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Apresentação da poesia brasileira

SEGUIDA DE UMA ANTOLOGIA


MA N U E L BA N D E 1 RA Apresentação da poesia brasileira

POSFÁCIO

Otto Maria Carpeaux

EDIÇÃO DE IMAGENS

. José Mindlin
Cristina Antunes

COSACNAIFY
APRESENTAÇÃO DA POESIA BRASILEIRA

9 Gongorizantes e árcades
43 Românticos
97 Parnasianos
125 Simbolistas
147 Modernistas

ANTOLOGIA

217 Gongorizantes e árcades


231 Românticos
297 Parnasianos
329 Simbolistas
351 Modernistas
455 Índice da antologia

463 POSFÁCIO Otto Maria Carpeaux

475 Índice remissivo


481 Nota do editor
483 Fontes e créditos bibliográficos
495 Crédito das imagens
499 Sobre o autor
8*9
GONGORIZANTES E ÁRCADES

A poesia no Brasil começa com as produções dos catequistas da


Companhia de Jesus, autos e poemas avulsos, todos de intenção
edificante. A tardia coleta dessas nossas "primeiras letras" fez atri­
buir quase tudo a JOSÉ DE ANCHIETA [1534-97] , de todos os padres
o mais dotado de sensibilidade poética. E "será possível deslindar,
com absoluta certeza, se o conteúdo dos cadernos de Anchieta é
exclusivamente seu"? A pergunta é do padre Serafim Leite, o emi­
nente autor da História da Companhia dejesus no Brasil, o qual aponta
logo sério fundamento para se admitir a autoria, ou pelo menos
a intervenção, do padre MANUEL DO COUTO no Auto de S. Lourenço.
O mais formoso espécime dessa poesia de fundo religioso são as
trovas "A Santa Inês na vinda de sua imagem":

Cordeirinha linda,
como folga o povo
porque vossa vinda
lhe dá lume novo!

Cordeirinha santa,
de Jesus querida,
vossa santa vida
o diabo espanta.
Por isso vos canta,
com prazer, o povo,
porque vossa vinda
lhe dá lume novo.

Figura esse poema nos cadernos de Anchieta, mas o sabor bem


português dos versos e a reminiscência do Alentejo na sexta estrofe
("Não é de Alentejo. Este vosso trigo ... ") suscitam ao sábio historia­
dor jesuíta a suspeita de que o verdadeiro autor seja o alentejano
MANUEL DO COUTO .
Em 1601 foi publicada em Lisboa a Prosopopeia, poema épico
composto de 94 estrofes em oitava rima, que tem por herói o capi­
tão e governador-geral de Pernambuco Jorge de Albuquerque Coe­
lho. Nenhum valor literário apresenta, quer pelo conteúdo, mera
sucessão de lisonjas bombásticas ao "sublime Jorge", que o autor,
pelos olhos de Proteu, vê "com braço indômito e valente,/ A fama
dos antigos eclipsando", quer pela forma, canhestro decalque das
<lições camonianas (no argumento: cantem Poetas o poder romano . ..
Que eu canto um Albuquerque soberano ... ; na invocação: E vós, sublime
jorge... Suspendei por agora a mente alta .. ; na narração: A lâmpada do Sol
.

tinha encoberto/ Ao mundo sua luz serena e pura .. ; e até na conclusão:


.

Não mais, esprito meu, que estou cansado/ Deste difuso, largo e triste Can­
to ... ) . Todo o interesse do poema residia na circunstância de ser tido
o autor como o primeiro poeta nascido no Brasil. Chamava-se BEN­
TO TEIXEIRA [ 1561-1600] e é assim que assina o prólogo oferecendo
a obra a Jorge de Albuquerque. Todavia a naturalidade brasileira de
Bento Teixeira é atualmente discutida, pois Gilberto Freyre e depois
Rodolfo Garcia assinalaram no livro da Primeira visitação do Santo
Ofício às partes do Brasil (Denunciações de Pernambuco) um cristão-novo
do mesmo nome, que prestou depoimento perante a mesa do San­
to Ofício em janeiro de 1594 na cidade de Olinda, depoimento no
qual se dá por natural do Porto. Esse Bento Teixeira era homem ins-

10 *li
truído e lecionava a meninos em Pernambuco. Ora, Bento Teixeira
instruído e capaz de escrever o poema não havia outro no Pernam­
buco daquele tempo, argumentava Rodolfo Garcia.1
O que não sofre dúvida é que a primeira grande figura da poesia
brasileira só aparece na segunda metade do século xvn, na pessoa
do baiano GREGÓRIO DE MATOS [1636-95] . Nascido em Salvador, pas­
sou a infância na Bahia e estudou leis em Coimbra, doutorando-se.
Advogou em Lisboa, onde também foi juiz do crime, e depois serviu
numa comarca próxima como juiz de órfãos e ausentes. Mas a sua
veia satírica, que lhe valeria mais tarde a alcunha de "Boca do Infer­
no", tornou-o malquisto na Corte. Parece que baldado na pretensão
de ser promovido à Casa da Suplicação resolveu retirar-se para o Bra­
sil. Na Bahia d. Gaspar Barata, primeiro arcebispo, que havia sido seu
companheiro de viagem, fê-lo tesoureiro da Sé e vigário-geral. Não
tardou o Poeta a incompatibilizar-se com o substituto de d. Gaspar
por não querer vestir o hábito sacerdotal, a que o obrigavam as fun­
ções. Acabou demitido. Inimizado com os religiosos, inimizado com
o governo, malvisto pela sociedade, levava uma vida solta, vingando­
se a poder de versos satíricos da desconsideração a que decaíra, ele
que fora citado com elogios pelo padre Manuel Bernardes. Sátiras
contra tudo e contra todos. Contra portugueses e brasileiros:

Que os Brasileiros são bestas,


e estarão a trabalhar
toda a vida por manter
maganos de Portugal.

I Pesquisas posteriores à publicação desta Apresentação da poesia brasileira


determinaram com precisão algumas circunstâncias sobre a vida e a obra de
Bento Teixeira e Gregório de Matos, como data de nascimento e morte. Ver
"Nota do editor", à p. 48I. [N.E.]
Contra os brancos que se presumiam de fidalgos:

No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,

Contra negros e mulatos:

[ ... ] é mulato:
ter sangue de carrapato
cheirar-lhe a roupa a mondongo
é cifra de perfeição:
milagres do Brasil são.

Contra a pretendida fidalguia indígena:

Só sei que deste Adão de Massapé,


Alarve sem razão, bruto sem fé,
Sem mais leis que a do gosto ....
Uns fidalgos procedem desta terra.

Não lhe dava, porém, a sua vida, autoridade para verberar os vícios
da colônia: esse inimigo dos mulatos escandalizava a toda a gente
pelos seus amores com mulatas da mais baixa classe; censurava os
bajuladores, mas bajulava também; não tinha escrúpulos em plagiar
Góngora e Quevedo; casando-se com uma viúva, procedia de tal
forma, que a esposa teve de fugir do lar e acolher-se à casa de um
parente ... Afinal foi deportado para Angola, onde não se demorou,
porque, tendo auxiliado o governador no processo de uma revolta
da tropa, obteve do rei, como recompensa, a permissão de regressar

12 * 13
. ..J

• 1,
,
...
ao Brasil. Embarcou para Pernambuco. Ali se entregou à mesma vida,
zombando de tudo, na companhia de violeiros e folgazões. O Recife
deve ter-lhe parecido ainda pior que a Bahia, e descreve-o assim:

Por entre o Beberibe, e o Oceano,


Em uma areia sáfia, e lagadiça,
Jaz o Recife povoação mestiça,
Que o Belga edificou ímpio tirano.

Gregório de Matos escreveu poesias líricas, religiosas e satíricas.


Nos dois primeiros gêneros não foi melhor nem pior que os gon­
goristas do tempo em Portugal: a um passarinho chamou "rami­
lhete do ar e flor do vento"; o seu soneto a uma borboleta está
cheio das sutilezas e jogos de simetria da escola:

Tu a vida deixas, eu a morte imploro


Nas constâncias iguais, iguais nas chamas.

Mas ai ! que a diferença entre nós choro,


Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro.

Uma vez ou outra escapou a esses vícios de expressão. Está nesse


caso o belo soneto que começa pelo verso "Nasce o sol e não dura
mais que um dia... ".
A importância de Gregório de Matos lhe advém da parte satí­
rica de sua obra, a primeira que reflete em versos a sociedade da
colônia, com o seu mestiçamento, o parasitismo português, os
desmandos sexuais e outros males. Não foi um grande poeta, mas

14 * 15
era uma personalidade forte, a primeira que assim se afirmava no
Brasil, onde a sua posição corresponde proximamente à de Juan
de Caviedes, no Peru. Ao lado dele mal se pode lembrar o nome de
MANUEL B OTELHO DE OLIVEIRA [1636-17n] , autor de um medíocre
poema descritivo intitulado A Ilha da Maré, cujo único mérito está
em inaugurar o louvor do país em nossa poesia.
O sentimento nativista amadurece no decorrer do século
xvn, gerando conflitos sangrentos entre os filhos da terra e os

portugueses, provocando nas atividades literárias o interesse pela


natureza e pela história do Brasil, afirmando-se nos gabos muitas
vezes excessivos. Isso e a necessidade do estímulo resultante do
trabalho em comum constituíram o principal móvel das sociedades
que então se fundaram e que nem por precária que fosse a sua
existência e medíocre a produção deixaram de exercer benéfica
influência no desenvolvimento de nossas letras.
A primeira dessas academias, a dos Esquecidos, revela desde o
nome o propósito de lembrar a Portugal, em cujas academias não
tivemos entrada, que havia no Brasil quem se interessasse pelas coi­
sas do espírito. Como escreveu José Veríssimo, "apesar da origem
oficial, e de serem um arremedo, havia nelas um sentimento de
emulação com a Metrópole, e portanto um primeiro e leve sintoma
de espírito local de independência". Fundou-se a Academia dos
Esquecidos na Bahia, em 1724, sob o patrocínio do vice-rei d. Vasco
Fernandes César de Meneses, e reuniu-se pela última vez em feve­
reiro de 25. Em 59, por iniciativa de José Mascarenhas, conselheiro
do ultramar na Bahia, tentou-se fazer renascer a extinta academia
numa nova sociedade literária, e daí o seu nome de Academia dos
Renascidos. Teve ela duração ainda mais breve que a primeira, pois
nesse mesmo ano se dissolveu, em consequência da prisão de seu
fundador e diretor perpétuo, culpado de não ter dado cumprimen­
to às ordens secretas, que trouxera de Lisboa, contra os jesuítas.
No Rio de Janeiro, a academia mais antiga foi a dos Felizes
[1736-40], a que se seguiu a dos Seletos [1752] e finalmente a Socie­
dade Literária, fundada em 86 pelo poeta Silva Alvarenga. Tiveram
todas vida efêmera, sendo que a dos Seletos apenas celebrou a ses­
são magna de abertura. Muito citada é ainda uma certa Arcádia
Ultramarina; pouco se sabe de positivo sobre ela, senão que já em
68 o poeta Cláudio Manuel da Costa se dizia "árcade ultramarino".
José Veríssimo nega-lhe a existência como sociedade organizada:
"Á rcade", diz o crítico em sua História da literatura brasileira [1916],
"valia o mesmo que poeta. 'Á rcade ultramarino' não dizia mais
que poeta do ultramar, sem de forma alguma indicar a existência
no Brasil dessas sociedades, que de fato nunca aqui existiram".
Quem ler a história da Academia Brasi1ica dos Renascidos [1932],
escrita por Alberto Lamego, pode fazer ideia do espírito que animava
todas essas sociedades. Espírito que se comprazia em torneios fúteis,
como o de saber "qual a empresa de maior glória: celebrar Lisboa
a conservação da vida de el-Rei nosso Senhor na sua presença ou
celebrá-la a Bahia na sua ausência?". Ou glosar motes como este:

Oh mil anos viva amém,


O nosso único José;
Assim como único é,
Eterno seja também.
-

Competiam os Renascidos em escrever sonetos onde cada verso


pertencia a uma das cinco línguas - latina, portuguesa, espanhola,
italiana e francesa - ou sonetos anagramáticos, etc., tudo jogo de
palavras, de que nada se salvou.

16 * 17
MUSICA DO

PARNASSO
DIVIDlDA EM QUATRO COROS

DE RIMAS
P O ll T U G U E S A S, C A S TE LHA­
nas, Italianas, & Latinas.
rt o M s /!, V 1) E se A N TE e o M 1 e o ([(E V u s 1: ·

do em duas Comedias,
OFFERECIDA
A O E.X CE L L EN TIS S 1 MO SENHOR DOM NU r\O
·

Alvares Pcreyra de M.:llo, Duque do Cad�nl. &e. .


E ENTOADA
PELO CAPITAM MOR MANOEL BOTELHO
.de O·Hveyr.a,Fidalgo da Caza de Sua
MageHade.
L 1 S BOA.

(........................... 81;. .. eE�)


Na Offi.cina de M 1 G UE I. M .A N E S C A I.1 Imprcffor de
.. ... :.J- Anno de 1705.
SamoOfficio.
-- - · --- ··- - · · · ·


· - - -- � • • • - - � ,_ ' ...
Tão mesquinha foi a nossa poesia na primeira metade do sé­
culo XVI I I , que um fraco poeta como frei Manuel de Santa Maria
ITAPARICA [1704-68?] , por se destacar dos demais, mereceu entrada

em todas as nossas histórias literárias. É seu nome lembrado por


duas obras: Eustáquidos [1769], poema heroico e sacro-tragicômico,
em seis cantos de cinquenta oitavas reais cada um, cujo assun­
to é a vida de Santo Eustáquio, e a Descrição da Ilha de Itaparica
[ 1841 ] , em 72 oitavas. Esta é prezada pelo sentimento nativista, que
faz lembrar Botelho de Oliveira e a sua Ilha da Maré. O frade des­
creve a natureza da ilha natal, gaba-lhe a fertilidade e pinta a vida
dos pescadores, a caça às baleias, etc.
No meado do século XVI I I Minas Gerais tornou-se, em conse­
quência da exploração do ouro e dos diamantes, a capitania mais
rica e mais populosa do Brasil. Com a riqueza desenvolveu-se
também a cultura intelectual. Em alguns decênios os humildes
arraiais de catadores se transformaram em belas cidades, ainda
hoje admiradas pela arquitetura dos seus templos e construções
civis. Vila Rica, a atual Ouro Preto, decretada em 1933 monumento
nacional, São João del-Rei, Mariana, Diamantina constituíram-se
em focos de instrução, onde se estudavam não só as letras clássicas,
mas também as literaturas modernas, principalmente a italiana, a
espanhola e a portuguesa. Essa civilização do ouro produziu algu­
mas das figuras mais notáveis das nossas artes: na escultura e na
arquitetura, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho; na pintura,
Manuel da Costa Ataíde; na literatura, o grupo de poetas que se
costuma chamar, aliás impropriamente, a escola mineira.
Não há na obra desses poetas nada que a possa extremar do
arcadismo português, mas como na poesia de Bocage e de Anastá­
cio da Cunha já se podem distinguir uma ou outra vez uns como
prenúncios do romantismo, assim em certos dos nossos árcades é

18 * 19
C. V. C.
MIREO ROFEATICO Ct.TSTODE GENERALE D'ARCADIA.
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dei noRro PaR or a le IJli tuto ; la P i<1ta Ad11nallzn dei/a noRra Luuraria Rep116lica, a_,
riguardo dei/e jingolari �irtU, e d gli ottimi coffomi, chc Ítl Voi rifp!e11do110, e dt!fo r­
nammto dei/e pisl lodrvoli Scicnze, e dei/a piit fcclca Erudizione, che peffadeu, ba di
/mona "Vo.rJia tondifa(o al!ifla1tz,_t1, che i f11ddetti Compaflori ann ofauo per 'V oi , dicbia..
r<rndorvi Paflor�, Àtcade col nome di 9 r/a S iô cflratto�i a farte, eco' foliti pefr,

a a
e co ll'o11ore di potel"t ruitare 1ul Bofco Parrefto. Vi dcfli111: poi, e add]ô per ai/ora -vi ttf
[egiza la C mpa gn , rhr dopo 11n'aiwo dai/a data dei prcfmtc Diploma, potrcte chicdcrc ai
faggio Co!le�io d' Arcitdh, a!far6itri� dt! quale, rcgol,110 dai merito dique/li, cbe a�
miii 'Vac:t11zc concor;r.rdnno, el lm o .s appartcngono, ptr godere al/on ancbe glr a ltr t ano­
,.;, rhe godono gli Arcr.di dei/e Campagne iwvefliti. Vi 'VÚ1" ad t111qut portata di tum

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ciõ notiz_ia, perch'ê,c111ofciau qunmo la noflra Adunanza apprtz.:z...i i 110/;i/i, e (bi ri i11·
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de observar alguma coisa que representa, na emoção mais sincera
ou no aproveitamento do elemento brasileiro, uma força renova­
dora ainda sem consciência de si mesma.
Seis são os poetas principais desse grupo: CLÁUDIO MANUEL DA
COSTA, TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA, BASÍLIO DA GAMA, SANTA RITA
DURÃO, ALVARENGA PE IXOTO e SILVA ALVARENGA. Cláudio Manuel
da Costa, Gonzaga e Alvarenga Peixoto foram grandes amigos, e
todos três se viram envolvidos no movimento libertário da Incon­
fidência [1789] . "O número considerável de poetas que figuram
entre os chefes da conspiração", escreveu João Ribeiro, "dá-lhe
um certo caráter de elevação intelectual e teórica que em outras
revoluções práticas fica apenas subentendido; mas mostra que não
podiam aspirar a outro papel que o de precursores." A tentativa
malogrou-se ainda no período das conversações: presos os conspi­
radores, Cláudio Manuel da Costa suicidou-se e os outros dois
foram desterrados para a Á frica.
CLÁUD I O MANUE L DA COSTA [1729-89] nasceu nos arredores
de Mariana. Fez o curso de letras no Colégio dos Jesuítas do Rio de
Janeiro e depois partiu para Portugal, onde se formou em cânones na
Universidade de Coimbra. Datam de então as suas primeiras obras
poéticas O munúsculo métrico [1751], o Epicédio [1753] e o Labirinto do
-

amor [1753] as quais o próprio Poeta não julgou dignas de figurar


-

na edição de suas Obras [1768] . Terminado o curso, voltou ao Brasil e


entregou-se à profissão de advogado em Vila Rica. Na administração
pública exerceu várias vezes o cargo de secretário do governo.
As obras poéticas de Cláudio Manuel compreendem sonetos,
cantatas, églogas, epístolas, etc. e o poema Vila Rica [1773] . Foi ele
certamente do grupo mineiro o mais preso aos modelos arcádicos;
era, por outro lado, o mais culto e o mais correto na metrificação

20 . 21
e na linguagem. A parte melhor de sua produção está nos sonetos,
em alguns dos quais, renunciando aos artifícios da escola e apro­
ximando-se da tradição camoniana, se exprimiu com sobriedade e
vigor. Assim, no soneto que começa pelo verso "Destes penhascos
fez a natureza... ". No Vila Rica não conseguiu o Poeta pôr a emoção
que porventura lhe despertava a terra natal. O poema arrasta-se
através de narrativas e descrições insípidas, onde é raro um ou
outro movimento de verdadeira inspiração.
TOMÁS ANTÔNIO GONZAGA [r744-r8rn] nasceu na cidade do Por­
to. O pai era brasileiro; a mãe, portuguesa, filha de inglês. Aos oito
anos de idade veio para o Brasil com o pai, que havia sido nomea­
do ouvidor-geral em Pernambuco e foi depois intendente-geral do
ouro na Bahia. Só aos dezesseis anos voltou a Portugal, para estu­
dar na Universidade de Coimbra. Esses nove anos da infância pas­
sados no Brasil tiveram influência na formação do Poeta e de certo
modo o naturalizaram brasileiro. Bacharel em 68, exerceu Gonzaga
o cargo de juiz de fora em Beja e no ano de 82 foi despachado
para o Brasil como ouvidor e procurador de defuntos e ausentes na
comarca de Vila Rica. Esse homem já maduro apaixonou-se então
por uma brasileirinha de dezesseis anos, de quem ficou noivo. Era
Maria Doroteia Joaquina de Seixas, pertencente a uma das melho­
res famílias da cidade, a qual ficaria imortalizada nas liras do Poeta
sob o nome de Marília. Em 86 foi Gonzaga nomeado desembarga­
dor da Relação da Bahia. No mês de abril de 89 requereu licença
para o seu casamento, que estava marcado para o fim de maio. Mas
denunciado o poeta como conspirador, foi preso e transportado
para a fortaleza da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro, donde só
saiu em 92 para cumprir a sentença de desterro por dez anos em
Moçambique. "Minha bela Marília, tudo passa", cantara o Poeta à
MARILIA
DE

D IRC E O.
POR T. A. G.

LISBOA:
NA TYPOGRAFIA NUNESIANA
ANNO M. DCC. XCU.
------------

Com Licr11�ri da Real fi.fcz.p da Commifsiío


Gemi fobre o Exame, e Crnfimz dos Lh·ros.
MA RIL IA
DE

D 1 R C E O.

POR T. A. G.

f' R I M E J R A P A R T E.

Nova edição.

@
RI O DE JANEIRO.
NA I MP R E S S ÃO REGI A.

Com Licença de S. A. /.<...

1810.
sua amada nos tempos felizes do noivado. Não terá morrido o sen­
timento no coração de Marília, pois morreu solteira em avançada
idade. Mas Gonzaga, logo afeito à sociedade de Moçambique, onde
se tornou a principal figura - era ali o único advogado habilitado e
procurador da Coroa e da Fazenda -, casou-se um ano depois com
uma senhora "de muita fortuna e poucas letras". Mesmo depois
de esgotado o prazo do desterro, deixou-se ficar na África e um
ano antes do seu falecimento era nomeado juiz da Alfândega. Não
passa pois de pura lenda a velha informação biográfica que dava o
Poeta como tendo terminado os seus dias em situação de miséria e
loucura, torturado pelas saudades do Brasil e da sua Marília.
Os poetas do grupo mineiro, embora não pertencessem a
nenhuma arcádia regularmente organizada, usavam, como os
árcades portugueses, pseudônimos poéticos: Cláudio Manuel da
Costa era Glauceste Satúrnio; Alvarenga Peixoto, Eureste Fenício; Sil­
va Alvarenga, A/cindo Palmireno; Basílio da Gama, Termindo Serpt1io.
Gonzaga adotou nas suas líricas o nome de Dirceu.
O livro Man1ia de Dirceu [1792] é a história dos amores do Poeta,
cujos sonhos de felicidade foram tão cruelmente cortados pelo pro­
cesso em que se viu colhido. O crítico português Rodrigues Lapa
assinalou com agudeza o ideal burguesmente familiar desses amo­
res, tão bem ilustrados pela lira 3 da parte I I I , na qual o Poeta se vê
no futuro sentado à mesa de estudo, cercado de altos volumes
de enredados feitos:

Enquanto revolver os meus Consultos,


Tu me farás gostosa companhia,
Lendo os fastos da sábia, mestra História,
Os cantos da Poesia.

24 * 25
Lerás, em alta voz, a imagem bela;
Eu, vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.

Man1ia de Dirceu tornou-se desde logo a lírica amorosa mais popu­


lar da literatura de língua portuguesa e nenhum poema, a não ser
Os Lusíadas, tem tido tão numerosas edições. Embora sejam encon­
tradiços na maioria de suas liras os recursos estafados da poesia
arcádica, como sejam os fingimentos pastoris e as alusões mito­
lógicas, há em muitas delas um tom de ingênua simplicidade que
as coloca acima da produção dos árcades da metrópole; e como
notou Rodrigues Lapa, "o sentimento vivo da paisagem, que busca
o termo exato e concreto e não recua diante do vocábulo técnico".
Esta última característica é sobretudo visível nas primeiras estrofes
da lira atrás citada, certamente uma das mais belas:

Tu não verás, Marília, cem cativos


Tirarem o cascalho e a rica terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
Ou da minada Serra.

Não verás separar ao hábil negro


Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos,


Queimar as capoeiras inda novas,
Servir de adubo à terra a fértil cinza,
Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes


Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
Da doce cana o sumo.

