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A simbologia presente na obra Os Maias

O símbolo “é uma palavra, uma frase ou qualquer outra forma de expressão à qual se associa um complexo
de significados; neste sentido, considera-se que o símbolo tem valores diferentes dos daquilo que é simbolizado.”
Para além deste símbolos, outros existem e que devemos dar alguma atenção: os três lírios, o charuto de
Alencar, o nome de algumas personagens, o cofre de Guimarães, etc.

Ramalhete
(Desde o início desabitado,
quando Afonso vive no retiro de
S.Olávia, o Ramalhete não tem
vida, em seguida, é habitado e
preparado para receber Carlos,
torna-se símbolo de esperança e
de vida.)

Estátua de Vénus Citereia e a


Cascata
Cipreste e o Cedro
“Enegrecendo a um canto na
“Um pobre quintal inculto,
lenta humidade das ramagens
abandonado às ervas bravas,
silvestres…(I)” Os móveis do escritório de
com um cipreste, um cedro…(I)”
“Uma ferrugem verde, de Afonso
“O cipestre e o cedro
humidade, cobria os grossos
envelhecendo como dois amigos
membros de Vénus Citereia… “Todos os móveis do escritório
tristes…(I)”
(XVIII)”
“O cipreste e o cedro do avô desapareciam sob largos
“Uma cascatazinha seca…(I)”
envelheciam juntos, como dois sudários brancos…(I) ”
“Por entre as conchas da
amigos num ermo…(XVIII) ”
cascata, o fio de água punha o
seu choro lento…(XVII)”

Nos diversos símbolos destacados não é fácil lermos o percurso da família dos Maias. Desde o início,
desabitado, quando Afonso vive no retiro de Santa Olávia, o Ramalhete não tem vida; em seguida, habitado,
preparado para receber Carlos, torna-se símbolo da esperança e da vida: a estátua e a cascata transformam-se. É
como um renascimento; finalmente, a tragédia abate-se sobre a família e eis a cascata chorando, enfiando as
últimas gotas de água, a estátua coberta de ferrugem. Tudo aponta para um carácter fúnebre, uma espécie de
cemitério areado e limpo, tendo como guardas o cipreste e o cedro, árvores que, pela sua longevidade, significam a
vida e a morte. Foram testemunhas das várias gerações dos Maias que se foram.
Os móveis de escritório de Afonso estão cobertos de panos brancos que são comparados a mortalhas
com que se envolvem os cadáveres. A morte instala-se definitivamente nesta família. E se Os Maias representam
Portugal, a morte instalou-se neste país.

1
Toca

(Nome dado à habitação de certos


animais).

Nome
“O melhor é baptizá-la definitivamente Quarto de Maria Eduarda
com o nome que nós lhe dávamos. Nós “Tapeçarias, onde desmaiavam, na trama
chamávamos-lhe a Toca…(XIII). ” de lã, os amores de Vénus e Marte…
“Só o meter a chave devagar e com uma (XIII).”
inútil cautela na fechadura daquela morada “Onde se distinguia uma cabeça degolada…
discreta, foi para Carlos um prazer…. (XIII).”
(XIII).” “Uma enorme coruja fixava, no leito de
“Numa tarde, (…) experimentaram ambos amor, os seus dois olhos redondos e
essa chave…(XIV).” agoirentos…(XIII).”

Nas tapeçarias do quarto “desmaiavam, na trama de lã, os amores de Vénus e Marte.” De igual modo
este amor entre Carlos e Maria Eduarda estava condenado, em breve a desmaiar e a desaparecer.
“(…) a alcova resplandecia como o interior de um tabernáculo profano (…).” Note-se aqui a intenção de
misturar o sagrado com o profano para simbolizar o desrespeito pelas relações fraternas, que deveriam ser puras
e irão ser transformadas em relações incestuosas. Assim, a descrição do quarto tem traços próprios de um local
dedicado ao culto: a porta de comunicação era “arredondada em arco de capela” e dela pendia “uma pesada
lâmpada da Renascença” que contribuía para lhe conferir maior solenidade. Com o sol, o quarto “resplandecia como
o interior de um tabernáculo.” Não esquecer que, para os Hebreus, o tabernáculo era o local sagrado do templo
onde se guardava a Arca da Aliança. No entanto, o quarto aparece comparado a um tabernáculo profano e
“convertido em retiro lascivo de serralho.”
“(…) o leito (…) enchia a alcova, esplêndido e severo, e como erguido para as voluptuosidades grandiosas
de uma paixão trágica do tempo de Lucrécia ou de Romeu.” Com efeito, a paixão vai unir Carlos e Maria Eduarda,
naquele quarto, terá um desfecho trágico, que definitivamente separará os dois amantes, frustrando-lhes todos os
sonhos de felicidade.
“(…) uma enorme coruja empalhada fixava no leito de amor, com um ar de meditação sinistra, os seus dois
olhos redondos e agoirentos(…).” A coruja considerada ave de mau agoiro, aparece aqui a vaticinar um futuro
sinistro para este amor.
Toca é o nome dado à habitação de certos animais, onde eles se escondem e se protegem dos humanos, tal
como os amantes de uma sociedade.

