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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


COORDENAÇÃO DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO PRESENCIAIS DE
LICENCIATURA EM LETRAS
LICENCIATURA EM LÍNGUA PORTUGUESA

THAIZ DE SOUZA RIBEIRO

LITERATURA INDÍGENA E ENSINO: REFLEXÕES A PARTIR DE


EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA

João Pessoa
2022
THAIZ DE SOUZA RIBEIRO

LITERATURA INDÍGENA E ENSINO: REFLEXÕES A PARTIR DE


EXPERIÊNCIA EXTENSIONISTA

Monografia apresentada como pré-requisito


para obtenção de nota na disciplina
Trabalho de Conclusão de Curso e para a
obtenção do título de graduada em Letras,
habilitação em Língua Portuguesa, sob a
orientação da Profª Drª Rinah de Araújo
Souto.

João Pessoa
2022
Catalogação na publicação
Seção de Catalogação e Classificação

R484l Ribeiro, Thaiz de Souza.


Literatura indígena e ensino: reflexões a partir de
experiência extensionista / Thaiz de Souza Ribeiro. -
João Pessoa, 2022.
45 f.

Orientadora: Rinah de Araújo Souto.


TCC (Graduação) - Universidade Federal da
Paraíba/Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
2022.

1. Poesia indígena. 2. Formação do leitor


multicultural. 3. Ensino de literatura. I. Souto, Rinah
de Araújo. II. Título.

UFPB/CCHLA CDU 82-1(=1-82)

Elaborado por CLEYCIANE PEREIRA - CRB-15/591


THAIZ DE SOUZA RIBEIRO

LITERATURA INDÍGENA E ENSINO: REFLEXÕES A PARTIR DE EXPERIÊNCIA


EXTENSIONISTA

TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO


apresentado ao Curso de Letras da Universidade
Federal da Paraíba, como requisito para obtenção
do grau de Licenciada em Letras, habilitação em
Língua Portuguesa.

Data de aprovação: _______/_______/_______

BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rinah de Araújo Souto (DLCV/CCHLA/UFPB)
Orientadora
___________________________________________________________
Prof. ª Dr.ª Alyere Silva Farias (DLCV/CCHLA/UFPB)
Examinadora interna
___________________________________________________________
Prof. ª Ma. Maria Gomes de Medeiros
Examinadora externa

Profª Drª Ana Cristina Marinho Lúcio (DLCV/CCHLA/UFPB)


___________________________________________________________
Suplente
Dedico este trabalho ao meu esposo,
Maicon Henrique, que tem me ajudado a
viver com mais leveza e a enxergar que os
obstáculos são menores do que sempre
imagino.
AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar, por todo auxílio e amor demonstrados a mim.


Às minhas amigas Gabriela, Darlane e Maria pela amizade nesse caminhar e pelos
bate-papos depois das aulas.
A Silvo pela companhia nas idas à faculdade, pelas conversas compartilhadas e por
me lembrar que no fim sempre dá certo.
À professora Rinah por toda ajuda neste percurso, por todo conhecimento
compartilhado e pela oportunidade de participar de um projeto tão lindo que é o
@escrevivencias_ufpb. A experiência nessas duas últimas edições foi realmente
transformadora para minha formação acadêmica e cidadã.
Aos demais professores que também colaboraram, direta ou indiretamente, para a
construção de um olhar mais sensível e afetivo sobre o outro, por me ensinarem, a partir de
suas próprias práticas, o significado de educar.
Para as professoras Alyere Silva Farias e Maria Gomes de Medeiros, por aceitarem
compor a banca de avaliação do meu trabalho, pelo tempo dedicado a esse fim e pelas
contribuições dadas para os aperfeiçoamentos necessários.
Utopia é cantar

uma trajetória possível:

Pindorama.

(Graça Graúna)

Um trem de ferro é uma coisa mecânica,

mas atravessa a noite, a madrugada, o dia,

atravessou minha vida,

virou só sentimento.

(Adélia Prado)
RESUMO

Considerando a sanção da lei 11.645/2008 (BRASIL, 2008) e o que prevê a Base Nacional
Comum Curricular (BRASIL, 2017), o trabalho com a leitura literária na escola deve
contemplar a diversidade e as produções afro-brasileiras e indígenas. Esta pesquisa visa
refletir sobre o ensino das literaturas indígenas e a formação do leitor multicultural
fundamentado nos pressupostos de Thiél (2012, 2013). Trata-se de uma pesquisa de caráter
bibliográfico sobre a literatura indígena e ensino e relato de experiência sobre a minha
participação em um projeto de extensão e seus desdobramentos. A partir de minha
experiência extensionista foi elaborada uma proposta de abordagem didática com textos de
autoria indígena e não indígena que versam sobre o tema da natureza com base nas cinco
dimensões do processo de leitura mencionadas por Thiél (2012, 2013), são elas: a leitura
como um processo neurofisiológico, cognitivo, afetivo, argumentativo e simbólico; e na
proposta de abordagem comparativa sugerida pelo professor e pesquisador Hélder Pinheiro
para o ensino da poesia em sala de aula. A proposta objetiva estimular experiências com o
texto poético através das conversas literárias (BAJOUR, 2012) e da escuta de canções,
além de sensibilizar os alunos do Ensino Fundamental II para as formas de ser e estar no
mundo dos povos indígenas e suas relações com a natureza (KRENAK, 2020;
KAMBEBA, 2020). Concluí, ao fim do processo, que o presente trabalho reafirma a
importância do tripé pesquisa-ensino-extensão e contribui para reflexões envolvendo a
poesia na sala de aula e seus impactos na formação do leitor.

Palavras-chave: Poesia indígena; Formação do leitor multicultural; Ensino de literatura.


SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ………………………………………………………………………… 9

1 ESCREVIVÊNCIAS: FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA UMA


MEDIAÇÃO DECOLONIAL DE LEITURA LITERÁRIA - 3ª EDIÇÃO:
DESCRIÇÃO DO PROJETO ………………………………………………………….. 13
1.1 Breve relato sobre o meu encontro com a literatura indígena no contexto do
projeto ……………………………………………………………………………….. 15

2 CAMINHOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS: O QUE APRENDI SOBRE


LITERATURA INDÍGENA CONTEMPORÂNEA E SUAS TEXTUALIDADES … 18

3 ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS A PARTIR DE


PROPOSTA DE ABORDAGEM DIDÁTICA ENVOLVENDO POESIA INDÍGENA
E CANÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL II ……………………………………... 27
3.1 Base conceitual da proposta ……………………………………………………. 27
3.2 Alguns trabalhos de referência para o desenvolvimento da proposta ………. 30
3.3 Referências metodológicas da proposta ……………………………………….. 32
3.4 A proposta e suas potencialidades no campo dos processos de leitura literária
……………………………………………………………………………………….. 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS …………………………………………………………. 39

REFERÊNCIAS ……………………………………………………………………….. 41

ANEXOS …………………………………………….……………………..…………… 43

Anexo A - Poema "Árvore" de Manoel de Barros ……...………..…..…………… 43

Anexo B - Poema “Pintura sagrada (A árvore me pintou)” de Márcia Kambeba 43

Anexo C - Letra da música “Refloresta” de Gilberto Gil ….........…..……………. 44


9

INTRODUÇÃO

A literatura é um instrumento fundamental para a formação dos sujeitos, ela tem a


função de estimular a imaginação e incentivar a criatividade. Candido (2004), ao discutir
sobre literatura associada aos direitos humanos, enfatiza que ela representa uma
necessidade, portanto, é considerada pelo autor como um direito universal1. Também,
quando escolarizada, é uma ferramenta que colabora na formação de um leitor
multicultural e no combate ao preconceito e a discriminação na sociedade, por meio da
literatura de autorias negras e indígenas, por exemplo, o leitor tem acesso à diversidade e à
pluralidade cultural de seu país (THIÉL, 2013).
A história dos povos originários nesse território chamado Brasil2 é marcada por
lutas até conseguirem para fins em busca de conquistar e assegurar os seus direitos na
sociedade. Lutas que continuam até hoje e têm na literatura uma aliada. Através de
movimentos indígenas que despontaram na década de 70, houve uma série de mobilizações
para obtenção de direito à saúde, terras, educação, etc. (MUNDURUKU, 2020).
A partir da Constituição de 1988, os indígenas foram reconhecidos socialmente e
juridicamente como sujeitos de direitos. Inclusive foi garantida a liberdade de se
expressarem nas suas particularidades, direitos autorais e reconhecimento das línguas
nativas. A título de exemplo, o Acampamento Terra Livre (ATL), movimento de âmbito
nacional, ocorre anualmente no mês de abril, desde 2004, com a finalidade de trazer
visibilidade para as situações dos povos originários, como a demarcação de terras, e
reivindicar ao Estado Brasileiro direitos e soluções para as demandas sociais indígenas.
Essas mobilizações revelam que, apesar desses povos terem garantido por lei seus direitos,
ainda precisam se movimentar socialmente e politicamente, uma vez que o sistema social
do país ainda falha quanto à proteção e à preservação das culturas nativas brasileiras.
Depois do acesso à alfabetização e à educação, resultado dos movimentos iniciados
na década de 70, a literatura indígena começou a se expressar também através da escrita,
esta modalidade, de acordo com Daniel Munduruku (2020), passou a ser utilizada nas

1
Sobre o direito à literatura indígena em diálogo com a concepção de Candido, ver: TAIGY, Ana Paula;
SOUTO, Rinah de Araújo. Direito à literatura indígena e a pluralização do cânone: um diálogo a partir da
concepção de Candido. In: Revista Leia Escola, vol.22, n.1, abril de 2022. Disponível em:
http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/Leia/article/view/2401/pdf_1. Acesso em 15 de maio de 2022.
2
Para os indígenas, antes mesmo da invasão, esse território já tinha nome: Pindorama. Ver em:
https://www.terra.com.br/nos/ativistas-indigenas-desconstroem-o-descobrimento-do-brasil,236e30fdb5fb5bcc
6d358a2801845808q8na0875.html. Acesso em 15 de maio de 2022.
10

últimas décadas pelos escritores de comunidades nativas como ferramenta de aproximação


dos não indígenas com o intuito de se tornarem conhecidos, desconstruir estereótipos e
demarcar seu lugar na sociedade dominante.
A literatura dos povos indígenas, como aliada a essas mobilizações, portanto, tem
aos poucos conquistado reconhecimento social. Contudo, se compararmos com a produção
não indígena, é ainda pouco discutida, (re)conhecida e difundida. 3No contexto escolar,
trata-se de um tema ainda novo, logo, pouco propagado na sala de aula tanto das escolas
públicas quanto das privadas. Em 2008 o Congresso Nacional decreta a lei 11.645 que
altera a lei 9.394 aprovada em 1996 e posteriormente é modificada em 2003 para a lei
10.639. Aquela prevê no Artigo 26 e nos seguintes parágrafos a obrigatoriedade do ensino
de histórias e culturas afro-brasileiras e indígenas reconhecendo suas contribuições para a
formação da sociedade brasileira.

Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino


médio, públicos e privados, torna-se obrigatório o estudo da história e
cultura afro-brasileira e indígena.

§ 1° O conteúdo programático a que se refere este artigo incluirá


diversos aspectos da história e da cultura que caracterizam a formação da
população brasileira, a partir desses dois grupos étnicos, tais como o
estudo da história da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e o negro e o
índio na formação da sociedade nacional, resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história
do Brasil.

§ 2° Os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos


povos indígenas brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o
currículo escolar, em especial nas áreas de educação artística e de
literatura e história brasileiras. (BRASIL, 2008)

Entretanto, mesmo após tantos anos de sanção da lei e com a obrigatoriedade de


incluir os referidos conteúdos no currículo escolar, percebe-se que há um certo
desconhecimento por parte dos docentes e gestores escolares no que diz respeito à história
e culturas dos povos originários; consequentemente, das suas produções artísticas e
literárias. E quando são trabalhadas temáticas que envolvem os povos indígenas, não raro,
partem das perspectivas europeias. Enxergar o sujeito indígena a partir desse olhar
colabora para que haja equívocos e desperdícios de experiência nesse exercício de
alteridades.

3
Tal aspecto pode ser encarado como uma consequência do epistemicídio, ou seja, “a supressão dos
conhecimentos locais perpetrada por um conhecimento alienígena” (SANTOS & MENESES, 2009, p.10).
11

Para Graça Graúna (2011) há, no contexto escolar, uma necessidade de dialogar
sobre literatura, educação e direitos humanos. A partir da lei 11.645/08, ela elabora um
questionário realizado com professores indígenas acerca das perspectivas e desafios para o
ensino da história e das culturas dos povos indígenas e da imagem que o livro didático
apresenta desses sujeitos na atualidade. Sua pesquisa constatou que o que mais eles
esperam com a aplicação da lei no âmbito da educação é desconstruir a imagem
estereotipada que a sociedade dominante tem dos povos originários e a possibilidade deles
mesmos poderem contar suas próprias histórias. No que diz respeito aos desafios, foi
destacada a revisão dos materiais didáticos concernentes à temática indígena, a falta de
material para pesquisas, investimento na formação de professores e capacitação dos
profissionais que já atuam na área educacional. Para os pesquisados, os livros didáticos
têm colaborado diretamente para a continuidade do preconceito e para a propagação de
uma imagem romantizada e equivocada dos povos indígenas. Os manuais geralmente
apresentam a existência dos nativos presos, especificamente, a um passado remoto da
história. A visão destacada nas narrativas parte da cultura ocidental, por isso, desconhecem
a diversidade cultural e a pluralidade desses grupos. Como resultado, as comunidades
nativas são inferiorizadas e desvalorizadas socialmente.
Sendo assim, considerando a sanção da lei 11.645/08 e seus desdobramentos na
educação brasileira, este trabalho visa contribuir para o percurso afirmativo da referida lei;
compartilhar reflexões sobre literatura indígena e ensino, muitas delas desencadeadas em
meio a minha própria experiência extensionista; discutir sobre formação do leitor
multicultural (THIÉL, 2013) com apoio no que Hélder Pinheiro (2008) propõe no âmbito
de abordagens do poema em sala de aula e nas relações dos povos originários com a
natureza (KRENAK, 2020; KAMBEBA, 2020).
A pesquisa envolve uma dimensão propositiva, pois retoma abordagem didática
elaborada com poesia indígena e canção, de modo a ressaltar conceitos e metodologias
acessadas durante o percurso no projeto de extensão Escrevivências: formação de
professores para uma mediação decolonial de leitura literária – 3ª edição, coordenado pelas
professoras Rinah Souto e Ana Cristina Marinho Lúcio. A proposta vai ao encontro do que
prevê a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), que ressalta a importância do
diálogo com essas literaturas e com manifestações artísticas plurais. O documento destaca,
na competência 9, o exercício da
12

(...) empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se


respeitar e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com
acolhimento e valorização da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus
saberes, identidades, culturas e potencialidades, sem preconceitos de qualquer
natureza. (BNCC, 2017, p.10)

Irandé Antunes (2009) e Hélder Pinheiro (2021, 2018) apontam que, no contexto da
sala de aula, não há um espaço próprio para o ensino de literatura, um momento dedicado
aos diálogos entre texto e leitor, de conversas sobre experiência literária e aproximações
com o texto. Há, de acordo com Antunes, preferência pelos conteúdos gramaticais em
comparação aos de leitura, e a falta de tempo é usada muitas vezes como justificativa para
abandonar a leitura. Dessa forma, os conteúdos que abordam a literatura, sobretudo o
gênero poesia, se encontram à margem da sala de aula, estando a poesia indígena
duplamente à margem por falta, muitas vezes, de difusão e circulação dessa produção em
espaços escolares.
Do ponto de vista metodológico, o presente trabalho apresenta uma pesquisa de
caráter bibliográfico sobre a literatura indígena e ensino e relato de experiência, de modo
analítico e reflexivo, sobre a elaboração de uma proposta didática4 que se configurou como
desdobramento das conversas literárias realizadas em projeto de extensão. Assim, se
caracteriza também como uma pesquisa de abordagem qualitativa. Em relação a esse
método, Pereira et al. (2018, p. 67) argumentam que os métodos qualitativos exigem “a
interpretação por parte do pesquisador com suas opiniões sobre o fenômeno em estudo”.
Considerando a problemática da ausência da literatura indígena na sala de aula, o
estudo apresenta relevância, pois busca contribuir para a descolonização curricular; a
pluralização do cânone; a aproximação com o gênero poesia e os possíveis encontros do
leitor com o texto literário, sensibilizando-o; para a difusão no chão da escola das
produções indígenas e o contato com a diversidade no campo da leitura literária, visando a
construção de caminhos significativos para o ensino da literatura e a formação leitora na
educação básica. Além de destacar a importância do tripé pesquisa-ensino-extensão para
formação acadêmica, cidadã, decolonial e antirracista.
O trabalho será dividido em três seções. Na primeira, situaremos o projeto de
extensão em causa, abarcando as reflexões e discussões suscitadas nessa experiência sobre
literatura indígena, ensino e suas metodologias. Na segunda, apresentaremos uma proposta
de abordagem didática com poesia indígena e canção popular brasileira, convocando textos

4
Esta proposta foi publicada nos Anais da 23ª Jornada de Estudos Linguísticos e Literários (JELL).
Disponível em: https://server2.midas.unioeste.br/sgev/eventos/23jell/anais. Acesso em 15 de maio de 2022.
13

poéticos de Barros (ver anexo A), Kambeba (ver anexo B), Gilberto Gil (ver anexo C) e a
música instrumental de Keko Brandão – Povo em pé/Nação Árvore. Embora já publicada
em anais de evento científico, aqui a proposta será apresentada de modo
descritivo/reflexivo a partir da voz da autora, de modo a ressaltar possíveis impactos na
formação do leitor multicultural em suas múltiplas dimensões em processos de leitura, com
base em Hélder Pinheiro (2008), Graúna (2013) Cecilia Bajour (2012) e Thiél (2013). Ao
fim, serão tecidas as considerações finais de modo a contemplar os impactos da
experiência extensionista no alargamento do repertório teórico, crítico e literário de
literatura indígena contemporânea e da minha própria formação como professora/leitora
multicultural.

1 ESCREVIVÊNCIAS: FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA UMA


MEDIAÇÃO DECOLONIAL DE LEITURA LITERÁRIA - 3ª EDIÇÃO:
DESCRIÇÃO DO PROJETO

O projeto “Escrevivências: formação de professores para uma mediação decolonial


de leitura literária - 3ª edição”, vinculado ao Curso de Letras/Português da UFPB
(Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas - DLCV), ocorreu, devido às medidas de
segurança contra a Covid-19, em modalidade remota entre o mês de maio de 2021 a abril
de 2022, durante esse período nos encontrávamos via google meet. Ele teve como principal
objetivo contribuir para o percurso afirmativo da lei 11.645/08 e desenvolver ações
educativas voltadas para a formação de professores/as, no âmbito do ensino das literaturas
africanas de língua portuguesa, afro-brasileiras e indígenas, em uma perspectiva
interdisciplinar, decolonial e antirracista. Nesta terceira edição contou com a parceria da
Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor José Baptista de Mello,
localizada em João Pessoa/PB. Durante sua vigência, o projeto buscou incentivar e
provocar diálogos entre a universidade e a comunidade extramuros sobre a formação e a
mediação da leitura de literaturas afro-brasileira, africana e indígena.
Nesta última edição, nos foram apresentados textos de autoria afro-brasileira,
africana, contudo, o foco da 3ª edição do projeto foi refletir sobre as vozes que compõem a
literatura indígena contemporânea no Brasil. Ou seja, as escrevivências indígenas. Como
recurso metodológico de formação foi adotado, com base nas reflexões de Almeida (2012),
o diário de itinerância. Essa ferramenta tem três etapas: diário rascunho, diário elaborado e
diário socializado. O foco da edição foi sobre a terceira etapa. Dessa forma, o projeto
14

disponibilizou na plataforma Padlet um espaço para partilhas entre seus colaboradores/as


de leituras, impressões, expressões afetivas e criações poéticas. Fazer uso da metodologia
junto com a plataforma foi bem interessante, por meio do Padlet podíamos compartilhar
diversos conteúdos relacionados com a proposta do projeto, como vídeos, documentos para
leitura, imagens, links etc. Também fizemos nesse período o uso do instagram
(@escrevivência_ufpb), que foi criado desde a 1ª edição, especificamente, para expandir a
leitura sensível de textos afro-brasileiros, africanos e indígenas, e para divulgar as
reflexões presentes no diário de itinerância, as ações do projeto bem como as participações
em eventos on-line. Ao longo do projeto foram adotadas metodologias ativas e a pesquisa
bibliográfica. Também as conversas literárias como situação de ensino, com base em
Cecília Bajour (2012), através dos encontros mensais de formação do corpo organizador e
da ação educativa Vozes do Mundo, que contou com a participação da escritora baiana
Luciany Aparecida, Auritha Tabajara (poeta do povo Tabajara), Ellen Lima (poeta do povo
Wassu Cocal) e a escritora angolana Antónia Domingos.
Abaixo segue o resumo de atividades realizadas durante a vigência do projeto no
ano 2021/2022:
● Encontros de formação e conversas literárias via Google Meet;
● Construção de diário de bordo socializado;
● Ativação do instagram @escrevivencias_ufpb;
● Encontros da linha de pesquisa GEEF (Grupo de Estágio, Ensino e Formação
docente), na qual o projeto de extensão está vinculado;
● Desenvolvimento da série Respiros Poéticos– publicada no instagram – e que
consiste em interpretação de poemas de autoria negra e indígena em Libras. As
interpretações foram realizadas pelo professor André Rosa, colaborador externo do
projeto. Demais colaboradoras também participaram fazendo a realização oral dos
poemas selecionados;
● Ativação do material educativo Aventura das palavras na escola parceira;
● Posterior avaliação do material educativo pelas colaboradoras do projeto;
● 4 edições da ação Vozes do Mundo nas quais participantes do projeto e demais
grupos interessados puderam ter contato com grandes nomes da literatura indígena
contemporânea no Brasil, como: Ellen Lima (poeta do povo Wassu Cocal) e
Auritha Tabajara (poeta do povo Tabajara) e as escritoras Luciany Aparecida
(Brasil) e Antónia Domingos (Angola).
15