Nessa lira esqueceu o Poeta a paisagem e a vida europeia, os


pastores, os vinhos, o azeite e as brancas ovelhinhas, esqueceu
o travesso deus Cupido, e a sua poesia reflete com formosura a
natureza e o ambiente social brasileiro, expressos nos termos da
terra cercos, bateia, capoeiras com um fino gosto que não tiveram
- -

em suas tentativas pedestres os precursores Botelho de Oliveira e


Santa Maria Itaparica.
Um dos problemas mais debatidos da crítica em nossa litera­
tura é o da autoria das Cartas chilenas, poema satírico escrito na
segunda metade do século XVIII sob o criptônimo de Critilo, nome
tomado de uma personagem do Criticón, de Baltasar Gracián.
As Cartas chilenas constituem uma diatribe violentíssima contra
a pessoa e a administração do governador Luís da Cunha Meneses
e seus favoritos. O governador aparece nelas representado sob
os traços do herói burlesco FANFARRÃO M I N É S I O . Deriva o títu­
lo da sátira do fato de ter o Poeta usado o disfarce literário de
transportar a ação de Vila Rica para Santiago do Chile. Foram im­
pressas pela primeira vez, em número de sete, na revista Minerva
Brasiliense, no ano de 1845. O promotor dessa primeira edição, o
escritor chileno Santiago Nunes Ribeiro, redator da citada re­
vista, estampou como testemunho da autoria de Gonzaga uma

26 * 27
declaração assinada por Francisco das Chagas Ribeiro, fornecedor
do manuscrito: "Tenho motivos para certificar que o dr. Tomás
Antônio Gonzaga é autor das Cartas chilenas" . Uma segunda edi­
ção, mais completa, pois compreendia treze cartas, foi publicada
pelo editor Laemmert em 1863; o texto da nova edição se baseava
num manuscrito encontrado por Luís Francisco da Veiga entre
os papéis de seu avô, Francisco Luís Saturnino da Veiga, que foi
contemporâneo do autor das cartas, as quais atribuía a Gonzaga.
Ao ler as Cartas chilenas nessa edição, o historiador e crítico bra­
sileiro Varnhagen fortaleceu-se na opinião, já expendida em seu
Florilégio da poesia brasileira [1850-53] , de que a obra não podia ser
imputada senão a Cláudio Manuel da Costa. Posteriormente, foi
a questão muito discutida e favoráveis a Gonzaga se manifesta­
ram, entre outros, José Veríssimo e Alberto Faria. Em 1940 Afonso
Arinos de Melo Franco publicou uma edição das famosas cartas
baseada nos três manuscritos que pertenceram a Francisco Satur­
nino da Veiga e que hoje pertencem ao arquivo do Instituto His­
tórico e Geográfico Brasileiro. Traz essa edição um longo prefácio
que expõe os antecedentes do problema e discute-o, concluindo
pela autoria de Gonzaga para as treze cartas e de Cláudio Manuel
da Costa para a epístola que as precede.
Veríssimo, em sua História da literatura brasileira, assinalara que
dos versos 19-30 da Carta IX se pode inferir ser o autor português
de nascimento. Esses versos são os seguintes:

Pois não me deu a veia de Poeta,


Nem me trouxe por mares empolados
A Chile, para que gostoso, e mole
Descanse o corpo na franjada rede.
*

Nasceu o sábio Homero entre os antigos,


Para o nome cantar do grego Aquiles;
Para cantar também ao pio Eneias,
Teve o povo Romano o seu Virgílio.
Assim para escrever os grandes feitos,
Que nosso Fanfarrão obrou em Chile,
Entendo, Doroteu, que a Providência
Lançou na culta Espanha o teu Critilo.

Ora, Gonzaga, nascido em Portugal, era o único poeta do grupo


mineiro que poderia falar assim.
No Arquivo Histórico e Colonial de Lisboa encontrou o histo­
riador brasileiro Luís Camilo de Oliveira Neto uma representação
de Gonzaga à rainha denunciando as violências do governador
Cunha Meneses. Cotejando-a com alguns trechos das cartas veri­
ficou ele que o ofício do juiz resume as irregularidades largamente
comentadas pelo Poeta. Em certo ponto as expressões são as mes­
mas. Escreve o juiz: "Enfim, Senhora, ele não tem outra lei e razão
mais que o ditame de sua vontade". E o Poeta, na Carta IX:

[ . . ] um bruto Chefe,
.

Que não tem outra Lei mais que a vontade?

A prova estilística também é favorável a Gonzaga. Alberto Faria no­


tara na Carta I as expressões "soprar o vento de alheta" e "desrinza­
dos" em dois versos consecutivos. Essas duas expressões se encon­
tram também numa mesma estrofe da lira VII da terceira parte de
Man1ia de Dirceu. A primeira é pouco comum; a segunda não apare­
ce registrada com oi nasalado em nenhum dicionário. Elas valem,

28 . 29
MINEl\VA Bl\ASILIENSE.

N. 8.

BIBLIOTHECA BRASILICA,
ou

COl.LEC�O Ili: OBR.\S ORIGINAES, OU TRADUZIDAS DZ AUTORE.;


CELEBRES.

TOMO 1.

mo DE JANEJRO,
TYPOGilAPlllA AUSTRAL, BECO DE Ill\AGMiÇA, 15.

13fi5 •
. . -
pois, quase por uma assinatura de Gonzaga. Varnhagen apresen­
tara como argumento estilístico em favor de Cláudio Manuel da
Costa as repetições de palavras no mesmo verso, construção fre­
quente em Critilo e em Cláudio. Mas a estatística das palavras
repetidas mostra que a percentagem é de 2,7 nas Cartas; de o,6 na
obra de Cláudio e de 2 na de Gonzaga. A esse aspecto Gonzaga é
dos dois poetas o que mais se aproxima de Critilo.
Ao contrário de Varnhagen, a generalidade dos críticos tem re­
conhecido o valor literário dessas cartas, inestimáveis aliás como
documento de crítica de costumes. Aquela sociedade improvisada
em pleno sertão pela cobiça do ouro, com os seus desmandos de
prepotência e sensualidade, nos é pintada por Critilo com implacá­
vel realismo, de vivo sabor às vezes, como por exemplo na descrição
do lundu dançado em palácio tão desenvoltamente quanto

Nas humildes choupanas, onde as negras,


Aonde as vis mulatas, apertando
Por baixo do bandulho a larga cinta
Te honravam, c'os marotos, e brejeiros,
Batendo sobre o chão o pé descalço.

ALVARENGA PE IXOTO [1744-92] nasceu no Rio de Janeiro, fez os es­


tudos secundários no Colégio dos Jesuítas e formou-se em leis pela
Universidade de Coimbra. Voltando ao Brasil, foi bem acolhido
pelo vice-rei, o marquês de Lavradio, a quem se deveu a fundação
da Casa da Ó pera, para a qual traduziu o Poeta a Mérope de Maffei
e escreveu um drama em verso, Eneias no Lácio. Alvarenga Peixoto
não se fixou no Rio: seguiu para Minas Gerais, estabelecendo-se
em São João del-Rei, abandonando a advocacia pela indústria da

30 * 31
mineração, que o tornou abastado. Comprometido na Inconfi­
dência (teria sido ele quem propôs para legenda da bandeira revo­
lucionária a frase Libertas quce sera tamen ), foi condenado ao dester­
ro em Ambaca (Angola), onde faleceu. Deixou Alvarenga Peixoto
fama de homem eloquente e imaginoso. Incerto é o juízo que se
possa formar de sua obra poética, pois dela só nos restam vinte
sonetos, umas sextilhas, três odes incompletas, duas liras, uma
cantata e um Canto genetlíaco [1794] em oitava rima, na sua maioria
versos de circunstância em louvor de poderosos.
SILVA ALVARENGA [1749-1814] nasceu em Vila Rica. Era mestiço,

filho de um músico pobre, que, graças ao auxílio de amigos, conse­


guiu fazê-lo educar no Rio. O Poeta herdara do pai facilidade para
a música: tocava rabeca e flauta, dotes que, unidos ao seu natural
simpático e espirituoso, lhe conquistaram logo a popularidade,
não só aqui como em Portugal, para onde se passou em 1771 a
fim de estudar na Universidade de Coimbra. Ali, ainda estudante,
escreveu um poema herói-cômico, O desertor das letras, sátira aos
velhos métodos de ensino seguidos na Universidade antes da re­
forma de Pombal, poema que foi publicado à custa ou por ordem
do ministro de d. José. Depois de formado, regressou ao Brasil e na
cidade natal exerceu a advocacia até 82, quando se transferiu para o
Rio, vivendo a partir de então como professor de retórica e poética,
cargo para o qual fora nomeado pelo vice-rei Luís de Vasconcelos,
seu protetor e amigo. Silva Alvarenga era um estudioso não só
das principais literaturas europeias, inclusive a inglesa, como de
matemática e ciências físicas e naturais. Deve-se-lhe a iniciativa
da fundação de uma sociedade científica, que teve duração efê­
mera, mas que ele restaurou mais tarde sob o nome de Socieda­
de Literária [1786] . Essa última foi dissolvida pelo vice-rei conde
de Resende, o qual, dando ouvidos à denúncia de um desafeto do
Poeta, o fez prender como culpado de manter um clube de jaco­
binos em cujas reuniões se discutia religião e política. Dois anos
depois era posto em liberdade, alquebrado e desiludido. Todavia
ainda colaborou na revista literária O Patriota.
Sua obra principal intitula-se Glaura [1799] e traz por subtítulo
Poemas eróticos de um americano. A primeira parte consta toda de
poesias em forma de rondá; não o rondá de forma fixa, mas
aquele em que um dístico ou uma quadra se repete depois de
cada estrofe. A segunda parte compõe-se de madrigais. Há mais
variedade de ritmos, e ainda de sentimentos e de tom na Man1ia de
Dirceu do que em Glaura; mas no livro de Silva Alvarenga a simpli­
cidade é a mesma, senão maior e mais constante; menor também
o repertório arcádico. As notas brasileiras são mais frequentes e
introduzidas com uma naturalidade que lhes tira todo caráter
exótico: a cada passo falam os versos de mangueiras, cajueiros, la­
ranjeiras; uma vez alude ao pico da Gávea. Já em O desertor das letras
[1774] se lembrara enternecidamente do Pão de Açúcar:

Nem tu, ó Pão de Açúcar, namorado


Da formosa Cidade, Velho, e forte,
Que dás repouso às nuvens, e te avanças
Por defendê-la do furor das ondas.

Por essas qualidades merece o poeta de Glaura ser colocado entre


os prenunciadores do nosso romantismo.
BASÍLIO D A GAMA [1741-95] nasceu nos arredores de São José
del-Rei, hoje Tiradentes, de pai português e mãe brasileira. Foi
aceito na Companhia de Jesus em 1757. Concluído o noviciado no

3 2 * 33
Colégio do Rio de Janeiro em maio de 59, deve ter feito os votos
perpétuos, e continuou os estudos. Mas nesse mesmo ano é a Or­
dem expulsa do Brasil. Passou-se então o Poeta a Portugal. Não
se demorou ali; seguiu para Roma, onde foi admitido à Arcádia
Romana. Em fins de 66, começos de 67, veio ao Brasil, aqui ficando
pouco tempo, e tornou a Portugal para estudar em Coimbra. De­
vido à sua condição de ex-jesuíta, foi então preso e condenado ao
desterro em Angola. Livrou-se de cumprir a sentença escrevendo
um epitalâmio para a filha de Pombal. E em 69 publicava o poema
épico Uraguai, no qual procurou reabilitar-se mais completamente
junto aos seus protetores por meio de comentários ferinos contra
os jesuítas, aos quais devia a sua educação. Mais tarde foi nomeado
oficial da Secretaria do Reino. Faleceu em Lisboa.
O assunto do Uraguai é a guerra que Portugal, ajudado pela
Espanha, moveu aos índios das Missões do Rio Grande do Sul,
rebelados contra a execução do tratado de 1750, que os transferia
do domínio dos padres jesuítas para o dos portugueses. O poema
tem cinco cantos e o seu herói é Gomes Freire de Andrada. O pri­
meiro canto arrasta-se prosaicamente na descrição de uma revista
de tropas prestes a iniciar a campanha e na narrativa das causas
do conflito, feita por Gomes Freire ao núncio do rei da Espanha.
Quase todo o segundo canto é tomado pela entrevista entre o che­
fe português e Cacambo, o cacique dos tapes. Não se rende o índio
às razões do branco, trava-se a luta e Cacambo, vencido, retira-se.
Para amenizar a crônica histórica e também polêmica do poe­
ma, que no fundo é um verdadeiro panfleto contra os jesuítas,
acrescentou-lhe o autor o elemento sentimental sob a forma dos
amores de Cacambo. E o canto terceiro nos mostra Lindoia, a es­
posa do índio, vendo pelas artes mágicas de uma velha feiticeira
o terremoto de Lisboa, a reconstrução da cidade por iniciativa de
Pombal, e finalmente as naus que a outros climas,

Longe dos doces ares de Lisboa,


Transportam a Ignorância, e a magra Inveja,
E envolta em negros, e compridos panos
A Discórdia, o Furor. A torpe, e velha
Hipocrisia vagarosamente
Atrás deles caminha [ ... ]

Alusão aos padres da Companhia expulsos de Portugal. Envene­


nado Cacambo pelo padre Balda, que queria dar a esposa e a su­
cessão do chefe tape a Baldeta, seu filho natural com uma índia,
Lindoia deixa-se picar por uma serpente venenosa e morre: é o
único episódio emocionante do poema, terminando pelo verso fa­
moso onde o Poeta sobrepuja em beleza de forma o de Petrarca, de
que é tradução: "Tanto era bela no seu rosto a morte ! ". O último
canto consiste numa descrição de imaginadas pinturas na abóbada
do templo principal do povo de São Miguel: a Companhia dando
leis ao mundo, pretexto para novos ataques contra os jesuítas. E o
Poeta remata, falando ao seu poema:

Serás lido, Uraguai. Cubra os meus olhos


Embora um dia a escura noite eterna.
Tu vive, e goza a luz serena, e pura.

Não há grandeza de inspiração no Uraguai: os seus méritos residem


na beleza das paisagens, correção e brilho da forma, fino senti­
mento no episódio da morte de Lindoia. Não se lhe pode negar

34 * 35
também a evidente originalidade: cinquenta anos antes de Garrett
compôs Basílio da Gama um poema nos moldes que deram ao
Camões [1825] do poeta português o título de iniciador do movi­
mento romântico - pôs de lado a mitologia e a oitava real; fugiu
aos recursos gongóricos e arcádicos. Todavia o espírito que anima
o poema não nos autoriza a colocá-lo, como querem alguns, entre
as obras precursoras do romantismo.
SANTA RITA D URÃO nasceu em Cata Preta, distrito de Maria­
na, em 1722. Era filho de um militar português. Fez os estudos de
humanidades no Colégio dos Jesuítas do Rio e doutorou-se em
Teologia na Universidade de Coimbra [1756], da qual foi mais tarde
reitor. Pertenceu à ordem de Santo Agostinho. Por motivo ainda
não apurado teve de deixar Portugal, passando-se à Espanha e de­
pois à Itália. Em Roma foi patrocinado pelo papa Clemente XIV,
que em 1764 o nomeou bibliotecário da Lancisiana. Nesse cargo
esteve Durão nove anos, cercado do respeito dos literatos romanos.
Voltou a Portugal para concorrer a uma cadeira na Universidade de
Coimbra, sendo satisfeito em sua pretensão. Faleceu em 84.
Durão ficou em nossa literatura como autor da epopeia
Caramuru [1781] . O poema é mais nosso do que o Uraguai, pelo
assunto e pela intenção patriótica; mais extenso (dez cantos). Não
tem, no entanto, a originalidade do outro. Durão apegou-se em
tudo ao modelo camoniano. A obra é escrita em oitava rima e abre
com a exposição do argumento na primeira estrofe, a invocação na
segunda, o oferecimento a d. José nas seis seguintes. A invocação
é toda cristã:

Santo Esplendor, que do grão Padre manas


Ao seio intacto de uma Virgem bela;
Se da enchente de luzes soberanas
Tudo dispensas pela Mãe donzela;
Rompendo as sombras de ilusões humanas,
Tu do grão caso a pura luz revela;
Faze que em ti comece e em ti conclua
Esta grande obra, que por fim foi tua.

O oferecimento não se limita a uma simples lisonja: o Poeta reco­


menda ao Príncipe a situação miserável da gente indígena "sempre
reduzida a menos terra", rogando-lhe que ponha "aos pés do trono
as desgraças do povo miserando". Havia em Durão aquela crença
na bondade do homem natural, característica dos humanistas do
século XVI e de certos filósofos do século XVI I I . Nas reflexões pré­
vias ao poema diz o Poeta que o ordenou "a pôr diante dos olhos
dos libertinos o que a natureza inspirou a homens que viviam tão
remotos das que eles chamam 'preocupações de espíritos débeis"'.
Caramuru foi o nome dado pelos indígenas da costa da Bahia
ao português Diogo Álvares Correia, que ali naufragou nos primei­
ros anos depois do descobrimento. No primeiro canto do poema
se conta como o náufrago se impôs ao cacique Gupeva, ao qual
depois defende contra o ataque de outro chefe gentio, Sergipe.
Ocupa quase todo o canto seguinte uma prática entre Gupeva e
o Caramuru, expondo aquele as crenças dos selvagens, ao passo
que o português instrui o aliado nos mistérios da religião católica.
Nas últimas estrofes aparece a índia Paraguaçu, filha de Taparica,
o cacique da ilha do mesmo nome. Durão fá-la:

De cor tão alva como a branca neve,


E donde não é neve, era de rosa:

3 6 * 37
O nariz natural, boca mui breve,
Olhos de bela luz, testa espaçosa;

Paraguaçu fora destinada pelo pai para esposa de Gupeva. A índia,


porém, não o aceitara. Gupeva cede-a ao Caramuru, que à primeira
vista se apaixona pela princesa, no que é logo correspondido. Tão
falso e convencional quanto o tipo atribuído pelo Poeta à índia é
o caráter desses amores. "Não se imagina", escreveu José Veríssimo,
"um rude aventureiro do século XVI, ardente e voluptuoso, na situa-
ção singular, descrita por Durão, com uma índia, moça e amorosa,
em meio desta natureza excitante e dos fáceis costumes indígenas,
e sem nenhum estorvo social, comportando-se qual se comportou
o seu, isto é, como um santo ou um lendário cavaleiro cristão, e a
reservando, num milagre de continência, para sua esposa segundo
a Santa Madre Igreja." No canto terceiro Gupeva volta a falar das
lendas dos aborígines (versão do dilúvio, missão de São Tomé).
Os dois cantos seguintes são dedicados a novas lutas, desta vez
contra o chefe índio Jararaca, que vinha disputar a Gupeva a posse
de Paraguaçu. Vencido e morto Jararaca, partem Diogo Álvares
e Paraguaçu do Brasil numa nau francesa, que os leva à corte de
França. É o assunto do sexto e sétimo cantos. O par casa-se em
Paris, tendo por padrinhos os reis de França. Caramuru descreve
o Brasil a Henrique II numa sequência de estrofes pitorescamente
prosaicas relativas à flora e à fauna do país. Há na fala do portu­
guês um bonito detalhe quando se refere ao ananás:

fruta tão boa,


Que a mesma natureza namorada
Quis como a rei cingi-la da coroa:
Na viagem de regresso à Bahia, estando Paraguaçu a orar diante
da imagem da Virgem, cai em transe e, reacordada, conta as vi­
sões que teve durante o desmaio: artifício literário de que se vale o
Poeta para narrar sucessos posteriores da história brasileira - lutas
contra os franceses e contra os holandeses. Enchem esses episó­
dios os cantos oitavo e nono. Finalmente assistimos no último
canto à chegada do primeiro governador-geral, Tomé de Sousa.
A penúltima estrofe do poema insiste no nobre propósito de pro­
teção ao aborígine:

Que o indígena seja ali empregado,


E que à sombra das leis tranquilo esteja;
Que viva em liberdade conservado,
Sem que oprimido dos colonos seja:
Que às expensas do rei seja educado
O neófito, que abraça a santa igreja,
E que na santa empresa ao missionário
Subministre subsídio o régio erário.

Pela correção da linguagem figura Durão entre os clássicos do


nosso idioma.
Outros poetas aparecem em nossas histórias literárias ilustran­
do a segunda metade do século, mas as suas produções estão qua­
se completamente esquecidas. O padre Antonio Pereira de SOUSA
CALDAS [1762-1814) e F RE I F RA N C I S C O D E S . CARLOS [1763-1829)
escreveram poesias de caráter religioso: o primeiro é conhecido
pela sua tradução dos Salmos; o segundo, pelo poema A Assun­
ção da Santíssima Virgem [1819] . Também de inspiração religiosa
são a maioria das obras de ELÓI OTO N I , tradutor dos Provérbios

3 8 * 39
de Salomão e do Livro de ]ó. J O S É B O N I FÁ C I O , o Patriarca da In­
dependência, F RANCISCO D E MELO FRANCO [1757-1823] , autor do
poema O Reino da Estupidez [1785] , sátira aos mestres de Coimbra, e
outros são, como os que acabamos de citar, figuras cuja atividade
se prolongou ao século XIX (as Poesias avulsas de José Bonifácio
foram publicadas em 1825 sob o pseudônimo de Américo Elísio).
A produção de todos atesta fortemente a influência arcádica.
Domingos CALDAS BARBOSA, ao contrário, tendo falecido no ano
de 1800 em Lisboa, onde foi membro da Nova Arcádia, mostra-se
quase isento dos artificios da escola. A sua poesia é toda inspirada
nas formas populares, modinhas e lundus, gênero em que adqui­
riu grande popularidade tanto no Brasil como em Portugal. Cal­
das Barbosa era filho de português e de africana. Nasceu no Rio de
Janeiro em 1740. A sua veia repentista e satírica, exercida contra os
portugueses, foi causa de ser recrutado e mandado servir na Colônia
do Sacramento. Ao regressar de lá, obteve baixa do exército e passou
a Portugal, onde o protegeram os irmãos conde de Pombeiro e mar­
quês de Castelo Melhor. Caldas recebeu ordens sacras e foi capelão
da Casa da Suplicação. Continuou, porém, a cultivar a viola e as mo­
dinhas. É o primeiro brasileiro onde encontramos uma poesia de
sabor inteiramente nosso. Algumas peças de seu livro Viola de Lereno
-

[ 1793] (Lereno Selinuntino era o seu nome da Arcádia) - parecem poesia


popular de hoje:

Prometeu-me Amor doçuras,


Contentou-se em prometer;
E me faz viver morrendo
Sem acabar de morrer.

40 * 41
Em mim tome um triste exemplo
Quem amando quer viver;
Saiba que é viver morrendo
Sem acabar de morrer.
("Sem acabar de morrer")

Cuidei que o gosto de Amor


Sempre o mesmo gosto fosse,
Mas um Amor Brasileiro
Eu não sei por que é mais doce.
("Doçura de amor")

Eu sei, cruel, que tu gostas,


Sim gostas de me matar;
Morro, e por dar-te mais gosto,
Vou morrendo devagar.
("Vou morrendo devagar")

Esses e outros exemplos de poesia simples, de expressão correta


e elegante, que se podem colher na Viola de Lereno, mostram a in­
justiça de José Veríssimo ao se ocupar de Caldas em sua História
da literatura brasileira. Só viu na obra do mestiço os "requebres da
musa mulata" a disfarçar a mesquinhez de inspiração e de forma.
42 * 43
ROMÂNTICOS

Em 1836 publicou GO NÇALVES DE MAGALHÃES no primeiro número


da revista Niterói, editada em Paris por um grupo de brasileiros, o ar­
tigo intitulado "Ensaio sobre a história da literatura do Brasil - Estu­
do preliminar", o qual valeu por um manifesto romântico, embora
não aparecesse nele a palavra "romântico". Traçando rápida sinopse
da nossa literatura, dizia Magalhães que herdáramos de Portugal
a literatura e a poesia: "Com a poesia vieram todos os Deuses do
paganismo, espalharam-se pelo Brasil, e dos céus, das florestas e dos
rios se apoderaram. A Poesia do Brasil não é uma indígena civilizada,
é uma Grega vestida à Francesa e à Portuguesa, e climatizada no
Brasil; é uma virgem do Hélicon, que sentada à sombra das palmei­
ras da América toma por um rouxinol o sabiá que gorjeia entre os
galhos da laranjeira. Encantada por este nume sedutor, por esta
bela estrangeira, os Poetas brasileiros se deixaram levar pelos seus
cânticos e olvidaram as simples imagens que uma natureza virgem
com tanta profusão lhes oferecia. Tão grande foi a influência que
sobre o Gênio Brasileiro exerceu a Grega mitologia transportada
pelos Poetas Portugueses, que muitas vezes Poetas Brasileiros em
pastores se metamorfoseiam e vão apascentar seu rebanho nas
margens do Tejo e cantar à sombra das faias". Os nossos poetas,
continuava Magalhães, deviam abandonar essa poesia estrangeira,
fundada na mitologia, e voltar os olhos para a religião, "que é a base
da moralidade poética, que empluma as asas ao Gênio, que o abala
e o fortifica, e através do mundo fisico até Deus o eleva". A meio do
artigo perguntava: "Pode o Brasil inspirar a imaginação dos Poe­
tas? E os seus indígenas cultivaram por ventura Poesia?". Concluía
pela afirmativa. Se a nossa poesia não tivera até então caráter novo
e particular, é que os nossos poetas não tinham tido "bastante força
para despojarem-se do jugo dessas leis, as mais das vezes arbitrárias,
daqueles que se arrogam o direito de torturar o Gênio, arvorando-se
legisladores do Parnaso". Para corrigir essa fraqueza, propunha a li­
ção de Schiller: "O poeta independente não reconhece por lei senão
as inspirações de sua alma, e por soberano o seu Gênio".
Nesse artigo estavam indicados os principais pontos que iriam
constituir a revolução romântica no Brasil: abandono dos artifí­
cios arcádicos, da mitologia, da paisagem europeia, em favor da
natureza brasileira e da religião; abandono das regras clássicas,
substituídas pela livre iniciativa individual.
Naquele mesmo ano de 1836 juntou Magalhães o exemplo às crí­
ticas e conselhos, editando em Paris o volume de poesias intitulado
Suspiros poéticos e saudades. Artigo e livro tiveram grande repercussão
no Brasil, suscitando numerosos entusiastas e discípulos.
A glória de Magalhães, como iniciador, tem sido contestada.
Sílvio Romero e outros críticos rastrearam em poetas anteriores,
desde o grupo mineiro, certas características do espírito românti­
co. Elas existem, é fato, mas só com Magalhães as vagas tendências
românticas se organizaram em doutrina e movimento, não espon­
taneamente aliás, porém graças à influência de igual movimento
na França e em Portugal. Magalhães foi secundado em sua ação
reformadora por Porto-Alegre, cujas Brasilianas influenciaram,
como os Suspiros poéticos, os poetas mais novos.
A poesia romântica enche o século XIX, de 36 até os primeiros
anos da década de 80, renovando-se através das gerações, não na

44 * 45
REVISTA BRASILIENSE.

SCIENClAS, LETTllAS, E AílTES.

lã omo J)Jrimrirn.
'i". I".

