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“OS MAIAS” - AS PERSONAGENS

«O verdadeiro romancista escuta e vigia (as suas personagens) enquanto atuam, espia-as antes de as
conhecer. É só através do que lhes ouve dizer que começa a compreender quem são.»
ANDRÉ GIDE, cit. In Dicionário de Narratologia

As personagens da crónica de costumes são, de um modo geral, personagens planas, personagens-tipo que
representam grupos, classes sociais ou mentalidades, movimentando-se em determinados ambientes.
 Eusebiozinho representa a educação retrógrada portuguesa (conservadora);
 Alencar, o poeta, representa o ultrarromantismo;
 Conde de Gouvarinho, ministro do Reino, representa o poder político incompetente;
 Sousa Neto, deputado, representa a administração pública;
 Palma «Cavalão», o diretor do jornal «A Corneta do Diabo», o jornalismo corrupto;
 Dâmaso Salcede, “chique a valer”, é representante do novo-riquismo e a súmula dos vícios de Lisboa da 2ª
metade do século XIX;
 Steinbroken, ministro da Finlândia, “c’est grave”, a diplomacia inútil;
 Cohen, o banqueiro, as altas finanças;
 Craft, a formação britânica (...)
Muitas personagens desfilam na galeria deste romance, personagens estáticas que visam criar a atmosfera
social de Lisboa da 2ª metade do século XIX.

Personagens da Intriga
As personagens da intriga, sobretudo Carlos, Afonso e Ega, revelam uma certa complexidade, densidade
psicológica e conflito interior; por isso, são modeladas ou carateres, pelo seu dinamismo opõem-se às
personagens estáticas.
Embora sendo um romance de uma família, não é esta enquanto unidade coletiva que ocupa o papel
central. A obra está construída em redor de Carlos. A partir do capítulo III, o narrador volta a sua atenção
sistematicamente para Carlos, o que nos leva a concluir que as referências às gerações de Afonso e de Pedro só
foram feitas para explicar a existência de Carlos em Lisboa.
Carlos, o protagonista
Toda a ação gira em torno de Carlos, tanto na crónica de costumes como na intriga. A Afonso da Maia e a
Pedro da Maia são atribuídos apenas os dois capítulos iniciais, ou seja, aqueles em que são relatados os
antecedentes familiares de Carlos.
Carlos da Maia era um homem fisicamente atraente (p. 96). Passou a sua infância em Santa Olávia, na
companhia do avô, que se empenhou em proporcionar-lhe uma educação britânica (moderna), em que se
privilegiava a disciplina, a atividade física, o contacto com o ar livre/a Natureza, sob a orientação de um precetor
inglês chamado Brown. Este tipo de educação é completamente diferente da de seu pai, Pedro da Maia. Com
efeito, Maria Eduarda Runa, esposa de Afonso, com a colaboração do Padre Vasques, havia ministrado a Pedro
uma educação tradicionalista, tornando-o um ser fraco que viria a sucumbir tragicamente. É natural que Afonso,
face aos maus resultados da educação de Pedro (com a qual pareceu sempre não concordar, mas que nunca
impediu), vendo agora a família reduzida a dois sobreviventes (ele próprio e o neto), se preocupasse em dar-lhe
uma educação distinta, dir-se-ia saudável, que lhe oferecesse garantias de êxito.
Carlos estuda Medicina em Coimbra, onde conhece João da Ega, seu amigo e confidente. Concluída a
formatura, faz uma viagem de fim de curso pela Europa e vem instalar-se no Ramalhete, em Lisboa, com o avô. As
obras de restauro, melhoramento e luxuosa decoração de que o palacete beneficiou logo nos dão conta da sua
personalidade: o cosmopolitismo (cidadão do mundo), a sensualidade, o luxo, o diletantismo (aquele que
cultiva/ama as letras e as Belas-Artes; aquele que pratica um ofício ou uma arte sem espírito profissional) e o
dandismo (elegância).
No início da ação central, formado em Medicina, com consultório no Rossio, animado com grandes
projetos, Carlos é um jovem aristocrata com uma educação moderna, “à inglesa”, materialista, que deseja ser útil.
Contudo, todo este entusiasmo e ânsia de concretizar projetos encontram uma barreira: uma sociedade fútil,
parasita e ociosa, que até nem o leva a sério: “Você é muito elegante para ser médico”.
