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As personagens na obra Os Maias de Eça de Queirós

Os Maias apresentam a mais vasta galeria de personagens de toda a obra


Queirosiana. Estas devem ser analisadas tendo em conta a concepção e o processo de
caracterização das diversas personalidades, o relevo que lhes é atribuído na obra e a sua
representatividade.
As personagens de crónica de costumes são, de um modo geral, personagens planas,
personagens-tipo que representam grupos, classes sociais ou mentalidades, movimentando-
se em determinados ambientes.
Esta obra é composta por um número de personagens quase sempre esvaziadas de
densidade psicológica, que não interpretam atitudes inovadoras e inesperadas e dotadas de
“tiques”, trejeitos e pormenores físicos sistematicamente repetidos, quando ocorre a sua
intervenção na acção: a gordura de Dâmaso, o agitar de cabeça de Alencar, etc.
Geralmente, representam um determinado grupo social ou profissional. As personagens
tipificadas n’ Os Maias existem em função da crítica social, elas movimentam-se em células
sociais, tais como espectáculos, bailes, jantares, etc

Carlos da Maia: personagem que ocupará na obra o papel fulcral, tanto em termos de
inserção social, como em relação à intriga. Carlos ocupará sistematicamente a atenção do
narrador a partir do capítulo III e com os outros membros da família não se verifica o
mesmo.
Assim, o leitor vai acompanhando o seu percurso, desde o seu período de formação em S.
Olávia, submetido a uma rígida educação britânica até ao desencantamento do passeio final.
Pelo caminho encontramo-lo, em Coimbra, levando uma vida de boémia estudantil e literária,
em Lisboa passando belos momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para
mudar a mentalidade da sociedade lisboeta que frequenta e que o idolatra, vivendo de
forma exacerbada e intensa a sua paixão por Maria Eduarda, interessando-se por tudo e
por nada ao mesmo tempo.
Apesar de ter sido educado para ser capaz de enfrentar todas as contrariedades, a
sua vida fracassou em grande parte: absorvido por uma vida social e amorosa que o levará à
perda das suas motivações.
Destacam-se, na sua personalidade, as características seguintes: cosmopolitismo,
sensualidade, luxo, diletantismo e dandismo.
Muito embora Carlos se mantenha acima da crítica, é uma espécie de personagem
híbrida que, não sendo a criticada, em muito contribui para a revelação do contexto social e
para a caricatura de outras personagens.

João da Ega: é o grande confidente e companheiro de Carlos. É o responsável pela


apresentação de Carlos a sociedade lisboeta e tem um papel importante no desenvolvimento
da intriga principal. Tal como o seu amigo, é um dândi e um diletante, adoptando um
comportamento contraditório na defesa de ideias radicais. Emocionalmente instável,
apaixona-se por Raquel Cohen, mas termina com o alarido habitual desta personagem, na sua
expulsão da casa da amante. É o alter-ego de Eça de Queirós.

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Através do ponto de vista de Ega, Eça vai-nos dando conta da intimidade de Carlos.
O autor projectou psicologicamente Carlos no amigo Ega. É ele que divaga, que compreende
e que sofre a desgraça, preenchendo as lacunas com ponderações sobre o incesto.
Assim vemos que o narrador, prescindindo a sua condição omnisciente, deixa a
focalização das cenas mais dramáticas da intriga principal a João da Ega. É Ega quem
primeiro conhece a verdadeira identidade de Maria Eduarda, quem se encontra com o
procurador Vilaça. Ele é o orientador da representação narrativa quando chega a altura de
revelar a verdade a Maria Eduarda e, no momento da despedida, quando ela parte
definitivamente para Paris. Mas a vida psicológica de Ega manifesta-se também ao nível da
reflexão interiorizada através de monólogos interiores, sobretudo depois do encontro com
o Sr. Guimarães, no cap. XVI.