:D.AUVIN J:T FONTAINZ' r.raa.ArR•S,


l1\SSA1:r. ra:s l'AN'ORA"i\S' Nº 3&.

'1831).
forma - vocabulário, sintaxe, métrica - a que se manteve sensi­
velmente fiel, mas nos temas, no sentimento e no tom. Pondo de
parte as pequenas diferenciações individuais, pode-se distribuir a
evolução romântica em três momentos capitais: o inicial, em que
à inspiração religiosa, base da poesia de Magalhães e Porto-Alegre,
reflexo da de Lamartine, acrescentou Gonçalves Dias a que buscava
assunto na vida dos selvagens americanos; o segundo, representa­
do pela escola paulista de Álvares de Azevedo e seus companheiros,
onde predominou o sentimento pessimista, o tom desesperado ou
cínico de Byron e Musset; finalmente o terceiro, o da chamada esco­
la condoreira, de inspiração social, a exemplo de Hugo e Quinet.
DOMINGOS JOSÉ GONÇALVES DE MAGALHÃES, visconde de Ara­
guaia [l8n-82] , nasceu no Rio de Janeiro, onde fez os estudos secun­
dários e se formou em Medicina. Aos 21 anos publicou uma coleção
de poesias, ainda de gosto arcádico, e no ano seguinte partiu para
a Europa. A viagem abriu-lhe os olhos para a poesia nova, cuja re­
volução se processava nos vários países que visitou. Adotou-a com
entusiasmo. De volta ao Brasil, serviu como secretário do governo
nas províncias do Maranhão e do Rio Grande do Sul, foi eleito para
a Câmara dos Deputados e finalmente abraçou a carreira diplomáti­
ca, falecendo em Roma, onde era nosso ministro. Além dos Suspiros
poéticos, escreveu Os mistérios, canto fúnebre, o poema indianista
A confederação dos Tamoios [1856] e a tragédia Antônio josé [1839] .
Magalhães estava longe de ser o gênio que julgaram ver alguns
dos seus contemporâneos, entre os quais Torres Homem. A religião,
a pátria, o amor, os aspectos da velha civilização europeia, temas
inspiradores da poesia dos Suspiros, nunca lhe arrancaram acentos
verdadeiramente profundos. Se disse "adeus às ficções de Homero",
não se despediu completamente da velha retórica, e a maioria de

4 6 . 47
seus versos rastejam quase sempre em lugares-comuns, aos quais a
ênfase tenta embalde comunicar alguma emoção. Aqueles em que
celebrou Roma merecem a expressão de "prosaico escandaloso"
com que os definiu José Veríssimo:

Roma é bela, é sublime, é um tesouro


De milhões de riquezas; toda a Itália
É um vasto museu de maravilhas.

Só uma vez, no poema "Napoleão em Waterloo", a sua inspiração


ganhou altura e calor. Em 1856, um ano antes do aparecimento
dos quatro primeiros cantos dos Timbiras de Gonçalves Dias, pu­
blicou Magalhães a sua Confederação dos Tamoios. O prestígio so­
cial do autor veio fortalecer a corrente patriótica do indianismo,
iniciada, dez anos antes, pelas "Poesias americanas" dos Primeiros
cantos de Gonçalves Dias. Hoje a leitura dessa epopeia em dez can­
tos de decassílabos soltos não confirma a estima que a cercou ao
tempo de sua publicação. Nem ninguém mais a lê senão quem o faz
por obrigação de historiador e crítico literário. Quanto à tragédia,
apenas teve o mérito de representar uma tentativa de criar o teatro
brasileiro. Antônio josé ou o poeta e a Inquisição tem por herói o brasi­
leiro Antônio José da Silva, judeu garroteado e queimado em Lisboa
em 1739, criador em Portugal de uma obra dramática importante,
na qual, sob temas tirados da mitologia, fazia a pintura e sátira
da sociedade portuguesa. A tragédia de Magalhães é "obra incolor,
sem vida, sem um só tipo verdadeiramente acentuado, sem ação
dramática'', como disse dela com razão o crítico Sílvio Romero.
MANUEL D E ARAÚJO P O RTO-ALEGRE, barão de Santo  ngelo
[1806-79], nasceu no Rio Grande do Sul e lá fez os estudos se-
cundários. Vindo para a Corte, matriculou-se na Academia de
Belas-Artes, onde conquistou os prêmios de pintura e arquitetura.
Quando seu mestre Debret, um dos membros da missão artística
francesa contratada por d. João VI, regressou à Europa, Porto­
Alegre acompanhou-o. Na Europa completou em viagens pela
França, Inglaterra, Suíça e Itália a sua educação artística e como
Magalhães sofreu a influência dos mestres românticos. Em Paris
fez parte do grupo fundador da revista Niterói, na qual publicou o
poema "Voz da natureza", escrito em Nápoles no ano de 1835, e um
estudo sobre a música no Brasil. Voltando ao Brasil, fundou com
outros o Conservatório Dramático, a Academia de Ó pera Imperial,
e assumiu papel ativo no movimento romântico. Em 59 entrou
para a carreira consular, onde serviu até morrer.
As principais obras poéticas de Porto-Alegre são as Brasilianas
[1863] , coleção de poesias líricas, e o longo poema Colombo [1866] .
Nas Brasilianas o Poeta, unindo-se ao exemplo de seu amigo Ma­
galhães, tenta nacionalizar a poesia, realizando poemas como
"A destruição das florestas" e "O Corcovado", que tiveram fama no
tempo mas para o gosto moderno soam por demais palavrosos e
enfáticos. Em todo caso retratam bem a pessoa do autor, de quem
escreveu Sílvio Romero: "Porto-Alegre era entusiasta e um pouco
fanfarrão na sua conversação; o mesmo em sua poesia: sopra em
cima de seu leitor de vez em quando alguns termos empolados,
campanudos, capazes de tonteá-lo. Seu lirismo não tem doçuras,
delicadezas, mimos de ideia e de forma. Abre perspectivas, tem
paisagens, mostra desenhos e algumas belas cores por vezes".
O Colombo está escrito em decassílabos brancos e compõe­
se de quarenta cantos, precedidos de extenso prólogo. Canta
este o ambiente de G ranada depois da vitória sobre os mouros,

48 * 4 9
colóquios de Fernando e Isabel com Boabdil e Daraxa, cerimô­
nia de coroação de Fernando e Isabel como reis de Granada, fes­
tim de regozijo e finalmente a descrição de um torneio, no qual o
marquês de Cádiz, triunfador várias vezes, já ia receber a palma de
invicto, quando entra na liça inesperado adversário, o Cavaleiro Negro,
que pretende bater-se por uma dama cujo nome não quer declinar.
Cruzam-se as lanças, o marquês é vencido: o Cavaleiro Negro era
Colombo; a dama de sua invocação, a própria rainha, à qual Colombo
dedica a vitória e pede um navio para a sua sonhada empresa:

Uma nave, Senhora, o mais já tenho:


Se uma nave me dás dar-te-ei um Mun do .
,

Começa assim a falsificação da figura do descobridor da Améri­


ca, magnificado em paladino excepcionalmente robusto e destro.
No introito do Canto 1 invoca o Poeta o auxílio de Deus "neste ar­
rojo tão grande como esse orbe que tento descrever! ". Os nove pri­
meiros cantos narram episódios da viagem - tempestades, desâ­
nimos e murmurações da chusma, e a primeira tentação do
D emônio sob a forma de um insular que prediz a Colombo a
ruína se ele persistir na rota para Oeste. O Nauta, que reconhece
o Inimigo, esconjura-o. O Demônio estronda no ar, ganha asas e
vai afundir-se na cratera do vulcão de Tenerife, com grande pavor
da tripulação, que se volta de armas na mão contra o chefe, exi­
gindo a volta à Espanha. Mas Colombo, como sempre, consegue
impor a sua vontade e a viagem continua. No Canto x reaparece o
Demônio, desta vez sob a forma de um monstro marinho, que
se transforma numa mulher, "abismo de amor e sedução", e esta
procura reter o Descobridor numa ilha criada pelas artes mágicas
do Inferno. Colombo triunfa da tentação e força o demônio a
revelar o seu nome e aparecer em sua verdadeira figura. O de­
mônio é Pamórfio, ministro de Satã, o qual enche quinze cantos
com a sua facúndia e as suas diabruras: devassa em prefigurações
fantásticas e teatrais o passado, o presente e o futuro da América,
evoca as sombras de Montezuma e Manco Capac (pretexto para
declamar sobre as teogonias e civilizações dos astecas e dos in­
cas) e só para quando Colombo, testemunha curiosa, mas sempre
invocando a sua crença católica, declara tudo aquilo encantos
e ardis do Demônio. Pamórfio então resolve mostrar-lhe a verda­
de desnuda e evoca o quadro terrível da conquista, faz-lhe ouvir
na terra que sonhara um É den o gemido "de quatorze milhões
de desgraçados", dá-lhe a ver

Sobre um monte de corpos dessangrados,


O estandarte da Ibéria triunfante,
Qual cruz funérea memorando um crime !

A esse espetáculo Colombo cai desmaiado, mas definitivamente


triunfante dos empecilhos infernais. Pamórfio toma-o nos braços
e leva-o à capitânia. Prossegue a viagem e depois de novos tra­
balhos contra a insubordinação da chusma excitada por Martim
Pinzon, que dá um falso rebate de terra, o Descobridor avista fi­
nalmente as primeiras plagas da América. Era a ilha de Guananani,
onde desembarca e planta o pendão de Isabel. Em seguida se passa
à ilha de Saometo e é bem recebido pelo cacique Guacanaguari.
Numa tenda real improvisada oferece o índio aos europeus um
banquete de frutos da terra, em cuja descrição vemos os nomes
americanos híbridamente adjetivados por latinismos de erudito:

50 . 5 1
Em suspensos racimos cocleados
Pendem os pomos da nutriz pacova,
A banana fluente, grato cibo
Do ancião, e da infância desleitada.

Contra a verdade histórica condensa o Poeta numa só as quatro


viagens de Colombo, com os principais sucessos nelas ocorridos
- descoberta de novas ilhas e da costa firme, revolta de Caonabó e
Anacaona, luta de Colombo contra Ojeda e Bobadilla. Colombo
volta à Espanha na Nina, toca em Lisboa, tem ao passar pelo pro­
montório de Sagres a visão do Infante d. Henrique e finalmente
lança âncora na baía de Paios. Toda a Espanha o festeja no seu
caminho para Barcelona, onde o esperam Fernando e Isabel. Faz
o Descobridor um resumo dos seus feitos e Isabel promete-lhe
navios em que volte à América para completar a sua obra - "Fundar
no Novo Mundo um novo império". Mas Isabel morre, e com ela a
esperança de Colombo, que não encontrava em Fernando o mesmo
entusiasmo e afeto da rainha. E o último canto do poema descreve
a agonia do Descobridor, "Mártir da inveja e da perfídia humana!".
Termina o Poeta despedindo-se do seu poema e mandando um
pensamento de amor "às belas plagas da querida pátria".
As qualidades melhores de Porto-Alegre não são de poeta, no
fundo frio, mas sim de desenhista e pintor. Pode-se admirar nele
o vigor da linguagem, o domínio do idioma e da métrica. Pou­
cos escritores nossos usaram de tão rico vocabulário. Mas essa
mesma riqueza está constantemente a prejudicar a clareza dos seus
quadros ou a emoção que nos pretende comunicar. O Colombo está
inçado de descrições eloquentes mas sem força sugestiva, meros
exercícios retóricos.
A verdade é que tanto Magalhães como Porto-Alegre não eram
românticos de natureza, nem tinham em si a autêntica imaginação
e sensibilidade poéticas. Essas quem as possuiu e em grau eminen­
te foi Gonçalves Dias.
Nasceu ANTÔNIO GONÇALVES DIAS [1823-64] numa fazenda dos
arredores de Caxias (Maranhão), na qual se refugiara com a amante,
brasileira de origem ainda não definitivamente apurada (índia pura
ou cafuza?), o pai português, que ali buscara asilo contra as persegui­
ções de nacionalistas exaltados. O primeiro infortúnio do Poeta foi
separar-se da mãe aos seis anos, quando o pai a abandonou para
casar-se com outra mulher. Esta aliás sempre se mostrou carinhosa
com o enteado. Cresceu o menino em Caxias, revelando viva inteli­
gência nas aulas de primeiras letras e ao balcão da casa comercial do
pai. Àquele tempo era comum verem-se em Caxias índios mansos
que vinham trocar com os habitantes arcos, flechas e potes de bar­
ro. "Menino", escreve Lúcia Miguel-Pereira em sua excelente Vida de
Gonçalves Dias [1943], "há de ter brincado com esses instrumentos
indígenas, há de ter aprendido muita palavra dos selvagens, que lhe
eram familiares. Ouviria certamente falar em Tapuias, em Timbi­
ras, em Tupis, em guerras de índios; saberia povoadas por eles as ma­
tas que avistava." A frescura dessas primeiras impressões da infância
persistirá na obra indigenista do futuro Poeta. Em 1837 trouxe-o o pai
para São Luís, a capital do Maranhão, a fim de embarcarem rumo à
Europa. Gonçalves Dias ia completar os estudos secundários e seguir
o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Mas falecendo o pai
em São Luís, regressou o órfào acabrunhado a Caxias. Encontrou
apoio na madrasta, que o mandou para Portugal.
Não poucas foram as dificuldades materiais que sofreu o es­
tudante, porque nem sempre a madrasta, premida pelos embara-

52 * 53
ços de dinheiro, podia enviar-lhe regularmente a mesada. Houve
momento em que o Poeta pensou tornar de vez à pátria, e tê-lo-ia
feito, se não acudissem companheiros de estudos, alguns seus
conterrâneos, os quais se cotizaram para garantir-lhe o sustento,
nessa e em outras ocasiões de aperto. Em 45 terminou o curso e
voltou ao Brasil.
Os anos de permanência em Portugal tinham-lhe sido de
grande proveito. Afora o curso universitário, estudou a língua
e literatura da França, Inglaterra, Alemanha, Espanha e Itália;
escreveu grande parte das poesias dos Primeiros [1846] , Segundos
[1848] , Últimos cantos [1851] , só mais tarde publicadas, o romance
autobiográfico Memórias de Agapito Goiaba, que ficou inédito e foi
queimado pelo Poeta, e os dramas Patkull e Beatriz Cenci. Era queri­
do e admirado no grupo dos românticos medievistas portugueses
cuja influência sofreu, como atestam várias de suas produções.
Pequena foi a sua demora na província natal. Em 1846 veio para
o Rio de Janeiro e nesse mesmo ano publicou os Primeiros cantos.
Nada definirá melhor o seu conceito da poesia do que as próprias
palavras no prólogo: "Gosto de afastar os olhos de sobre a nossa
arena política para ler em minha alma, reduzindo à linguagem
harmoniosa e cadente o pensamento que me vem de improviso, e
as ideias que em mim desperta a vista de uma paisagem ou do
oceano - o aspecto enfim da natureza. Casar assim o pensamento
com o sentimento, a ideia com a paixão, colorir tudo isto com a
imaginação, fundir tudo isto com o sentimento da religião e da
divindade, eis a Poesia - a Poesia grande e santa - a Poesia como
eu a compreendo sem a poder definir, como eu a sinto sem a poder
traduzir". E é isto o que efetivamente se encontra em toda a líri­
ca de Gonçalves Dias: uma funda nostalgia, a mágoa dos amores
POESIAS
DE

A. G O N Ç A L V ES D I A S
Q U IN T A E D I Ç Ã O

AUGMENTADA COM àlUITAS POESI!l.S , INCLUSIVE O S TYMBIRAS

E QUJDADOS4MENTE REV1ST4

P E L O S• D • J . M.

P R ECED I DA DA B I O G R A P H I A D O A U T O R
PELO

S •. C O N E G O D '. ... C . F E R N & N D E • PINHEIRO

TOMO 1

RIO DE JANEIRO
B . L . GARNIBR , LIVREIRO-EDITOR D O INSTITUTO DO BRAZIL
a o , R U A DO O U V I D O R , 09

1 870
Ficão reservados todos os direitos de propriedade.
contrariados pelo destino, o consolo que tirava do espetáculo da
natureza, do afeto dos amigos e da crença religiosa. Em tudo aque­
le sentimento de insatisfação, onde logo se identifica o famoso mal
du siecle, por ele bem expresso mais tarde nestas quadras da poesia
"Lira quebrada" dos Últimos cantos:

Uma febre, um ardor nunca apagado,


Um querer sem motivo, um tédio à vida
Sem motivo também, - caprichos loucos,
Anelo doutro mundo e doutras coisas;

Desejar coisas vãs, viver de sonhos,


Correr após um bem logo esquecido,
Sentir amor e só topar frieza,
Cismar venturas e encontrar só dores;

Os Primeiros cantos foram saudados por Alexandre Herculano como


"inspirações de um grande poeta", e a opinião do mestre português
resumia a impressão de toda a gente. Sobretudo a primeira parte do
livro - as "Poesias americanas" - lhe parecia exemplo da verdadeira
poesia nacional do Brasil. "Quiséramos", dizia ele, "que ocupassem
maior espaço. Nos poetas transatlânticos há por via de regra dema­
siadas reminiscências da Europa. Esse Novo Mundo que deu tanta
poesia a Saint-Pierre e Chateaubriand é assaz rico para inspirar e nu­
trir os poetas que crescerem à sombra das suas selvas primitivas."
São em número de cinco apenas as "Poesias americanas" dos
Primeiros cantos. A primeira é a "Canção do exílio". Não há na poe­
sia brasileira versos que tenham alcançado mais larga popularida­
de. "De uma simplicidade quase sublime", disse deles Veríssimo.

56 * 57
Poderia tê-lo dito sem o quase. Sublime significa alto, elevado: na
"Canção do exílio" o sentimento da nostalgia da pátria está expres­
so com uma serenidade que faz pensar na paz e silêncio dos altos
cimos, a mesma que se respira em "Wanderers Nachtlied Ein Glei­
ches" de Goethe. Já notou um jovem crítico, Aurélio Buarque de
Holanda, a ausência de qualquer adjetivo qualificativo nessas qua­
tro estâncias, cuja força emotiva repousa na deliciosa musicalidade,
em parte resultante do paralelismo, do encadeamento e das rimas
de fonemas iniciais (primores, palmeiras) e na segura escolha das
palavras-temas (os substantivos "terra", "sabiá", "palmeiras", e os
advérbios "cá" e "lá"). Os outros quatro poemas são indianistas, e
em dois deles - "Canto do Piaga" e "O morro do Alecrim" - vibra
a nota indigenista em defesa dos índios contra a usurpação dos
brancos invasores. No "Canto do Piaga":

Oh! quem foi das entranhas das águas,


O marinho arcabouço arrancar?
Nossas terras demanda, fareja...
Esse monstro ... - o que vem cá buscar?

Não sabeis o que o monstro procura?


Não sabeis a que vem, o que quer?
Vem matar vossos bravos guerreiros,
Vem roubar-vos a filha, a mulher!

Vem trazer-vos crueza, impiedade -


Dons cruéis do cruel Anhangá;
Vem quebrar-vos a maça valente,
Profanar Manitôs, Maracá.
Vem trazer-vos algemas pesadas,
Com que a tribo Tupi vai gemer;
Hão-de os velhos servirem de escravos
Mesmo o Piaga inda escravo há de ser!

Fugireis procurando um asilo,


Triste asilo por ínvio sertão;

Os dois últimos versos, que ainda hoje representam a condição dos


íncolas, reaparecem na forte imprecação do "Morro do Alecrim":

Teus filhos valentes causavam terror,


Teus filhos enchiam as bordas do mar,
As ondas coalhavam de estreitas igaras
De frechas cobrindo os espaços do ar.

Já hoje não caçam nas matas tão suas


A corça ligeira - o trombudo quati.
A morte pousava nas plumas da frecha,
No gume da maça - no arco tupi.

O Piaga nos disse que breve seria,


Manito, dos teus a cruel punição;
E os teus inda vagam por serras, por vales,
Buscando um asilo por ínvio sertão !

Em nota às "Poesias americanas" declarava o Poeta que as pu­


blicava "mais para ensaio do que para outro fim". Sem dúvida o
aplau so de Alexandre Herculano animou-o a persistir nos temas

58 * 59
americanos, compondo o poema "Tabira", incluído nos Segundos
cantos, os sete poemas dos Últimos cantos, entre os quais se destaca
a pequenina epopeia de "1-Juca-Pirama" como a mais importante
realização da musa indianista no Brasil, e finalmente o grande
poema dos Timbiras, conhecido só nos quatro primeiros cantos,
editados em 1857.
Em 1875 escreveu Capistrano de Abreu que o indianismo é "um
dos primeiros pródromos visíveis do movimento que enfim cul­
minou na independência: o sentimento de superioridade a Por­
tugal. Efetivamente era necessária grave mudança nas condições
da sociedade, para que a inspiração se voltasse para as florestas e
íncolas primitivos, que até então evitara, mudança tanto mais gra­
ve quanto o indianismo foi muito geral para surgir de causas pu­
ramente individuais". E descobre-lhe a verdadeira significação nos
contos populares cujos heróis são o "marinheiro" (alcunha dada
no Brasil ao português) e o caboclo. Distingue nos contos satíricos
três camadas: na primeira o "marinheiro" surge em luta contra
a natureza brasileira; na segunda aparece o caboclo em luta
contra a civilização; na terceira o herói é ainda o caboclo, mas
"o ridículo como que está esfumado, e através sente-se não só a
fraternidade como o desvanecimento. É a estes últimos contos que
se prende o indianismo, cujo espírito se assemelha ao que levou
Gueux e Sans-culotte a adotarem, vangloriando-se, o nome com que
os tentaram estigmatizar".
Como se vê, para Capistrano de Abreu o indianismo, longe de
ser a planta exótica mal transplantada pelos românticos, tinha
fundas raízes em nossa literatura popular. A idealização do índio
correspondia perfeitamente ao sentimento nacional: ela é anterior
ao romantismo e não desapareceu com ele. Será, se quiserem, um
erro nacional. O que nos parece inadmissível é querer filiar o nosso
indianismo romântico unicamente à mera influência de Chateau­
briand e Fenimore Cooper.
Certo, Chateaubriand terá influído no Poeta; a epígrafe das
"Poesias americanas" nos Primeiros cantos é significativa: "Les infor­
tunes d'un obscur habitant des bois auraient-elles moins de droits à nos
pleurs que celles des autres hommes?" .1 Mas o indianismo de Gonçalves
Dias vinha de fontes mais imediatas, o Poeta trazia-o no sangue,
alimentava-o das reminiscências de sua infância em Caxias, dos
seus estudos mais tarde concretizados no trabalho O Brasil e a
Oceania [1910] , fortalecera-se do mito nacionalista criado na exal­
tação diferenciadora da Independência, quando um baiano ilustre
mudava o seu nome para Gê Acaiaba de Montezuma e o próprio
Pedro I adotava na Loja Maçônica o de Guatemozim.
Não foi Gonçalves Dias o introdutor do índio na poesia brasi­
leira; soube todavia, como ninguém antes ou depois dele, insuflar
vida no tema tão caro ao sentimento nacional da época. Ideali­
zou-o, é verdade, não por desconhecimento da psicologia própria
do índio, mas em parte por simpatia, em parte obedecendo aos
cânones estéticos do tempo; sem prejuízo da emoção que palpita,
bela e convincente, em poemas como "I-Juca-Pirama", "Marabá",
"Leito de folhas verdes'', "Canto do Piaga'', "Canto do Tamoio" e
na epopeia dos Timbiras.
Esta última obra, que seria, na intenção do autor, uma espécie
de "Ilíada americana'', só ficou conhecida nos quatro primeiros
cantos publicados em 1857. Sabe-se, porém, que o Poeta continuou
a trabalhar nela e a tinha pronta ou quase pronta quando voltava

1 Tradução: "Teriam os infortúnios de um obscuro habitante das flores­


tas menos direito a nosso pranto que os de outros homens?". [N.E.]

60 * 61
em 64 da Europa; no naufrágio em que pereceu perderam-se os
manuscritos.
A epopeia comportaria ao todo dezesseis cantos. Abre com uma
introdução onde anuncia o argumento:

Os ritos semibárbaros dos Piagas,


Cultores de Tupã, e a terra virgem
Donde como dum trono, enfim se abriram
Da cruz de Cristo os piedosos braços;
As festas, e batalhas mal sangradas
Do povo Americano, agora extinto,
Hei de cantar na lira. [ .. ]
.

Como cantará?

- Cantor modesto e humilde,


A fronte não cingi de mirro e louro,
Antes de verde rama engrinaldei-a,
D'agrestes flores enfeitando a lira,
Não me assentei nos cimos do Parnaso,
Nem vi correr a linfa da Castália.
Cantor das selvas, entre bravas matas
Áspero tronco da palmeira escolho.