Mas, em breve, em vez da sua vida de médico, passou a levar uma existência de aristocrata, oca e inútil,
entre duas paixões: a da Condessa de Gouvarinho, que acabou por abandonar, e a de Maria Eduarda . E, assim, a
sua vida transformou-se numa “repetição de adultérios (...) sob o bruto aguilhão (estímulo) da carne”. Além disso,
o luxo, os cavalos, a vida social do Ramalhete e, de um modo geral, uma multiplicidade de interesses e aventuras
que o solicitam e vão arrastando Carlos, progressivamente, para o diletantismo. A falta de estímulos na
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sociedade lisboeta, ociosa, fútil, ignorante e mesquinha levam-no também a mergulhar “na sua ociosidade de
homem rico”.
Portanto, este homem superior pela educação, cultura, elegância, inteligência e riqueza (apesar de tudo,
ele manifesta sempre a superioridade da sua mentalidade e do seu bom gosto, destacando-se, juntamente com
Ega e Craft, daqueles que o rodeiam) falha na vida: em parte devido à “pequenez”, mediocridade e futilidade de
um meio decadente; em parte, também, devido à hereditariedade – herda do pai a fraqueza, o comodismo e
uma certa cobardia e da mãe, possivelmente, a futilidade, o egoísmo e o espírito boémio.
Com a morte do avô, provocada pelos amores incestuosos de Carlos com a sua irmã, decide viajar com Ega
para espairecer e vai instalar-se em Paris. Dez anos depois, volta a Lisboa, de visita, e é Ega quem confessa: “- E que
somos nós? Que temos nós sido(...)? Românticos: isto é, indivíduos inferiores que se governam na vida pelo
sentimento, e não pela razão...”  Carlos, neste passeio final, mostra toda a frustração e nulidade da sua vida,
bem longe dos planos que traçara na sua juventude.
O leitor vai acompanhando o percurso de Carlos, desde o seu período de formação em St.ª Olávia,
submetido a uma rígida educação britânica (moderna) até ao desencantado passeio final, onde a sua única razão
existencial parece ser a de se ter esquecido de encomendar para o jantar “um grande prato de paio com ervilhas”
(Cap. XVIII, p.716). Entretanto, encontrámo-lo em Coimbra, levando uma vida de boémia estudantil e literária; em
Lisboa, passando belos momentos de ócio no seu consultório, aí fazendo planos para mudar a mentalidade da
sociedade lisboeta que frequenta e que o idolatra, vivendo de forma exacerbada e intensa a sua paixão por Maria
Eduarda, interessando-se por tudo e por nada ao mesmo tempo (diletantismo). Carlos é o diletante culto por
excelência, que acaba por se deixar submergir pela apatia da sociedade lisboeta em que vive, deixando cair, um
a um, todos os seus projetos de vida, inclusive a sua paixão, embora esta última por razões que Carlos não
consegue controlar.
Educado de forma esmerada, fracassou. Porquê?
Como se justifica então, dentro dos cânones naturalistas, este falhanço de Carlos?
A educação que recebeu não deveria ter criado um ser forte, robusto, determinado, audaz, capaz de
ultrapassar as adversidades da vida?
A resposta a esta questão não é linear. Não foi por causa da educação, mas apesar da educação, se bem
que o problema de uma educação baseada apenas em valores físicos e intelectuais, desprezando alguns aspetos
espirituais, mereça uma reflexão atenta.
Falhou em parte devido ao meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil, sem estímulos
– e em parte devido a aspetos hereditários.
”Carlos ao lado, muito sério (...) Mas há de ser muito mais homem.” (p. 54, Cap. III)
”O bom Vilaça, no entanto, dando estalinhos aos dedos (...) e via-se passar, fugir, o brilho dos seus olhos muito
negros e muito abertos.” (pp. 62-66, Cap. III)
”Carlos ia formar-se em medicina (...) A Literatura e a Arte, sob todas as formas, absorveram-no deliciosamente.”
(pp.87-90, Cap. IV)
”Era decerto um formoso e magnífico moço (...) belo cavaleiro da Renascença.” – Retrato como adulto:
semelhanças com o pai (sentimentalismo) (p.96, Cap. IV)
”O laboratório de Carlos (...) pesasse na política, regulasse a sociedade, fosse a força pensante de Lisboa.” (pp.