● II edição do evento Baobá em flor: pretas (re)existências, em novembro de 2021,


organizado pelo projeto @escrevivencias_ufpb em parceria com outros dois
projetos de extensão - @tessiturasnegras e @palavracorpo – e o projeto de pesquisa
@ge.africas;
● Participação, como ouvintes, do curso Améfrica Ladina e as pedagogias
de(s)coloniais, oferecido pelo projeto de pesquisa vinculado ao Centro de Educação
- @travessias_ufpb, realizado entre maio e junho de 2021; e o curso Poéticas
indígenas, ministrado por Graça Graúna em abril de 2022;
● Participação com apresentação de trabalho no Selimel - Encontro Nacional sobre
Ensino de Língua Materna, Estrangeira e de Literaturas, em novembro de 2021;
● Participação com apresentação de trabalho na 23ª Jornada de Estudos Linguísticos
e Literários, em novembro de 2021.
O projeto trouxe muitas contribuições para a equipe extensionista. Eu,
particularmente, tive a oportunidade de não só de participar de eventos como ouvinte, mas
também de apresentar e publicar dois trabalhos envolvendo reflexões5 provocadas pelos
diálogos e pelas ações educativas que pude ter acesso. Dessa forma, foram publicados, em
2021/2022, na Revista Leia Escola, o artigo Direito à literatura indígena e a pluralização
do cânone: um diálogo a partir da concepção de Candido por Ana Paula Taigy e Rinah
Souto. Nos Anais da 23ª Jell, publiquei Literatura de autoria indígena e a formação
leitora: uma proposta de abordagem didática com poesia indígena no Ensino Fundamental
com orientação da professora Rinah Souto6. E estamos aguardando a publicação de mais
três trabalhos nos Anais do Selimel, são eles: Respiros poéticos: relato de experiência com
interpretação em Libras de poesia de autoria indígena, do professor André Rosa,
colaborador externo do projeto e Vozes-mulheres: relato de experiência com processos de
leitura de poesia de autoria negra no Ensino Médio, da professora Danielle Campos,
colaboradora do projeto e que atua na escola parceira desta edição.

1.1 BREVE RELATO SOBRE O MEU ENCONTRO COM A LITERATURA


INDÍGENA NO CONTEXTO DO PROJETO

5
Todas as publicações mencionadas estão disponíveis em: https://linktr.ee/escrevivencias_ufpb. Acesso em
15 de maio de 2022.
6
Em 2021 também publiquei nos anais do V Colóquio Nacional 15 de outubro e VIII Enlije o artigo “Fala,
tambor: o ressoar de uma experiência no projeto de extensão Escrevivências: formação de professores para
uma mediação decolonial de leitura literária”. Disponível em:
http://revistas.ufcg.edu.br/ch/index.php/RLR/article/view/2126/1502. Acesso em 15 de maio de 2022.
16

É experiência aquilo que nos passa, ou que nos toca, ou que nos acontece, e ao nos passar nos
forma e nos transforma.

(LARROSA, 2002, p. 25-26)

Estou no projeto de extensão @escrevivencias_ufpb desde o ano de 2020. No


período que cursei os ensinos Fundamental e Médio não lembro de ter a oportunidade de
ler, conversar ou escutar sobre as experiências poéticas indígenas com colegas e
professores. O professor Hélder Pinheiro (2021) afirma que todos, de alguma forma,
trazem consigo a experiência poética, o que falta nesse contexto é a educação do “ser
poético”, assim, é necessário ensinar a percebê-la e expressá-la.
Nesse sentido, o projeto contribuiu bastante para esse primeiro contato com as
literaturas africanas, afro-brasileira e indígenas e para a minha própria experiência poética
e formação leitora. Nesse processo, fomos estimuladas à escuta sensível do outro e a
expressar nossas próprias vivências com as leituras, tanto nos encontros entre os
participantes do projeto quanto no diário de bordo socializado. Sobre a extensão
universitária, Jezine (2004) a conceitua a partir de três perspectivas: assistencialista,
mercantilista e acadêmica. Na primeira, a universidade é vista como uma instituição que
presta serviços às demandas da sociedade, assumindo com ela um “compromisso social”.
Na segunda perspectiva, a extensão tem a função de produzir e divulgar os saberes
construídos na universidade, nesse contexto, esta última se torna parceira nas vendas e
"transforma-se em mercadoria a ser comercializada" (JEZINE, 2004, p. 4). E a terceira, a
concepção acadêmica, compreende que a relação da universidade com a sociedade pode
colaborar significativamente para a formação de professores, uma vez que oferece
oportunidades de trocas de conhecimentos, além de promover diálogos entre pesquisa,
ensino e extensão. Em diálogo com essa última perspectiva, Kochhann (2017) discute
sobre a extensão universitária de caráter emancipatório e reconhece a sua importância para
a formação docente e sua contribuição para a transformação social. Segundo a autora, “a
extensão universitária enquanto componente curricular do processo de formação docente
precisa ser compreendida como elemento essencial e potencializador de seres humanos
mais críticos, autônomos e emancipados.” (KOCHHANN, 2017, p. 2160). Foi a partir
dessa última perspectiva e da extensão universitária acadêmica, aliadas a um viés
decolonial, que o projeto se desenvolveu7.

7
Tal reflexão foi mais amplamente desenvolvida em artigo mencionado em nota anterior, publicado em 2021
e de minha autoria.
17

Dessa forma, meu primeiro contato com as produções literárias de autorias


afro-brasileira, africanas e indígenas veio através do projeto @escrevivencias_ufpb. Foi
por meio dele também que pude me aproximar do texto poético. As leituras compartilhadas
durante minha participação despertaram a minha sensibilidade para as diversas
subjetividades. Destaco aqui o haicai intitulado “Em volta da fogueira” (Em volta da
fogueira/memória/história/o mundo se recria)”, de Graça Graúna (2014, p.14), um dos
textos que mais me marcou nesse processo de atravessamento e ativação da sensibilidade.
A leitura do poema provocou em mim um sentimento de admiração pelos povos indígenas,
pois apesar do que viveram desde o processo de colonização e da exclusão política e social,
continuam lutando pelo direito de ser e existir na sociedade e, sobretudo, na literatura.
Outros autores como Eliane Potiguara, Daniel Munduruku, Márcia Kambeba, Ailton
Krenak, por exemplo, também destacam nas suas produções a postura afirmativa de luta
dos povos originários em virtude do reconhecimento e valorização das suas identidades.
Como mencionado anteriormente, participamos de alguns eventos durante a
vigência do projeto. O encontro com Geni Guimarães na segunda edição do “Baobá em
flor: pretas (re)existências”8 foi repleto de sentido para mim. A partir de suas próprias
experiências, Geni me fez refletir sobre o ensino na perspectiva de uma educação
antirracista de forma mais significativa, cheia de sensibilidade, empatia e afetividade. A
referida escritora destacou um modelo de ensino que deve "olhar com o olho de dentro", ou
seja, olhar além do rosto do aluno. Essa conversa me fez refletir que ensinar não é
simplesmente transmitir um conteúdo. Cada aluno vem de um contexto familiar diferente e
carrega suas próprias experiências, sendo assim, um dos nossos papéis, como professores,
é trazer significados a partir dessas vivências, seja por meio de uma música, poema e
outras manifestações artísticas.
Considero que o projeto atuou construtivamente no meu processo de formação
como futura professora de língua portuguesa, pois possibilitou o aprofundamento sobre as
temáticas afro-brasileiras e, sobretudo, indígenas e a reflexão sobre os (não) lugares das
literaturas desses povos na sociedade contemporânea. Janice Thiél (2012) argumenta que
para desenvolver um trabalho satisfatório com a literatura indígena na sala de aula é
importante que, sobretudo os professores, ampliem os referenciais teóricos que norteiam os
estudos dessas autorias. Antes da leitura do texto, ela sugere o estímulo à leitura do outro.

8
Todas as mesas redondas e conferências do referido evento estão disponíveis no youtube do DLCV/UFPB:
https://www.youtube.com/watch?v=H4uZBrM2oRg. Acesso em 15 de maio de 2022.
18

Nesse sentido, o projeto @escrevivencias_ufpb se faz importante no espaço acadêmico,


por contribuir não só para a formação leitora dos graduandos, mas também por colaborar
para tudo isso que preconiza a pesquisadora Janice Thiél: a leitura do outro e a leitura dos
textos além de ter impactos positivos na nossa formação acadêmica e cidadã.

2 CAMINHOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS: O QUE APRENDI SOBRE


LITERATURA INDÍGENA CONTEMPORÂNEA E SUAS TEXTUALIDADES

Antes de discutirmos sobre a literatura indígena contemporânea, é importante


esclarecer que o movimento indígena, na década de 70 no Brasil, sofreu influências
significativas das manifestações indígenas norte-americanas (THIÉL, 2012). Devido ao
avanço da colonização e a expansão territorial na América do Norte, e as consequências
desses dois fatores, como a escravidão, extermínio das comunidades, perseguição etc.,
muitos confrontos foram provocados entre os colonizadores e os indígenas. Com poucas
alternativas para sobreviverem, muitos permaneciam em seus territórios a fim de resistir à
exploração e ocupação de suas terras.
De acordo com Thiél (2012), foi a partir de 1960, nos Estados Unidos, que os
povos indígenas, influenciados pelos movimentos feministas e afro-americanos,
alcançaram visibilidade na sociedade norte-americana. Através de declarações, eles
exigiam direitos sociais e políticos em defesa das terras indígenas. Essas declarações,
apresentadas à sociedade na segunda metade do século XX, se tornaram relevantes para as
comunidades nativas, pois, segundo a autora, “revela uma tomada de consciência do poder
da palavra como forma de afirmação da existência, do estilo de vida e da resistência
indígena pelo contradiscurso’’ (THIÉL, 2012, p. 26).
Além disso, com estas manifestações e com as publicações de N. Scott Momaday e
Vine Deloria Jr., o movimento literário indígena também ganhou força em 1960. Este
último publicou textos denunciando os estereótipos que foram construídos sobre as
identidades indígenas e os rótulos impostos pelos não indígenas, ele afirmava nos
documentos que os povos nativos foram ensinados a desprezar suas próprias culturas,
características físicas e identitárias com a finalidade de se adequarem aos moldes da
sociedade dominante. Essas imposições, portanto, tinham como objetivo enfraquecer a
imagem do outro e incentivar a subordinação ao que era determinado como padrão.
De forma semelhante, em 1970, no Brasil, as comunidades indígenas se reúnem de
forma organizada para ocupar as ruas e protestar nos espaços sociais e políticos do país. De
19