O primeiro canto começa apresentando o herói do poema, ltajuba,


chefe dos Timbiras. O cacique matou em luta singular o chefe dos
Gamelas, a tribo inimiga. Estes, não respeitando a palavra do chefe,
segundo a qual haveriam de seguir a ltajuba em caso de derrota,
preparam-se para atacar os Timbiras. Itajuba despacha Jurucei a
propor paz e aliança aos Gamelas. Entrementes convoca os seus
guerreiros. Nota-se a ausência de Jatir, contra quem se levantam
murmurações. Defende-o o pai. No segundo canto meditam os
guerreiros à noite às portas das tabas. Sai o Piaga de sua caverna
e entoa um canto a Tupã, pedindo que sobre a tribo "os sonhos
desçam como desce o orvalho". Cala-se o Piaga, todos adormecem.
Mas ltajuba vela. Preocupa-o a ausência de J atir. Pede a Croá que
cante. Este faz o elogio de Coema, a falecida esposa de ltajuba. Vela
também Ogib, pai de Jatir, ao qual se chega o louco Piaíba, que en­
tra a lastimar-se. O terceiro canto se inicia com uma bela descrição
do alvorecer nas selvas.
Lamenta o Poeta a ruína dos povos americanos em versos que
terminam por esta apóstrofe:

América infeliz ! - que bem sabia,


Quem te criou tão bela e tão sozinha,
Dos teus destinos maus ! Grande e sublime
Corres de polo a polo entre os dois mares
Máximos do globo: anos da infância
Contavas tu por séculos ! que vida
Não fora a tua na sazão das flores !
Que majestosos frutos, na velhice,
Não deras tu, filha melhor do Eterno;
América infeliz, já tão ditosa
Antes que o mar e os ventos não trouxessem
A nós o ferro e os cascavéis da Europa? !
Velho tutor e avaro cobiçou-te,
Desvalida pupila, a herança pingue
E o brilho e os dotes da sem par beleza!
Rompe a aurora e os de Itajuba vêm contar os seus sonhos. Inter­
preta-os o Piaga, pressagiando a vitória na luta em perspectiva.
Só Japeguá, à parte, não participa da alegria geral. Interrogado
pelo Piaga, narra o sonho de mau agouro que tivera. É inter­
rompido por Catucaba, que o increpa de covarde. O incidente
termina com a intervenção de Itajuba. Mojacá conta também o
seu sonho e pede explicação ao Piaga: vira em taba inimiga um
guerreiro timbira prestes a ser sacrificado. Ogib acredita que se
trata do filho. O Piaga, consultado, queixa-se que o deixam em
sua caverna sem dádivas e só se lembram dele nos momentos de
aflição. Desculpa-se Itajuba e promete-lhe reparação. O Piaga
recolhe-se à sua gruta. No quarto canto assistimos à chegada de
Jurucei à taba dos Gamelas. Servem-lhe suculento repasto. O chefe
Gurupema, filho do guerreiro vencido por Itajuba, reúne o seu
conselho. Todos se inclinam à guerra. Fala um tapuia, sempre
respeitado pelos seus prognósticos, ponderando que a lei da guer­
ra dava ao timbira o direito de proceder como havia feito depois
da vitória. Desaconselha a luta. Ouve-se Jurucei. Fala Gurupema
e dá o pai como morto em combate desleal. Indigna-se Jurucei.
Gurupema quer experimentar pelas armas o valor do mensageiro.
Despede uma seta, que prostra um pássaro em pleno voo. Jurucei
invectiva-o pela cruel ação. Uma seta partida da turba fere o tim­
bira. Este, depois de exprobrar a deslealdade com que o tratam,
parte proferindo ameaças. Gurupema procura apurar quem fora
o autor do gesto criminoso, mas sem resultado.
Seria descabido julgar da epopeia apenas pela sua quarta parte
publicada. Todavia, o espírito americano que informa os quatro
primeiros cantos, os quadros da natureza descritos segundo a rea­
lidade local, o sopro épico a animar os episódios da vida selvagem
colocam o fragmento dos Timbiras como a mais inspirada tentativa
no gênero dentro da nossa poesia.
A maior parte da lírica de Gonçalves Dias inspira-se ora da
natureza, ora da religião, mas sobretudo de suas próprias triste­
zas. Foram elas atribuídas ao infortúnio amoroso pelos críticos,
esquecidos de que a grande paixão do Poeta ocorreu depois da
publicação dos Últimos cantos. Na dedicatória destes a seu grande
amigo e contemporâneo Alexandre Teófilo de Carvalho Leal já
se confessa esgotado nas fontes de sua inspiração, perdida a fé e
o entusiasmo nas "dores de um espírito enfermo - fictícias, mas
nem por isso menos agudas - produzidas pela imaginação, como
se a realidade já não fosse por si bastante penosa". O Poeta vence­
ra na corte, fora nomeado professor de Latim e História do Brasil
no Colégio Pedro n e depois oficial da Secretaria dos Negócios
Estrangeiros. Mas essas ocupações lhe pareciam estéreis, o futuro
se lhe representava incerto, e havia aqueles "sofrimentos de todos
os dias, de todos os instantes, obscuros, implacáveis, renascen­
tes - ligados a minha existência, reconcentrados em minha alma,
devorados comigo ... ". Seriam certamente os do seu nascimento
humilde e fora da lei. Realmente nem os Últimos cantos nem os
Segundos cantos traziam mais a encantadora frescura de inspiração
do primeiro livro em composições como a "Canção do exílio",
"A leviana", "Seus olhos", "Minha vida e meus amores", "Quadras
da minha vida".
Em 51, recebe o Poeta do governo a comissão de examinar o es­
tado da instrução pública no norte do país, para onde parte. E em
São Luís do Maranhão encontra moça feita a menina que lhe ins­
pirara os versos da "Leviana". Enamoraram-se mutuamente, mas
a mãe da moça, influída pelos preconceitos de cor e nascimento,
recusou a proposta de casamento. A dor do Poeta foi grande e
incurável. Reavivou-lhe no entanto a inspiração, que se elevou aos
seus acentos mais sinceros e profundos nos poemas dos Novos can­
tos, especialmente em "A sua voz", "Se se morre de amor! ", "Não
me deixes" e "Ainda uma vez, adeus ! ". Procurou o Poeta assentar a
sua vida num casamento que não foi feliz: sem paixão de sua par­
te, de paixão ciumenta da parte da esposa. Em 55, parte Gonçalves
Dias para a Europa, em nova comissão do governo. Regressando
à pátria, é indicado em 59 para fazer parte, como etnógrafo, da
comissão científica que devia explorar e catalogar as riquezas do
nosso solo. Da sua atividade no extremo norte resultou o seu
Vocabulário da língua geral usada no Alto Amazonas [1859] , no qual
se confirmaram os seus conhecimentos da língua indígena, já
provados no Dicionário da língua tupi, impresso em Leipzig, em 58.
Os trabalhos dessa comissão acabaram de lhe arruinar a saúde,
sempre precária. Em viagem de cura partiu novamente para a
Europa em 62. Não conseguiu as melhoras esperadas, e, piorando,
embarcou em setembro de 64 para o Maranhão, onde desejava
morrer. Morreu à vista de terra nas trágicas circunstâncias de um
naufrágio noturno. O seu estado aliás era desesperador. Deixa­
va inéditas numerosas poesias, que não aumentam a sua glória,
uma tradução da Noiva de Messina, de Schiller, em que trabalhou
porfiadamente, não se conhecendo porém a versão definitiva,
perdida no naufrágio. E a sua bibliografia se completa com os
dramas em prosa Leonor de Mendonça [1847] , Patkull e Beatriz Cenci,
e as Sextilhas de frei Antão [1848] .
Os poemas narrativos das Sextilhas, escritos num português ar­
caico que não cabe a rigor em nenhuma época delimitada da língua,
foram classificados pelo autor de "ensaio filológico". O seu primei-
ro biógrafo, Antônio Henriques Leal, amigo entusiasta, atribuiu
ao Poeta o propósito de provar o seu conhecimento do idioma ao
Conservatório Dramático, que não aceitara o drama Beatriz Cenci
sob a alegação de incorreções de linguagem. Lúcia Miguel-Pereira
mostrou porém que a peça foi louvada na "invenção, disposição
e estilo", mas recusada por imoral. O Poeta escreveu as Sextilhas
porque aceitava a inspiração "quando e donde quer que ela me
venha; da imaginação ou da reflexão"; queria provar "que robustez
e concisão havia nessa língua semiculta, que por vezes nos parece
dura e malsoante, e estreitar ainda mais, se for possível, as duas
literaturas - brasileira e portuguesa - que hão de ser duas, mas se­
melhantes e parecidas, como irmãs que descendem de um mesmo
tronco e que trajam os mesmos vestidos - embora os trajem por
diversa maneira, com diverso gosto, com outro porte, e graça di­
ferente". Aliás o apego de Gonçalves Dias às formas arcaicas se
trai a cada passo e às vezes com duvidoso gosto, em várias de suas
composições poéticas (mi por "mim", al por "algo, alguma coisa",
imigo por "inimigo", etc.).
Os versos e a prosa, postumamente publicados, de um rapaz
ricamente dotado e falecido em plena adolescência, iriam influir
enormemente na mocidade do seu tempo, dando o sentimento
geral e o tom à chamada segunda geração romântica.
Manuel Antônio ÁLVARES DE AZEVEDO [1831-52] nasceu em
São Paulo, mas passou a infância no Rio de Janeiro. Aos dezes­
seis anos terminou o curso de bacharel em ciências e letras no
Colégio Pedro n e seguiu para São Paulo, onde se matriculou na
Faculdade de Direito. Não chegou, porém, a concluir os estudos,
pois adoeceu de tuberculose pulmonar, vindo a morrer no Rio.
O tédio de uma cidadezinha provinciana sem divertimentos e

66 * 67
onde toda a vida intelectual se concentrava no ambiente liberal
da academia, a saudade de família, sobretudo da mãe e de uma
irmã ainda criança, que foram os afetos mais profundos de sua
existência, a estranha ausência de qualquer sentimento amoro­
so bem definido e a impressão deixada no Poeta pela leitura dos
românticos europeus minados pelo "mal do século" explicam o
caráter da sua obra, onde as notas desabusadas, irônicas, a miúdo
intencionalmente prosaicas, alternam com outras que lhe eram
mais sinceramente pessoais - o seu erotismo entravado pela
timidez, as suas afeições familiares, os pressentimentos melancó­
licos derivados de uma saúde precária, a obsessão da morte. Foi
a primeira face que lhe trouxe, a princípio, maior renome, susci­
tando discípulos, criando em torno de sua figura uma auréola
duvidosa de herói romântico. Á lvares de Azevedo era em verdade
um rapaz estudioso e morigerado a ponto de em São Paulo deixar
de frequentar certa casa de família - "pois não é das melhores
nem muito louváveis, pelo contrário, é bem nodoada a reputação
dessas senhoras, que contudo vão a todos os bailes, etc. ! ! ". Mas o
que ainda hoje nos encanta em sua obra, o que lhe garantiu um
lugar de destaque entre os primeiros líricos inspirados da nossa
poesia é a frescura das suas confissões de adolescente naqueles
"cantos espontâneos do coração", consolo que foram de uma alma
"que depunha fé na poesia e no amor", amor que tardava e nunca
chegou a se concretizar numa dessas figuras de virgem tão fre­
quentemente acariciadas em sonho:

Oh! ter vinte anos sem gozar de leve


A ventura de uma alma de donzela!
E sem na vida ter sentido nunca
L . A � B ou1an\>er del. Lith. de Nf Mar tine rua da Aju d�
<.)
Na suave atração de um róseo corpo
Meus olhos turvos se fechar de gozo !
Oh! nos meus sonhos, pelas noites minhas
Passam tantas visões sobre meu peito !
Palor de febre meu semblante cobre,
Bate meu coração com tanto fogo !
Um doce nome os lábios meus suspiram,
Um nome de mulher ... e vejo lânguida
No véu suave de amorosas sombras
Seminua, abatida, a mão no seio,
Perfumada visão romper a nuvem,
Sentar-se junto a mim, nas minhas pálpebras
O alento fresco e leve como a vida
Passar delicioso ... Que delírios !
Acordo palpitante. . . inda a procuro;
Embalde a chamo, embalde as minhas lágrimas
Banham meus olhos, e suspiro e gemo ...
Imploro uma ilusão ... tudo é silêncio !
Só o leito deserto, a sala muda!
Amorosa visão, mulher dos sonhos,
Eu sou tão infeliz, eu sofro tanto !
Nunca virás iluminar meu peito
Com um raio de luz desses teus olhos?

Esse anelo do coração inexperiente e no entanto ávido de amores


é uma nota constante e a mais pura, a mais genuína da sua poesia.
A realidade parecia zombar de tantos sonhos delirantes: a pálida don­
zela, a visão pensativa e lânguida, como ele a desejava, não aparecia.
A própria distinção inata do Poeta punha a isso o maior obstáculo.
A um amigo escreveu certa vez: "Sinto no meu coração uma necessi­
dade de amar, de dar a uma criatura este amor que me bate no peito.
Mas ainda não encontrei aqui [em São Paulo, onde viveu de 48 a 5r,
salvo os breves períodos de férias passadas no Rio] uma mulher -
uma só - por quem eu pudesse bater de amores". As moça.S de São
Paulo, mesmo as bonitas, raras na opinião do Poeta, pareciam-lhe
com a sua beleza e os seus solecismos "estátuas estúpidas e sem
vida". O anseio insatisfeito se resolvia em funda nostalgia, num
vago pressentimento de morte prematura, inspirador dos dois mais
tristes, mais expressivos poemas de sua lírica - "Lembrança de mor­
rer" e "Se eu morresse amanhã". No primeiro confessa que

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,


Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei ... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

e pede como epitáfio (de fato gravado na lápide do seu túmulo)


o verso

- Foi poeta - sonhou - e amou na vida. -

Essa a corda pessoal na Lira dos vinte anos [r853] , título escolhido pelo
Poeta para a sua coleção de líricas, onde, como no Poema dofrade, em
cinco cantos, no Conde Lopo [r886] , deixado incompleto em seis can­
tos, no drama Macário [r855] e nas novelas da Noite na taberna [r855] ,
soam outras de empréstimo, que imitam o tom cínico e sarcástico
de Byron e seus epígonos europeus. O terceiro canto do Conde Lopo
abre mesmo com a invocação do nome do autor de Chi/de Harold:

70 * 71
Alma de fogo, coração de lavas,
Misterioso Bretão de ardentes sonhos
Minha musa serás - poeta altivo
Das brumas de Albion, fronte acendida
Em túrbido ferver! - a ti portanto,
Errante trovador d'alma sombria,
Do meu poema os delirantes versos !

Mau grado o que havia assim de artificial na atitude satânica desse


rapaz, que ao mesmo tempo dirigia à mãe versos e cartas de uma
ternura quase infantil, há que reconhecer nos seus cantos certa força
de invenção verbal, de calorosa imaginação que o fadava a criações
originais em idade de maior experiência. Malogrou-se com a sua
morte a esperança de uma carreira literária possivelmente genial.
Contemporâneos de Álvares de Azevedo, em São Paulo, foram
JOSÉ BONIFÁCIO, o MOÇO [1827-86], sobrinho do Patriarca da nossa
independência, e os mineiros AURELIANO LESSA [1828-61] e B E R­
NARDO GUIMARÃES [1825-84], este o mais importante dos três. Mais
conhecido pelos seus romances, nele todavia o poeta é superior ao
romancista. O seu poema em versos brancos "O devanear de um
cético" é uma das produções mais características do estado de es­
pírito de sua geração. A obra poética de Bernardo Guimarães está
contida nos livros Cantos da solidão [1876], Poesias [1852] , Novas poesias
[1876] e Folhas do outono [1883] .
LAU RI N D O RAB E LO [1826-64] , carioca, mestiço, soube elevar­
se da sua origem e condição humilde à situação de médico do
Exército e professor. O talento satírico e repentista granjeou-lhe
grande popularidade no tempo: chamavam-lhe "o poeta Lagartixa"
por causa do seu físico magro e desengonçado. A alegria exterior
escondia porém uma funda mágoa das dificuldades e desdéns que
encontrava na vida, e essa tristeza se reflete em acentos comoven­
tes no poema "Adeus ao mundo". Publicou um volume intitulado
Trovas [1853] , reeditado depois de sua morte com acréscimo de ou­
tras produções e sob o título de Poesias [1867] .
Ao meio carioca pertenceu também CASIMIRO DE ABREU [1839-
60], natural de Barra de São João (estado do Rio), hoje Casimirana,
em homenagem ao filho ilustre. Fez os estudos secundários na
cidade fluminense de Friburgo e ainda menino começou a traba­
lhar no comércio, porque tal era a vontade do pai. Este não via com
bons olhos o gosto do filho pelas letras. O Poeta passou quase qua­
tro anos em Portugal, de 1853 a 57. Lá fez a sua estreia literária, aos
dezessete anos, com a representação de uma cena dramática em
verso intitulada Camões e o]au [1856] . Regressando ao Brasil, voltou
ao comércio, sem contudo abandonar a poesia, e até frequentando
uma aula de matemática na Escola Militar. Em 59 editou as suas
poesias sob o título de Primaveras. Atacado de tuberculose pulmo­
nar, faleceu numa fazenda dos arredores de sua cidade natal.
Casimiro de Abreu é seguramente o mais simples, o mais
ingênuo dos nossos românticos e isso lhe valeu o primeiro lu­
gar na preferência do povo. A nostalgia da pátria, os primeiros
sobressaltos amorosos da adolescência, os encantos da paisagem
brasileira foram por ele cantados com um acento de meiguice
inconfundível. Ninguém exprimiu melhor do que ele em nossa
poesia aquilo que Mário de Andrade num estudo sobre Álvares
de Azevedo chamou o "complexo do amor e medo'', sentimento
comum a todos esses adolescentes da fase romântica. O crítico
batizou o complexo precisamente com o título de uma das poe­
sias mais estimadas das Primaveras:

72 . 73
Quando eu te fujo e me desvio cauto
Da luz de fogo que te cerca, oh ! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"- Meu Deus, que gelo, que frieza aquela!"

Como te enganas ! meu amor é chama


Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco ...
É s bela - eu moço; tens amor - eu medo ! . ..

Sy111pathia - é ll sentimento
Que na .. cc n ' u 1 1 1 sô momento,
S111 c ero, no cornção i
São dou-. o l h :i res acce:.o�
Rem j u n to.;. unidos. preiios
N ' u 111 a mag1ci'\ attrncção.
s\:ll;p�tlii� :_ ;l;CI; �11Ji;1ho,
N: � d���0 (!�1R��l�'fl�1: �·
São u u ven,; d ' u m céu d'11.goc;to
...

E ' o qu e m ' i nspirn t e u ro.,10 . . •


�- Syzupa l h i ::i. - é - quasi <1 m o r !

C A S l l\llUO DR A I HOHJ.
Ninguém tampouco exprimiu melhor as saudades da infância do
que o fez o poeta fluminense nas oitavas dos "Meus oito anos".
Formou-se a respeito de Casimiro de Abreu um juízo de todo
injusto, a que infelizmente deu força a opinião de nomes pres­
tigiosos como Carlos de Laet, o qual na sua Antologia nacional
escreveu: "Não é escritor correto, mas poeta cujos maviosos
acordes sabem o caminho do coração". O filólogo Souza da
Silveira, em sua excelente edição das obras do Poeta, demonstra
minuciosamente que, ao contrário, Casimiro de Abreu é escri­
tor e poeta correto - pelo menos tão correto quanto os outros
românticos tidos por corretos; e justifica um por um os preten­
didos deslizes de linguagem e métrica apontados pelos críticos
nas Primaveras.
Na Bahia nasceu e viveu JUNQUEIRA F REIRE [1832-55] , o poeta
das Inspirações do claustro [1855] e das Contradições poéticas [1855] , li­
vros onde palpita um sentimento fundo e sincero, nascido não da
imaginação ou de leituras, mas de sofrimentos reais. Junqueira
Freire era de constituição doentia e muito peculiar. Contou ele
próprio numas páginas autobiográficas como em certa ocasião de
desvario se entregou ao vício da cânfora: "O primeiro dos meus
prazeres era fumar um bom charuto depois de ter enchido a boca
de cânfora. Esta resina transparente costuma, como se sabe, dei­
xar um suave frescor no órgão do paladar. Eu então sentia um
gozo esquisito no tomar da fumaça, que parecia lutar, de quente
que é, com essa substância ainda na maior parte desconhecida
em seus efeitos. Eu gastava muitas horas em desvanecer-me
poeticamente nesse sainete agradável, que sempre nos produz
o gosto contrastado de fresco e ardente, de uma vez". Igual sen­
sação contrastada de fresco e ardente vamos encontrar na poesia

74 . 75
desse espírito atormentado e contraditório que procurou abrigo
no refúgio do claustro. Fez-se frade não por vocação, mas para
fortalecer-se contra aquele "pensamento gentil de paz eterna'',
o pensamento da morte: "Um mosteiro pareceu-me um ermo
verdadeiro. Ali eu podia retrair-me tanto, que ninguém soubesse
de minha existência. Eu acreditava que uma cela ocultava me­
lhor que o interior da campa''. O seu desengano foi cruel, desde
os p rimeiros dias de noviço, e assim no-lo descreve nos versos
"À profissão de frei João das Mercês Ramos":

Mas eu não tive os dias de ventura


Dos sonhos que sonhei:
Mas eu não tive o plácido sossego
Que tanto procurei.

Tive mais tarde a reação rebelde


Do sentimento interno.
Tive o tormento dos cruéis remorsos,
Que me parece eterno.

Tive as paixões que a solidão formava


Crescendo-me no peito.
Tive, em lugar das rosas que esperava,
Espinhos no meu leito.

Tive a calúnia tétrica vestida


Por mãos a Deus sagradas.
Tive a calúnia - que mais livre abrange
Ó Deus ! vossas moradas !
Iludimo-nos todos ! - Concebemos
Um paraíso eterno:
E quando nele sôfregos tocamos,
Achamos um inferno

O próprio estado monástico afigurou-se-lhe então instituição ab­


surda e anacrônica, "espécie de ócio, no qual ele [o monge] não
pode ser mais que mau e desgraçado".
Os seus versos mais fortes, onde outro atormentado poeta, o
português Antero de Quental, assinalou acentos geniais, são esses
em que o frade sem vocação nos fala de sua revolta, de seu arrepen­
dimento, do fogo de uma paixão infeliz não amortecido na cânfora
da vida claustral; nesses poemas angustiados que ele costumava
subtitular "Horas de delírio": "O monge", "Ao meu natalício'',
"Ela", "Desejo", "Morte", "Martírio", "Louco'', "Não posso".
Deixou Junqueira Freire alguns escritos em prosa que revelam
uma precoce capacidade crítica. Teve já naquela época a intuição do
verso livre. "Pelo lado da arte", escreveu no prólogo das Inspirações
do claustro, "meus versos, segundo me parece, aspiram a casar-se com
a prosa medida dos antigos." E mais abaixo pergunta: "Chegará um
dia a literatura a um tal grau, que distinga a prosa e a poesia tão­
somente pela nuance dos pensamentos? Nascerá um dia destas duas
expressões mais ou menos belas uma forma intermediária, que espo­
se tanto da singeleza da prosa, quanto do artifício da versificação?".
Após três anos de clausura, obteve o Poeta um breve de seculari­
zação e voltou ao século. Saía do mosteiro dos Beneditinos com uma
grave hipertrofia do coração, a que sucumbiu sete meses depois.
À segunda geração romântica pertence ainda FRANCISCO OTA­
VIANO de Almeida Rosa [1825-89] , o negociador, como enviado

76 . 77
extraordinário e ministro plenipotenciário no Prata, do tratado
da Tríplice Aliança do Brasil, Uruguai e Argentina contra o dita­
dor paraguaio Solano López. Escassa foi a produção poética de
Otaviano, mas distinta pela fluência e singeleza do verso, tanto
nos poemas originais como nas belas traduções de Ossian. De um
fato que não despertou atenção de ninguém se diz no Brasil que
"passou em branca nuvem". É metáfora tomada de uma graciosa
sextilha do Poeta - "Ilusões da vida".

Quem passou pela vida em branca nuvem


E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu:
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.

Contemporâneo também da segunda geração romântica, mas


vivendo até 1902, foi JOAQU I M DE S O U SA A N D RA D E , maranhense,
nascido em 1833, morto em 1902, autor de Harpas selvagens (1857] ,
Eólias (1874] e de um longo poema, O Guesa (s.d.] , não comple­
tado mas publicado sob o nome de JOAQUIM DE s o usÂN D RA D E ,
como passara a assinar-se o poeta. Sousândrade, cuja obra caíra
em total esquecimento mesmo antes de sua morte, foi redesco­
berto pelos concretistas Augusto e Haroldo de Campos, os quais
julgaram encontrar nele invenções que o colocam em posição
"precursora de importantes linhas de pesquisa da poesia atual".
Tais invenções, porém, frequentemente de duvidoso gosto aliás,
pouco ajudam a suportar o fluxo do mais enfadonho estilo dis­
cursivo romântico.
Na terceira geração romântica, ou seja, a dos poetas nasci­
dos por volta de 1840, atenuam-se, mas sem desaparecer de todo,
as influências de Byron e Musset. Victor Hugo será o ídolo desses
rapazes, cuja poesia se caracteriza pelo abuso das antíteses, pelo
arrojo das imagens, pelo tom empolado, o que levou Capistrano de
Abreu a chamá-los condoreiros, expressão logo adotada em nossa
história literária. Sílvio Romero classificou-os como Segunda Es­
cola Pernambucana, porque foi no Recife que surgiu, em torno de
Tobias Barreto e Castro Alves, em cerca de 65, um grupo de poetas
que obedeceram a uma intuição geral e tiveram mais ou menos
uma só feição literária. A verdade é que antes dele o condoreirismo,
vício nacional e até americano, já se revelara em manifestações
isoladas de Pedro Luís, José Bonifácio, o Moço, e do próprio Gon­
çalves de Magalhães na ode "Napoleão em Waterloo". Castro Alves
era ainda um menino, quando Fagundes Varela em 61 dedicava à
glória de Bonaparte estrofes como estas:

Nos vastos plainos do Egito,


Sobre Titãs de granito,
Eu tenho um poema escrito
Que deslumbra a solidão.
Das Í sis rasguei os véus,
Entre os altares fui Deus,
Fiz povos escravos meus,
- Ah ! inda sou Napoleão.

Desde onde o crescente brilha


Até onde o Sena trilha,
Tive o mundo por partilha,
Tive imensa adoração;

78 . 79
E de um trono de fulgores
Fiz dos grandes - servidores,
Fiz dos pequenos - senhores,
-E sempre fui Napoleão.

