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LITERATURA BRASILEIRA I

GONZAGA, SANTA RITA DURÃO E SILVA


ALVARENGA: LIRISMO E SÁTIRA

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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de: 1. Reconhecer a poética de Tomás Antônio Gonzaga; 2. Experimentar a

sátira de As cartas chilenas; 3. Verificar as características do Arcadismo presentes na poesia de Santa Rita Durão

e Silva Alvarenga.

1 Tomás Antônio Gonzaga


Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Portugal, cresceu na Bahia e floresceu como poeta em Minas Gerais , de 1872

a 1882. Sua poesia confere aos caracteres arcádicos sentimentos universais com rara habilidade rítmica e

melódica, constituindo os mais belos poemas de amor da nossa literatura.

Sua obra avulta em nosso Arcadismo e nele se inscreve como manifestação de individualidade que excede os

parâmetros do período.

Sua Marília de Dirceu apresenta ao leitor não apenas os deleites da vida no campo acompanhado da pastora,

pois ultrapassa o contexto campestre, mas também registra os acontecimentos da própria vida do poeta, preso

por ocasião da Inconfidência Mineira.

2 Marília
A jovem musa inspiradora é Maria Doroteia Joaquina de Seixas, uma adolescente por quem o nosso poeta,

quando se encontrava na faixa dos 40 anos, enamorou-se, tornando-se seu noivo. A relação, interrompida com a

prisão do poeta, inspira-o, associando de maneira pioneira a vida à obra.

Segundo Antônio Candido, não se pode levar ao extremo a interpretação biográfica, pois a musa nem sempre se

apresenta da mesma forma, desindividualizando-se e tornando-se tema:

“O tema Marília é modulado por ele com certa amplitude. Temos desde uma presença física

concretamente sentida, até uma vaga pastorinha incaracterística, mero pretexto poético (...). Na

medida em que é objeto de poesia, Doroteia de Seixas vai-se tornando cada vez mais um tema.(...)

Doroteia se desindividualizou para ser absorvida na convenção arcádica: é a pastora Marília, objeto

ideal de poesia, sem existência concreta. Por isso mesmo, ora é loura, ora morena; ora compassiva,

ora cruel: em qualquer caso, sem nervo nem sangue. É uma estatueta de porcelana ...”(p.19-121).

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Em outras palavras, a namorada Maria Doroteia é inspiração para a construção da personagem arcádica Marília.

Assim, sua descrição física nem sempre corresponde à realidade.

A seguir, veremos alguns fragmentos que mostram Marília descrita de formas diferentes.

Lira II

(...)

Os seus compridos cabelos,

Que sobre as costas ondeiam,

São que os de Apolo mais belos,

Mas de loura cor não são.

Têm a cor da negra noite;

E com o branco do rosto

Fazem, Marília, um composto

Da mais formosa união.

Têm a cor da negra noite;

Lira XVI

Se mostro na face o gosto,

Ri-se Marília, contente;

Se canto, canta comigo;

E apenas triste me sente,

Limpa os olhos com as tranças

Do fino cabelo louro.

A minha Marília vale,

Vale um imenso tesouro.

Do fino cabelo louro.

3 Estrutura da Obra Marília de Dirceu


A obra é composta de três partes, que reúnem 33 liras na primeira, 38 na segunda e 9 na terceira, além de

sonetos.

Na primeira, há uma profusão de referências clássicas em liras de versos variados, cujo tema principal é o amor

do eu lírico por sua Marília:

Lira VII

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Vou retratar a Marília,

A Marília, meus amores;

Porém como? Se eu não vejo

Quem me empreste as finas cores:

(...)

Entremos, Amor, entremos,

Entremos, Amor, entremos,

Entremos na mesma Esfera,

Venha Palas, venha Juno,

Venha a Deusa de Citera,

Porém não, que se Marília

No certame antigo entrasse,

Bem que a Páris não peitasse,

A todas as três vencera.

Vai-te, Amor, em vão socorres

Ao mais grato empenho meu:

Para formar-lhe o retrato

Não bastam tintas do Céu

Há, ainda, nesta parte, excelentes exemplos de adesão do poeta aos referenciais neoclássicos, seja na explicitação

da delegação da voz poética, seja na consolidação dos princípios bucólicos da Arcádia.

“A delegação poética (...) não perturba aqui a emergência do lirismo pessoal: Gonzaga surge vivo, sob

o tênue disfarce do pastor Dirceu, e a sua obra é a única, entre as dos árcades, que permite

acompanhar um drama pessoal e as linhas duma biografia. O impacto emocional sobre o leitor

aumenta graças a este degelo do eu, sem o qual não irrompe o autêntico lirismo individual.”

(CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Ouro

sobre azul, 2007. p.95)

4 Análise do Poema
Lira I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro,

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Que viva de guardar alheio gado;

De tosco trato, de expressões grosseiro,

Dos frios gelos e dos sóis queimado.

Tenho próprio casal e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite

E mais as finas lãs, de que me visto.