128-129, Cap. V)
”Carlos continuava calado.” (pp. 417-419, Cap. XII)
 A mentira e a fraqueza da vontade (a incapacidade de resistir à sedução). (pp.652-658)
 O remorso, o desespero e a sensibilidade. (pp. 671-672)
 O falhanço e a anulação. (p.713)
”- É curioso! Só vivi dois anos nesta casa (...)” (pp.714-716, Cap. XVIII)
Maria Eduarda
Maria Eduarda surge, na obra, quando Carlos, acompanhado de Craft, entrava no Hotel Central, para o
jantar. (pp. 156-157)
Esta aparência divina (“deusa”) deixa Carlos extasiado. Alta, elegante, bela, Maria Eduarda “tinha naquele
cais triste da cidade antiquada, um destaque estrangeiro, como o requinte claro de civilizações superiores.” De
ânimo forte, leal, extremamente sensível (amante de tudo o que é fraco – como o avô), mantém em todas as
situações trágicas uma grande dignidade.
Só sabe a verdade sobre o seu nascimento quando Ega lhe dá a ler a carta de Maria Monforte encontrada
entre os papéis entregues pelo Sr. Guimarães. Até então julgava que tinha nascido em Viena, de pai austríaco que
nunca conhecera. Até aos dezasseis anos viveu num colégio perto de Tours. Foi depois para a companhia da mãe,
que levava, em Paris, uma vida desregrada e miserável, e a apresentou ao irlandês Mac Green. Com este viveu
quatro anos e dele teve a sua filha Rosa. Mac Green morre na guerra contra os alemães e não chegam a casar.
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Parte depois para Londres com a mãe e a filha e passa momentos difíceis. Regressa a Paris e passa fome. Rosa
definhava, a mãe “já se queixava da doença de coração que a matou”. “A mamã fazia dó. E a Rosa morria se não
tivesse outro regime, bom ar, algum conforto...” Foi então que conheceu o brasileiro Castro Gomes “em casa de
uma antiga amiga da mamã”. Esta ligação é sobretudo justificada pela necessidade extrema em que se encontrava
e pelo receio da morte da filha. O seu coração “conservou-se adormecido”, “... o corpo permaneceu sempre frio,
frio como mármore..”. (pp. 514-515)
É como “esposa” de Castro Gomes que Maria Eduarda chega a Lisboa. Uma carta anónima enviada a Castro
Gomes virá fazer com que este esclareça a sua situação de amante, e não de marido, perante Carlos. No início, este
facto sobressaltou um pouco a sua relação mas acaba por contribuir para o aprofundamento do amor e da paixão
(passam uma vida transitoriamente feliz). Chegam a pensar em fugir e casar, mas hesitam em abandonar Afonso.
Até que, um dia, o Sr. Guimarães entrega a caixa dos documentos a Ega. É este que comunica a Maria Eduarda a
sua verdadeira identidade. Carlos comunica-lhe, também através de Ega, que deve partir para Paris. Maria Eduarda
recebe uma doação da herança de Afonso que Carlos lhe manda atribuir. Aceita aquela atroz (desumana, cruel)
coincidência do destino com uma grande coragem e dignidade. É o que se pode depreender do seu
comportamento ao despedir-se de Ega: “Ela apertou-lhe a mão com muita força, em silêncio, sufocada.” (...) “Ela,
de pé, moveu de leve o braço num lento adeus. E foi assim que ele, pela derradeira vez na vida, viu Maria Eduarda,
grande, muda, toda negra na claridade, à portinhola daquele vagão que para sempre a levava.
Anos depois acabaria por casar com Mr. de Trelain, um homem de perto de cinquenta anos. No dizer de
Carlos, tratava-se “da união de dois seres desiludidos da vida, maltratados por ela, cansados ou assustados do seu
isolamento (...) para afrontar juntos a velhice...”
”Um esplêndido preto, já grisalho (...) a voz de Craft murmurou: - Très chic.” (pp. 156-157, Cap. VI) – Retrato como
adulta (semelhanças com a mãe): a beleza, a divinização.
”Mas Carlos não escutava, nem sorria já. (...) aparecia o tom do seu cabelo castanho, quase loiro à luz; a cadelinha
trotava ao lado, com as orelhas direitas.” (pp. 202-203, Cap. VII)
 A insegurança, os presságios, o medo, a sensualidade. (pp.458-459)
 A beleza, a sensibilidade, a feminilidade, a delicadeza de sentimentos. (p.469)
”Nascera em Viena (...) o meu corpo permaneceu sempre frio, frio como um mármore.” (pp. 506-515, Cap. XV)
(Nesta analepse, Maria Eduarda conta a Carlos o que julga saber do seu passado.)