Mas essas notas são esporádicas na obra abundante de Luís Nicolau


FAGUNDES VARELA [1841-75], o qual, em linhas gerais, se nos apre­
senta como um retardatário da geração anterior, ainda influencia­
do fortemente por Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo e Casimiro
de Abreu. As melhores inspirações lhe derivam da sua natureza de
hipocondríaco, de inadaptado dentro da civilização das cidades,
o que o levava muitas vezes a buscar refúgio no seio das matas, a
levar uma vida andarilha de boêmio, munido da inseparável garra­
fa de cachaça. Frequentou as Faculdades de Direito de São Paulo
e Recife, não passando do quarto ano. "Não sirvo para doutor",
exclama o herói do seu poema roceiro "Mimosa", que não é outro
senão ele próprio. Em verdade não servia para trabalho de espécie
alguma salvo o da literatura, que em seu tempo ainda não era pro­
fissão remuneradora. Viveu sempre à custa do pai e, depois que
abandonou os estudos jurídicos, no lar paterno. Esse sonhador
impenitente, dominado pelo vício do álcool, negação absoluta do
chefe de família, casou-se duas vezes, da primeira aos vinte anos,
com uma pobre moça filha de um empresário de circo, da qual
teve um filho, falecido aos três meses de idade. A perda do menino
causou-lhe profundo abalo e inspirou-lhe o longo poema "Cântico
do Calvário", uma das mais belas e sentidas nênias da poesia em
língua portuguesa. Nela, pela força do sentimento sincero, o Poeta
atingiu aos vinte anos uma altura que, não igualada depois, perma­
neceu como um cimo isolado em toda a sua poesia. Figura no seu
livro Cantos e fantasias, publicado em 65 (antes editara três outros
- Noturnas [1861] , Vozes da América [1864] e Estandarte auriverde [1863],
este de fracas poesias patrióticas inspiradas num incidente diplo­
mático provocado no Brasil pelo ministro inglês William Christie).
Cantos efantasias [1865] é porventura o seu melhor livro, com os dez
poemas da "Juvenília'', ressumantes de fresca melodia, na evocação
da infância feliz na fazenda natal dos arredores da cidade flumi­
nense de São João Marcos. Depois dele ainda produziu Varela os
Cantos meridionais [1869], os Cantos do ermo e da cidade [1869] e dois
poemas mais longos - Anchieta ou o Evangelho nas selvas [1875] e o
Diário de Lázaro [1880] .
O Evangelho nas selvas, em dez cantos de versos brancos, é em
suma a narrativa da vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus. Soa
ela bastante falsa porque o Poeta a pôs na boca de José de Anchieta
falando aos selvagens do Brasil numa linguagem difícil que eles
jamais entenderiam. Ainda considerada em si, é uma diluição
enfática das palavras sóbrias e fortes dos Evangelhos. Bastará um
exemplo para justificar o nosso juízo: no episódio da última ceia
disse Jesus: "Na verdade, na verdade vos digo que um de vós me há
de trair'', o que no poema aparece amplificado assim:

Sentados junto a mim, tratais-me agora


Com respeitoso amor, vossas palavras
São da fidelidade a viva cópia...
E, contudo, um de vós há de trair-me !
E, contudo, um de vós, pérfido, ingrato,
Há de entregar-me aos bárbaros verdugos
Que meu sangue reclamam, como a herança
De seus perversos pais !

Nesse mesmo episódio nota um dos apóstolos que os discípu-

80 * 81
los presentes eram doze ainda, apesar de se ter retirado Judas
Iscariote .. O duodécimo era Sócrates, que então fala:
.

Senhor, em idos tempos,


Por vossa vinda suspirei debalde !
Entre rudes pagãos, fui o primeiro
Que a divina unidade expôs ao mundo,
Que do Deus uno e trino a glória viu!
Mártir da fé, baixei à sepultura
Sem receber as águas do Batismo ! . ..
Hoje, que dás a salvação e a vida
À humanidade escrava do pecado,
Quebrei da morte o fúnebre sigilo,
Vim o sangue beber, comer a carne,
A carne e o sangue do Cordeiro eterno !
Glória! Glória ao Senhor! abertas vejo
Do Paraíso as portas luminosas ! -

Ao que lhe responde o Cristo:

- Piedoso varão, exímio Sócrates,


Sábio como Moisés, íntegro e justo
Como o grande Abraão - Jesus exclama,
Voa ao seio de Deus ! Recebe o prêmio
De teu sublime, heroico sacrifício ! -

Esse enxerto na tradição dos evangelistas é o mais estranho, mas


o Poeta permitiu-se outros. A narrativa se desenvolve em vários
serões e os intervalos são preenchidos por algumas cenas da
vida missioneira - um ataque de índios inimigos, a morte de um
sacerdote, um vago romance da índia Naída, que definha e morre
tuberculosa na ausência do seu amado Jatir, partido na expedição
contra os franceses, etc. A cena da tentação forneceu o pretexto
para uma descrição, à maneira clássica, do globo terráqueo, com a
visão do Novo Mundo a ser descoberto, terra "virgem ainda, ainda
soberana, não pelos homens profanada":

Mundo esplêndido e forte, ao longe dorme,


Feliz, desconhecido dos tiranos,
E dos servos de Plutus, cobiçosos,
Entregue à eterna lei da Providência!

Salvam-se no poema algumas invocações em que o Poeta dá lar­


gas ao seu fluxo lírico, algumas belas paisagens a que o sentimen­
to da natureza, que era forte em Varela, empresta certo calor, os
episódios de caráter mais profano, como a dança de Salomé e o
processo perante Pilatos e Herodes, onde há realmente ação com
movimento dramático.
Interessará particularmente aos mexicanos saber que Vare­
la por três vezes foi o cantor da independência do México, nos
poemas "A sede", "Versos soltos" e "O general Juarez": no pri­
meiro celebra em 507 decassílabos brancos um episódio heroico
da revolução de 18rn; os outros dois são consagrados à imortal
figura de Juárez. Os "Versos soltos" foram escritos durante o rei­
nado de Maximiliano:

Juarez! Juarez! Quando as idades,


Fachos de luz que a tirania espancam,
Passarem desvendando sobre a terra
As verdades que a sombra escurecia;
Quando soar no firmamento esplêndido
O julgamento eterno;
Então banhado no prestígio santo
Das tradições que as epopeias criam,
Grande como um mistério do passado,
Será teu nome a mágica palavra
Que o mundo falará lembrando as glórias
Da raça Mexicana!

Teu nome está gravado nos desertos


Onde pés de mortal jamais pisaram !
Quando pudessem deslembrá-lo os homens,
As selvas despiriam-se de folhas,
Para arrojá-las do tufão nas asas
Às multidões ingratas !

Os pastores de Puebla e de Xalisco,


As morenas donzelas de Bergara,
Cantam teus feitos junto ao lar tranquilo
Nas noites perfumadas e risonhas
Da terra Americana. Os viajantes
Que os desertos percorrem, - pensativos
Param no cimo das erguidas serras,
Medem co'a vista o descampado imenso,
E murmuram fitando os horizontes
Vastos, perdidos num lençol de névoas:
Juarez ! Juarez ! em toda a parte
Teu espírito vaga! ...

Deixa que as turbas de terror escravas


Junto de falso trono se ajoelhem !
Os brindes e os folguedos continuam,
Mas a mão invisível do destino
Na sala do banquete austera escreve
O aresto irrevogável!

A profecia final cumpriu-se e o segundo poema saúda a volta do


campeão:

Juarez ! Juarez ! sempre teu nome


Da liberdade ao lado !

Tu a encaraste, Juarez, de perto !


No mais fundo das matas,
Onde a mãe natureza te mostrava
Um código mais puro
Do que os preceitos da infernal ciência
Cujas letras malditas
Queimam do pergaminho a lisa face,
Aprendeste o segredo
Que desde a hora prima do universo
As torrentes murmuram !

Em sua História da literatura brasileira, publicada em 1888, escre­


via Sílvio Romero a propósito de Álvares de Azevedo: "É um dos
poetas mais lidos e amados no Brasil; ele mais pelos estudantes
e Casimiro de Abreu mais pelas moças. Gonçalves Dias, Castro
Alves e Fagundes Varela vêm logo após na popularidade. Isto no
Brasil em geral; porquanto, no Norte em especial, nenhum é mais
lido e mais recitado do que Tobias Barreto, sendo para lembrar que
a notoriedade deste tende a aumentar em todo o país, ao passo
que a dos outros tem permanecido estacionária".
No presente os românticos brasileiros que continuam vivos no
amor do público, os que ainda são comercialmente reeditados são
os citados por Romero, com exclusão de Tobias Barreto. Em rela­
ção a este o vaticínio do crítico falhou completamente: ninguém
mais hoje lê, senão por dever de oficio, o poeta dos Dias e noites,
e o seu nome, se ficou para a posteridade, foi como introdutor
entre nós do germanismo, o renovador dos estudos jurídicos pela
concepção evolucionista darwiniana.
O único autêntico condor nesses Andes bombásticos da poesia
brasileira foi Castro Alves, criança verdadeiramente sublime, cuja
glória se revigora nos dias de hoje pela intenção social que pôs
na sua obra. Nasceu Antônio de CASTRO ALVES (1847-71] na fazen­
da Cabaceiras, a sete léguas da vila de Curralinho, hoje cidade de
Castro Alves. Passou a infância no sertão natal, e em 54 iniciou os
estudos na capital baiana. Aos dezesseis anos foi mandado para
o Recife a estudar Direito e ali os seus talentos de poeta e orador,
a sua ardente simpatia pela causa abolicionista criaram-lhe desde
logo uma auréola de genialidade. Mas quase a meio do curso, em
67, apaixonado pela atriz portuguesa Eugênia Câmara, parte com
ela para a Bahia, onde faz representar um mau drama em prosa -

Gonzaga ou a revolução de Minas [1875] . Era sua intenção concluir o


bacharelato em São Paulo, aonde chegou no ano seguinte. A sua
passagem pelo Rio assinalou-se pelos mesmos triunfos já alcan­
çados em Pernambuco. Conta Afrânio Peixoto que o Poeta, para
distrair as mágoas amorosas que lhe dava a atriz inconstante,
cultivava assiduamente o esporte da caça. Em fins de 68 teve a
infelicidade de ferir o pé com um tiro casual, do que resultou
longa enfermidade em que teve de se submeter a várias interven­
ções cirúrgicas e finalmente à amputação. O depauperamento das
forças conduziu-o à tuberculose pulmonar. Sem poder terminar
o curso, regressa o Poeta, doente e mutilado, à província natal em
70, a procurar melhoras para a saúde no clima do sertão. Mas a
tuberculose progrediu sempre e no ano seguinte faleceu Castro
Alves na cidade da Bahia.
Publicara em 70 o livro Espumas flutuantes, cantos por ele defi­
nidos como rebentando por vezes "ao estalar fatídico do látego da
desgraça", refletindo por vezes "o prisma fantástico da ventura ou
do entusiasmo". Vulgarmente melodramático na desgraça, simples
e gracioso na ventura, o que constituía o genuíno clima poético
de Castro Alves era o entusiasmo da mocidade apaixonada pelas
grandes causas da liberdade e da justiça - as lutas da indepen­
dência na Bahia, a insurreição dos negros de Palmares, o papel
civilizador da imprensa, que ele pinta como uma deusa incruenta,
surgindo das brumas da Alemanha, surgindo "alva, grande, ideal,
banhada em luz estranha'', e acima de todas a campanha con-

86 * 87
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tra a escravidão. Mas este último tema não figurava nas Espumas
flutuantes. As composições em que o tratava deveriam formar o
poema Os escravos [1883] , o qual teria como remate A cachoeira de
Paulo Afonso [1876] , que foi publicada postumamente. E o Poeta
deixou ainda outras poesias avulsas que era sua intenção reunir
em outro livro intitulado Hinos do Equador [1921].
A cachoeira de Paulo Afonso conta a história da escrava Maria,
violentada pelo filho do senhor, o qual escapa à vingança do
escravo Lucas, noivo da moça, graças à revelação, que faz a mãe
deste, de ser ele seu irmão; o desfecho é o suicídio do casal negro,
que se precipita num barco à voragem da cachoeira. Serve de
fundo ao drama a paisagem sertaneja evocada em várias partes
do poema ("A tarde", "A queimada", "Crepúsculo sertanejo",
"O rio São Francisco") com raro vigor de sugestão poética, em
que não faltam as notas de vivo realismo pitoresco. Segundo
Afrânio Peixoto, autor da edição mais completa do Poeta, ao
livro dos Escravos pertenceriam "Vozes d'Á frica" e "O navio ne­
greiro", os dois poemas em que o Poeta atingiu a maior altura
do seu estro.
As "Vozes d'Á frica" são uma soberba apóstrofe do continente
escravizado a implorar justiça de Deus:

Deus ! ó Deus ! onde estás que não respondes?


Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde desde então corre o infinito ...
Onde estás, Senhor Deus? ...

8 8 * 89
O que indignava o Poeta era ver que o Novo Mundo, "talhado para
as grandezas, p'ra crescer, criar, subir", a América que conquistara
a liberdade com formidável heroísmo, se manchava no mesmo
crime da Europa:

Hoje em meu sangue a América se nutre


- Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais ... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outr'ora,
Venderam seu irmão.

No "Navio negreiro" evoca o Poeta os sofrimentos dos negros na


travessia da Á frica para o Brasil. Sabe-se que os infelizes vinham
amontoados no porão e só subiam ao convés uma vez ao dia para
o exercício higiênico, a dança forçada sob o chicote dos capatazes.
É aqui o clímax do poema:

Era um sonho dantesco ... O tombadilho


Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros . . . estalar do açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar ...

Negras mulheres, suspendendo às tetas


Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças ... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente ...


E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...

O poema conclui com três oitavas reais, num misto de revolta e


tristeza ao assinalar que a bandeira emprestada "para cobrir tanta
infâmia e covardia" era o pendão brasileiro:

Auriverde pendão da minha terra,


Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que à luz do sol encerra,
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem-roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha! ...

E depois o brado final:

... Mas é infâmia de mais ... Da etérea plaga


Levantai-vos, heróis do Novo Mundo ...
Andrada! arranca esse pendão dos ares !
Colombo ! fecha a porta dos teus mares !

Em Castro Alves cumpre distinguir o lírico amoroso, que se expri­


mia quase sempre sem ênfase e às vezes com exemplar simplicidade,
como no formoso quadro de "Adormecida", do épico social desme-

90 * 91
dindo-se em violentas antíteses, em retumbantes onomatopeias.
A este último aspecto, há que levar em conta a intenção pragmática
dos seus cantos, feitos para ser declamados na praça pública, em
teatros ou grandes salas, verdadeiros discursos de poeta-tribuno.
E há que reconhecer nele, mau grado os excessos e o mau gos­
to, a maior força verbal e a inspiração mais generosa de toda a
poesia brasileira.
Castro Alves foi a última grande voz da poesia romântica. So­
brevivem-lhe Machado de Assis e Luiz Delfino, nascidos antes dele
e influenciados posteriormente pelos parnasianos o primeiro, por
parnasianos e simbolistas o segundo.
A posição cronológica de Joaquim Maria MACHADO DE ASSIS
[1839-1908] , contemporâneo ainda da segunda geração românti­
ca, ao influxo da qual se formou, mas desenvolvendo-se segun­
do uma linha muito pessoal através das gerações seguintes, torna-o
uma personalidade singular em nossas letras. O pai era um mestiço
de negro, pintor de paredes; a mãe, ilhoa portuguesa. Cedo ficou
órfào e teve de lutar pela vida. Foi um autodidata. De natureza
tímida e reservada, mas dotado de tenacidade excepcional, subiu
de simples aprendiz de tipógrafo a jornalista e alto funcionário de
secretaria. Sua vida não teve maiores incidentes que os ataques alar­
mantes da terrível doença a que era sujeito, a epilepsia. Casado com
uma senhora portuguesa, irmã do poeta Faustino Xavier de Novais,
a Carolina, cuja morte chorou num dos mais puros sonetos de
nossa língua, viveu a partir de 83 no seu retiro das Águas Férreas.
A sua obra pode ser dividida em duas fases - antes e depois de
79. A primeira é toda de inspiração romântica, e na parte poética
compreende os livros Crisálidas [1864] , Falenas [1870] e Americanas
[1875] . Os versos de Crisálidas e Falenas não têm a ingenuidade nem
o calor dos românticos já estudados. Neles não nos fala o Poeta do
que constitui o seu drama íntimo, a condição humilde e a ambição
de fugir a ela, drama que estudará nos romances Helena [1876] , A
mão e a luva [1874] e Iaiá Garcia [1878], disfarçando o seu caso pes­
soal pela transferência a personagens femininas. Na poesia encon­
tramos apenas as confidências de seus primeiros amores, algumas
notas de liberalismo político, os germes do pessimismo que só
adquirirão verdadeira força na produção da segunda fase. Citemos
das Crisálidas, que são de 63, o "Epitáfio do México", como mais
um testemunho, entre outros muitos que houve, da repercussão e
simpatia suscitadas no Brasil pelas vicissitudes da independência
mexicana:

Dobra o joelho: - é um túmulo.


Embaixo amortalhado
Jaz o cadáver tépido
De um povo aniquilado;
A prece melancólica
Reza-lhe em torno à cruz.

Ante o universo atônito


Abriu-se a estranha liça,
Travou-se a luta férvida
Da força e da justiça;
Contra a justiça, ó século,
Venceu a espada e o obus.

Venceu a força indômita;


Mas a infeliz vencida

92 * 93
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PHALENAS
A mágoa, a dor, o ódio,
Na face envilecida
Cuspiu-lhe. E a eterna mácula
Seus louros murchará.

E quando a voz fatídica


Da santa liberdade
Vier em dias prósperos
Clamar à humanidade,
Então revivo o México
Da campa surgirá.

As produções dos dois primeiros livros denotam certa elegância


nova no cuidado da forma, tanto na linguagem como na metrifi­
cação e nas rimas. Esse apuro torna-se mais acentuado nas Ame­
ricanas, tentativa de revivescência do indianismo, a que devemos
o belo poema " Ú ltima jornada", onde se sente o leitor assíduo
do Dante.
Em 79 e 80 aparece na Revista Brasileira a maioria dos poemas das
Ocidentais [1900] . Poemas cuja perfeição formal não será excedida
pelos parnasianos, e cujo pensamento resume a filosofia amarga e
desabusada dos romances e contos da segunda fase, os quais o sa­
graram a principal figura da nossa ficção. Assim, em "Uma criatura"
define o Poeta o gênio da destruição, o que "está em toda a obra:
cresta o seio de flor e corrompe-lhe o fruto; e é nesse destruir que
as suas forças dobra". Quando pensamos que vai nomear a Morte, diz
no último verso que é a Vida. A vida e mais a flor da juventude, a
glória, o amor, simboliza-os em outro poema numa mosca azul que
um pobre pária capta e leva para casa a fim de examiná-la e explicar

94 * 95
o mistério de uma visão de pompa e felicidade que lhe pareceu ver
entre as asas do inseto. Examinou-a miudamente, "como um ho­
mem que quisesse dissecar a sua ilusão":

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,


Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.
PA RNAS I A N O S

LUIZ DELFINO dos Santos [1834-1910] era médico e não cultivou a


literatura como carreira. A sua produção, abundantíssima, ficou
esparsa em revistas e jornais e só postumamente foi publicada em
livros, que montam a treze volumes.
Delfino podia espraiar-se longamente em raptos condorei­
ros, mas sabia limitar-se num soneto, e foi no soneto que achou
a forma mais adequada à sua especial sensibilidade. Nele funde
as três estéticas - a romântica, a parnasiana e a simbolista. Ro­
mântico ficou ele sempre no fundo. Mas a disciplina do Parnaso
aparou-lhe as asas, às vezes desordenadamente tatalantes, e o sim­
bolismo comunicou-lhe aquele vago encantatório, salvando-o do
estreito materialismo formal. Escultural, sim, mas uma ou outra
vez quebrava sem cerimônia o nariz da sua Galateia. Sensual,
também, tremendamente sensual, mas de um sensualismo que
se complicava de requintes espirituais. Casava os apuros de forma
com audaciosos prosaísmos, de tudo resultando uma poesia bem
marcada, bem pessoal, deliciosamente estranha.
A reação contra o romantismo remonta entre nós aos últimos
anos da década de 60. A chamada "escola coimbrã", a publicação
em Portugal da Visão dos tempos [1864] e das Tempestades sonoras
[1864] , de Teófilo Braga [1843-1924], e das Odes modernas [1865], de
Antero de Quental [1842-91] , tiveram no Brasil o seu eco em poe­
mas onde era manifesta a intenção de fugir às sentimentalidades
do lirismo puramente amoroso. A partir de 70 a reação procura
organizar-se doutrinariamente na poesia científica ou filosófica
de Sílvio Romero, Martins Júnior e outros. Logo depois, ao lado
dessa corrente, surgida ao Norte, em Pernambuco, aparecia no Sul,
em São Paulo e no Rio, outra que se pretendia sobretudo realista.
Em 78 se trava pelas colunas do Diário do Rio de janeiro a "batalha
do Parnaso". Não se entenda aqui "Parnaso" como sinônimo de
parnasianismo. A batalha chamou-se do Parnaso porque os golpes
se desfechavam em versos, quase sempre incorretos, na gramática
e na metrificação, segundo os cânones parnasianos posteriores.
Artur de Oliveira, curioso tipo de boêmio, que quase nada produ­
ziu, mas tendo residido algum tempo em Paris, exerceu de volta
enorme fascinação sobre o meio literário brasileiro, para o qual
foi sem dúvida o revelador da corrente parnasiana já dominante
em França. Teófilo Dias, Artur Azevedo, Fontoura Xavier, Valen­
tim Magalhães e Alberto de Oliveira tomaram parte na "batalha
do Parnaso". O último, já na velhice, confessou as influências da
escola coimbrã, a que nos referimos atrás, a par do naturalismo e
das Miniaturas [1871] de Gonçalves Crespo.
o nome e a obra de Antônio José GONÇALVES CRESPO [1846-83]

são reivindicados por portugueses e brasileiros; "Chamam-lhe uns


ateniense, outros brasileiro", escreveu Camilo Castelo Branco: "eu
quero que seja português, porque levo o amor de minha terra até
o latrocínio"; ao que contrapõe Afrânio Peixoto: "Não somos tão
ricos em grandes poetas que não devamos reivindicar a Gonçal­
ves Crespo. Que uns o considerem português, outros ateniense,
honra é para ele e para nós. Além dos seus versos brasileiros -
"A bordo", "A sesta", "Alguém" (a mãe do Poeta, que era brasileira),
"Na roça'', "Canção", "Ao meio-dia", "A negra'', "As velhas-negras"
- Gonçalves Crespo tem belos poemas, de correção e gosto parna-
siano ... ". O Poeta, que era homem de cor, partiu para Portugal com
quatorze anos de idade e nunca mais tornou ao Brasil. De fato
pertence à vida literária portuguesa, mas os seus livros Miniaturas,
-

que é de 71, e Noturnos, de 82, exerceram grande prestígio sobre os


introdutores do parnasianismo no Brasil.
Escrevendo sobre a nova geração em 79, declarava Machado de
Assis não discernir uma feição assaz característica e definitiva no
movimento poético, embora reconhecesse "uma inclinação nova
nos espíritos, um sentimento diverso do dos primeiros e segundos
românticos". Uma crença comum a todos esses novos: o romantis­
mo era coisa morta. Como disse Machado de Assis, "esta geração
não se quer dar ao trabalho de prolongar o ocaso de um dia que
verdadeiramente acabou". E o mestre dava-lhes razão: "Eles abri­
ram os olhos ao som de um lirismo pessoal, que, salvas as exceções,
era a mais enervadora música possível, a mais trivial e chocha. A
poesia subjetiva chegara efetivamente aos derradeiros limites da
convenção, descera ao brinco pueril, a uma enfiada de coisas piegas
e vulgares". Seu atilado senso crítico soube, no entanto, distinguir
o "cheiro a puro leite romântico" que havia ainda nos poetas que
por volta de 79 combatiam a grande moribunda.
O termo "parnasiano" não aparecia no ensaio de Machado de
Assis: não aparece nem nos prefácios nem nas críticas senão pelos
meados da década de 80. Falava-se sempre era em "realismo", "Ideia
Nova". A estética parnasiana cristalizou-se entre nós depois da pu­
blicação das Fanfarras [1882], de Teófilo Dias, livro em que o movi­
mento antirromântico começa a se definir no espírito e na forma dos
parnasianos franceses, já esboçados em alguns sonetos de Carvalho
Júnior, falecido prematuramente em 79, e nas Canções românticas [78]
de Alberto de Oliveira. Já se apresenta sem mescla nos livros poste-
riores do último Meridionais [84], Sonetos e poemas [85] , nas Sinfonias
- -