Afonso da Maia: é a personagem que funciona como o esteio da família Maia e é para ele
que todos se voltam nos momentos de crise. Com efeito, este símbolo do Portugal liberal da
década de 20 é o ponto de equilíbrio dos Maias. É a ele que Pedro entrega Carlos após a
fuga de Maria, é ele que Carlos interroga na esperança de que Afonso desminta as
revelações de Guimarães. Afonso é ainda a incarnação do bom senso, da experiência, dos
valores da nação e da raça, é alguém que defende o património português face à
descaracterização e à invasão das modas estrangeiras.
No entanto, Afonso é humano e, embora tenha conseguido sobreviver à tragédia do
filho, não supera a do neto, morrendo também com ele o futuro da família, pois é sobre ele
que recai directamente a desgraça que se abate sobre a família.
O seu sofrimento não é demonstrado através de palavras, mas por actos simbólicos
pouco drásticos, mas muito significativos, como por exemplo, o mandar retirar o talher de
Pedro da mesa. A figura do avô atravessa quase toda a narrativa, o que aliado à sua
compleição física, lhe confere o estatuto de forte pilar onde assenta a hierarquia familiar
dos Maias (morre Afonso, desfaz-se a família).
A sua angústia interior é-nos fortemente sugerida, mas nunca expressamente dita.
Apreendemos esse sofrimento não só por gestos, mas também pelo desgaste físico que os
acontecimentos provocam ao longo do tempo (lentidão dos gestos, a transfiguração do
rosto).

Pedro da Maia: enquanto personagem, obedece ao “cânone naturalista: hereditariedade,


meio social e educação”. Assim, com uma educação católica e tradicional, bem ao gosto
português herdando a carácter depressivo e melancólico da mãe, e vivendo no meio do
“sopro romântico da Regeneração”, Pedro nada mais podia fazer que se deixar arrastar por
uma paixão obsessiva e fatal.
Sem constituir uma personagem modelada, Pedro revela alguma complexidade
interior que deixa imprevisível o suicídio – ponto climático de um drama familiar vivido
essencialmente por Pedro e seu pai. A complexidade de Pedro advém precisamente do facto
de: ter finalmente compreendido o seu pai; se ter apercebido da verdadeira dimensão
social do seu acto (casamento com Maria Monforte) e se sentir incapaz de sofrer.

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Maria Eduarda: Maria Eduarda vai-se dando a conhecer ao longo da obra através dos
processos de autocaracterização em que conta a Carlos a sua infância e a sua juventude,
tornando-se claro que o meio em que viveu é responsável pelo tipo de vida dissoluta que tem
levado, mas também requintada e culta. Maria Eduarda é sempre apresentada como um ser
superior que se destaca no meio das mulheres lisboetas. Ela é alta, loira, envolta numa capa
de mistério, que aumenta o seu poder de sedução e a sua sensualidade. Era pois inevitável,
que ela e Carlos, também ele diferente do lisboeta comum, se sentissem atraídos um pelo
outro, se conhecessem e se amassem.
Maria Eduarda incarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino, mas que
acaba por encontrar, ainda que momentaneamente, a razão da sua vida, na paixão e no amor.
Ela é também vítima do seu passado, das circunstâncias em que cresceu e viveu.
O autor manteve esta personagem estrategicamente à distância, a caracterização
de Maria Eduarda foi feita em poucos traços. O conhecimento do seu passado é quase nulo
e isso aumentou o encanto e mistério que a envolve. A sua caracterização chega-nos através
do ponto de vista de Carlos, para quem tudo o que dizia respeito a Maria Eduarda se
assemelhava à perfeição, até o nome.

Eusebiozinho: representa a educação retrógrada portuguesa. Influenciável, cobarde, fraco,


socialmente ignorado, personifica as vítimas da educação portuguesa tradicional, norteada
por uma moralidade caduca e retrógrada.

Conde de Gouvarinho: ministro e par do Reino, representa o poder político incompetente. É


um político ignorante, fútil e vaidoso, que revela uma total ausência de espírito crítico.
Representa o Portugal conservador e é desprezado pela própria mulher.

Dâmaso Salcede: obcecado do “chique a valer”, filho de um agiota e é o representante do


novo-riquismo e a súmula dos vícios de Lisboa da 2ª metade do século XIX. Fisicamente
gordo e balofo, provinciano, mesquinho, bajulador, cobarde, é a personagem mais
repugnante da obra. Simboliza o que há de pior na sociedade portuguesa da época.

Guimarães: tio de Dâmaso, conhecera a mãe de Carlos em Lisboa. Democrata e


simpatizante do comunismo, portador da carta que provoca o reconhecimento e desencadeia
a catástrofe.

