…] passou diante deles,
Carlos Peristilo do
«maravilhosamente bem-feita» com um passo soberano
Hotel Central
e Maria «carnação ebúrnea» de deusa […]»
Eduarda «senhora alta, loira»
«cabelos de oiro»
Características trágicas dos protagonistas
A superioridade física e intelectual que os destaca no meio lisboeta.

A força do destino que age sobre eles e é referido por diversas vezes.

A lenda do Ramalhete, segundo a qual «eram sempre fatais aos Maias as


paredes» da casa.

O contínuo confronto com presságios (sugestões, verbais ou não verbais,


de fatalidade) – a presença de indícios trágicos.
Características trágicas dos protagonistas
A semelhança física de Carlos com a mãe, reconhecida por Maria Eduarda
(p. 471).

A semelhança temperamental de Maria Eduarda com Afonso, reconhecida


por Carlos (p. 380).

A similitude dos nomes de Carlos Eduardo e Maria Eduarda.

As semelhanças físicas de Carlos e Maria Eduarda em crianças (pp. 37 e


49) e a presença dos «olhos negros» dos Maias.
Características trágicas dos protagonistas
A concretização da relação amorosa de Carlos e Maria Eduarda na Toca,
local de nome simbólico e decoração sugestiva de desgraça.

O contacto com espaços físicos (exteriores ou interiores)


simbolicamente associados à morte e à destruição (o Ramalhete
e o seu jardim, a Toca).
Características trágicas dos protagonistas
A presença de elementos trágicos na intriga trágica:
– hybris – o amor incestuoso de Carlos e Maria Eduarda;
– peripécia – a súbita mudança dos acontecimentos:
as casuais revelações do Sr. Guimarães a Ega;
– duplo reconhecimento: as revelações de Guimarães
a Ega e de Ega a Carlos;
– pathos – o sofrimento das personagens, após a
descoberta da identidade de Maria Eduarda;
– catástrofe – as consequências do incesto: a anulação
das personagens (Afonso, Carlos e Maria Eduarda) e da família.
Representações do sentimento e da paixão:
diversificação da intriga amorosa
A intriga amorosa concretiza-se em Os Maias em diferentes experiências
amorosas envolvendo casais ligados por sentimentos e destinos distintos.

Pedro da Maia e Maria Monforte são ligados pelo amor romântico


que termina em fatalidade, desencadeada pela fuga de Maria e
consequente suicídio de Pedro.
Representações do sentimento e da paixão:
diversificação da intriga amorosa
Carlos da Maia e Maria Eduarda são também unidos pelo amor
romântico, o amor-paixão, marcado pela intensidade e pela
dimensão trágica, em que ganha relevo a força do destino que
conduz ao incesto, descoberto este, à catástrofe, com a anulação da
família Maia.

Contrastando com o amor dos protagonistas, a ligação sentimental


de João da Ega e Raquel Cohen é conotada com a sensualidade e
com o carácter transgressor associado ao adultério (posteriormente
descoberto e que conduz à separação dos amantes).
A descrição do real e o papel das sensações
A descrição detalhada da realidade (em termos de
cenários e de recriação de comportamentos e diálogos)
como elemento promotor da verosimilhança.

A relação entre os espaços/os ambientes e as


personagens: contributo do cenário para a
caracterização das personagens individuais; contributo
das personagens-tipo para a representação dos
espaços sociais e para a crítica de costumes.
A descrição do real e o papel das sensações

Recriação impressionista e sensorial do real (destaque


conferido à cor, à forma e às sensações produzidas
pelos diferentes sentidos).
Espaços e seu valor simbólico
Alguns espaços geográficos (como Lisboa, Sintra, Coimbra ou Santa
Olávia) e microespaços (como o Ramalhete ou a Toca, entre muitos
outros) estabelecem com os protagonistas uma relação emotiva e, por
esse motivo, adquirem um significado especial (valor simbólico).

Ramalhete
Casa associada à ascensão e à queda da família
Maia, após 1875.
Espaços e seu valor simbólico

Casa de Arroios
Espaço de vida familiar e social de Pedro e Maria Monforte.

Casa de Benfica
Casa ligada à dissolução da família Maia e à morte de Pedro.
Espaços e seu valor simbólico

Santa Olávia
Espaço de pureza e de tranquilidade, associadas ao campo.
Local adequado ao ideal de mens sana in corpore sano
seguido na educação de Carlos.

Coimbra
Cidade associada à formação académica de Carlos e Ega.
Espaços e seu valor simbólico

Consultório
Local emblemático da ociosidade de Carlos e do seu gosto pelo luxo e
pelo requinte.

Casa da Rua de São Francisco


Espaço de aproximação amorosa de Carlos e Maria Eduarda.
Espaços e seu valor simbólico
Toca
Local de vivência marginal e transgressora do amor de Carlos e Maria
Eduarda.