 Culta (música – Beethoven), inteligente, sensível como o avô (hereditariedade) (p.584)
 A partida, a tristeza, o luto, a dignidade. (pp. 686-687)
Maria Eduarda é sempre apresentada ao leitor como uma “deusa”, como um ser superior que se destaca
no meio das mulheres lisboetas. Ela é alta, loira, envolta num mistério encantador, que aumenta o seu poder de
sedução e a sua sensualidade. Era pois normal e inevitável, tal como afirma Ega, que ela e Carlos, também ele
diferente do homem/lisboeta comum, se sentissem, irresistivelmente, atraídos um pelo outro, se conhecessem e
se amassem. Maria Eduarda encarna a heroína romântica, perseguida pela vida e pelo destino, mas que acaba
por encontrar, ainda que momentaneamente, a razão da sua vida, na paixão e no amor. Ela é também vítima do
seu passado, das circunstâncias em que cresceu e viveu (bem ao jeito naturalista).
Afonso da Maia
“Afonso... era apenas um antepassado bonacheirão que amava os seus livros, o conchego da sua poltrona,
o seu whist ao canto do fogão. Ele mesmo costumava dizer que era simplesmente um egoísta – mas nunca, como
agora na velhice, as generosidades do seu coração tinham sido tão profundas e largas. Parte do seu rendimento ia-
se-lhe por entre os dedos, numa caridade enternecida. Cada vez amava mais o que é pobre e o que é fraco. Em
Santa Olávia, as crianças corriam para ele, dos portais, sentindo-o acariciador e paciente. Tudo o que vive lhe
merecia amor – e era dos que não pisam um formigueiro e se compadecem da sede de uma planta.” (Cap. I)
 Enquanto jovem, adere aos ideais do Liberalismo e é obrigado, pelo seu pai, a sair de casa;
 instala-se em Inglaterra, em casa de uma tia e aí vive no meio do conforto;
 falecido o pai, volta a Lisboa e casa com Maria Eduarda Runa, filha do conde de Runa;
 a morte de Maria Eduarda Runa parece não ter provocado um terramoto, ao contrário da morte do filho
Pedro;
 vive intensamente para o neto Carlos;
 já velho, passa o tempo em conversa com os amigos, lendo e emitindo juízos sobre a necessidade de
renovação do país;
 morre de uma apoplexia quando tem conhecimento dos amores incestuosos de seus netos Carlos e Maria
Eduarda. É apresentado como um símbolo do velho Portugal.

 “ Afonso era um pouco baixo (...)” até “(...) e pensava com prazer em ficar ali para sempre naquela paz e naquela
ordem.” (págs. 12-17, Cap. I)
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”No escritório de Afonso da Maia (...)” até “(...) depois de ter devorado um prato de croquetes.” (págs. 113-122,
Cap. V)
”Há uma coisa extraordinária, avô!” até “(...) o esmagava ao fim da velhice com a desgraça do neto.” (págs. 644-
646, Cap. XVII)
”(...) E apareceu Afonso da Maia, pálido (...) De novo os seus passos mais pesados, mais lentos se sumiram no
corredor.” (p. 663, Cap. XVII)
” Defronte do Ramalhete, os candeeiros ainda ardiam.” até “(...) naquela tosca mesa de pedra onde deixara
pender a cabeça pesada.” (págs. 667-669, Cap. XVII)
Afonso é a personagem que funciona como o esteio da família Maia, nomeadamente nos momentos de crise.
Com efeito, este símbolo do Portugal liberal da década de 20 (séc. XIX) é o ponto de equilíbrio dos Maias. É a ele
que Pedro entrega Carlos após a fuga de Maria Monforte, é ele que Carlos interroga na esperança de que Afonso
desminta as revelações de Guimarães (p. 664, Cap. XVII).
Afonso é ainda a encarnação do bom senso, da experiência, dos valores da nação e da raça, é alguém que
defende o património português face à descaracterização e à invasão das modas estrangeiras. No entanto,
Afonso é humano e, embora tenha conseguido sobreviver à tragédia do filho, não supera a do neto, morrendo
também com ele o futuro da família.