acordo com Daniel Munduruku (2020), essas manifestações tinham, de início, a intenção
de conquistar direitos à demarcação de terras indígenas, à saúde e à uma educação que
considerassem suas singularidades e diferenças étnicas. Posteriormente, os movimentos
indígenas amadureceram e ampliaram para outras discussões e interesses, como a formação
técnica e universitária.
A partir dessas manifestações, a literatura indígena ganha visibilidade na sociedade
brasileira. De acordo com Graúna (2013), Eliane Potiguara inaugurou o movimento
literário com o poema “Identidade indígena”. Em forma de resistência, a voz do poema se
assume no texto como mulher indígena, faz referência às forças ancestrais e às dores de
seus familiares devido ao processo de colonização. Os intelectuais indígenas, como Graúna
(2013) e Dorrico (2018), afirmam que o movimento indígena emergiu em 1970, contudo,
foi a partir da década de 80 e 90 que a literatura indígena se expandiu e se consolidou. Na
última década do século XX, em especial, ela é produzida no Brasil para o público não
indígena. Daniel Munduruku se destaca nesse período com suas produções direcionadas
para o público escolar infantojuvenil.
Graça Graúna (2013) defende que depois da Constituição Federal de 1988 há dois
momentos que marcam a literatura indígena brasileira: o primeiro faz referência à tradição
oral dos povos nativos, neste contexto, a literatura era produzida coletivamente através da
educação escolar indígena, com a finalidade de ensinar a língua materna e portuguesa nas
comunidades, por este motivo é classificado pela autora como período clássico, já o
segundo momento como período contemporâneo, aqui a literatura indígena caracteriza-se
pela autoria coletiva e individual.
No que diz respeito a este segundo momento, Leno Francisco Danner, Julie Dorrico
e Fernando Danner (2018) afirmam que a literatura de autoria indígena está diretamente
vinculada ao movimento indígena, ou seja, às lutas políticas e às causas sociais dos povos
indígenas, logo se caracteriza pela sua autoexpressão e autoafirmação identitária. Graúna
(2013) também a define como uma literatura de “sobrevivência” no sentido que oferece
possibilidades para a retomada da voz e do território indígena no campo literário, este
último é visto como lugar de resistência, que, nesse contexto, se concretiza por meio da
palavra.
No artigo “A estilística da literatura indígena brasileira: a alteridade como crítica
do presente – sobre a noção de eu‑nós lírico‑político”, Danner, Dorrico e Danner (2018)
discutem o conceito de minoria e classificam a literatura indígena como uma literatura de
20

minoria, pois se encontra com as produções dos grupos marginalizados e excluídos da


sociedade.
A literatura indígena contemporânea, portanto, tem como um dos objetivos
denunciar a condição de marginalização e exclusão dos povos originários e as violências
vividas por eles nos últimos cinco séculos. A partir desse lugar, o sujeito indígena se opõe
aos estereótipos criados pela sociedade majoritária, demarca seu lugar de fala e assume as
narrativas, deixando de ser representado pelo outro e ocupando o protagonismo da sua
própria história.
Convém esclarecer que a classificação “literatura indígena” propagada na
sociedade, especialmente nos espaços escolares, apresenta alguns equívocos em sua
compreensão. De acordo com Thiél (2012) e Graúna (2013), as obras que se propõem
discutir temáticas indígenas podem ser definidas como literatura indianista, indigenista e
indígena. A literatura indianista, escrita por autores não indígenas, relata o indígena a
partir do período romântico da literatura brasileira, por isso, com base na figura do herói e
do guerreiro, sua imagem é romantizada, os temas são voltados, principalmente, para a
construção da identidade nacional. A literatura indigenista, escrita também por intelectuais
não indígenas, tem o objetivo de alcançar o leitor comum, a narrativa é construída com
base nas observações e nas informações compartilhadas pelas próprias comunidades.
Escrita a partir do lado ocidental, esta se “instala no cruzamento de duas culturas e de duas
sociedades” (GRAÚNA, 2013, p. 21). Já a produção indígena é construída pelos próprios
povos indígenas conforme suas singularidades e “as modalidades discursivas que lhes são
peculiares” (THIÉL, 2013, p. 1178). Dessa forma, as obras produzidas tanto na perspectiva
indigenista quanto na indianista trazem marcas das cosmovisões ocidentais, enquanto na
produção indígena eles se apresentam como sujeitos ativos e autônomos sobre suas
próprias narrativas.
A literatura, portanto, é considerada pelos nativos como uma nova ferramenta de
poder, “por meio da escritura, eles discutem e desfazem as distorções construídas por
séculos de colonização” (THIÉL, 2012, p. 31). Com base em Daniel Munduruku, Graça
Graúna, Maria Inês de Almeida e Sonia Queiroz, Danner, Dorrico e Danner (2018)
afirmam que:

(...) a grande marca da literatura indígena brasileira da atualidade consiste


exatamente no fato de que o/a indígena passa a escrever por si mesmo, desde sua
singularidade antropológica, passando por suas experiências de silenciamento de
negação e de violência e chegando a uma postura de crítica do presente via
voz-práxis estético-literária. (DANNER, DORRICO, DANNER 2018, p.155)
21

Essa voz-práxis estético-literária, de acordo com os autores, fundamenta-se no


“eu-nós-lírico-político”, ou seja, numa representação individual, coletiva e política, assim,
a literatura indígena não só representa um sujeito, mas também toda uma coletividade e
diversidade de povos originários, por esse motivo a literatura indígena contemporânea
brasileira é caracterizada por sua autoria coletiva e individual. Ademais, ela se volta tanto
para os grupos indígenas quanto para os não indígenas, contudo, com objetivos diferentes:

A literatura indígena se dirige tanto aos próprios povos indígenas, no intuito de


contribuir para a reafirmação e a valorização de sua constituição antropológica,
de sua tradição cultural, dos valores, das práticas e dos ritos que lhe constituem
em seu âmago, quanto aos não-indígenas, com o objetivo, aqui, seja de publicizar
a causa indígena, a dor, a marginalização e a violência pela qual passaram e
passam, seja também para sensibilizar, para dar-se a conhecer, para contribuir,
como alteridade, na formação de uma cultura nacional mais plural, respeitosa e
acolhedora das diferenças.(DANNER, DORRICO, DANNER, 2018, p. 162)

Segundo Munduruku (2020), a literatura de autoria indígena só obteve mais espaço


na sociedade brasileira a partir do ano 2000. Devido a premiações de livros, dentro e fora
do Brasil, e à obrigatoriedade da temática da história e das culturas dos povos indígenas no
currículo das escolas públicas e privadas, a demanda por obras indígenas aumentou. A
aprovação da lei 11.645/08 foi um marco legal importante para os povos originários, pois
oferece oportunidades para a desconstrução dos estereótipos e, assim, corrobora o
reconhecimento desses sujeitos como participantes indispensáveis na construção da nossa
sociedade. A lei, quando devidamente aplicada nos espaços escolares, pode estimular o
nosso olhar para o outro, nos fazer refletir sobre a valorização dos povos originários e a
história de resistência que construíram, sendo esta, infelizmente, ainda pouco conhecida e
difundida.
Em diálogo com a lei, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) também
incentiva a valorização da diversidade, dos saberes culturais e identidades a fim de
promover o respeito e combater qualquer manifestação de preconceito. Este documento
contempla as etapas da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. No
domínio específico do Ensino Fundamental, sobretudo no 6º e 7º anos, espera-se
desenvolver as seguintes habilidades:

(EF67LP28) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando


procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando
em conta características dos gêneros e suportes –, romances infantojuvenis,
contos populares, contos de terror, lendas9 brasileiras, indígenas e africanas

9
Sobre os termos “lenda” e “folclore”, comumente associados as narrativas indígenas, a artista Daiara
Tukano apresenta uma visão crítica, sobretudo aos tipos de representação e usos dos saberes indígenas pelos
22

[grifo nosso], narrativas de aventuras, narrativas de enigma, mitos, crônicas,


autobiografias, histórias em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa
(como sonetos e cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre outros,
expressando avaliação sobre o texto lido e estabelecendo preferências por
gêneros, temas, autores (BNCC, 2017, p.169)

Além disso, a BNCC estimula as diversas manifestações artísticas e culturais, pois


o contato com a diversidade promove uma educação desalienada e mais crítica sobre a
realidade. Thiél (2013) e Graúna (2011) mostram que há muitos equívocos do olhar sobre
os povos originários e que, no contexto escolar, o contato com a literatura indígena pode
contribuir para a desconstrução de representações indígenas estereotipadas, nomeadamente
aquelas mais difundidas pela literatura indianista, por exemplo; contribui também para a
valorização das culturas em sua diversidade e para sensibilizar o leitor pelo exercício de
alteridades que a leitura literária corrobora, como veremos a seguir.
A literatura indígena contemporânea é um lugar de denúncia, resistência e
sobrevivência dos povos originários. De acordo com Graúna (2013, p. 15), é também um
lugar de utopias, tecida, sobretudo, pela oralidade. Ela promove espaço para o encontro das
vozes que foram “silenciadas e exiladas (...) ao longo dos mais de 500 anos de
colonização” e têm sido preservadas através da memória e auto-história.
Os indígenas são povos de culturas de tradição oral, portanto, suas literaturas
possuem uma relação intrínseca com a oralidade. A respeito desse vínculo, Daniel
Munduruku (2020), intelectual, escritor e líder indígena, enfatiza que a literatura indígena,
inclusive a dele, trata-se de uma “memória escrita” no sentido que as produções desses
povos partem da experiência de vida e das histórias narradas pelos ancestrais.
Dentro dessas comunidades, o mito encontra-se ligado à tradição oral. Para a
cultura nativa, ele é compreendido como “verdadeiro saber”, sua função é organizar e
sustentar as relações sociais e religiosas desses povos. Além disso, “funciona como um
mecanismo aberto de fazer história, que se sustenta na/pela memória” (BORGES, 2003, p.
9 apud THIÉL, 2012, p. 82). Já nas culturas ocidentais o mito apresenta outra perspectiva,
este está relacionado aos relatos ficcionais transmitidos pelas sociedades antigas.

autores do movimento modernista no Brasil: “Então, a maneira como eles projetaram essa ideia do folclore
ou do popular, reforçando esse estereótipo, claro que dentro de todo um pensamento crítico e poético
maravilhoso, mas para os povos originários nosso patrimônio cultural, científico, tecnológico nunca foi e
nunca será folclore”. Ver entrevista completa em:
https://www.ihuonline.unisinos.br/artigo/7811-nem-modernista-nem-anti-modernista-a-arte-indigena-contem
poranea-e-cosmopolitica-na-vanguarda-de-um-brasil-que-jamais-foi-moderno. Acesso em 15 de maio de
2022.
23