[83] e Versos e versões [87], de Raimundo Correia. Finalmente em 88 as


Poesias de O lavo Bilac assinalam o fastígio da nova escola.
Como caracterizar a poesia dos nossos parnasianos? Será fácil
discerni-la nos poemas escritos em alexandrinos. Mas nos metros
tradicionais na língua portuguesa, e sobretudo nos decassílabos, o
que separa um parnasiano de um romântico aproxima-o dos clássi­
cos. Quanto ao fundo mesmo, a diferença dos parnasianos em rela­
ção aos românticos está na ausência não do sentimentalismo, que
sentimentalismo, entendido como afetação do sentimento, também
existiu nos parnasianos, mas de uma certa meiguice dengosa e cho­
rona, bem brasileira aliás, e tão indiscretamente sensível no lirismo
amoroso dos românticos. Esse tom desapareceu completamente
nos parnasianos, cedendo lugar a uma concepção mais realista das
relações entre os dois sexos. O lirismo amoroso dos parnasianos foi
de resto condicionado pelas transformações sociais. Com a extin­
ção da escravidão, acabou-se também em breve o tipo da "sinhá",
que era a musa inspiradora do lirismo romântico, e a moça bra­
sileira foi perdendo rapidamente as características adquiridas em
três séculos e meio de civilização patriarcal. Nas imagens também
os parnasianos se impuseram uma rígida disciplina de sobriedade,
de contiguidade. Repugnava-lhes a aproximação de termos muito
distantes, assim como toda expressão de sentido vago, elementos
que encontramos na poesia de Luiz Delfina e B. Lopes, os quais,
a despeito de sua métrica parnasiana, escandalizavam bastante o
gosto um pouco estreito de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia,
Olavo Bilac e seus discípulos e epígonos. O hermetismo de um
Mallarmé era de todo impenetrável e inaceitável para eles. Dou­
trinaram e praticaram os parnasianos o ideal de clareza sintática,
de conformismo às gramáticas portuguesas. A sua métrica, jamais

100 * 101
T ::H: . D IAS

Editor
DO LI VAES NUNES
18, I.:iu a d o I rn p erador, 18

S. P.rl UL O

1882
infiel à sinalefa (nunca disseram "a água'', "o ar", contando o artigo
como sílaba métrica a exemplo de Camões, que desse hiato tirou
muitas vezes grandes efeitos) e praticando quase sistematicamente
a sinérese, ganhou em firmeza, perdendo em fluidez. Foi esse pro­
cesso que deu à poesia parnasiana aquele caráter escultural. Nesse
ponto pode-se dizer que Raimundo Correia e Vicente de Carvalho
foram mais artistas do que Alberto de Oliveira e Bilac. A métrica da­
queles, com ser igualmente precisa, é muito mais rica e sutil, muito
mais musical do que a destes. Usaram ambos do hiato interior com
fino gosto. Não se deve, porém, fazer carga aos mestres parnasianos
de certos defeitos que apareceram mais tarde nos discípulos e acar­
retaram o descrédito da escola, em especial a rima rara. Os nossos
subparnasianos quiseram imitar a riqueza de rimas dos mestres
franceses. Mas não havendo entre nós a tradição da rima com
consoante de apoio (Goulart de Andrade tentou introduzi-la já no
crepúsculo do parnasianismo), lançaram mão da rima rara. A rima
rica francesa não implica o sacrifício da simplicidade vocabular:
ela se pode obter com as palavras de uso comum. A rima rara por­
tuguesa é quase sempre um desastre: não há uma poesia sequer de
Emílio de Meneses que não esteja irremediavelmente prejudicada
por esse rico ornato de péssimo gosto.
Da primeira geração parnasiana cumpre destacar os quatro
grandes nomes de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia, Olavo
Bilac e Vicente de Carvalho.
Antônio Mariano ALBERTO DE OLIVEIRA [1857-1937], fluminense,
formou-se em Farmácia e cursou Medicina até o terceiro ano. Exerceu
vários cargos públicos, sobretudo de professor de Português, Litera­
tura e História. A sua obra poética compreende: Canções românticas
[1878] , Meridionais [1884] , Sonetos e poemas [1885], Versos e rimas [1895] ;

102 . 1 03
Poesias, primeira série [1900] , que abrange os livros citados, expur­
gado o primeiro de muitos poemas, e mais Por amor de uma lágrima;
Poesias, segunda série [1905] , compostas de Livro de Ema, Alma livre,
Terra natal, Alma em flor, Flores da serra e Versos de saudade; Poesias, ter­
ceira série [1913] , que encerram Sol de verão, Céu noturno, Alma das coisas,
Sala de baile, Rimas várias, No seio do cosmos e Natália; Poesias, quarta
série [1927] , que contêm Ode cívica, Alma e céu, Cheiro deflor, Ruínas
que falam, Câmara ardente e Ramo de árvore. Depois de sua morte foi
editado pela Academia Brasileira o volume Póstuma [1944] .
Alberto de Oliveira foi dos mestres parnasianos o que mais se
deixou prender aos rigores da escola, o que mais se distingue pelo
conceito escultural da forma, muitas vezes prejudicado pelo abuso
da inversão e do enjambement. É que o parnasianismo do Poeta se
complicou do amaneiramento dos gongóricos e árcades portu­
gueses dos séculos xvn e xvm, em que era muito versado. Leia-se,
como exemplo, o soneto "Taça de coral", aliás admirável:

Lícias, pastor - enquanto o sol recebe,


Mugindo, o manso armento e ao largo espraia,
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
- Sede também, sede maior, desmaia.

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia


A sede d'água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

Bebe, e a golpe e mais golpe: - "Quer ventura


(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!
Outra que mais me aflige e me tortura,
E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata."

Com o passar dos anos, e talvez por efeito das críticas dos seus me­
lhores admiradores e amigos, como José Veríssimo, se foi o Poeta
despojando desses artifícios até atingir à beleza simples de Alma
emflor, onde o brilho descritivo se une à emoção do amor estudado
num coração de adolescente.
A natureza brasileira foi a fonte mais frequente de sua ins­
piração. As suas descrições são sempre brilhantes, e às vezes
numa linha, num som, num perfume sabe evocar a totalidade
do ambiente:

Loureja o ipê com as áureas flores


Late nos grotões fundos, indo ao faro
Da caça, ao buzinar dos caçadores,
Da fazenda a matilha,

E no ar que sopra dos capões escuros,


Sente-se, de mistura a essências finas
E ao cheiro das resinas,
Um sabor acre de cajás maduros.

De ordinário, porém, fica nas exterioridades, e a nota mais comum


é a da exaltação eloquente. Teve razão José Veríssimo ao assina­
lar que falta a esse aspecto da poesia de Alberto de Oliveira a be­
leza superior de uma interpretação artística da nossa natureza:
"O poeta descreve e canta admiravelmente os aspectos da sua terra

1 04 * 1 05
AL.88RTO DE. OLIVEIRA

J1dl'iXXJI
natal, os seus acidentes, a sua natureza, mas a alma mesma das
coisas escapa-lhe ainda e o seu sentimento da natureza brasilei­
ra, manifestamente intencional, se não intensificou e generalizou
perfeitamente até o panteísmo".
De fato parecem errados os que falaram no panteísmo de Al­
berto de Oliveira. Não era Deus que ele sentia na natureza, mas a
ressonância de seus desejos de homem:

Acordo à noite assustado.


Ouço lá fora um lamento ...
Quem geme tão tarde? O vento?
Não. É um canto prolongado,
- Hino imenso a envolver toda a montanha;
São em música estranha,
Jamais ouvida,
As árvores ao luar que nasce e as beija,
Em surdina cantando,
Como um bando
De vozes numa igreja:
Margarida! Margarida!

É a natureza humanizada com a própria alma do Poeta. A sua


aspiração era "ser palmeira depois de homem ter sido", para gritar,
esfolhando-se ao vento nos temporais, que a ama

E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves,


Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de ti !

1 0 6 * 1 07
RAI M U N D O da Mota Azevedo CO RREIA [1859-19n] nasceu a bor­
do de um navio em águas do Maranhão. Formou-se em D irei­
to pela Faculdade de São Paulo, onde com Augusto de Lima e
outros dirigiu a Revista de Ciências e Letras, que se destacou pela
sua ação contra a degeneração romântica. Magistrado, interrom­
peu a carreira para servir como secretário de legação em Lisboa.
Abandonando a diplomacia, exerceu o magistério e finalmente
tornou à magistratura. Faleceu na Europa, aonde fora em busca
de melhoras para a saúde. Exclusivamente poeta, a sua produção
foi parca e compreende os livros Primeiros sonhos [1879] , Sinfonias
[1883] , Versos e versões [1887] e Aleluias [1891] . Em 98 publicou em
Lisboa Poesias, seleção dos livros anteriores, com o repúdio do
primeiro e alguns poemas novos.
Dos Primeiros sonhos disse Machado de Assis, prefaciando as
Sinfonias, que havia neles "o cheiro romântico da decadência, e
um certo aspecto flácido". As Sinfonias são ainda um livro impuro:
a impureza reside nos vestígios daquela flacidez de que nos fala
Machado de Assis e na sua parte militante, republicana e revo­
lucionária. Sim, porque esse poeta que com o tempo se alhearia
de todo da luta social numa atitude de introvertido, analista das
misérias do coração, falava em moço no "estrondo da Comuna",
na aclamação "do Império Universal", atacava o Rei e a Igreja. Das
oitenta poesias que formam o volume, dezesseis são traduções de
Victor Hugo, Théophile Gautier, François Coppée, Zorilla e outros
menores. Os dois sonetos "As pombas" e "Mal secreto", que lhe de­
ram imediata fama, só lhe pertencem na forma, com que de certo
modo recriou em beleza imperecível os originais. A ideia do pri­
meiro tomou-a de umas linhas de Gautier em Mademoiselle Maupin:
"Mon âme est comme un colombier tout plein de colombes. À toute heure
du jour il s'envole quelque désir. Les colombes reviennent au colombier,
mais les désirs ne reviennent point au cceur''.' O segundo desenvolve a
estrofe de Metastásio:

Si a ciascun /'intimo ajfano


Si legesse in fronte scrito,
Quanti mai che invidia fanno
Ci farebbero pietà!
Si vedria che i lar nemici
Hanno in seno, e se riduce
Nel parere a nol foliei
Ogni lar felicità! 2

Mas já havia no livro os toques magistrais com que ele soube tra­
duzir melhor que ninguém no Brasil a suave melancolia da paisa­
gem a certas horas:

Um mundo de vapores no ar flutua...


Como uma informe nódoa, avulta e cresce
A sombra à proporção que a luz recua...

A natureza apática esmaece ...


Pouco a pouco entre as árvores, a lua
Surge trêmula, trêmula... Anoitece.

1 Tradução: "Minha alma é como um pombal repleto de pombos. A toda


hora do dia algum desejo revoa. Os pombos retornam ao pombal, mas os
desejos não retornam ao coração". [N.E.]
2 Tradução livre: "Se a ânsia íntima de cada um/ se lesse escrita na fronte/
Quantos que causam inveja/ nos causariam piedade !/ Ver-se-ia que trazem
no peito/ seus inimigos, reduzindo-se/ toda sua felicidade/ ao parecer a nós
felizes". [N.E.]

108 * 109
O tom reflexivo, concentrado e grave, que o vai distinguir entre
os seus companheiros de Parnaso, derivava do seu feitio de nas­
cença, melancólico e tímido. Machado de Assis, que o conheceu
em 82, pinta-o assim: "Figura pensativa, que sorri às vezes, ou faz
crer que sorri, e não sei se ri nunca". A saúde precária tornou-o
num quase valetudinário, de pessimista experiência, todo volta­
do para dentro de si, para aquele "pélago invisível" da alma, a
cuja borda se debruçava aflito, e onde a única doce voz era a da
saudade - "sereia misteriosa, que em suas praias infinitas canta".
As acusações de plágio que lhe fizeram a propósito dos sonetos
apontados atrás foram talvez o principal motivo do seu afasta­
mento das rodas literárias: fechou-se em si mesmo, numa misan­
tropia que o levava a ver nas palavras da turba que rodeia o ]ó a
mentira de uma falsa piedade. São as estâncias mais amargas e
comovidas que compôs, essas em que depois de descrever com
um realismo digno do Baudelaire de "La Charogne" , a podridão
do leproso, exclama:

]ó agoniza!
Embora: isso não é o que horroriza mais.
- O que mais horroriza
São a falsa piedade, os fementidos ais;

São os consolos fúteis


Da turba que o rodeia, e as palavras fingidas,
Mais baixas, mais inúteis
Do que a língua dos cães lambendo-lhe as feridas:

Da turba que se, odienta,


Com a pata brutal do seu orgulho vão
Não nos magoa, inventa,
Para nos magoar, a sua compaixão !

Cabe neste livrinho escrito especialmente para os mexicanos adver­


tir nas afinidades de sentimento e expressão que tem o nosso poeta
com Manuel]osé Othón: a atitude em face da natureza é a mesma, a
estrutura do soneto é idêntica, a adjetivação parece obedecer a igual
critério de escolha. Note-se até a predileção pela palavra "imenso"
e seus derivados, comum aos dois: nos sonetos do "Idilio Selvaje" o
mexicano emprega-o repetidamente ( .. . el paisaje árido y triste, inmen­
samente triste... inmenso llanto... inmensidad abajo, inmensidade arriba...
como um airón flotando inmensamente... ) ; em Raimundo Correia:

Montanhas ... E até onde o olhar atinge,


À imensidade esplêndida que o cinge,
Vê ligarem-se mais imensidades ...
(Soneto "Fascinação")

Vai co'a sombra crescendo o vulto enorme


Do baobá.. . E cresce n'alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente ...
(Soneto "Banzo")

Parece-me que não erraria quem dissesse que Raimundo Correia


é o Othón brasileiro.
OLAVO Brás Martins dos Guimarães BILAC [1865-1918] , natural
do Rio de Janeiro, cursou a Faculdade de Medicina até o quinto ano,
quando partiu para São Paulo, onde iniciou os estudos de Direito,
que também interrompeu. De volta ao Rio, dedicou-se inteiramen-

1 1 0 <· I l i
te às letras, colaborando assiduamente na imprensa. Consagrou os
últimos anos de vida à propaganda do serviço militar obrigatório,
realizando uma série de conferências em várias capitais do país.
Ao contrário dos seus gloriosos companheiros, que tatearam com
indecisões a cidadela da Forma, Bilac, ao estrear com o seu volume
de Poesias [1888] , aos 23 anos, se apresentava no maior rigor da nova
escola, e no entanto com uma fluência na linguagem e na métrica,
uma sensualidade à flor da pele que o tornavam muito mais aces­
sível ao grande público. O livro dividia-se em três partes Panóplias,
-

Via-Láctea e Sarças de fogo, precedidas de uma "Profissão de fé", que


sustenta galhardamente o cotejo com a de Gautier nas estrofes de
"L'arf', nas quais foi evidentemente inspirada.
Para o francês

l'reuvre sort plus belle


D'une forme au travai!
Rebelle,
Vers, marbre, onyx, émail.

Mas acrescentava

Lutte avec le carrare,


Avec le paros dur
Et rare,
Gardiens du contour pur; 3

3 Tradução: "a obra sai mais bela/ De uma forma ao trabalho/ Rebelde,/
Versos, mármore, ônix, esmalte."; "Luta com o carrara,/ Com o paros duro/
E raro,/ Guardiães do contorno puro". [N.E.]
A Bilac, mais que o trabalho do estatuário o seduzia o do ourives:

Invejo o ourives quando escrevo:


Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto-relevo
Faz de uma flor.

Imito-o. E, pois, nem de Carrara


A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.

As Panóplias, desde o nome, são tipicamente parnasianas, mesmo


no retardado indianismo da "Morte de Tapir" e do soneto a Gon­
çalves Dias. Afora o soneto em homenagem à rainha d. Amélia
de Portugal, acrescentado posteriormente, e as estrofes "A um
grande homem", versam temas da antiguidade romana - "A sesta
de Nero", "O incêndio de Roma", "O sonho de Marco Antônio",
"Messalina" e "Delenda Cartago ! " - e um da grega a propósito da
Ilíada, tudo traindo a influência de Leconte de Lisle, como mais
tarde os sonetos das Virgens acusarão a de Heredia.
Já a Via-Láctea revela outra fonte de lirismo mais próximo e
aparentado ao nosso: a dos grandes mestres portugueses, na ve­
lha tradição subjetiva que vem desde os poetas dos cancioneiros.
Aqui o Poeta esqueceu o fútil ideal de artífice programado na
"Profissão de fé", e a salvo dos prejuízos de escola exprimiu com
simplicidade as alegrias e os alvoroços de uma paixão purificado-
ra. Havia realmente nesses 35 sonetos um sabor novo em nossa
poesia e muito pessoal.

1 1 2 . 1 13
O Principe dos Poetas
As sensibilidades mais vulgares encontravam melhor satisfação
na maioria dos poemas da terceira parte, eloquentemente sensuais,
em especial no "triunfo imortal da Carne e da Beleza", do "Julga­
mento de Frineia" ou no delírio erótico do "Beijo eterno". Mas
ainda em meio dessas sarças de fogo aparecia uma ou outra flor de
mais fina poesia, como o soneto "Nel mezzo del camin ... ", digno
de figurar entre os mais perfeitos da nossa língua.
O sucesso do livro foi imediato. Mas só em 1902 dá o Poeta
uma segunda edição da obra, aumentada de novas partes: Alma
inquieta, As viagens e O caçador de esmeraldas. Não se ultrapassou
nelas. O esforço mais considerável estava no último poema, epi­
sódio da epopeia sertanista do século xvn, que tem como herói a
figura de Fernão Dias Pais Leme. Distribui-se em quatro cantos,
num total de 46 sextilhas em alexandrinos. Descreve Bilac o sertão
pátrio "no virginal pudor das primitivas eras", a chegada dos con­
quistadores portugueses, o heroico afã dos bandeirantes lançados
ao descobrimento do ouro, o sonho das gemas verdes que consu­
miu em sete anos de marcha pelas selvas a vida de Fernão Dias.
Sabe-se que o paulista morreu nas margens do Guaicuí: trazia
consigo um saco de pedras que julgava esmeraldas e não passavam
de turmalinas. O trecho mais inspirado do poema é o do delírio do
sertanista: a febre fá-lo ver a tudo em torno da cor da esmeralda:

Verdes, os astros no alto abrem-se em verdes chamas:


Verdes, na verde mata, embalançam-se as ramas;
E flores verdes no ar brandamente se movem;
Chispam verdes fuzis riscando o céu sombrio;
Em esmeraldas flui a água verde do rio,
E do céu, todo verde, as esmeraldas chovem...

1 14 * 1 15
Mas uma voz lhe fala no delírio, consolando-o do desastre com a
evocação das futuras cidades que nasceriam no rastro das picadas
abertas pela sua bandeira:

E um dia, povoada a terra em que te deitas,


Quando, aos beijos do sol, sobrarem as colheitas,
Quando, aos beijos do amor, crescerem as famílias,

Tu cantarás na voz dos sinos, nas charruas,


No esto da multidão, no tumultuar das ruas,
No clamor do trabalho e nos hinos da paz!
E, subjugando o olvido, através das idades,
Violador de sertões, plantador de cidades,
Dentro do coração da Pátria viverás !

O calor da obra resulta mais da abundância e ênfase das palavras,


que não das fontes profundas do sentimento, da vocação épica,
inexistente em Bilac. Como quer que fosse, o poema é belo e apon­
tava à epopeia uma direção mais nacionalmente verdadeira que
a do indianismo.
Faleceu o Poeta quando se imprimia o seu último livro, Tarde,
uma coleção de sonetos tão diversos dos da Via-Láctea quanto um
triste crepúsculo o é de uma manhã de sol. A idade dos amores
tinha passado; agora chegava a da reflexão:

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;


A árvore maternal levanta o fruto,
A hóstia da ideia em perfeição ... Pensar!
É a hora dos remorsos, das saudades, mas também da resignação
e do apaziguamento. "Sou como um vale numa tarde fria", diz
num dos mais serenos poemas desse testamento poético:

E num recolhimento a Deus oferto


O cansado labor e o inquieto sono
Das minhas povoações e dos meus campos.

Nota-se na forma desses sonetos uma involução para a rigidez parna­


siana, para a lógica da chave de ouro, para a solenidade vocabular. De­
sejaríamos menos clangor de metais nessa grave sinfonia da tarde.
VICENTE Augusto DE CARVALHO [1866-1924], natural de Santos,
bacharel em Direito pela Faculdade de São Paulo, foi deputado à
Constituinte republicana do seu estado, secretário do Interior e
Justiça, e depois magistrado. Estreou com o livro Ardentias [1885] . Após
a edição do seu segundo volume de versos, Relicário [1888], converteu­
se à doutrina positivista e cessou durante muitos anos a atividade
poética. Estava o seu nome esquecido ao tempo em que se falava
de Alberto de Oliveira, Raimundo Correia e Bilac como os únicos
poetas de sua geração fadados a sobreviver. Era a "trindade parna­
siana" dos mestres, aureolados do mesmo prestígio que marcara
em França os nomes de Leconte de Lisle, Gautier e Banville. Mas a
publicação em 1902 do poema Rosa, rosa de amor, seguida seis anos de­
pois da dos Poemas e canções, veio revelar um quarto mestre em nada
inferior aos outros, e a certos aspectos mesmo superior - mais vário,
mais completo, mais natural, mais comovido. Mal se pode aplicar o
rótulo de parnasiano a esse poeta, que parece mais nutrido da tradi­
ção quinhentista portuguesa e não ficou isento do exemplo simbo­
lista, bastando para provar esta influência a "Última canção":

1 1 6 * 1 17
VICENTE DE CARVALHO
- E se acaso voltar? Que hei de dizer-lhe, quando
Me perguntar por ti?
- Dize-lhe que me viste, uma tarde, chorando ...
Nesta tarde parti.

- Se arrependido e ansioso ele indagar: "Para onde?


Por onde a buscarei?"
- Dize-lhe: "Para além ... para longe ... " Responde
Como eu mesma: "Não sei".

Todos reconhecerão nesses versos uma paráfrase da canção de


Maeterlinck.
Vicente de Carvalho mostrou evidente preferência pelos metros
curtos, de sete e oito sílabas, e quando empregou, raras vezes, o
alexandrino, tratou-o com mais desenvoltura, deu-lhe a fluidez de
uma linha melódica:

E o mar então . . O mar, o velho confidente


.

De sonhos que a mim mesmo hesito em confessar,


Atrai-me; a sua voz chama-me docemente,
Dá-me uma embriaguez como feita de luar ...
O mar é para mim como o Céu para um crente.

Lírico amoroso de emoção requintada em Rosa, rosa de amor e nos


admiráveis sonetos do "Velho tema", mostrou força dramática
em "Pequenino morto", épica em "Fugindo ao cativeiro". Mas foi
acima de tudo um grande pintor do mar, o mais exato, o mais
vigoroso, o mais sugestivo que tivemos. Conhecia-o de larga ex­
periência nas pescarias em Santos, paixão que pagou caro, pois

118 . 119
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certa vez, ferindo-se na mão esquerda, contraiu uma infecção
que quase o matou e só pôde ser debelada graças à amputação do
b raço à altura do ombro. Nem por isso renunciou ao seu des­
porte favo rito e para o praticar nas férias dos seus trabalhos ad­
quiriu um trecho de litoral na enseada da Bertioga. "Palavras ao
mar", "Cantigas praianas", "No mar largo'', "A ternura do mar",
"Sugestões do crepúsculo" são as confidências desse amor de toda
a sua vida, dessa atração que sobre ele exercia o mar: como que
se revia nas alternativas de mansidão e cólera desse

pagão criado às soltas


Na solidão, e cuja vida
Corre, agitada e desabrida,
Em turbilhões de ondas revoltas;

Cuja ternura assustadora


Agride a tudo que ama e quer,
E vai, nas praias onde estoura,
Tanto beijar como morder ...

A essa primeira geração parnasiana pertenceram ainda L U I Z G U I ­


MARÃES [1845-98], celebrizado pelo soneto "Visita à casa paterna",
FRANCISCA JÚLIA DA SILVA, a mais autêntica expressão da objetivida­
de da escola, GUIMARAENS PASSOS [1867-1909], B. LOPES [1859-1916],
EMÍLIO DE MENESES [1866-1918] e outros menores, já esquecidos.
Ainda depois do advento do simbolismo, floresceu uma gera­
ção que poderemos chamar neoparnasiana, com AMADEU AMA­
RAL [1875-1929] , GOULART DE ANDRADE [1881-1936) , HUMBERTO DE
CAMPOS [1866-1934), MARTINS FONTES [1884-1937], HERMES FONTES
[1888-1930] , DA CO STA E SILVA [1885-1950] , GILKA MACHADO [1893-

120 * 121
1980] , RAUL DE LEONI [1895-1926] , AMÉRICO FACÓ [1885-1953] , etc., os
quais, se são diversos já, no espírito, da geração anterior, guardam
o mesmo amor da linguagem eloquente, da forma nítida. Todos já
falecidos, com exceção de Gilka Machado, nascida em 1893, forte
temperamento afirmado numa série de livros Cristais partidos [1915],
-

Estados de alma [1917], Mulher nua [1922], Meu glorioso pecado, Carne e
alma [s.d.], Sublimação [1938] . Dos mortos o que apresenta maiores
probabilidades de sobreviver, a julgar pelas reedições de sua obra,
é RAUL DE LEONI, fluminense, bacharel em Direito, autor de um
único livro, a Luz mediterrânea [1922], título que lhe define bem o es­
pírito amigo das "ideologias claras". A emoção filosófica situa-o em
posição quase solitária na poesia brasileira. Mas o curioso, como
assinalou Rodrigo M. F. de Andrade, é que esse poeta, cuja suges­
tão poética derivava das ideias tomadas como entidades absolutas,
como seres dotados de vida própria e autônoma, glorificasse o ins­
tinto como o verdadeiro meio de encontrar a felicidade:

Glória ao Instinto, a lógica fatal


Das cousas, lei eterna da criação,
Mais sábia que o ascetismo de Pascal,
Mais bela do que o sonho de Platão !

Pura sabedoria natural


Que move os seres pelo coração,
Dentro da formidável ilusão,
Da fantasmagoria universal!

É s a minha verdade, e a ti entrego,


Ao teu sereno fatalismo cego,
A minha linda e trágica inocência!
Ó soberano intérprete de tudo,
Invencível CEdipo, eterno e mudo,
De todas as esfinges da Existência! . ..