2
Cores
Símbolos Cromáticos

Vermelho
“Ao lado de Maria, com uma
camélia escarlate na casaca…
(I).”“Aquela sombrinha
Amarelo/Dourado escarlate (…) quase o envolvia, Negro
“Uma senhora loura, os cabelos parecia envolvê-lo todo- como “Seus olhos muito negros…
loiros, de um oiro fulvo…(I)”. uma larga mancha de sangue… (III).”
“Uma senhora alta, loira… (I).”“Todas as cadeiras eram “Dois olhos maravilhosos e
(VI).” forradas de repes vermelhos… irresistíveis …(I).”
“Era toda forrada, paredes e (XI)”.“Abria lentamente um “O negro profundo de dois
tecto, de brocado amarelo, cor grande leque negro pintado de olhos que se fixaram nos
de botão-de-oiro…(XIII). ” flores vermelhas… seus…(VII).”
(XI)”.“Transparentes novos de
um escarlate estridente…
(VI)”.

Um prolixo de cores enriquece Os Maias, cumprindo não só os postulados do impressionismo, mas ainda os do
simbolismo. Vermelho: Maria Eduarda e Maria Monforte são portadoras de um vermelho feminino, fogo que
desencadeia a libido, despertam a sensualidade e paixão à sua volta, que por sua vez a morte. A paixão excessiva é
destruidora. Provoca o suicídio em Pedro, a morte a Afonso e o desejo da morte em Carlos. Os olhos vermelhos do
avô, caminhando para a morte, vararam Carlos de tal forma que este pensou demoradamente na morte. O vermelho
da casa de Ega , a Vila Balzac, é tão intenso que indica a dimensão carnal, e efémera dos encontros amorosos de
Ega com Raquel. Amarelo / dourado: está muito presente na obra. O amarelo indica o carácter ardente da paixão.
É uma cor dupla: luz do ouro, da essência divina; luz da terra, Verão e Outono. No primeiro caso, é a cor dos
Deuses, veículo do poder, no segundo, é anunciadora de velhice, do Outono, da proximidade da morte. Negro:
remete para a morte, símbolo de uma paixão excessiva e destruidora. Mãe e filha, conjugam as três cores: cabelos
de ouro, olhos pretos e leque negro pintado de flores vermelhas, sombrinha escarlate. Elas são a vida e a morte, o
divino e o humano, a aparência e a realidade, a força que se torna fraqueza. Outras cores desfilam na obra: o azul,
cor associada a Maria Monforte, pois é no azul “que vive Monforte” e o branco ou a cor ebúrnea, associada sempre
ao tom de pele.

3
O passeio de Carlos e Ega pela baixa Lisboeta no episódio final é mais do que o epílogo do romance; é uma
viagem através do tempo, feita a partir de vários elementos simbólicos que marcam o percurso desse passeio.
Lancemos um olhar sobre o roteiro simbólico desse passeio que paradoxalmente nos mostra os efeitos do passar
do tempo e de como, por si só, o tempo foi inoperante, porque não transformou, nada mudou.
Para o derradeiro episódio convergem todas as linhas do retrato social do país, adensadas pelo espírito,
destrutivo, pessimista da visão de Carlos e Ega.
O desencanto do passeio final situa-se dez anos após a partida de Carlos, para a viagem à volta do mundo
e consequente instalação em Paris. Os aspectos fundamentais relativos à sociedade portuguesa dos finais do
século xix presentes no episódio são: a sensação de total imobilismo da sociedade portuguesa “Estavam no Loreto…
nada mudara. (697); ” o provincianismo da sociedade portuguesa “o rapaz recolheu ao seu rancho…tão alta
elegância (…)(699);” a aceitação do fracasso e do desencanto por parte dos dois amigos ; a falta de fôlego nacional
para acabar os grandes empreendimentos “ora aí tens tu essa Avenida…montões de cascalho.(702);”a imitação
acrítica do estrangeiro “Porque essa simples forma de botas…estraga-o até à caricatura”. (703); a decadência dos
valores genuínos “Resta aquilo que é genuíno…E se nos voltarmos para nós mesmos, ainda pior!”(704) e o aspecto
simbólico dos espaços: a estátua de Camões (a grandeza perdida), a avenida (o esforço inglório do progresso), os
bairros antigos (a decadência actual), o Ramalhete, solitário e amortalhado (o fim dos Maias).
A impressão geral que nos fica é a de uma sociedade decadente, despersonalizada, apática e sem vontade de
progredir.

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