É pertinente ressaltar que, através das narrativas míticas, vínculos são estabelecidos
entre as gerações indígenas. A repetição é considerada um recurso bastante importante no
processo narrativo, pois permite que a construção textual seja atualizada e que a
continuidade do saber ancestral seja assegurada. Nesse sentido, tanto o contador de
histórias quanto o ouvinte são agentes e possuem importância dentro das comunidades,
pois são responsáveis por transmitir a cultura ancestral dos seus povos.
Por pertencerem às culturas orais, suas produções literárias são muitas vezes
desvalorizadas, inferiorizadas e ocupam um lugar à margem na sociedade. Para Daniel
Munduruku (2020), isto é consequência da supervalorização da escrita sob a oralidade,
uma vez que a primeira é considerada como o principal recurso para a comunicação e
expressão.
Ao estudarmos as poéticas indígenas, percebemos que elas apresentam organização
estética-textual, gêneros e escritas diferentes, por esses motivos, elas não devem ser
comparadas e analisadas nos mesmos parâmetros das literaturas canônicas. Ao discutir
sobre a leitura de literaturas indígenas, Janice Thiél (2012) destaca que se trata de uma
produção complexa, com especificidades próprias, construída no “imbricamento de vozes e
gêneros” (THIÉL, 2012, p. 94). É comum, por exemplo, encontrarmos nos textos a
presença do hibridismo literário. O livro O banquete dos deuses: conversa sobre a origem
da cultura brasileira, de Daniel Munduruku (2000), retomado por Thiél, é composto por
essas pluralidades, nele há a presença de mitos, fábulas, relatos históricos, cantos e outros
gêneros.
Pensando no espaço da sala de aula, é necessário que o professor mediador conheça
os referenciais teóricos que norteiam o estudo das textualidades indígenas. A pesquisadora
entende que essas textualidades dizem respeito às características básicas próprias dos
textos indígenas, os grafismos constituem nesse espaço “narrativas e devem ser valorizados
por sua especificidade, podendo inclusive indicar a autoria do texto indígena” (THIÉL,
2013, p. 1178). Assim, é importante que tanto o aluno quanto o professor conheçam as
particularidades dessas literaturas, pois elas determinam os sentidos dos textos. Além
disso, a estudiosa enfatiza que antes de passar à leitura das obras, é necessário fazer a
leitura do outro, ou seja, conhecer quem ocupa o lugar do autor ou narrador, e em que
difere em práticas, crenças e pensamentos.
É válido lembrar que, nas textualidades indígenas, os povos nativos são agentes
principais das narrativas. Elas se destacam por sua heterogeneidade e por sua construção
24

textual, pois carregam a diversidade cultural e o contexto das comunidades indígenas. Os


gêneros, nesse contexto, apresentam caráter híbrido e composições diferentes dos gêneros
ocidentais. Apesar de alguns receberem a mesma classificação das tradições ocidentais,
possuem outras configurações. É comum encontrarmos, por exemplo, pluralidades de
vozes, gêneros e outras especificidades na escrita indígena.
Na tradição oral amplia-se o conceito de literatura, esta última se destaca por incluir
outros gêneros que não são contemplados na literatura de cultura ocidental. Thiél (2012)
apresenta em sua pesquisa os relatos cerimonial e popular, relato mítico, relato ensaístico e
o gênero memorialístico como exemplos. Em uma obra como Metade cara, Metade
máscara, de Eliane Potiguara (2019), esses aspectos são bem evidenciados.
Em síntese, os relatos cerimonial e popular estão relacionados com as práticas
culturais e com os rituais das comunidades nativas, como cantos de purificação, de cura e
pequenas histórias. O relato mítico, como já mencionado, não se restringe somente ao
campo religioso, mas faz parte da organização social dos povos originários e mantém
relação com a oralidade, se sustentando, principalmente, na memória ancestral. O relato
ensaístico possui caráter autorreferencial e é utilizado para discutir questões identitárias, e,
por fim, o gênero memorialístico serve como um documento que busca demarcar a
memória coletiva e se caracteriza como contra-memória e "memória-política", a primeira
sugere uma “re-visão” do passado e da história que foi narrada pelo outro, enquanto a
segunda, traz para o campo discursivo as dores e os traumas que os povos nativos sofreram
nos últimos séculos. Dessa forma, os gêneros literários são utilizados como recursos para a
autoexpressão, autoafirmação identitária, resistência, emancipação indígena e para a
demarcação das vozes indígenas na literatura.
Conforme Danner, Dorrico e Danner (2018), a autoria indígena é construída no
vínculo entre o “eu e nós, autor/a e grupo” e se caracteriza por essa pertença ao grupo
sociocultural, “militando politicamente com ele e a favor dele” (DANNER, DORRICO,
DANNER, 2018, p. 153). Dessa forma, a identidade do autor indígena é formada a partir
de sua vinculação com a comunidade (THIÉL, 2012). Os autores destacam que sua
marcação autoral contribui para o reconhecimento, a valorização e a visibilização dos
povos, negados pela cultura hegemônica.
Outro elemento que se destaca na literatura indígena é a composição multimodal.
No texto dos povos autóctones, os elementos visuais/grafismos têm relevância na
construção textual. Nos textos da literatura ocidental, as ilustrações podem surgir apenas
25

como complemento do texto escrito, já na cultura nativa, a escrita dialoga diretamente com
os textos visuais e gráficos, de forma interativa.
Graça Graúna (2013), ao refletir sobre a literatura de autoria indígena, apresenta
alguns conceitos que são importantes de considerar no processo de leitura. Em seu estudo,
ela reflete, fundamentada na noção de deslocamento e diáspora, sobre conceitos como
indianidade e auto-história.
Com base em Stuart Hall, Graúna argumenta que a noção de deslocamento está
relacionada à compreensão do processo diaspórico. Esse conceito, discutido por Hall, nos
lembra da experiência diaspórica que os povos indígenas vivenciaram, por causa de
explorações e violências tiveram que se retirar de seus territórios em busca de outras
alternativas para viver e trabalhar. A diáspora indígena é um tema muito problematizado
pelos autores indígenas, essa causa ganha bastante destaque na literatura indígena brasileira
contemporânea, pois é a partir desse processo que as identidades indígenas são construídas.
Alguns pesquisadores argumentam que o contato entre a cultura indígena e a
colonizadora provocou a desindianização. Graúna (2013) discute sobre esse processo de
contato e, fundamentada em Ortiz, explica que o indivíduo não perde a identidade quando
entra em contato com o outro. Ela enfatiza que, mesmo com a ruptura que a sociedade
ocidental causou nas comunidades originárias, é impossível perder a indianidade ou a
própria cultura. Sendo assim, ela rejeita a ideia de desindianização e afirma:
É possível dizer - dentro da percepção indígena - que o índio não deixa de ser ele
mesmo em contato com o outro (o não índio), ainda que o (a) indígena more
numa cidade grande, use relógio e jeans, ou se comunique por um celular; ainda
que uma parabólica pareça, ao outro, um objeto estranho ou incompatível com a
comunidade indígena; ainda que nos deparemos com o indígena nos caminhos da
internet, em plena construção de aldeias (aparentemente) virtuais; mesmo assim,
a indianidade permanece, porque o índio e/ou a índia onde quer que vá, leva
dentro de si a aldeia. (GRAÚNA, 2013, p. 59)

A título de exemplo, Daniel Munduruku (2020) afirma que seu povo foi vítima do
processo de adaptação à cultura ocidental, logo, os hábitos, valores e língua tiveram que
ser submetidos ao poder do colonizador. De acordo com o autor, isso não significou o
abandono da cultura ou da indianidade de seu povo. À medida que teve contato com o
sistema ocidental de ensino, obteve também, como membro de uma comunidade nativa, a
oportunidade de aprender com a floresta, com o rio e com os seus ancestrais, o que
significa ser indígena nesse território chamado Brasil. A partir do domínio da escrita,
aprendeu a manipular a memória ancestral e se tornou um “redator da memória oral” dos
26

povos indígenas. Sua autoria, portanto, traz marcas do processo de colonização, mas
também destaca a própria identidade, como integrante do povo Munduruku.
Outro conceito que merece ser destacado é a auto-história, que também é
considerado um elemento importante dentro da autoria indígena. Aqui, o sujeito narra a
história a partir de suas experiências ou das memórias de sua comunidade. Alguns poemas
de Eliane Potiguara ou os cordéis de Auritha Tabajara, por exemplo, são elaborados nessa
perspectiva, portanto, devem ser lidos considerando o viés da auto-história e sua
contribuição na construção dos significados.
Por fim, na literatura indígena contemporânea, o entre-lugar surge como resultado
do processo da diáspora e se relaciona com a experiência de deslocamento das
comunidades. O contexto da diáspora tem reverberado em diversos âmbitos da sociedade
indígena, sobretudo, na literatura. Sendo assim, os autores indígenas escrevem partindo
desse lugar da diáspora e da transição entre espaços diferentes, eles vivem e compartilham
de experiências tanto nos espaços urbanos ou fora deles. O poema “Identidade”10 de
Márcia Kambeba nos mostra um pouco sobre a perspectiva do entre-lugar e seus
desdobramentos:
Minha indianidade,
Meu caminho na cidade,
Meus cabelos longos,
Carregam minha identidade.

Identidade que represento


Com clareza na afirmação,
Com orgulho na minha alma,
Resisto à negação.

Negação de ser indígena


E assumir a vida na cidade,
No direito de poder vencer,
Convivendo com dignidade.

Mas o preconceito é vilão,


E vem feroz como jaguar,
Como flecha acertou o meu ser,
E meu cabelo o “branco” me fez cortar.

Para conseguir um emprego,


Essa dor tive que passar,
Cortei não só o cabelo,
Mas a magia que nele podia mostrar.

10
O tema “identidade” é bastante frequente na literatura indígena contemporânea. Como no poema
“Identidade indígena”, de Eliane Potiguara (2019, p.113-115), escrito em 1975 em memória de seus avós. O
referido texto poético é considerado um marco da literatura indígena contemporânea no Brasil
27

A tristeza que sinto agora,


É maldade do opressor,
Que sabendo da minha luta,
Uma ordem me passou:

Para trabalhar aqui,


O cabelo vai ter que cortar.
Mas a minha identidade,
Essa ele não conseguiu apagar.

Expressa no meu canto,


Na minha flauta a tocar,
Canto a solidão,
Para aldeia quero voltar.

Comer caça do mato,


Pescar com meu irmão,
Cantar na minha língua,
Sem ser motivo de gozação

(KAMBEBA, 2020a, p. 31)

Nos versos acima, podemos perceber que a voz indígena do poema fala de lugares
distintos. Ela conta suas experiências dentro do centro urbano e sua forte ligação com a
aldeia. Portanto, a voz do poema se autofirma e se opõe à negação da identidade indígena e
ao preconceito, para isso, demarca seu lugar de luta e resistência, este que pode ser notado
a partir da escolha das palavras no poema que remetem para esse movimento, por exemplo,
“Com orgulho na minha alma, / Resisto à negação” na segunda estrofe e “Mas a minha
identidade, / Essa ele não conseguiu apagar” na sétima estrofe. Além disso, percebe-se que
a aldeia é mencionada como um lugar de retorno, refúgio e acolhimento. Dessa forma, a
partir desses espaços, no entre-lugar, que as textualidades indígenas transitam, em outras
palavras, é a partir também dessas trocas culturais que emerge a literatura indígena
contemporânea no Brasil.