" É que", acrescenta Rodrigo M. F. de Andrade, "glorificando a 'pura


sabedoria natural', os poemas da Luz mediterrânea celebram menos
o instinto em si mesmo do que a ideologia do instinto, ou o siste­
ma que erigiu o instinto em verdade metafísica."
Antes de passar ao simbolismo temos que dar atenção à figura
singular de JOSÉ de Abreu ALBANO [1882-1923] ; singular porque in­
teiramente fora dos quadros da poesia brasileira. Cearense e educa­
do na Europa, sentiu-se deslocado dentro da nossa incipiente civi­
lização e, num grande desdém pela língua do seu tempo, voltou-se
para o português do século de quinhentos. Cantou a Camões, o
seu modelo, numa canção; a língua portuguesa, numa ode, e nesta
explica os motivos de seu gosto arcaizante:

Sempre e sempre te eu veja meiga e pura


Naquela singeleza primitiva,
Naquela verdadeira formosura
Que farei que no verso meu reviva.

Outros andam e teu sublime aspeto


D' ornamentos estranhos encobrindo
Sem saber o que tens de mais secreto,
De mais maravilhoso e de mais lindo:
Em ti já não se nota o mesmo agrado
E eu não te reconheço,
Se o teu valor e preço - é rejeitado.

122 * 123
Quanta e quamanha dor me surge e nasce
De nunca ouvir aquele antigo estilo,
Mas eu fiz que ele aqui se renovasse [ ... ]

A Albano, que era dotado de raro talento linguístico e conhecia a


fundo vários idiomas modernos e antigos, não foi difícil assimilar
inteiramente o "antigo estilo", e o seu "Poeta fui ... " nos soa em
verdade como um soneto póstumo de Camões. Nos momentos
mansos dizia em redondilhas e decassílabos, os seus metros pre­
feridos, coisas tristes e suavíssimas, versos que pareciam cantiga
para adormecer a sua loucura:

Há no meu peito uma porta


A bater continuamente;
Dentro a esperança jaz morta
E o coração jaz doente.
Em toda parte onde eu ando,
Ouço este ruído infindo:
São as tristezas entrando
E as alegrias saindo.

Uma crise mais forte no seu psiquismo doentio exigiu o interna­


mento por um ano em casa de saúde. Depois, já convalescente, se­
guiu para o seio da família no estado natal, e aí compôs a sua obra
mais ambiciosa, a Comédia angélica [r9r8], em que (informa o seu
grande amigo e crítico Américo Facó) "celebra o amor de Deus e
nos apresenta, em visões suaves e rápidas, o nascimento de Adão,
a criação de Eva, a aparição de Maria, Lúcifer revoltado e subido,
o arcanjo Miguel e outras figuras da teogonia bíblico-cristã".
Voltou o Poeta ainda duas vezes à Europa em plena guerra; da
última em 1918 para não mais tornar. Segundo informações de
Graça Aranha, que com ele privou em Paris, a crise mística havia
passado e Albano voltara à Grécia. De fato o belíssimo poema do
"Triunfo" tem todo o caráter dos poemas pagãos do Renascimento.
O que lhe diz a Musa, "que ainda acende o meu desejo", remata
com estes dois versos:

Hás de viver contente, conhecendo


Que Polímnia te inspira e Apolo te ouve.

Contou Américo Facó que o Poeta, escrita a Comédia angélica, fez


uma seleção dos versos que guardava inéditos, escolhendo apenas
dez sonetos, alguns publicados antes e todos destinados talvez
a formar um folheto a exemplo das Redondilhas [1912], da Alegoria
[1912] e da Canção a Camões e Ode à língua portuguesa [1912] , com a
Comédia as únicas edições que deu, em tiragens limitadas, tudo
subordinado à epígrafe Emoí kaíMoúsais. Em 1948 apareceu, sob o
título Rimas de josé Albano, uma edição completa de seus poemas,
organizada e prefaciada por Manuel Bandeira.

1 24 * 125
S I M B O L I STA S

Afirmou Silveira Neto que o nosso simbolismo "teve os seus meios


de ação propriamente organizados no Rio de Janeiro e no Paraná,
sendo que lá, em Curitiba, tomara-se a influência diretamente da
corrente europeia, produzindo-se com o do Rio um movimento pa­
ralelo". No movimento brasileiro, e pondo de parte o caráter geral de
reação espiritualista, encontramos os mesmos expedientes do fran­
cês - imprecisão de contornos e de vocabulário, um conceito mais
musical do que plástico da forma, os estados crepusculares, etc. - e
levado ainda mais longe o gosto das expressões do ritual mortuário
e litúrgico. A escola foi estudada em exaustiva sondagem por Andrade
Muricy no seu Panorama do movimento simbolista brasileiro.
A figura central do movimento foi o negro João da C RUZ E
SOUSA [1863-98] , natural de Florianópolis. Os pais do Poeta eram
escravos do marechal Xavier de Sousa, o qual, quando teve de
seguir para a Guerra do Paraguai, os alforriou. O menino João
era tratado com todo o carinho na família do ex-senhor; recebeu
boa instrução secundária, tendo tido entre os seus mestres o natu­
ralista Fritz Müller. Mortos os seus protetores, teve de lutar pela
vida, militando na imprensa, organizando em sua província natal
a campanha abolicionista, correndo o país de Sul a Norte como
secretário ou ponto de uma companhia dramática. Em 90 muda­
se definitivamente para o Rio e após um estágio de três anos no
jornalismo carioca, obtém um emprego ínfimo na administração
da Estrada de Ferro Central. Em 93 casa-se com aquela a quem
chamou "meu tenebroso lírio" (era negra como ele) e publica dois
livros, um de prosas líricas - Missais - outro de versos - Broquéis
[1893] . Deles costuma-se datar o início do movimento simbolista
brasileiro. À onda de sarcasmo com que foi recebida essa arte a
um tempo espiritual e bárbara num meio dominado pela caute­
losa lógica parnasiana contrapôs o Poeta o seu bravo orgulho e a
persistência febril no trabalho noturno. A má sorte o perseguia:
a esposa perde durante seis meses a luz da razão; em 97 o Poeta con­
trai uma tuberculose galopante e morre no ano seguinte, deixando
por publicar dois livros de versos - os Faróis [1900] e os Últimos
sonetos [1905] , e outro livro de prosas líricas - as Evocações [1898] .
A mulher morre três anos depois, do mesmo mal; quatro filhos do
casamento morreram também.
Dos sofrimentos físicos e morais de sua vida, do seu penoso
esforço de ascensão na escala social, do seu sonho místico de
uma arte que seria uma "eucarística espiritualização", do fundo
indômito do seu ser de "emparedado" dentro da raça desprezada
tirou Cruz e Sousa os acentos patéticos que, a despeito das suas
deficiências de artista, garantem a perpetuidade de sua obra na li­
teratura brasileira. Não há nesta gritos mais dilacerantes, suspiros
mais profundos do que os seus. Esse negro tinha a obsessão da cor
branca: branco é o adjetivo que dá sempre ao seu Sonho; e se eram
negros os braços da esposa, sentia

todo o sonho castamente branco


Da volúpia celeste desses braços.

Roger Bastide, autor de um excelente ensaio sobre a poesia afro­


brasileira, contou na obra do Poeta 169 evocações do branco em

126 * 127
seus diversos tons - branco puro, lunar, de neve, de nuvens, de
marfim, de espuma, de pérola. A "Antífona", o primeiro poema
dos Broquéis, começa com os versos:

Ó Formas alvas, brancas, Formas claras


De luares, de neves, de neblinas ! . ..

O crítico francês interpreta essa preferência como "a expressão de


uma imensa nostalgia: a de se tornar ariano". E Cruz e Sousa, ele
próprio, compreendeu bem isso. Antes de simbolista, começou
com efeito por ser parnasiano, defendendo os dois dogmas (que
jamais renegou) essenciais do Parnaso: a arte pela arte e a neces­
sidade de seguir as regras técnicas mais exigentes na elaboração
do poema. Ora, ele viu que esses dogmas significavam um meio
de luta contra suas heranças africanas: "Eu trazia como cadáveres
todos os empirismos preconceituosos e não sei quanta camada
morta, quanta raça d'África curiosa e desolada. Surgindo de bárba­
ros, tinha de domar outros mais bárbaros ainda, cujas plumagens
de aborígines alacremente flutuavam através dos estilos ... O tem­
peramento entortava muito para o lado da Á frica: - era necessá­
rio fazê-lo endireitar inteiramente para o lado da Regra, até que
o temperamento regulasse a arte como um termômetro". Mas o
simbolismo é alguma coisa mais; é uma arte preciosa, requintada,
difícil, cheia de matizes e de delicadeza, que se dirige a uma pe­
quena elite e classifica consequentemente o seu adepto no recesso
de uma aristocracia da aristocracia. Ora, o autor admite que essa
arte sabida o separa de sua mãe, fá-lo romper com suas origens, e
se aflige, pois ama ternamente aquela que o deu à luz, mas coloca
também o culto da beleza acima de tudo. Assim Cruz e Sousa
c n ui e SOUZA
Segundo u m d e s e n h o e l e M A u n 1c10 J u u rn
CRUZ E SOUZA

Ü lt f m o s
S o rie t o s

AIL LA UD & Ciª


96, Boule vard d u l\1onlp t1rnas se, 96

1 90 5
sentia nitidamente que a arte era um meio de abolir a fronteira
que a sociedade colocava entre os filhos de escravos africanos e os
filhos dos brancos livres; é por isso que foi logo ao tipo que lhe
pareceu "o mais ariano de todos".
Quis, pelo menos, provar à "ditadora ciência de hipóteses" a
capacidade do negro para "o Entendimento artístico da palavra
escrita", para o Sonho branco, e daí uma série de admiráveis sone­
tos cujos fechos de ouro o mostram na "imortal atitude":

Erguer os olhos, levantar os braços


Para o eterno Silêncio dos Espaços
E no Silêncio emudecer olhando ...

Sorrindo a céus que vão se desvendando,


A mundos que se vão multiplicando,
A portas de ouro que se vão abrindo !

É preciso subir ígneas montanhas


E emudecer, entre visões estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte !

Tu que és o deus, o deus invulnerável,


Resiste a tudo e fica formidável,
No Silêncio das noites estreladas !

Das ruínas de tudo ergue-te pura


E eternamente, na suprema Altura,
Suspira, sofre, cisma, sente, sonha!

13 0 * 13 1
Quem florestas e mares foi rasgando
E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo, mas ficou sonhando !

Há mesmo um trecho das Evocações, o final de "Iniciado", em que


ele se nos pinta quase sacrilegamente representado numa espé­
cie de assunção: "Vai sereno ! a cabeça elevada na luz, vitalizada
e resplandecida na nevrosidade mordente da luz e os fatigados
olhos sonhadores graves, ascéticos, atraídos pelo mistério da Vida,
magnetizados pelo mistério da Morte ... ".
Mas dentro do Sonho branco do Simbolismo a desgraça, a in­
compreensão, talvez a loucura da esposa faz explodir a alma bárbara
sequestrada, "o fundo exótico dessa África sugestiva, gemente, Criação
dolorosa e sanguinolenta de Satãs rebelados, dessa flagelada África,
grotesca e triste, melancólica, gênese assombrosa de gemidos, tetri­
camente fulminada pelo banzo mortal; dessa África dos Suplícios,
sobre cuja cabeça nirvanizada pelo desprezo do mundo Deus arro­
jou toda a peste letal e tenebrosa das maldições eternas ! ".
Assim, o branco e o negro deram batalha nesse coração angus­
tiado, e como era fundamentalmente bom, como veio ao mundo
"transbordante de Piedade, soluçando de ternura, de compaixão,
de misericórdia", pôde dizer antes da morte o "Assim seja!":

Fecha os olhos e morre calmamente !


Morre sereno do Dever cumprido !
Nem o mais leve, nem um só gemido
Traia, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com a alma leal, clarividente


Da Crença errando no Vergel florido
E o Pensamento pelos céus brandido
Como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário


Do teu Sonho no templo imaginário,
Na hora glacial da negra Morte imensa...

Morre com o teu Dever! Na alta confiança


De quem triunfou e sabe que descansa,
Desdenhando de toda a Recompensa!

A segunda grande figura do simbolismo brasileiro é ALPHONSUS


D E GUIMARA E N S [1870-1921] . Chamava-se Afonso Henriques da
Costa Guimarães. A latinização do prenome data de 94 e talvez
indicava, com o desejo de fugir à vulgaridade, uma intenção mís­
tica nesse poeta que tinha o gosto dos hinos latinos da Igreja e
traduziu em versos o "Tantum ergo " e o "Magnificat''. Aos dezessete
anos o falecimento de uma prima amada e de quem se considera­
va noivo encheu-o para sempre da obsessão da morte. Frequentou
durante dois anos a Faculdade de Direito de São Paulo, a que
mais tarde voltará a fim de concluir o último ano do curso, em
94. Antes de regressar à província natal, visita o Rio, especial­
mente para conhecer Cruz e Sousa. Serviu como promotor de
justiça e juiz substituto na comarca de Conceição do Serro e em
1906 foi nomeado juiz municipal de Mariana. Nessa quase mor­
ta cidadezinha mineira que parece dormir "no seio branco das
litanias" viveu o Poeta até morrer, e nas dificuldades de um lar
pobre onde os filhos chegaram a ser quatorze, sem outros con­
solos senão o carinho da família, a sua fé católica e a realização

132 * 133
dos seus poemas, todos impregnados de unção cristã. Entre os
autógrafos encontrados no arquivo do Poeta havia o início de
um poema inacabado que nos faz entrar na intimidade de sua
resignada melancolia:

Na arquiepiscopal cidade de Mariana,


Onde mais triste ainda é a triste vida humana,
A contemplar eu passo o di a i n teiro , ab so rto ,
Tudo que na minh'alma está de há muito morto.
No claro-escuro de uma ideal saudade
Que como ampla mortalha em treva escura invade
Os pindáricos sonhos da minh'alma,
Eu vejo tudo com tristeza e calma...

A obra poética de Alphonsus de Guimaraens não foi publicada


dentro da ordem cronológica da sua composição. Em 99 aparece­
ram num só volume Setenário das dores de Nossa Senhora e Câmara
ardente. Mas anteriores a esses dois livros são Kyriale, editado em
1902, e Dona Mística, em 99.
Kyriale e Dona Mística foram escritos de 91 a 95 em São Paulo e
Ouro Preto. Já naquele tempo era o Poeta um "crente do amor e da
morte". Os dois temas andam constantemente associados nos seus
versos. E o seu afastamento da rígida cadência parnasiana se trai
desde logo no ritmo mais solto dos decassílabos, eneassílabos e
octossílabos; os alexandrinos não apresentam muitas vezes cesura
mediana; nas rimas o poeta se satisfaz de vez em quando com a
assonância. Ambos os livros denotam influências, às vezes indis­
cretíssimas, de modelos europeus: "Sete damas", as canções XIII e
XXI decalcam certas canções de Serres chaudes, e a " Á ria dos olhos"
é um simples pastiche de Verlaine:
Mágoas de além
De olhos de quem
Pede esmolas:
Gemidos e ais
Das autunais
Barcarolas

É a mesma música, o mesmo outono de

Les sanglots longs


Des violons
De l'automne
Blessent mon creur
D 'une langueur
Monotone. '

Mas o genuíno Alphonsus já aparece na doçura espontânea das


quadras de "S. Bom Jesus de Matozinhos":

S. Bom Jesus de Matozinhos


Fez a Capela em que o adoramos
No meio de árvores e ramos
Para ficar perto dos ninhos.

É como a Igreja de uma aldeia,


Tão sossegada e tão singela ...

r Na tradução de Onestaldo de Pennafort: "Os longos sons/ dos violões,/


pelo outono,/ me enchem de dor/ e de um langor/ de abandono". [N.E.]
As moças, quando a lua é cheia,
Sentam-se à porta da Capela.

Vai-se pela ladeira acima


Até chegar no alto do morro.
Tão longe ... mas quem desanima
Se Ele é o Senhor do Bom-Socorro !

A poesia religiosa de Setenário das dores de Nossa Senhora era uma


completa novidade em nossas letras. Nem os árcades, nem os ro­
mânticos se tinham aproximado tanto do espírito da poesia litúr­
gica do catolicismo. Em 49 sonetos distribuídos em sete partes
de sete sonetos cada uma pôs o Poeta toda a humildade do seu
coração de crente, e certo preciosismo ocasional de expressão não
lhes tira a ingenuidade, tão inseparável de sua natureza era aque­
le preciosismo, revelado desde a escolha do seu nome literário. A
publicação de Setenário e Câmara ardente, este, sentimentalmente,
um complemento de Dona Mística, ambos inspirados pela morte de
sua prima, impôs o nome do Poeta ao respeito dos meios literários,
mesmo daqueles que eram adversos à escola nova.
Depois da p ublicação de Kyriale, em 1902, o Poeta guardou
silêncio por muitos anos, embora no livro já anunciasse como
a entrar no prelo a Pastoral aos crentes do amor e da morte [1923] e a
tradução da Nova primavera, de Heine. Quando o Poeta organizava
em 1921 a edição de Pauvre Lyre (chegou a rever as provas), sobre­
veio a morte. Os seus versos franceses são muitas vezes incorretos
na língua e na metrificação; além disso, o que havia de pessoal
no Poeta desaparecia para só permanecerem as reminiscências de
Verlaine e Maeterlinck.
A calma tristeza de quem contempla no ambiente de uma cidade
morta tudo o que de morto traz dentro de si constitui o fundo dos
seus versos de publicação póstuma. O tom geral de Pastoral é o pes­
simismo e desânimo, que só na morte vê o descanso. Na edição das
Poesias completas publicadas pelo Ministério da Educação em 1938, •

à Pastoral se seguem mais dois livros Escada de ]acó e Pulvis. Neste


-

último está a mais pura Inspiração do Poeta, em algumas dezenas


de sonetos, onde, despido de qualquer influência, amadurecido
na desilusão, no sofrimento, o seu canto adquire uma serenidade
meditativa, que nem mesmo uma ou outra nota raríssima de deses­
perança e descrença consegue quebrar. E era preciso, realmente, que
fosse às vezes bem cruel o seu desânimo para que exclamasse:

O silêncio infinito não me aterra,


Mas a dúvida põe-me alucinado .. .

Se encontro o céu deserto como a terra!

O seu estado de espírito quase constante é um desencanto resig­


nado, que se compraz no pensamento da morte. A vida para ele
era então viver com os olhos fitos no passado. Sua poesia é como
ele entendia que devia ser toda alma:

uma carícia,
Mas cheia de tristeza: uma dolência
Que sempre aspire à celestial delícia...

* Em 1955 houve segunda edição aumentada e revista por Alphonsus de


Guimaraens Filho. Os acréscimos foram dezenove poemas, 34 notas, uma
cronologia do Poeta, uma bibliografia sobre o homem e o artista e ampla
documentação fotográfica.

1 38 * 1 39
Esse adjetivo "celestial" aparece mais frequentemente. E há "céu"
em quase todos os sonetos. Na véspera de expirar escreveu os seus
últimos versos, em louvor de Santa Teresa: versos muito serenos,
num ritmo esvoaçante, em que a alma parece já se balançar meio
desprendida da matéria.
A primeira geração simbolista desapareceu quase sem deixar livros;
os que se publicaram estão esquecidos, salvando-se apenas alguns
nomes SILVEIRA NETO [1872-1945], EMILIANO PERNETTA [1866-1924],
-

do grupo do Paraná, PEREIRA DA SILVA [1877-1944], paraibano.


MÁRIO PEDE RN EIRAS [1867-1915] e MARCELO GAMA [1878-1915] co­
meçaram a poetar sob a influência de Cruz e Sousa, mas com o tem­
po se definiram pessoalmente na poesia do cotidiano, guardando do
simbolismo o amor das meias-tintas, a fluidez musical dos ritmos.
É de resto o tom mais geral nos poetas nascidos nas décadas de 80
e 90, gerações em que se fortalece o prestígio de Verlaine, ao qual se
acrescenta o de Samain, de Francis Jammes e do português Antônio
Nobre, a última grande influência da poesia lusa no Brasil. Ronald
de Carvalho resumiu bem todo o encanto dos melhores versos de
Mário Pederneiras ao dizer que ele "era o poeta dos jardins, dos cre­
púsculos de outono, dos crepúsculos dolentes de maio, das noites
perfumosas nos arrabaldes do Rio de Janeiro, sua cidade natal, que
tanto amou e soube louvar deliciosamente". Era também o poeta
das emoções domésticas, e achou os acentos mais comovidos para
dizer-nos a desolação do lar enlutado pela perda de suas filhinhas:

Como eu te vejo agora estranha e desolada,


Tão grande, tão muda, tão vazia,
Oh! minha velha e paternal Morada!
Berço de tanta Dor e de tanta Alegria.
Já não tens para mim aquele antigo encanto ...
Vejo-te, e os olhos tenho marejados
De pranto
Pela saudade do agasalho e ninho
Que eras, em tempos que lá vão - caminho
Do mais triste de todos os Passados.

Fechadas e desertas,
Sem a doce visão dos Astros e das Velas,
Fechadas vejo agora estas largas janelas
Que andavam sempre, então, de par em par,
Abertas
Às vezes para o Céu, às vezes para o Mar.

Sob a paz deste teto,


Pela muda extensão dos longos corredores,
Na largueza das salas,
Jazem mágoas e dores,
Ecos de extintas galas,
Sonhos de tanto Amor, prantos de tanto Afeto.

Através desta Dor tão funda, tão intensa,


Que em tristezas e pranto a seguir-me persiste,
Como eu te vejo triste,
Como eu te sinto imensa.

Como diversa agora me pareces,


Minha velha Morada, onde a saudade mora,
É que ouço que, como eu, tua Alma também chora
E vejo que, como eu, tu também envelheces.
Em torno dele se gruparam alguns rapazes, que o tinham em gran­
de estima - entre outros ÁLVARO MO REYRA, FELIPE D' OLIVEIRA [1891-
1933] e RO D RIGO OTÁVIO FILHO [1866-1944] . Superados os processos
do parnasianismo e do simbolismo no que possuíam de programá­
tico, cristalizava-se então a nossa poesia naquele mesmo sincretis­
mo de uma e outra escola gerador do modernismo de Darío.
Nesse ambiente de elegante suavidade estourou com um gri­
to bárbaro a voz de um estranho poeta, cujo livro se intitulava
Eu [1912] , e já nesse pronome, impresso em grandes letras que
tomavam toda a capa, clamava o seu irredutível egotismo. Era,
de certo modo, uma volta a Cruz e Sousa: a mesma inadaptabi­
lidade ao cotidiano, a mesma "nevrose do Infinito'', a mesma
expressão paroxística. Até o mesmo vezo de encher o verso com
dois multissílabos, como quebrando o quadro do metro para
lhe dar maior ressonância:

Profundissimamente hipocondríaco, [ ... ]


Panteisticamente dissolvido [ ... ]
Extraordinariamente atordoadora [ ... ]
No rudimentarismo do Desejo! [ . . . ]
Nas transubstanciações da Natu reza. [ ... ]
O amarelecimento do papirus [ ... ]

Versos de Augusto dos Anjos, cuja estrutura é igual à de tantos


outros de Cruz e Sousa, como estes:

Aterradoramente indefinidos [ ... ]


Pulverulentamente nebulosa [ ... ]
Nos apodrecimentos da Matéria! [ ... ]
�ugusto dos �njos

RIO DE JANEIR0 - 1912


AUGUSTO de Carvalho Rodrigues o o s ANJOS [1884-1914] nasceu e
criou-se num engenho da Paraíba. Aos dezesseis anos veio para
a capital do seu estado a fim de completar os estudos secundá­
rios. Orris Soares, que o conheceu então, descreve-o como "um
pássaro molhado, todo encolhido nas asas, com medo da chuva".
Feitos os exames preparatórios, seguiu para o Recife, em cuja
Faculdade de Direito se bacharelou. Dedicou-se porém ao magis­
tério ali e depois no Rio de Janeiro. Atacado de tuberculose, pro­
curou os bons ares de Minas Gerais, fixando residência na cidade
de Leopoldina, onde exercia as funções de diretor de um grupo
escolar. Não conseguiu curar-se, e em Leopoldina morreu e fi­
cou sepultado. Poeta desde menino, pois os seus primeiros versos
datam dos sete anos, só publicou o seu livro em 1912. Muita gen­
te houve a quem repugnava a terminologia científica abundante
naqueles poemas de mistura com acentos pungentes de amarga
tristeza. Mas foi certamente este último elemento que tornou
apreciada a poesia de Augusto dos Anjos. E é curioso consta­
tar que enquanto outros poetas de expressão mais acessível vão
deixando de ser lidos, as edições do Eu se sucedem (é de 1963 a
29�), donde se pode concluir que o público integrou o nome do
grande poeta paraibano no patrimônio definitivo da lírica bra­
sileira, e um crítico como Otto Maria Carpeaux, tão versado na
poesia de todos os tempos e de todos os países, não hesita em
qualificá-lo "o mais original, o mais independente" de todos os
poetas mortos do Brasil.
Os primeiros críticos de Augusto dos Anjos notaram logo a
completa ausência de poemas de amor em toda a sua obra. Enten­
da-se o amor carnal, que para ele era uma mentira, não era amor,
não passava de "comércio físico nefando":
Certo, este o amor não é que, em ânsias, amo
Mas certo, o egoísta amor este é que acinte
Amas, oposto a mim. Por conseguinte
Chamas amor aquilo que eu não chamo.

Assim é que devemos entender os versos das "Queixas noturnas":

Não sou capaz de amar mulher alguma


Nem há mulher talvez capaz de amar-me.

Para ele o amor

É espírito, é éter, é substância fluida,


É assim como o ar que a gente pega e cuida,
Cuida, entretanto, não o estar pegando !

É a transubstanciação de instintos rudes,


Imponderabilíssima e impalpável,
Que anda acima da carne miserável
Como anda a garça acima dos açudes !