João da Ega
Ega andava-se formando em Direito, mas devagar, muito pausadamente, ora reprovando, ora perdendo
ano. Sua mãe, rica, viúva e beata, retirada numa quinta com uma filha, beata, viúva e rica também, tinha apenas
uma noção vaga do que o Joãozinho fizera, todo esse tempo, em Coimbra. O capelão afirmava-lhe que tudo havia
de acabar a contento, e que o menino seria um dia doutor como o papá e como o titi, e esta promessa bastava à
boa senhora. Estimava mesmo que o filho estivesse em Coimbra, ou algures, longe da quinta, que ele escandalizava
com a sua irreligião e as suas graças heréticas.
João da Ega, com efeito, era considerado não só em Celorico, mas também na Academia, que ele
espantava pela audácia e pelos ditos, “como o maior ateu, o maior demagogo que jamais aparecera nas sociedades
humanas”. Isto lisonjeava-o: por sistema exagerou o seu ódio à Divindade, e a toda a Ordem social; queria o
massacre das classes médias, o amor livre... (Cap. IV)
Excêntrico, cínico, denunciador dos vícios, demolidor enérgico da política e da sociedade, é, no fundo, “um
romântico e um sentimental, um desses indivíduos inferiores que se governam na vida pelo sentimento e não pela
razão”. Tornou-se amigo inseparável de Carlos, instalou-se no Ramalhete; Raquel Cohen, esposa do banqueiro
judeu Jacob Cohen, será a sua grande paixão.
Se nos primeiros catorze capítulos, Ega é uma personagem plana, caricatural (o símbolo do Realismo-
Naturalismo), nos últimos quatro ganha uma certa densidade psicológica e passa a desempenhar um papel fulcral
na intriga. É, efetivamente, Ega quem primeiro conhece a verdadeira identidade de Maria Eduarda, quem se
encontra com o procurador Vilaça – constituindo este encontro a preparação da catástrofe que vai atingir Afonso,
Carlos e Maria Eduarda. É, igualmente, Ega que revela a verdade a Maria Eduarda e é ainda ele que a acompanha
ao comboio e se despede, quando ela parte definitivamente para Paris.
 É a projeção literária de Eça de Queirós;
 é uma personagem contraditória: por um lado, romântico e sentimental; por outro, progressista e crítico
sarcástico do Portugal do Constitucionalismo;
 diletante, concebe grandes projetos literários que nunca chega a realizar;
 é a ele que Guimarães entrega o cofre com os dados biográficos de Maria Eduarda;
 ele e Carlos revelam a verdade trágica a Afonso.
”Um amigo de Carlos (um certo João da Ega).” (p.89, Cap. IV)
”João da Ega, com efeito, era considerado não só em Celorico, mas também na Academia (...) A sua fama de
fidalgote rico tornava-o apetecido nas famílias.” (pp. 92-93, Cap. IV)
”Foi uma dessas manhãs (...) e de monóculo no olho examinou o gabinete.” (pp. 104-105, Cap. IV)
“O livro de Ega! (...)” (pp. 111-112, Cap. IV)
”- Tens razão! (...) é assim que pensaria o grande Sancho Pança.” (p. 518, Cap. XV)
”Mas, a esta ideia de “incesto” (...)” (pp. 624-625, Cap. XVI)
”Ega correu para ele (...) Diabo levem as mulheres, e a vida, e tudo!...” (pp. 663-665, Cap. XVII)
”É curioso! Só vivi dois anos nesta casa (...)” (pp. 714-716, Cap. XVIII)
Ega (ou Eça?) funciona como o Sancho Pança de Carlos, ou seja, é aquele amigo que o traz de volta à realidade. É
também o amigo que nos momentos mais difíceis e mais dolorosos o ampara e ajuda, não só em termos
espirituais, mas também na resolução dos problemas práticos (ex.: partida de Maria Eduarda de Lisboa). São,
igualmente, evidentes as afinidades culturais entre as duas personagens.
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Ega é também o símbolo da pura irreverência, do sarcasmo, da ironia, da crítica pela crítica, do prazer de chocar
e de questionar.
No passeio final, tal como Carlos, Ega extravasa o seu desencanto, a sua desilusão, a sua frustração, não só em
relação ao Portugal que o envolve, mas também em relação ao falhanço dos seus projetos.
Pedro da Maia
“O Pedrinho no entanto estava quase um homem. Ficara pequenino e nervoso como Maria Eduarda
(Runa), tendo pouco da raça, da força dos Maias; a sua face oval de um trigueiro (moreno) cálido (fogoso), dois
olhos maravilhosos e irresistíveis, prontos sempre a humedecer-se, faziam-no assemelhar a um belo árabe.