3 ALGUMAS REFLEXÕES TEÓRICO-METODOLÓGICAS A PARTIR DE


PROPOSTA DE ABORDAGEM DIDÁTICA ENVOLVENDO POESIA INDÍGENA
E CANÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL II

3.1 BASE CONCEITUAL DA PROPOSTA


Há no campo teórico discussões envolvendo quatro conceitos que são essenciais
para a compreensão da proposta de abordagem didática aqui apresentada, são eles:
colonialismo, colonialidade, descolonialismo e decolonialismo. Álvaro de Azevedo
Gonzaga (2021) aborda o decolonialismo indígena no oitavo capítulo “8° mito ou 1ª luta?
28

Por um decolonialismo indígena” do seu livro, no qual discute sobre os processos de


subordinação e ofuscamento das identidades indígenas, a problemática da estereotipia dos
povos originários, os movimentos sociais indígenas na segunda metade do século XX e,
sob a perspectiva histórico-social, discute os quatro conceitos anteriormente mencionados.
O colonialismo foi um período da história marcado pelas grandes navegações do
ocidente europeu, exploração de terras e expansões territoriais. Segundo o pesquisador, o
colonialismo “diz respeito ao modelo de dominação e exploração” (GONZAGA, 2021, p.
117), esta dominação se dava no âmbito político, social e cultural dos povos dominados.
O descolonialismo é uma contraposição ao colonialismo e pode ser entendido
como um momento histórico em que os povos colonizados se voltaram contra o sistema de
dominação exigindo o fim dos processos históricos-administrativos e reclamaram a
independência da então colônia para o enfim desligamento das metrópoles.
A colonialidade, conceito presente no título do capítulo, é considerada por muitos
intelectuais, como o sociólogo peruano Aníbal Quijano - uma das referências utilizadas por
Gonzaga para discutir essa questão - como consequência do colonialismo e definida como
uma estrutura de dominação e poder que, mesmo com o fim político do período de
colonização, permanece nas raízes da sociedade colonizada reproduzindo o pensamento
colonial. Dessa forma, a colonialidade continua presente de diversas formas na nossa
sociedade e se expressa essencialmente nas relações de poder, saber e ser.
Em suma, a colonialidade do poder, saber e ser estão intimamente relacionadas ao
processo de globalização. Há entre essas expressões uma relação de hierarquia entre os
europeus e os não-europeus. Na colonialidade de poder, o processo de ofuscamento ou
apagamento identitário surge como consequência desse sistema. Ela põe determinados
sujeitos em uma situação de dominação e inferiorização. Na colonização dos povos
indígenas, por exemplo, encontramos a distinção entre o civilizado e o selvagem, primitivo
ou bárbaro. Aquele é visto na colonialidade do saber como o detentor de um
conhecimento superior, por exemplo.
De acordo com Quintero, Figueira e Elizalde (2019 apud GONZAGA, 2021, p.
130), “a teoria do conhecimento (epistemologia) moderna compõe-se como a única visão
válida e absoluta do saber, refutando e inferiorizando todas as demais maneiras de
compreensão do mundo”. Sendo assim, os povos que possuem outras concepções
diferentes são considerados como atrasados e equivocados.
29

Por fim, a colonialidade do ser está relacionada à inferioridade conferida aos


povos que foram subalternizados e silenciados historicamente. Como consequência, os
valores, a história, costumes e cultura desses povos encaminharam-se para o apagamento
ou exclusão na sociedade, de forma violenta. Além disso, a negação das múltiplas
identidades dos povos originários emerge como consequência da colonialidade do ser.
Nesse contexto, a educação foi um dos principais instrumentos utilizados pelo
poder hegemônico para amoldamento de sujeitos em condição de subalternidade. Por meio
dela os colonizadores europeus conseguiram impor sua língua, visão de mundo e valores
com o objetivo de manter seu domínio sobre os povos e enfraquecer qualquer manifestação
de resistência, embora sem total êxito. A colonialidade conseguiu se enraizar nos diversos
espaços sociais, sobretudo, nos espaços de formação dos sujeitos.
Dessa forma, há na sala de aula a problemática da estereotipia dos indígenas.
Gonzaga (2021) defende que esse problema não está presente somente no livro didático, a
imagem de um sujeito preguiçoso, incapaz, violento, selvagem ainda permanece no
“inconsciente coletivo dos brasileiros” (p. 125). Contudo, de acordo com a pesquisa
realizada por Graúna, em 2011, ele também é responsável por difundir uma imagem
equivocada dos povos originários. Os conteúdos destacados no livro didático, referentes às
comunidades nativas, refletem o desconhecimento transmitido de geração após geração
através das narrativas ocidentais, embora haja também exceções
A literatura presente nesses manuais, comumente, romantiza a história dos nativos
brasileiros, ocultando o longo e árduo período de luta e resistência contra os processos de
apagamento. De acordo com Graúna (2013), a literatura brasileira tem colaborado, desde o
início de sua divulgação, para a manutenção e construção dos estereótipos e,
consequentemente, para a continuidade do preconceito e discriminação. Sendo assim, o
indígena ainda é apresentado de forma pejorativa e “superficialmente em sua identificação
étnica” (GRAÚNA, 2013, p.44). Por seguir os padrões ocidentais, as abordagens a respeito
dos povos indígenas na literatura brasileira partem, na maioria das vezes, do ponto de vista
indigenista ou indianista, textos escritos na perspectiva indígena são mais encontrados fora
dos manuais didáticos e, geralmente, para além das bibliotecas escolares.
Nesse sentido, a decolonialidade surge em oposição às ideias da colonialidade,
como uma proposta de enfrentamento e um caminho para a resistência. Com a finalidade
de desconstruir padrões, deslocalizar os campos de saber de um único referencial,
conceitos e perspectivas impostas pelos dominadores, oferece oportunidades e espaços de
30

diálogo nos quais as vozes que foram silenciadas e invisibilizadas historicamente possam,
enfim, nos diversos meios de comunicação, demarcar seus espaços na sociedade. De
acordo com o autor, a decolonialidade assume
(...) uma postura de luta permanente para registrar uma nova história dos
colonizados como personagens sociais participantes do processo e não como
meros agentes moldáveis, subjugados e subalternos. A decolonialidade diz
respeito ao procedimento que almeja superar historicamente a colonialidade (...)
do modelo de poder colonial na atualidade (...). (GONZAGA, 2021, p. 126)

No contexto das culturas indígenas, tal conceito fortalece as lutas dos povos
originários contra a inferiorização, subalternização e silenciamento. Nesse sentido, a
literatura indígena contemporânea dialoga com os pressupostos da decolonialidade, pois
nela os sujeitos indígenas passaram de objetos de representação para sujeitos de
representação, fazendo ecoar suas memórias e histórias, individuais e coletivas.

3.2 ALGUNS TRABALHOS DE REFERÊNCIA PARA O DESENVOLVIMENTO


DA PROPOSTA
Considerando que a escola tem papel importante na formação dos sujeitos,
espera-se que sejam oferecidas nesses espaços oportunidades para difusão e circulação das
vozes e saberes indígenas com a finalidade de desconstruir estereótipos sobre os indígenas
e apresentá-los como sujeitos protagonistas da história desse território chamado Brasil. O
ensino de História, Literatura e Artes, portanto, pode contribuir para a reflexão e superação
das relações coloniais de poder que ainda perduram atualmente. A lei 11.645/08, que torna
obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, evidencia
esses campos de saber no percurso afirmativo da referida lei. Contudo, seja por
desconhecimento e/ou ausência de formação adequada em torno da lei e do trabalho com a
literatura indígena, acredito que esse marco legal ainda não se efetiva em grande escala no
chão da escola. O conhecimento dos conceitos aqui elencados pode orientar um trabalho de
mediação de leitura literária na escola que parta de uma noção de educação decolonial.
Catherine Walsh (2019) discute em seu trabalho o conceito de interculturalidade e
destaca sua relevância para a esfera educacional. A autora enfatiza que nesse contexto as
discussões sobre a interculturalidade ocorrem, muitas vezes, de forma “limitada” e
“superficial” e que sua compreensão pode contribuir para descolonizar a educação, uma
vez que “oferece um caminho para se pensar a partir da diferença e através da
descolonização e da construção e constituição de uma sociedade radicalmente distinta”
(WALSH, 2019, p. 27).
31

A proposta didática convocada aqui se soma a tantas outras já existentes e que


buscam fortalecer esse campo. A seguir, mencionaremos algumas delas. Levando em
consideração os efeitos da colonialidade do poder, do saber e do ser e a necessidade de
decolonizar as mentes, José Paulo Alexandre de Barros Júnior, Jobson Jorge da Silva e
Myrna Andreza da Silva Alves (2021) discutem - em seu trabalho Coração na Aldeia, pés
no mundo: a literatura indígena como articuladora do letramento étnico-racial na
educação básica - o letramento étnico-racial na educação básica a partir de uma proposta
didática com os cordéis de Auritha Tabajara e desenvolvem uma análise crítica do cordel
Coração na Aldeia, pés no mundo (2018).
Kathia Alexandra Lara Canizares e Rosa Maria Manzoni (2020), também com o
objetivo de propor atividades que abordam as temáticas indígenas para as aulas de leitura
de língua portuguesa, elaboram, a partir de uma sequência didática direcionada para o
terceiro ano do Ensino Médio, uma proposta com textos de autoria indígena e não
indígena.
Pautado em Thiél (2012) e Graúna (2013), o trabalho, intitulado A recepção da
literatura indígena desenvolvida com o Método Recepcional de Leitura, discute sobre a
literatura de autoria indígena, suas textualidades e as complexidades que envolvem esses
textos. Além disso, com base nos pressupostos de Bordini e Aguiar (1993) e no que eles
discutem sobre o Método Recepcional de Leitura (MRL) e no que Jauss (1994, 2002)
estuda sobre a Estética da Recepção, as autoras buscam responder: como se dá a recepção
da literatura indígena por meio do Método Recepcional de Leitura (MRL)?
Dessa forma, o trabalho de Canizares e Manzoni (2020) se torna relevante, pois
mostra os resultados de um trabalho com a literatura indígena na sala de aula. Assim, foi
possível perceber as contribuições do Método Recepcional de Leitura para o ensino de
literatura indígena. Além de ampliar o conhecimento dos alunos em relação aos povos
indígenas e suas literaturas, a pesquisa busca romper a visão estereotipada apresentada
nesse contexto em relação à imagem e identidade indígena.
A literatura indígena, de acordo com Thiél (2013), também pode contribuir para a
formação de leitores multiculturais. Thiél (2013, p. 1182) traz para a discussão as
textualidades indígenas e alguns caminhos de leitura das narrativas de tradição oral. Ela
destaca que a leitura desses textos pode colaborar para a formação do leitor, para o
“aprimoramento de competências leitoras da palavra” e para a sensibilização do aluno
acerca do outro, “sobre como o outro vê e lê o mundo e como conta suas histórias”
32

(THIÉL, 2013, p. 1184). A sala de aula, portanto, torna-se um espaço de desafios e


confrontos com as nossas próprias concepções de mundo e sobre como definimos o outro.
Ailton Krenak (2020), em seu livro Ideias para adiar o fim do mundo, apresenta a
forma como os povos indígenas se relacionam com a natureza, por exemplo. Ele relata que
as montanhas, rios, pedras possuem um papel significativo na cultura nativa. Esses
elementos, para eles, são seres vivos, dignos de afetos e respeito. Ao longo de minha
experiência extensionista, tive contato com várias outras referências que construíram a
base para o que aqui apresento. No entanto, nesta seção, trago apenas algumas daquelas
que marcaram esse meu caminho de formação.