Steinbroken: ministro da Finlândia, entusiasta da Inglaterra, a diplomacia inútil.

Taveira: empregado do Tribunal de Contas “…onde se fazia um bocado de tudo para matar
o tempo... até contas”. É um amigo da família Maia, e representa a ociosidade da
aristocracia portuguesa.

Cruges: o “maestro, pianista, com uma pontinha de génio”, um homem moralmente são e
tímido. É uma das personagens mais marcada pelos condicionalismos do meio, pois não se
sente motivado a compor, porque a sociedade lisboeta não seria capaz de o apreciar.

Neves: director da Tarde, símbolo do jornalismo político e parcial, deputado e político.

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Palma Cavalão: director da Corneta do Diabo, símbolo do jornalismo, corrupto.

Craft: um inglês amigo de Ega e de Carlos, rico, boémio, culto, a formação britânica e do
temperamento britânico e por causa disso se torna amigo de Carlos.

Jacob Cohen: o banqueiro, director do Banco Nacional, o representante das altas finanças
nacionais responsáveis pela degradação económica do país.

Rufino: deputado de Monção, símbolo da oratória parlamentar, usando e abusando de uma


oratória balofa e oca com uma mentalidade profundamente provinciana e retrógrada.

Vilaça: o procurador honesto, fiel ao seu amo, calmo e que acredita no progresso. Tipifica o
burguês típico e conservador. Vilaça acaba por ser o mensageiro da fatalidade, já que Ega,
não tendo tido coragem de levar a trágica notícia da verdadeira identidade de Maria
Eduarda a Carlos, o incumbe de o fazer.

Sousa Neto: representante da Administração Pública, é um vaidoso e ignorante.

Se exceptuarmos Maria Eduarda, as mulheres presentes na obra enegrecem mais


ainda o quadro crítico da época traçado pelo autor da obra. Regra geral, não há esposas
perfeitas, mas sim adúlteras, como por exemplo Raquel Cohen, a Gouvarinho, a Maria
Monforte, ou mesmo as prostitutas como as espanholas acompanhantes de Dâmaso ou de
Eusebiozinho. Porém, em qualquer dos casos e-lhes reconhecida a sua beleza física. Mesmo
quando não se encontram em reuniões sociais, as mulheres são muitas vezes objecto de
conversa entre os homens e os diálogos ilustram a futilidade e degradação dos bons
costumes.

Maria Monforte: é o protótipo de mulher fatal romântica, que arrasta o homem para o
abismo da perdição. Era conhecida em Lisboa como a ”negreira”, alcunha pejorativa que lhe
foi atribuída pelo facto de seu pai ter sido comandante de um navio de escravos. Fútil,
sensual, deixa-se influenciar pela literatura romântica que contribuirá para o seu carácter
romanesco: quer o nome que dera a seu filho, Carlos Eduardo, nome de um dos heróis de
uma novela que lera, quer a sua fuga com Tancredo, são consequências desta sua
personalidade romântica. Quando abandona Pedro, leva consigo a sua filha, Maria Eduarda,
deixando Carlos entregue ao pai.
Maria Monforte apesar de ocupar pouco espaço na narrativa, é um das peças
funcionais, e colocadas na origem do incesto. Adivinha-se nesta figura um certo conflito
interior que não chega a ser revelado. A personagem apresenta-se-nos através de atitudes,
de que Pedro se vai dando conta. Verifica-se uma mudança na personagem, que Pedro
ingenuamente apreende como sendo para agradar a Afonso. É uma figura discreta, que
passa por um processo de consciencialização de si, o qual contribui para uma certa
densidade psicológica. É o espírito romântico de Maria que a leva a abandonar o lar e a
entregar-se a uma paixão adúltera.

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Maria Eduarda Runa: esposa de Afonso da Maia, acompanha-o no exílio a Inglaterra, onde
sempre se sentiu infeliz, é a responsável pela educação de Pedro, contra a vontade de
Afonso.

Condessa de Gouvarinho: amante de Carlos, sensual, provocante e adúltera. É uma mulher


fútil que despreza o marido pelo seu fraco poder económico e desenvolve uma paixão
obsessiva por Carlos.

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