Desenvolvera-se lentamente, sem curiosidades, indiferente a brinquedos, a animais, a flores, a livros. Nenhum
desejo forte parecera jamais vibrar naquela alma meio adormecida e passiva: só às vezes dizia que gostaria muito
de voltar para a Itália. Tomara birra ao Padre Vasques, mas não ousava desobedecer-lhe. Era em tudo um fraco; e
esse abatimento contínuo de todo o seu ser resolvia-se a espaços em crises de melancolia negra, que o traziam
dias e dias mudo, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho. O seu único sentimento vivo, intenso, até aí,
fora a paixão pela mãe.” (Cap. I)
”Odiando tudo que era inglês (...) Que podia ela fazer!...” (págs. 17-18, Cap. I) – Educação (é vítima de uma
educação retrógrada)  Latim / Cartilha (Padre Vasques) / Hiperprotecção da mãe / Fraqueza/Moleza.
”O Pedrinho no entanto estava quase um homem (...) alguma coisa de imortal e superior à Terra.” (págs. 20-22,
Cap. I)
”Pedro e Maria, no entanto, numa felicidade de novela (...) Todos os amigos de Pedro, naturalmente, a amavam.”
(págs. 32-36, Cap. II)
”Uma sombria tarde de dezembro (...) Amanhã conversaremos mais.” (págs. 44-50, Cap. II)
”A madrugada clareava (...) e com todos os criados para a Quinta de St.ª Olávia.” (p. 52, Cap. II)
Pedro, enquanto personagem, obedece ao “cânone naturalista: características psicológicas, meio social e
educação”, condicionando a sua personalidade, as suas atitudes e o seu percurso existencial.
Assim, com uma educação católica e tradicional/conservadora, bem ao modo português, herdando o
caráter depressivo e melancólico de Maria Eduarda Runa, sua mãe (é o prolongamento físico e temperamental da
mãe) - hereditariedade – e vivendo no meio do “sopro romântico da Regeneração” (p. 36, Cap. II), Pedro deixa-se
arrastar por uma paixão obsessiva e fatal . Aliás, Maria Monforte é o protótipo da mulher fatal romântica, que
arrasta o homem para o abismo da perdição.
Um casamento instável e falhado e, por fim, o suicídio, consequência última e definitiva de um temperamento
e de uma formação virados preferencialmente para a fuga e cedência e não para fazer face às crises  falha no
casamento  falha como homem, suicidando-se.
Maria Monforte
Um ser perfeito e divino, que arrasta Pedro da Maia para uma paixão arrebatadora e trágica, fútil,
leviana/inconstante, bela, sensual/sedutora e romanesca/apaixonada por aventuras, vítima da literatura
romântica (a fuga com o “príncipe italiano” tem o caráter romanesco dum episódio de novela romântica). É uma
desconhecida em Lisboa, mas causa sensação pela sua beleza e pelo seu luxo. Tinha “os cabelos loiros de um oiro
fulvo (dourado), ondeavam de leve sobre a testa curta e clássica: os olhos maravilhosos iluminavam-na toda (...);
carnação de mármore (...), perfil grave de estátua (...), magnífica criatura, arrastando com um passo de deusa a sua
cauda de corte, sempre decotada em noites de gala (...), resplandecente de joias...”. Vieram a chamar-lhe a
negreira, porque a fortuna do pai tinha sido conseguida, pelo “papá Monforte”, transportando “cargas de pretos
para o Brasil, para Havana e para Nova Orleães”, arrancando a riqueza da pele do africano”.
Contra a vontade de Afonso, Pedro da Maia apaixona-se e casa com ela. Afonso passa a viver em Santa Olávia.
Desta paixão há dois frutos: Maria Eduarda e Carlos Eduardo. Maria Monforte virá a fugir com o italiano
(napolitano) Tancredo, levando consigo a filha Maria Eduarda e abandonando o marido e o filho. Pedro suicida-se.
Entretanto, o italiano é morto num duelo e Maria levará uma vida dissoluta e morre quase na miséria. Entregará a
Guimarães um cofre com documentos para identificação de sua filha.
 Caracterização de Maria – a beleza. (pp. 22, 26 e 36)
 Afonso vê Maria Monforte pela primeira vez – caracterização e presságios. (pp. 29,30)
 Caracterização psicológica e a escolha do nome do filho. (p. 38)
 A fuga com o italiano. (pp.44-46)
 A carta sobre a identidade de Maria Eduarda. (p.636)

A Prof.ª
Fátima Barros ☺

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