Graças, Marília bela,

Graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte:

Dos anos inda não está cortado;

Os pastores que habitam este monte

Respeitam o poder de meu cajado.

Com tal destreza toco a sanfoninha,

Que inveja até me tem o próprio Alceste:

Ao som dela concerto a voz celeste;

Nem canto letra que não seja minha,

Graças, Marília bela,

Graças à minha estrela!

Fonte:

http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=2012

"não sou algum vaqueiro,

Que viva de guardar alheio gado;"

O eu lírico se apresenta como alguém de posses; é um pastor, mas não um “vaqueiro”. Aqui se observa a ênfase

em sua condição privilegiada.

"De tosco trato, de expressões grosseiro,

Dos frios gelos e dos sóis queimado."

Nesses versos, notamos a importância dada à educação do eu lírico: alguém que não está acostumado aos

trabalhos pesados ao ar livre. Ser “pastor” é uma delegação da voz poética, não corresponde à realidade.

"Tenho próprio casal e nele assisto;

Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;

Das brancas ovelhinhas tiro o leite"

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Note como o eu lírico reafirma sua condição de pessoa bem-sucedida. A palavra “casal” tem o sentido de sítio.

"Eu vi o meu semblante numa fonte:

Dos anos inda não está cortado;"

Aqui a referência é feita à aparência física do eu-lírico: ainda sem rugas.

"Os pastores que habitam este monte

Respeitam o poder de meu cajado."

O sentido figurado pode ser percebido pela menção à posição social, pois o poeta era Ouvidor-Geral de Vila Rica,

um cargo muito elevado.

"Com tal destreza toco a sanfoninha,

Que inveja até me tem o próprio Alceste:

Ao som dela concerto a voz celeste;

Nem canto letra que não seja minha,"

“Alceste” é uma referência a Glauceste Saturnio, pseudônimo de Claudio Manuel da Costa.

A prisão, como consequência de sua participação na Inconfidência Mineira, é o contexto do poeta na segunda

parte da obra. Os sentimentos de tristeza e solidão são constantes, bem como as reminiscências da vida sonhada

com a doce Marília.

Veja abaixo outros exemplos de incrível riqueza poética que compõem a obra.

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5 Santa Rita Durão - Caramuru
A obra Caramuru, de Frei José de Santa Rita Durão, narra o encontro do português Diogo Álvares com os

tupinambás, na costa da Bahia, quando sofreu um naufrágio.

Leia um trecho do poema:

De um varão em mil casos agitado,

Que as praias discorrendo do Ocidente,

Descobriu o Recôncavo afamado

Da capital brasílica potente:

Do Filho do Trovão denominado,

Que o peito domar soube à fera gente;

O valor cantarei na adversa sorte,

Pois só conheço herói quem nela é forte.

Os versos de estirpe camoniana contam a

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aventura do português, que é um símbolo

da associação entre o colonizador e o indígena.

Os versos de estirpe camoniana contam a aventura do português, que é um símbolo da associação entre

o colonizador e o indígena.

Conta a lenda que Diogo, para defender-se dos índios, havia disparado um tiro com sua arma de fogo. Segundo o

autor, esse feito teria lhe rendido a alcunha, que significaria “filho do trovão”. Hoje, há estudos que contestam o

significado, pois entendem que Caramuru seria uma referência ao local de onde provinha o português; sendo

assim um apelido dado por seus conterrâneos.

Não de todo irrelevante a informação deixa transparecer a impregnação ideológica que contamina a epopeia,

como percebe Alfredo Bosi:

“Domando a “fera gente” e as próprias paixões, Diogo é misto de colono português e missionário

jesuíta, síntese que não convence os conhecedores da história, mas que dá a medida justa dos valores

de Frei José de Santa Rita Durão. Na medida em que o herói encarna, aliás, ossifica tais valores, ele se

enrijece e acaba perdendo toda capacidade de ativar a trama épica.”

Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix,1994. p.70)

6 Silva Alvarenga: Um Elo com o Romantismo


Parte da crítica entende a obra de Manuel Inácio da Silva Alvarenga, Glaura, como um “elo que prende os árcades

e os românticos” (Ronald de Carvalho). De fato, sua lírica extremamente musical, de fácil memorização e delicado

campo semântico nos leva a aproximar as duas estéticas na obra do autor. Além disso, estão presentes

referências à natureza brasileira, mencionando árvores como o cajueiro e a mangueira, por exemplo.

Nesta aula, conhecemos obras e autores importantes do Arcadismo brasileiro. Seus versos compõem a tradição

de nossa literatura e dialogam com a atualidade, seja formando o arcabouço temático, seja constituindo nossa

história literária.

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O que vem na próxima aula
• Contexto histórico do Romantismo na Europa;
• Contexto histórico do Romantismo no Brasil;
• Principais características do movimento;
• Articulação das características ao panorama brasileiro (uma introdução).

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Reconheceu a poética de Tomás Antônio Gonzaga;
• Experimentou a sátira de As cartas chilenas;
• Verificou as características do Arcadismo presentes na poesia de Santa Rita Durão e Silva Alvarenga.

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