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Factores hereditários
Pedro da Maia herda várias características físicas e psicológicas dos Runas (família de sua mãe,
Maria Eduarda). Assim, podemos estabelecer um quadro de semelhanças entre Pedro e a mãe.
A vinculação de Pedro ao ramo familiar dos Runas é ainda denunciada quando Afonso da Maia, seu
pai, descobre “ a grande parecença de Pedro com um avô de sua mulher, um Runa, de quem existia um
retrato em Benfica: este homem extraordinário, com que na casa se metia medo às crianças, enlouquecera
– e julgando-se Judas enforcara-se numa figueira...” (p. 22).
Educação
N’ Os Maias são confrontados dois sistemas educativos opostos:
- a educação tradicional portuguesa, oitocentista e conservadora (Pedro da Maia e Eusebiozinho)
- a educação tipicamente inglesa (Carlos da Maia)
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Carlos passa a infância em Santa Olávia, onde o avô lhe proporciona uma educação tipicamente
britânica, orientada por um preceptor inglês chamado Brown. Esta educação é completamente diferente da
de seu pai. Face aos maus resultados da educação de Pedro, é natural que Afonso se preocupasse em dar
ao neto ( o seu único herdeiro) uma educação diferente que lhe oferecesse garantias de êxito.
Meio
Pedro é educado num ambiente de devoção histérica (“dos quartos da senhora vinha
constantemente, dolente e vago um rumor de ladainha”, “voz das rezas”, “Afonso encontrava a cada
momento pelos corredores outras figuras canónicas”, “ a casa tinha um bafio a sacristia”).
Mais tarde, na juventude, Pedro alterna momentos de vida turbulenta, influência de um romantismo
torpe, com períodos de devoção, os quais preenchia a ler “vida de Santos” ou a visitar “o lausperene”.
Carlos, durante a infância, vive num ambiente descontraído, alegre, caracterizado por uma vida ao
ar livre. Contudo, depois de regressar da sua viagem de fim de curso, deixa-se envolver pelo meio social em
que vive a aristocracia lisboeta do século XIX: um meio fútil, mesquinho, ocioso, apodrecido, boémio e
corrupto.
Conclusões
Pedro da Maia é a personagem principal da intriga secundária, intriga essa que obedece a todos
os cânones do romance naturalista. Como tal, os factos resultam de causas determinantes como a
educação, o meio e a hereditariedade.
Pedro torna-se um homem apático, passivo, fraco, melancólico, de temperamento instável, que falha
no casamento. Incapaz de resolver os problemas com que tem de se defrontar, acaba por cometer o
suicídio.
Carlos da Maia é a personagem principal da intriga principal. Não consegue concretizar os seus
ideais (ex.: ajudar os pobres), porque se deixa envolver pela sociedade que o rodeia, que não hesita em
afirmar que Carlos “é muito elegante para ser médico”. Completamente envolvido pelo meio, passa a levar
uma vida de aristocrata: não trabalha, tem uma amante, aprecia o luxo. A multiplicidade de interesses
arrasta-o para o diletantismo.
Podemos então afirmar que o meio social lisboeta oprime os ideais de Carlos e anula as suas
potencialidades (dizia-se que Carlos até era bom médico).
Apesar de tudo, Carlos continua a demonstrar a sua superioridade em relação aos outros homens
quando reconhece que falhou na vida, quando reconhece o seu romantismo.
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Educação
Uma referência à caracterização das personagens de Os Maias que não passasse pela
problemática da educação seria forçosamente lacunar. Em primeiro lugar, porque se trata de
um sector fundamental da existência da personagem; e isto sobretudo quando nos situamos no
contexto da estética naturalista, mas também num romance como Os Maias, parcialmente
tributário ainda nessa estética (…). Em segundo lugar, porque o tema da educação possui, nas
obras de Eça de Queirós, uma representatividade considerável: no Primo Basílio e no Crime do
Padre Amaro (ainda, portanto, na fase vigorosamente naturalista); na Relíquia e na
Correspondência de Fradique Mendes , passando pelos Maias, de que aqui nos ocupamos,
sempre os programas pedagógicos a que se sujeitam as personagens têm um lugar de relativo
destaque.