3.3 REFERÊNCIAS METODOLÓGICAS DA PROPOSTA


No que se refere ao trabalho com a leitura literária na escola, Hélder Pinheiro
(2021) afirma que o ensino de literatura não possui um espaço próprio nas escolas
brasileiras, ela habita junto com a disciplina de Língua Portuguesa. No Ensino
Fundamental I (1° ao 5° ano) encontramos sua presença com mais frequência, nesse
momento ela é trazida para a sala de aula com interesses diferentes das séries posteriores.
Seu objetivo, portanto, é estimular a imaginação e criação dos leitores. No Fundamental II
(6° ao 9° ano), o contato com a literatura ainda é constante, contudo, há, de acordo com o
autor, uma “quebra das vivências de leitura literária, que, quando acontecem, costumam vir
como tarefa escolar” seu contato acontece, predominantemente, por meio do livro didático
(PINHEIRO, 2021, p. 609). E no nível médio, o ensino se caracteriza a partir de uma
perspectiva histórica da literatura, em outras palavras, ela é apresentada de forma
fragmentada, ligada a períodos específicos da história.
Pinheiro (2018, 2021) enfatiza que dentre os gêneros apresentados nas aulas de
Língua Portuguesa, a poesia ocupa um espaço à margem. Para validar essa afirmação, o
pesquisador destaca algumas pesquisas em diferentes níveis de ensino que comprovam
esse lugar da poesia e afirma, com base nos resultados, que os gêneros narrativos são, na
maioria das vezes, priorizados no espaço escolar. Outra problemática levantada por ele diz
respeito à forma como a poesia é trabalhada. De acordo com o professor:

(...) o trabalho com o poema tende a ser basicamente realizado aos moldes do
livro didático. Ou seja, os poemas, quase sempre poucos, são abordados de uma
perspectiva que privilegia um modelo de interpretação fechado, lançando mão de
questionários, deixando de lado as repercussões que o texto poderia ter entre os
leitores. (PINHEIRO, 2021, p. 620, grifo do autor)
33

Dessa forma, com base em Jauss, defende a contribuição da teoria da recepção na


mediação da leitura literária e afirma que ela pode colaborar positivamente para uma
aproximação mais efetiva/afetiva com a poesia na sala de aula, assim, propõe uma
atividade de leitura a partir de uma abordagem comparativa com poemas e canções para
uma turma de 6° do Ensino Fundamental. Ele sugere que a proposta seja realizada com a
principal finalidade de aproximar o texto do leitor e de suas vivências. O papel do
professor nesse processo é estimular o debate, ajudar na formulação de pontos de vista e
criar espaços para o compartilhamento de percepções sobre o texto, exercitando assim, a
escuta na prática de leitura.
Nesse sentido, Cecilia Bajour (2012) reflete sobre o valor da escuta nas práticas de
leitura e propõe as conversas literárias como situação de ensino. Ela afirma em seu livro
Ouvir nas entrelinhas: O valor da escuta nas práticas de leitura que o ato de ler está
intimamente ligada às práticas de escuta, e defende que as conversas literárias,
principalmente no contexto da sala de aula, podem colaborar para a construção de
conhecimento. Compreender que um texto não possui uma verdade absoluta, isto é, uma
única interpretação, é fundamental para um encontro mais efetivo com a leitura literária. É
necessário que os leitores entendam que a leitura não é um ato simplesmente individual, os
sentidos de um texto são construídos junto e em diálogo com o outro, pois, “quando entram
em contato com os fragmentos de outros, podem gerar algo novo, algo a que talvez não
chegaríamos na leitura solitária”, assim, “a escuta da interpretação dos outros se entremeia
com a nossa” (BAJOUR, 2012, p. 24).
É válido destacar também que os leitores podem se deparar com textos que os
provoquem, inquietem, interroguem e que não apresentem todas as respostas. Tais fatos
fazem parte do processo de leitura, “nem todos os silêncios precisam ser preenchidos",
sobretudo, no ensino de poesia (BAJOUR, 2012, p. 36).

3.4 A PROPOSTA E SUAS POTENCIALIDADES NO CAMPO DOS PROCESSOS


DE LEITURA LITERÁRIA
Considerando a ausência da poesia, sobretudo, de autoria indígena no chão da
escola e inspirada no que diz Graça Graúna sobre o lugar da poesia para os povos
indígenas - “se as narrativas míticas são para os povos indígenas uma forma de resistência,
os poemas também o são, pois a poesia (na cosmovisão indígena) vem confirmar a luta
identitária, reafirmando os laços de amor à terra” (GRAÚNA, 2013, p.107) - elaborei, com
o auxílio da professora coordenadora do projeto @escrevivencias_ufpb, uma proposta
34

didática que contempla a poesia de autoria indígena em diálogo com a autoria não indígena
e a canção popular brasileira. Como foi apontado anteriormente, a proposta foi publicada
nos anais do 23º JELL, em 2021, e pensada, inicialmente, para ao 6º ano do Ensino
Fundamental II. No entanto, é possível adaptar para outros níveis de ensino. Foi imaginada
para ser desenvolvida em 3 a 5 encontros de 60 min, cada. Abaixo segue tabela
sistematizada com as etapas da proposta.

Etapas Objetivos Percursos metodológicos

1º momento: Arar Preparar para a ● Realizar oralmente a leitura e releitura


experiência poética. do poema com sujeitos leitores
Texto convocado: distintos;
“Árvore”, de Manoel de ● Aproximar, no momento da mediação,
Barros. as imagens do texto com imagens da
vida cotidiana, com ênfase no contato
com a natureza, através de uma
conversa literária iniciada com
perguntas previamente imaginadas,
tais como: quais imagens do poema
estão mais próximas do seu cotidiano?
E quais as mais distantes?

2º momento: Orientar a turma para ● Dividir a turma em grupos; solicitar


Semear uma ação em grupos. pesquisa de outros textos poéticos,
dessa vez de autoria indígena, que
tratem do mesmo tema: a relação com
a natureza.
● Indicar alguns textos previamente e
destacar a diversidade de povos
originários no Brasil;
● Apresentar o resultado das suas
pesquisas e fazer a leitura em voz alta
do poema escolhido – de forma
35

encenada pelo coletivo ou pela voz de


um representante do grupo;
● Compartilhar um texto, dessa vez, o
poema “Pintura Sagrada”, de Márcia
Kambeba. Maracás são bem-vindos
para esse momento, caso os grupos
queiram utilizar para marcar o ritmo de
suas leituras.

3º momento: Estabelecer articulações ● Iniciar uma conversa literária a partir


Adubar entre o poema de Barros, do título “refloresta”, ativando
Kambeba e a canção perguntas como: a palavra “refloresta”
“Refloresta”, de Gilberto te lembra o que? A voz da canção nos
Gil. convida a ser refloresta, o que isso
significa para você? O que aproxima o
poema “pintura sagrada” da canção
“refloresta”? O que há em comum
entre as vozes dos poemas de Barros e
Kambeba? E o que há de diferente
entre eles?

4º momento: Ativar, mais uma vez, ● Estimular a verbalização de sensações,


Florescer um estado de ritmos, andamentos, através da audição
escuta,verbalização de da música instrumental “Povo em pé:
experiências de nação árvore”, de Keko Brandão, e
atravessamento com a maneiras de aproximação entre os
leitura, e a criatividade textos anteriores com perguntas como:
o que você sentiu ao ouvir a música?
Ao ouvir, você lembrou de algum
verso ou imagem dos poemas e da
canção dos encontros anteriores?
● Propor alguns movimentos de criação:
musicar os poemas, cantar
36

coletivamente a canção de Gil, encenar


os poemas integral ou parcialmente.
Organizar e apresentar em momento
subsequente.

A sala de aula, de acordo com Thiél (2013), deve ser vista como um espaço de
“transformação dos processos interpretativos” e “confronto com o legitimado” (p. 1186).
No contexto do ensino das literaturas indígenas, é importante que o professor tenha em
mente que seu papel é criar oportunidades de encontro e escuta das vozes indígenas, para
isso, deve dispor de “referenciais teóricos para que as textualidades indígenas sejam
interpretadas em sua contextualização cultural e estética” (THIÉL, 2013, p. 1186).
Thiél (2012, 2013) reflete sobre a atividade leitora voltada para o outro e,
fundamentada em Thérien, apresenta as cinco dimensões do processo de leitura, são elas: a
leitura como um processo neurofisiológico; um processo cognitivo; um processo afetivo;
um processo argumentativo e um processo simbólico. Na proposta didática apresentada,
cabe ao professor mediador atentar para tais processos não de maneira estanque, pois todos
podem acontecer de forma simultânea no ato da leitura.
De forma objetiva, Thiél afirma que “a leitura como processo neurofisiológico
mostra que a atividade leitora é desenvolvida por um conjunto de funções cerebrais e pelo
aparelho visual” (THIÉL, 2013, p. 1186). Está relacionada à leitura do outro e como se dá
sua produção literária e cultural. A autora destaca a importância nesse sentido de perceber
os sujeitos, como cada cultura se expressa e como é sua relação com o mundo e com o
outro a fim de que os pontos de vista sejam postos em conflito, questionados e desfeitos.
No percurso didático exposto, sobretudo nas primeiras duas fases, optou-se por escolher
poemas cujas imagens, palavras e relações convidassem o leitor a repensar a noção
dicotômica entre humanos e não humanos, pela ativação de seus repertórios sobre as
conexões que estabelecem com a natureza. São poemas bastante visuais e que, do ponto de
vista do processo neurofisiológico, corroboram o exercício de alteridades pelas imagens
evocadas que entram em confronto com imagens previamente concebidas, questionando-as
e/ou desfazendo-as.
O processo cognitivo implicaria na transformação de significantes em significados
(THIÉL, 2013, p. 1186). A leitura do outro, neste caso, envolveria o desenvolvimento de
competências para a construção de sentidos a partir do que é apresentado pelo outro. A
37