Lisboa
Capital e espaço social, político e cultural representativo da nação,
com os seus hotéis, teatros, cafés, jornais... Cenário da maioria dos
«episódios da vida romântica» e, portanto, local privilegiado da crítica
de costumes.
Espaços e seu valor simbólico
Sintra
Espaço natural conotado como paraíso
romântico.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes

Certos locais e ambientes da Lisboa da segunda metade do século


XIX, pelos quais circulam personagens representativas da sociedade
dessa época, permitem, ao longo do romance e em diversos
episódios, a crítica de costumes.
Através da representação desses espaços sociais, nos vários
episódios em que se evidencia a intenção crítica de Eça de Queirós,
expõem-se os defeitos do país, da artificialidade ao sentimentalismo,
passando pela corrupção e pela incompetência, em múltiplas áreas,
como as finanças ou a política.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes

Educação
portuguesa do Jantar no Hotel Central
século XIX

Jantar em casa
dos Gouvarinho Jornalismo
Corridas no hipódromo
português do
século XIX
Sarau no Teatro Passeio final de
da Trindade Carlos e Ega
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Educação portuguesa no século XIX
Tema explorado no romance a partir da descrição dos modelos aplicados em
Pedro da Maia, Eusebiozinho Silveira e Carlos da Maia.
Os dois primeiros, educados segundo o modelo tradicional português, tornam-
-se frágeis, física e psicologicamente, o que vem a evidenciar-se no seu destino,
com o suicídio (Pedro) e a entrega à vida devassa após a viuvez (Eusébio).
Contrastam com Carlos, que recebeu uma formação assente no sistema inglês,
estimulante do corpo e do intelecto, e que o dotou de maior capacidade de
resistência às adversidades.
Contudo, apesar das diferenças educativas, Carlos, acaba por «falhar a vida»
também, sobretudo por influência do meio romântico lisboeta.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Jantar no Hotel Central
Jantar de homenagem ao banqueiro Cohen, organizado
por Ega, que serve a crítica social desenvolvida no romance
ao permitir a abordagem de temas literários (o confronto
entre o Naturalismo e o Ultrarromantismo e a falta de
qualidade da crítica literária nacional) e financeiros, com a
análise cáustica às Finanças portuguesas e a denúncia do
estado geral do país, carente de reformas a vários níveis.
Ganha um valor simbólico particular por corresponder ao
local em que Carlos vê pela primeira vez Maria Eduarda.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Corridas no hipódromo
Episódio da crónica social que evidencia a importação
de costumes e a sua inadequação à sociedade
portuguesa.
Inspiradas nos modelos ingleses e franceses, as
corridas em Belém denotam a improvisação e a
mediocridade do evento, que se tornam notórias na
preparação e na organização do espaço, no desinteresse
e na falta de civismo do público, na fraca qualidade de
alguns cavalos e na falta de desportivismo dos jóqueis.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Jantar em casa dos Gouvarinho
Episódio ilustrativo do subtítulo do romance, em que Carlos
contacta intimamente com os condes de Gouvarinho, em casa destes,
e com diversas figuras representativas da sociedade Lisboeta da
segunda metade do século XIX.
Destacam-se, na galeria de personagens da crónica de costumes, o
conde de Gouvarinho, personificando o político pouco instruído, e
Sousa Neto, personagem-tipo que ilustra a incompetência e a
ignorância da administração pública.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Jornalismo português do século XIX
O jornalismo destaca-se, no romance, enquanto área
exemplificativa da corrupção do país.
Através dos episódios que envolvem A Corneta do
Diabo e A Tarde, com o artigo difamatório de Carlos e
Maria Eduarda encomendado por Dâmaso, no primeiro, e
a carta de retratação deste, no segundo, ilustra-se a falta
de ética e a parcialidade dos jornalistas, assim como o
gosto pelo sensacionalismo na imprensa da segunda
metade de oitocentos.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Sarau no Teatro da Trindade
Episódio da crónica de costumes em que, através da recriação de um
evento cultural, se denuncia a falta de sensibilidade estética e a
mediocridade cultural do país.
Através de tipos sociais como «os homens, a gente do Grémio, da Casa
Havanesa, das Secretarias […] rapazes do Jockey Club, os dois Vargas, o
Mendonça, o Pinheiro», critica-se o sentimentalismo, o convencionalismo
e o espírito acrítico da sociedade portuguesa. Rufino personifica a
oratória oca, «sport de eloquência».
Concretiza, assim, a crítica ao romantismo vigente na sociedade
portuguesa da segunda metade do século XIX.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Sarau no Teatro da Trindade

Ganha um significado particular por articular os dois níveis


narrativos da obra, anunciados no título e no subtítulo: é durante o
espetáculo no Teatro da Trindade que se dá o encontro entre Ega e
Guimarães, o tio de Dâmaso, que, já à saída, volta a interpelá-lo e
acaba por fazer as revelações que vão determinar o reconhecimento
do incesto e o desenlace trágico da ação.
Representação de espaços sociais e crítica de costumes
Passeio final de Carlos e Ega

O passeio final de Carlos e Ega, que se reencontram em Lisboa dez


anos após o desenlace trágico da relação entre o primeiro e Maria
Eduarda, leva os dois amigos a constatar a estagnação da capital.
Através do episódio, é feita a crítica ao provincianismo, à falta de
evolução e à degradação da sociedade portuguesa e do país.

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