N’Os Maias, a educação surge diversas vezes aflorada ao longo do romance; isso
acontece quando se trata de, através dela, delinear uma imagem das concepções que sobre o
assunto eram desposadas pela alta sociedade lisboeta cuja mentalidade deste modo se vai
precisando. É assim que, em certa altura, deparamos com uma das senhoras do círculo dos
Gouvarinhos sintomaticamente expressando a opinião de que “não havia verdadeiramente
senão uma coisa digna de se estudar, eram as línguas”, pois tudo o mais eram “coisas inúteis da
sociedade”. O próprio conde de Gouvarinho (raciocinando, afinal, com base em esquemas
mentais idênticos) insurge-se contra a ginástica nos colégios: e pergunta ao deputado Torres
Valente “se, na sua ideia, os nossos filhos, os herdeiros das nossas casas, estavam destinados
para palhaços!...”
Para devidamente nos apercebermos das limitações que enfermavam estes juízos, é
preciso ter em conta o modo como n’ Os Maias são confrontados dois sistemas educativos
opostos. E aqui voltamos ao processo de caracterização de Pedro (e agora também de
Eusebiozinho) e Carlos.
Estas normas educativas não se extinguem, porém, com a personagem que delas foi
vítima. Elas encontram-se igualmente presentes numa figura que, sobretudo por pertencer à
geração de Carlos, com ele mais abertamente contrasta neste (e noutros) aspecto(s).
Referimo-nos a Eusebiozinho, que o procurador Vilaça encontra em Santa Olávia (cap. III), em
circunstâncias que facilitam o confronto imediato com Carlos. (…)
Com efeito, enquanto Carlos patenteia uma saúde exuberante, de Eusebiozinho diz-se
que “nada mais melancólico que a sua facezinha trombuda, a que o excesso de lombrigas dava
uma moleza e uma amarelidão de manteiga” (…).
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Não se julgue, entretanto, que esta oposição é casual; ela surge fundamentalmente
como resultante necessária da execução de programas educativos antagónicos. Com efeito,
Carlos é submetido a uma educação tipicamente inglesa: privilégio da vida ao ar livre, contacto
com a natureza, exercício físico, aprendizagem das línguas vivas, desprezo pela cartilha e por
todo o conhecimento exclusivamente teórico, eis alguns dos elementos formativos com que se
depara Vilaça ao chegar a Santa Olávia. Tudo isto com grande escândalo da família e dos
amigos que viam no abade Custódio o pedagogo ideal (porque tradicional) para Carlos. (…)
Ora, em função de tudo isto, como estranhar que, também quando adultos, Carlos e
Eusebiozinho continuem a ser personagens construtivas? Como estranhar que Eusebiozinho
mergulhe numa vida de corrupção e decadência física? E como estranhar que Carlos, pelo
contrário, venha a desfrutar de um estatuto de privilégio no espaço social em que opera?
Carlos Reis, Introdução à Leitura d’Os Maias
A educação que recebeu não deveria ter criado um indivíduo forte, capaz de ultrapassar
as adversidades da vida?
A resposta a esta questão não é única, uma vez que, e tendo em conta os pressupostos
naturalistas, não podemos esquecer que a carga dos pais também deve ser tida em conta( a fraqueza e a
cobardia do pai, o egoísmo, a futilidade e o espírito boémio da mãe); por outro lado, o meio decadente -
uma sociedade parasita, ociosa, fútil, sem estímulos - em que Carlos se move também o influenciou. No
entanto, após a revelação do incesto e a morte do avô, Carlos consegue sobreviver pelo menos
fisicamente. Porquê? Sem dúvida devido à educação britânica. Basta compararmos a sua atitude com a
Dever-se-á ainda referir que o percurso existencial de Carlos pode ser o símbolo da evolução da
sociedade portuguesa após a Regeneração. Quando Portugal parecia estar a entrar numa época
diferente, marcada por uma certa prosperidade (tal como Carlos foi a esperança de renascimento dos
Maias), o país acaba por cair no indiferentismo, num retrocesso marcado por uma indefinição quanto ao
futuro (tal como Carlos e Ega no passeio final). Daí que se possa afirmar, parafraseando José de
Almeida Moura, que Os Maias mais não são que “um ensaio alegórico sobre a decadência da nação”,
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