abordagem comparativa entre um poema de autoria indígena e não indígena pode estimular
a ultrapassagem do etnocentrismo no ato da leitura, por isso a escolha pelos textos poéticos
de Barros e Kambeba. É um momento, por exemplo, propício para convocar cosmovisões
indígenas sobre as relações de integração com a natureza no ato da mediação, de modo que
os leitores podem acessar um saber mínimo (THIÉL, 2012, p.74) sobre o assunto para
prosseguir a leitura e construir significados.
O processo afetivo está relacionado com a recepção e com as emoções que são
suscitadas através da leitura. Este processo torna-se importante para a sensibilização do
leitor acerca do respeito e valorização do outro, de forma que não só se sensibilize, mas
que também entenda o seu lugar. A abordagem comparativa entre poesia e canção/música
foi uma escolha metodológica realizada pensando, particularmente, no processo afetivo.
Pinheiro (2021, p. 8) destaca que a ideia é que ele, o leitor, “vivencie o texto literário, isto
é, o perceba como algo próximo, que traz a possibilidade de diálogo com sua vida –
questionamentos, descobertas, associações inesperadas, etc”. Como se nota nas perguntas
imaginadas para mediação na tabela acima, o lugar do sentir na experiência de leitura é
estimulado, inclusive pela via da ativação da escuta tanto no ato de realização oral dos
textos selecionados quanto na audição das músicas, uma delas inteiramente instrumental,
tais aspectos podem fazer com que emoções sejam suscitadas no ato da leitura – “com
atitudes de repulsa, rejeição, desprezo, ódio, ou de admiração, respeito, confiança e
tentativa de imitação” (THIÉL, 2012, p.74). Partindo da minha experiência estética com os
textos e com o meu percurso brevemente narrado nos momentos iniciais deste trabalho, a
percepção que tenho sobre a relação entre humanos e não humanos e a integração com a
natureza ganhou novos contornos após o encontro com a poesia indígena, pela via afetiva
da admiração, respeito e desejo de preservação da natureza, pois como diz Krenak: “tudo é
natureza” (KRENAK, 2020, p.17). O contato com a poesia de Márcia Kambeba provocou
em mim diversos sentimentos. Por ela ter vivido tanto na cidade quanto na aldeia, a
escritora compartilha com seus leitores as experiências de uma mulher indígena na
sociedade brasileira no século XXI. Assim, além de conhecer a realidade e as condições de
uma mulher indígena na atualidade, a leitura dos poemas de Kambeba causou em mim
fortes inquietações. Fui provocada a refletir sobre o problema do desmatamento, da queima
das florestas brasileiras e sobre as consequências desses dois fatores para o nosso futuro,
por exemplo.
38

Com base em Jouve, Thiél afirma que no processo argumentativo o texto surge
“como um resultado de uma vontade criadora”. Ele é um discurso que na atividade leitora
está em constante interação, agindo sobre quem o lê. A literatura indígena desafia seu leitor
nos “caminhos interpretativos” e provoca reflexões acerca das concepções sobre as
culturas nativas. Nesse sentido, os textos selecionados para a proposta e os caminhos
metodológicos adotados visam estimular, inclusive, a revisão/ampliação/reavaliação de
conhecimentos sobre a natureza. Uma vez em contato com a voz poética indígena, o leitor
acessa uma visão de mundo sobre o entorno que cerca o autor, de modo que, nessa
interação, espera-se que o leitor seja capaz de enveredar pelos caminhos da interpretação e
argumentação, pois “o outro age sobre quem lê” (THIÉL, 2012, p.75).
Por fim, no processo simbólico, Thiél (2013, 2012) aponta a seguinte afirmação de
Jouve:
O sentido que se tira da leitura (reagindo em face da história, dos argumentos
propostos, do jogo entre os pontos de vista) vai se instalar imediatamente no
contexto cultural onde cada leitor evolui. Toda leitura interage com a cultura e os
esquemas dominantes de um meio e de uma época. (JOUVE, 2002, p. 22 apud
THIÉL, 2013, p. 1187)

A leitura do outro, neste caso, depende do leitor, este constrói sentidos sobre o
outro a partir do seu lugar, identidade e cosmovisão. O contato com a literatura indígena,
segundo a pesquisadora, pode proporcionar para o leitor não indígena uma reflexão sobre a
comunidade interpretativa que faz parte e uma revisão a respeito da sua relação com outros
povos. No encontro com o texto, o leitor pode se deparar com concepções e imagens
pré-definidas sobre o outro. Os textos literários citados na tabela acima buscam confrontar
as cosmovisões concebidas pelo contexto cultural dos leitores em relação às comunidades
nativas e desconstruir, através da leitura literária, estereótipos. Ou seja, são textos que
ampliam o repertório literário e cultural dos leitores e, desse modo, simbolicamente, cabe
verificar, no ato da mediação de leitura, como a voz do outro se manifesta (THIÉL, 2012,
p.75). Buscou-se, nesse sentido, construir um caminho de leitura no qual a voz do outro
passe de algo desconhecido para conhecido, desestabilizando, no campo simbólico, um
olhar sobre o outro por vezes enraizado em estereótipos e preconceitos.
Dessa forma, é a partir das convenções de leitura já conhecidas que os leitores
poderão experimentar as “novas construções discursivas” (THIÉL, 2013, p. 1188). Para o
ensino das literaturas indígenas no contexto da sala de aula, os processos mencionados
acima devem ser ativados com o objetivo de formar leitores multiculturais, competentes,
39

que reconhecem as diversas textualidades indígenas e a pluralidade envolvendo os povos


nativos em Pindorama.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, considerando sanção da lei 11.645/2008 e o que ela implica para a
prática de ensino, principalmente para o campo da literatura, o trabalho buscou contribuir,
a partir de uma experiência extensionista, para a reflexão sobre o ensino das literaturas dos
povos indígenas na sala de aula e a formação do leitor multicultural. Nesse percurso, a
memória de experiência extensionista foi ativada, em um primeiro momento, uma vez que
corrobora a dimensão propositiva deste trabalho no contexto da formação de leitores
multiculturais. Dimensão essa que se revela na proposta de abordagem didática
apresentada seguida de discussão e reflexão sobre formação leitora e as dimensões que
atravessam os processos de leitura. Compreendemos que a extensão universitária,
especialmente de caráter emancipatório e decolonial, que busca o diálogo entre o tripé
pesquisa-ensino-extensão, é um “elemento essencial e potencializador” (KOCHHANN,
2017, p. 2160) para a uma formação docente mais crítica e autônoma.
Nesse sentido, a experiência no projeto de extensão @escrevivências_ufpb
colaborou significativamente nesse processo de ampliação do meu repertório teórico,
crítico e literário acerca das literaturas dos povos originários e conhecimento das
pluralidades e textualidades indígenas, para a aproximação com o texto poético e para
minha própria formação como professora/leitora multicultural e cidadã. O trabalho aqui
apresentado é, portanto, uma síntese do que aprendi e realizei durante toda a minha
trajetória de formação docente até o momento, no contexto do referido projeto.
A intenção inicial deste trabalho era apresentar os resultados e as análises do
desenvolvimento da abordagem didática mencionada em seção anterior com uma turma do
Ensino Fundamental II, a mesma em que estou atuando como estagiária no corrente
semestre, 2022.2. No entanto, os trâmites burocráticos que garantem o meu vínculo com a
escola sofreram atrasos e impediram a concretização do plano inicial. Espero, em pesquisas
futuras, realizar a proposta na escola, analisar seus impactos na formação do leitor
multicultural e verificar de que modo as dimensões dos processos de leitura se apresentam
no trato com a poesia indígena em sala de aula em diálogo com a canção popular brasileira.
De toda forma, uma nova rota foi traçada – com a inserção da minha experiência
extensionista e o que aprendi sobre literatura indígena e ensino através dela; a reflexão, de
40

forma crítica e situada, sobre as dimensões dos processos de leitura que podem ser ativadas
no campo da proposta didática elaborada durante a minha atuação no
@escrevivencias_ufpb - tornando possível a conclusão deste ciclo, este que é fomentado
por uma percepção de educação que se faz como descolonização, também no âmbito
curricular, aspecto que desejo desenvolver e aprofundar em pesquisas futuras. Esse
princípio de educação “passa pela urgência de desaprender o cânone. Essa
desaprendizagem não perpassa pela negação de determinadas presenças e saberes, mas
pelo destronamento” (RUFINO, 2021, p.23-24). Esse destronamento desafia, pois, as
colonialidades e corrobora a pluralização do cânone. Pressupostos esses que regem o que
aqui disponho e exponho a fim de alcançar os objetivos anteriormente explicitados.
41

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43

ANEXOS

ANEXO A - POEMA “ÁRVORE” DE MANOEL DE BARROS

Um passarinho pediu a meu irmão para ser uma árvore.


Meu irmão aceitou de ser a árvore daquele passarinho.
No estágio de ser essa árvore, meu irmão aprendeu de
sol, de céu e de lua mais do que na escola.
No estágio de ser árvore meu irmão aprendeu para santo
mais do que os padres lhes ensinavam no internato.
Aprendeu com a natureza o perfume de Deus.
Seu olho no estágio de ser árvore aprendeu melhor o azul.
E descobriu que uma casa vazia de cigarra esquecida no
tronco das árvores só serve para poesia.
No estágio de ser árvore meu irmão descobriu que as
árvores são vaidosas.
Que justamente aquela árvore na qual meu irmão se
transformara, envaidecia-se quando era nomeada para o
entardecer dos pássaros
E tinha ciúmes da brancura que os lírios deixavam nos
brejos.
Meu irmão agradecia a Deus aquela permanência em
árvore porque fez amizade com as borboletas.

Fonte: BARROS, 2010, p. 394-295

ANEXO B - POEMA “PINTURA SAGRADA (A ÁRVORE ME


PINTOU)” DE MÁRCIA KAMBEBA
“A árvore que me pintou”
Vermelha e preta
Minha pele ficou.

Urucum, jenipapo
Eu sou esse tronco
Que cresce sereno
Em meio à cidade.

Meu ser é do mato


Eu sou o retrato
Do povo que um dia
Nesse Brasil pisou.

“A árvore me pintou”
Grafismo de alma
De quem tem no peito
A cor do respeito
Que o branco manchou.
44

Fonte: KAMBEBA, 2020b, p. 45

ANEXO C - LETRA DA MÚSICA “REFLORESTA” DE


GILBERTO GIL
Manter em pé o que resta não basta
Que alguém vira derrubar o que resta
O jeito é convencer quem devasta
A respeitar a floresta

Manter em pé o que resta não basta


Que a motosserra voraz faz a festa
O jeito é compreender que já basta
E replantar a floresta

Milhões de espécies, plantas e animais


Zumbidos, berros, latidos, tudo mais
Uivos, murmúrios, lamentos ancestrais
Por que não deixamos nosso mundo em paz?

Além do morro, o deserto se alastra


Toda terra, da serra aos confins
O toco oco, casco de Canastra
Onde enterramos saguis

Manter em pé o que resta não basta


Já quase todo o verde se foi
Agora é hora de ser refloresta
Que o coração não destrói

Milhões de espécies, plantas e animais


Zumbidos, berros, latidos, tudo mais
Uivos, murmúrios, lamentos ancestrais
Por que não deixamos nosso mundo em paz?

Manter em pé o que resta não basta


Que alguém vira derrubar o que resta
O jeito é convencer quem devasta
A respeitar a floresta

Manter em pé o que resta não basta


Já quase todo o verde se foi
Agora é hora de ser refloresta
Que o coração não destrói

Que o coração não destrói


Respeitar a floresta
Respeitar a floresta
45

Replantar a floresta
Que o coração não destrói

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=YAQxp-rkFVM. Acesso em 23 de mai.


2022.

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