Este amor "amizade verdadeira" encontrou-o o Poeta no casamento


e não deu mais atenção ao outro senão para estigmatizá-lo. Deste
amor amava os seus - os pais, a mulher, os filhos, e em relação a
estes sofria de lhes deixar a herança horrenda da carne, só conso­
lado com pensar que em épocas futuras haveriam de ser "no mun­
do subjetivo minha continuidade emocional". Amor de todas
as criaturas sofredoras - dos doentes, das prostitutas, do pobre
Toca, "que carregava canas para o engenho", da sua ama de leite;

1 44 ' 145
dos animais - do corrupião, preso em sua gaiola como a alma do
homem na podridão da carne, do cão "latindo a esquisitíssima
prosódia da angústia hereditária dos seus pais ! '', do carneiro aba­
tido para satisfazer a fome necrófila dos homens (a fome, "o baru­
lho de mandíbulas e abdômenes" enchia-o de desprezo por tudo
isso, dava-lhe "uma vontade absurda de ser Cristo, para sacrificar­
se pelos homens ! "); o amor das árvores da serra, do tamarindo do
engenho, a que se refere em vários poemas; o amor até das coisas
materiais, detidas "no rudimentarismo do desejo", gemendo "no
soluço da fo rma ainda imprecisa . . . da transcendência que se
não realiza... da luz que não chegou a ser lampejo ... "; e acima de
tudo o amor das "claridades absolutas", da Verdade, da Soberana
Ideia imanente, da Arte, única cidadela contra a Morte, contra "as
forças más da Natureza".
Acreditava em Deus? Acreditava e rezava as preces católicas.
Mas na sua poesia a concepção do universo não é ortodoxa, tem
algo de maniqueísta, opondo ao mundo do espírito, ao mundo de
Deus, o mundo da matéria, evoluído segundo a teoria darwinista,
o mundo da "força cósmica furiosa". A consciência poética desse
duelo terrível é que alimentava a angústia metafísica de Augusto
dos Anjos e o fazia delirar em "cismas patológicas insanas". A sua
aspiração suprema seria dominar todos os contrastes, resolvê-los
na unidade do Grande Todo, que sonhou culminar com a onipo­
tência da divindade.
Tudo isso está dito numa forma duríssima, onde as sinéreses
parecem acumuladas propositadamente para pintar o esforço
das palavras esbarrando no "mo lambo da língua paralítica". É uma
expressão por estampidos. De ordinário só há calma nos primeiros
versos do poema. Assim em "As cismas do Destino":
Recife. Ponte Buarque de Macedo.
Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo !

Logo na segunda estrofe eriça-se a forma em excessos bem carac­


terísticos do Poeta:

Na austera abóbada alta o fósforo alvo


Das estrelas luzia.. O calçamento
.

Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,


Copiava a polidez de um crânio calvo.

Augusto dos Anjos morreu aos trinta anos. Não creio, porém, que,
se vivesse mais, atenuasse as arestas de sua expressão formal. Esta
lhe era congênita e persistiria sem dúvida, como persistiu na ma­
turidade de Euclides da Cunha, em cuja prosa deparamos com o
mesmo ímpeto explosivo e indomável.
M O D E R N I STA S

Depois do simbolismo nenhum outro movimento ocorreu em


nossa poesia até cerca de 1920, quando se inicia em São Paulo,
e logo em seguida no Rio, a influência das escolas europeias de
vanguarda, gerando entre nós um movimento que se tornou co­
nhecido sob o nome de modernismo. Cumpre advertir que ele
nada tem a ver com o que no mundo do idioma castelhano se
designa sob o mesmo nome. À poesia de Darío e seus epígonos
corresponde proximamente no Brasil a dos poetas que, apareci­
dos no intervalo dos dois movimentos, devem tanto ao parna­
sianismo quanto ao simbolismo, com a predominância deste ou
daquele elemento: um OLE GÁRIO MARIANO [1889-I958] , insistente
no tema da saudade, com uma musicalidade muito pessoal, ba­
seada frequentemente na silva de alexandrinos, decassílabos e
hexassílabos; ÁLVARO M O REYRA, um cético, exprimindo-se "hu­
moristicamente, docemente"; O N E STAL D O DE P E N N A F O RT, exí­
mio tradutor de Shakespeare (Romeo andjuliet), de Verlaine (Fêtes
galantes), e nos seus poemas originais acusando, de mistura com
o gosto dos mestres parnasianos e simbolistas franceses, o dos
líricos portugueses, de Bernardim Ribeiro a Eugênio de Castro;
E D UARDO G U I M A RÃ E S [1892-1928] , falecido prematuramente, e
numerosos outros - RONALD DE CARVALH O , MANUEL BAN D E I RA,
F E L I P E D ' O LIVE I RA, RI B E I RO COUTO, TAS SO DA S I LVEIRA , MURILO
ARAÚJO, MÚCIO LEÃO,etc. - que posteriormente se definirão mais
completamente na corrente modernista.
Nessa música de timbres mais ou menos suaves discrepavam
as últimas fanfarras parnasianas: de um MARTINS FONTES, de um
GOULART DE A N D RADE, menos clangorosamente de um AMADEU
AMARAL, de um DA CO STA E SILVA; as vozes diferentes, irredutíveis
aos quadros classificadores, de um GILBERTO AMAD O , de uma GIL­
KA MACHADO, de um H E RMES FONTES; os singelos acentos ainda
românticos de um ADELMAR TAVARES; o eco do sertão nordestino
nos poemas de CATULO DA PAIXÃO CEARENSE [1863-1946] . Esse o
conjunto da poesia brasileira na véspera do modernismo.
O impulso inicial do movimento modernista veio das artes
plásticas. Em janeiro de 1916 a pintora paulista Anita Malfatti,
educada no estrangeiro, realizou em São Paulo uma exposição,
na qual, além dos seus quadros, influenciados pelo expressio­
nismo alemão, apresentava ao público algumas telas de pintores
europeus cubistas. A exposição suscitou grande escândalo. O
escritor Monteiro Lobato escreveu a propósito dela um artigo,
cujo título era "Paranoia ou mistificação?". Mas os trabalhos
expostos provocaram o interesse de um grupo de rapazes, entre
os quais estavam Mário de Andrade e Oswald de Andrade. Esses
moços descobriram em 1920 na capital paulista o escultor Brecheret,
influenciado também na sua arte pela corrente antiacadêmica eu­
ropeia. Naquele mesmo ano Oswald de Andrade fundava a revista
Papel e Tinta, e em novembro publicava na imprensa paulista um
artigo intitulado "O meu poeta futurista", onde transcrevia alguns
poemas de Pauliceia desvairada, livro de versos de Mário de Andrade,
que só foi editado em 1922. Aliás os poemas desse livro nada ti­
nham, ou quase nada tinham do futurismo no sentido em que este
foi definido pelo seu criador Marinetti. O que havia em Pauliceia
desvairada era o que o autor no prefácio chamou por brincadeira
"desvairismo". Algumas citações habilitarão os leitores a fazer uma
ideia da estética inaugurada: "Quando sinto a impulsão lírica",
explicava Mário de Andrade, "escrevo, sem pensar, tudo o que
o meu inconsciente grita. Penso depois: não só para corrigir, como
para justificar o que escrevi. Acredito que o lirismo, nascido no
subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria
frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas,
com acentuação determinada. Arte que, somada a Lirismo, dá
Poesia, não consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico
para avisá-lo das pedras e cercas de arame do caminho: deixe que
tropece, caia e se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repe­
tições fastientas, de sentimentalidades românticas, de pormenores
inúteis ou inexpressivos. Que Arte porém não seja limpar versos de
exageros coloridos". Aqui o poeta citava duas imagens arrojadas,
uma de Shakespeare: "O vento senta no ombro das tuas velas ! ";
outra de Homero: "A terra mugia debaixo dos pés dos homens e
dos cavalos". Como a insinuar que a ideia deformadora não era
uma surpresa revolucionária, vai rastreá-la em Taine - Taine o
realista, o positivista, para quem o ideal do artista consistia em
"apresentar, mais que os próprios objetos completa e claramente,
qualquer característica essencial e saliente deles, por meio de alte­
rações sistemáticas das relações naturais entre as suas partes, de
modo a tornar essa característica mais visível e dominadora".
Afinal de contas Pauliceia desvairada era um desabafo de abafa­
do: um poeta cantando, chorando, rindo, berrando. Sobretudo
berrando. Berrando em sátiras duras contra o que ele chamava
o "cauteloso pouco-a-pouco" da burguesia satisfeita. Neste senti­
do a "Ode ao burguês" era uma das páginas mais características do
livro, com o seu final rancoroso:

150 * 151
Come ! Come-te a ti mesmo, oh ! gelatina pasma!
Oh ! purée de batatas morais !
Oh! cabelos nas ventas ! oh ! carecas !
Ó dio aos temperamentos regulares
Ó dio aos relógios musculares ! Morte e infâmia!
Ó dio à soma! Ó dio aos secos e molhados !
Ó dio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
Sempiternamente as mesmices convencionais !
De mãos nas costas ! Marco eu o compasso ! Eia!
Dois a dois ! Primeira posição ! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante

Ó dio e insulto ! Ó dio e raiva! Ó dio e mais ódio !


Morte ao burguês de giolhos,
Cheirando religião e que não crê em Deus !
Ó dio vermelho ! Ó dio fecundo ! Ó dio cíclico !
Ó dio fundamento, sem perdão !

Fora! Fu ! Fora o bom burguês ! ...

Do ano de 1922 podemos datar o modernismo brasileiro como mo­


vimento organizado (o que houve antes dele foram apenas notas
isoladas de poetas que procuravam libertar-se das influências par­
nasianas e simbolistas). De fato, em fevereiro daquele ano o grupo
paulista, composto de Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Pau­
lo Prado, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia e outros, em
combinação com artistas do Rio, Di Cavalcanti, pintor, de quem
partiu a ideia, Ribeiro Couto, natural de Santos mas residente en-
tão na capital do país, Ronald de Carvalho, Renato de Almeida e
alguns mais, promoveram no Theatro Municipal de São Paulo a
chamada Semana de Arte Moderna, com exposição de artes plásti­
cas, concertos, conferências e declamação. A ação desses inovado­
res recebeu grande impulso com a solidariedade de Graça Aranha,
nome de vasto prestígio, desde a publicação do seu romance Canaã
[1902] , membro da Academia Brasileira de Letras, de cujo convívio
se afastou para unir-se em literatura e em política à mocidade re­
volucionária. Tomou contato com os rapazes quando regressou da
Europa depois do armistício de 1918, trazendo na bagagem o seu
livro A estética da vida [1920] . Coube-lhe abrir a Semana de Arte Mo­
derna, fazendo o discurso de apresentação. Definiu o movimento
por um mais livre e fecundo subjetivismo: "É uma resultante do ex­
tremado individualismo que vem na vaga do tempo há quase dois
séculos até se espraiar em nossa época, de que é feição avassaladora.
Cada homem é um pensamento independente, cada artista expri­
mirá livremente, sem compromisso, a sua interpretação da vida, a
emoção estética que lhe vem dos seus contactos com a natureza".
Investia em seguida contra as academias, as escolas, "as arbitrárias
regras do nefando bom gosto e do infecundo bom senso". Até aí as
suas palavras traduziam fielmente o pensamento dos inovadores,
mas a seguir esboçava Graça Aranha um programa que era o sen­
tido onde desejaria encaminhar os seus jovens amigos: a libertação
da melancolia racial, o abandono do regionalismo: "Que a arte seja
fiel a si mesma, renuncie ao particular e faça cessar por instantes
a dolorosa tragédia do espírito humano desvairado no grande exí­
lio da separação do Todo, e nos transporte pelos sentimentos vagos
das formas, das cores, dos sons, dos ratos e dos sabores a nossa
gloriosa fusão no Universo".

152 ., 153
Enchera-se à cunha o Theatro Municipal, os poetas foram rui­
dosamente vaiados, mas a sua ação continuou, depois da Semana,
nas páginas da revista Klaxon [1922-23] e outras que se foram suce­
dendo. Culminou a ousadia, degenerando em tumulto, quando,
no próprio seio da Academia Brasileira e com grande escândalo
de seus confrades acadêmicos, Graça Aranha proferiu em 1924 um
discurso inflamado, proclamando que a fundação da Academia
fora um equívoco e um erro. Mas já que existia, acrescentava, "que
viva e se transforme", admitisse nela "as coisas desta terra informe,
paradoxal, violenta, todas as forças ocultas do nosso caos. São elas
que não permitem à língua estratificar-se e que nos afastam do falar
português e dão à linguagem brasileira este maravilhoso encanto da
aluvião, do esplendor solar, que a tornam a única expressão verdadei­
ramente viva e feliz da nossa espiritualidade coletiva. Em vez de
tendermos para a unidade literária com Portugal, alarguemos a
nossa separação. Não é para perpetuar a vassalagem a Herculano,
a Garrett e a Camilo, como foi proclamado no nascer a Academia,
que nos reunimos. Não somos a câmara mortuária de Portugal ! ".
A repercussão extraordinária alcançada por esse discurso e o
desconhecimento das verdadeiras origens do modernismo leva­
ram a um erro de fato, que ainda hoje persiste, de apresentar os
iniciadores do movimento como discípulos do autor da Estética da
vida. A verdade é que não houve influência de Graça Aranha sobre
os moços, mas, ao contrário, estes é que influenciaram o confrade
mais velho, como está patente no romance A viagem maravilhosa
[1929] , em que o escritor abandona muitas vezes o seu processo de
frase ampla e numerosa para adotar as formas breves e elípticas tão
do gosto dos inovadores. Graça Aranha não teve discípulos. Não foi
um mestre, no sentido estrito da palavra, senão um companheiro
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mais velho, cuja adesão deu ao movimento o prestígio de sua gló­
ria pessoal e o calor do seu generoso entusiasmo.
Difícil é dizer qual das correntes europeias mais influiu nos
modernistas brasileiros. É certo, porém, que o futurismo terá sido
a que menos pesou. Os modernistas introduziram em nossa poesia
o verso livre, procuraram exprimir-se numa linguagem despojada
da eloquência parnasiana e do vago simbolista, menos adstrita ao
vocabulário e à sintaxe clássica portuguesa. O usaram alargar o
campo poético, estendendo-o aos aspectos mais prosaicos da vida,
como já o tinha feito ao tempo do romantismo Álvares de Azevedo.
Movimento a princípio mais destrutivo e bem caracterizado pe­
las novidades de forma, assumiu mais tarde cor acentuadamente
nacional, buscando interpretar artisticamente o presente e o pas­
sado brasileiro, sem esquecer o elemento negro entrado em nossa
formação. Foram seus pioneiros e principais porta-vozes Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, em São Paulo, Ronald de Carvalho
e Ribeiro Couto, no Rio de Janeiro.
MÁRIO D E Morais ANDRA D E , nascido em São Paulo em 1893 e ali
falecido em 1945, não se destinava à literatura: destinava-se à mú­
sica e nessa intenção cursou o Conservatório Dramático e Musical
daquela cidade, passando depois a lecionar piano, história da mú­
sica e estética musical. Mas em 1917 a comoção da guerra, o horror
de ver os homens separados por ódios terríveis inspirou-lhe uma
série de poemas de fundo pacifista publicados sob o título Há uma
gota de sangue em cada poema. Já havia nesse livrinho, de música e
sensibilidade simbolistas, uma evidente procura de formas novas e
novos elementos de expressão. Não porém tão pronunciada como
em Pauliceia desvairada [1922] , onde o sofrimento de vinte meses de
dúvidas e cóleras o fez rebentar em excessos de liberdade estrepitosa.
Não tinha o propósito de mandá-lo imprimir, e isso porque não
lhe parecia um livro no sentido social da palavra. Mas a celeuma
provocada pela publicação de alguns desses poemas no artigo já
citado de Oswald de Andrade, a saraivada de remoques com que fo­
ram recebidos nas rodas literárias e pelo público em geral, levaram
o Poeta a considerar na importância que o livro teria, se publicado,
como fermento de renovação e ainda como pedra de escândalo,
que iria tornar imediatamente mais aceitáveis os versos de outros
poetas igualmente empenhados na prática de novos processos de
expressão. Embora desabafo pessoal, uma diretriz bem marcada
se afirmava no livro - o interesse brasileiro, ainda que circunscri­
to àquele orgulho "de ser paulistamente". Começa então, com a
publicação de Pauliceia desvairada, a sua obra toda em função do
momento atual brasileiro. "Só sendo brasileiro, isto é, adquirindo
uma personalidade racial e patriótica (sentido físico) brasileira",
escrevia-me, "é que nos universalizaremos, pois que assim concor­
reremos com um contingente novo, novo assemblage de caracteres
psíquicos para o enriquecimento do universal humano." Não lhe
satisfazia a solução regionalista, criando uma espécie de exotismo
dentro do Brasil e excluindo ao mesmo tempo a parte progressista
com que o Brasil concorre para a civilização do mundo. Uma hábil
mistura das duas realidades parecia-lhe a solução capaz de concre­
tizar uma realidade brasileira em marcha. Brasilizar o brasileiro
num sentido total, patrializar a pátria ainda tão despatriada, quer
dizer, influir para a unificação psicológica do Brasil - tal lhe pare­
ceu que devia ser sempre a finalidade de sua obra, mais exemplo
do que criação.
De fato Mário de Andrade viveu e produziu sempre em função
desse destino que se impôs como um apostolado, onde quer que

156 * 157
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tenha exercido a sua atividade intelectual - na poesia, na prosa
de ficção, na crítica literária, musical e plástica, no domínio do
folclore. Em nenhum desses setores fez ele maiores sacrifícios à
verdade e beleza de suas criações do que na questão da língua, e
aí se tornou mais irritante e contundente, muito mais inacessível,
em suas nobres intenções, aos julgamentos superficiais. E no en­
tanto o problema do abrasileiramento da linguagem literária não
passa em sua obra de um detalhe mais visível, é certo, mas sempre
detalhe, do problema mais vasto e mais complexo de aprofundar
harmoniosamente o tipo brasileiro.
Numa linguagem brasileira artificial, porque é uma síntese e
sistematização literária pessoal de modismos dos quatro cantos
do Brasil, passou Mário de Andrade a escrever os seus livros, na
poesia desde O losango cáqui, publicado em 1924. São impressões de
um mês de exercícios militares. São, na veste arlequinal, o losango
da cor do uniforme. Não se trata de verdadeiros poemas, senão de
anotações líricas desses dias em que o Poeta, "defensor interino do
Brasil", se inebriou "de manhã e de imprevistos". O livro tem por
isso mesmo uma frescura de sensações e de imagens sem igual na
obra restante do autor.
Em 27 e 30 aparecem Clã do jabuti e Remate de males. Já no pri­
meiro se apresenta o Poeta em sua feição mais ou menos definitiva,
com alguns dos seus poemas mais trabalhados e mais caracterís­
ticos: "O poeta come amendoim", "Carnaval carioca", "Noturno
de Belo Horizonte" e outros inspirados nas tradições e no folclore
brasileiro - "Toada do Pai do mato", "Lenda do céu", "Coco do
major", "Moda da cadeia de Porto-Alegre", "Moda da cama de
Gonçalo Pires", etc. No primeiro poema expõe e fundamenta o
seu modo de entender e amar o Brasil:

158 * 159
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der ...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Punha o Poeta nos seus versos e muito intencionalmente aquele "ca­


rinho molengo, sensual e pegajoso, um carinho gostoso semitriste,
e a ironia de supetão". Poemas dessa feição e estilo vamos ainda en­
contrar em Remate de males, como os do ciclo amoroso de Maria. Mas
notamos em outros - "Manhã'', "Louvação da tarde" e sobretudo nos
"Poemas da negra" e "Poemas da amiga" - uma evolução da poesia para
formas mais despojadas. Todos respiram grande calma, uma ardência
que não consome, um afeto que não mela nunca; parecem vir de um
isolamento enorme, mas de um isolamento em que não se pode falar
nem de tristeza nem de alegria. Será de indiferença? "Que indiferença
enorme!", diz um verso. Não é indiferença não, é antes sabedoria: é
serenidade, conformidade com o destino, em suma felicidade, porque
nessa altura "a própria dor é uma felicidade". Não há vestígio de exo­
tismo na sua maneira de tratar o tema de negra; é a mesma suavidade
singela e natural das endechas a Bárbara, de Camões:

Você é tão suave,


Vossos lábios suaves
Vagam no meu rosto,
Fecham meu olhar.
Sol-posto.

É a escureza suave
Que vem de você,
Que se dissolve em mim.

Que sono ...

Eu imaginava
Duros vossos lábios,
Mas você me ensina
A volta ao bem.

Em 1941 publicou Mário de Andrade o volume Poesias, com uma


seleção dos livros anteriores e duas partes novas A costela do grã
-

cão e Livro azul. Responde o Poeta sarcasticamente aos que o acu­


sam de escritor difícil:

Eu sou um escritor difícil,


Porém culpa de quem é ! ...

Não carece vestir tanga


Pra penetrar meu caçanje !
Você sabe o francês "singe"
Mas não sabe o que é guariba?
- Pois é macaco, seu mano,
Que só sabe o que é da estranja.

O coroamento dessa nobre carreira de poeta estará talvez no poe­


ma "Rito do irmão pequeno", em que aquela mesma serenidade
dos "Poemas da negra" e dos "Poemas da amiga" se estende a um

160 * 1 6 1
tema mais geral, desenvolvendo-se com uma majestade de adágio,
"grave e natural feito o rolar das águas".*
OSWALD D E ANDRA D E , nascido em São Paulo [1890-1954], deu

o melhor de si numa série de romances. O mais audacioso e irre­


quieto do grupo modernista, fez também poesia, menos por ver­
dadeira inspiração do que para indicar novos caminhos, criando
dentro do movimento a corrente primitivista e dando o exemplo em
três livros curiosíssimos: Pau-Brasil [1925] , Primeiro caderno do aluno
de poesia Oswald de Andrade [ 1927] e Cântico dos Cânticos para flauta
e violão [1942] . O programa dessa poesia era desembaraçá-la do
pedantismo da cultura, "dos cipós das metrificações"; exprimir "a
alegria da ignorância que se descobre"; voltar ao que é "bárbaro
e nosso". Anos depois já não lhe satisfaz o símbolo do pau de
tinta e lança uma revista cujo título define mais agressivamente a
reação contra "a fatalidade do primeiro branco aportado e domi­
nando diplomaticamente as selvas selvagens" Antropofagia. Em
-

Pau-Brasil extrai Oswald de Andrade dos primeiros cronistas - Pero


Vaz de Caminha, Gandavo, frei Vicente do Salvador, frei Manuel
Calado, etc. - pequenos trechos de prosa que ordena em verso li­
vre e apresenta, à maneira de modelos, na primeira parte do livro.
Assim faz poemas seus estes dois pequeninos episódios da Carta
de Caminha:

OS SELVAGENS

Mostraram-lhes uma gallinha


Quase haviam medo della

* Em 1955 foram editadas num só volume as suas Poesias completas, incluin­


do os livros citados e mais O carro da miséria, a Lira paulistana e O café.
lrvlfl.
!Jlr,._,�
- &;_� Atv "A... -
E não queriam pôr a mão
E depois a tomaram como espantados

CHOROGRAFIA

Tem a forma de hua harpa


Confina com as altíssimas serras dos Andes
E fraldas do Perú
As quaes são tão soberbas em cima da terra
Que se diz terem as aves trabalho em as passar

Ou esta observação linguística de J. M. P. s. (da cidade do Porto):

VÍCIO NA FALA

Para dizerem milho dizem mio


Para melhor dizem mió
Para pior pió
Para telha dizem teia
Para telhado dizem teiado
E vão fazendo telhados

Nesta maneira concisa exprime a seguir as suas observações da rea­


lidade brasileira, ora comovido, ora e mais frequentemente dando
expansão ao seu humor satírico, às vezes profundamente poético
em certas notações rápidas da paisagem ou da alma do nosso país.
É o caso do "Noturno".
Lá fora o luar continua
E o trem divide o Brasil
Como um meridiano

Ou desta "Procissão de enterro":

A Verônica estende os braços


E canta
O pálio parou
Todos escutam
A voz na noite
Cheia de ladeiras acesas

Ou deste fim da festa da Ressurreição em Minas Gerais:

Um atropelo de sinos processionais


No silêncio
Lá fora tudo volta
À espetaculosa tranquilidade de Minas

Tanto os "poemas" de Pau-Brasil como os do Primeiro caderno e os


de Cântico dos cânticos são versos de um romancista em férias, de
um homem muito preocupado com os problemas de sua terra e do
mundo, mas, por avesso à eloquência indignada ou ao sentimenta­
lismo, exprimindo-se ironicamente como se estivesse a brincar.
RONALD DE CARVALHO [1893-1935] , nascido no Rio de Janeiro e
formado em Direito antes dos vinte anos, fez logo depois de termi­
nados os estudos uma viagem à Europa, ligando-se em Lisboa ao
grupo fundador da revista Orfeu [1948-54] , iniciadora do movimen­
to moderno em Portugal. De regresso publicou o livro Luzgloriosa.
Nada se contém nele que revele o contato com a estranha poesia
de Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Definia-se já o Poeta
nas linhas nítidas e tonalidades claras que dão a toda a sua obra a
ordenação e o brilho de um jardim, ainda que tropical, bem civili­
zado. O seu segundo livro, Poemas e sonetos [1919] , assinala mesmo
um retrocesso ao parnasianismo, recompensado pela Academia
Brasileira com o prêmio de poesia. O rapaz de 25 anos parecia
definitivamente conquistado pela disciplina acadêmica, que se
manifestava não só nos versos, mas também na Pequena história da
literatura brasileira [1919] , outro livro premiado pela Academia no
mesmo ano de 1919, e nas críticas de jornal, onde o futuro rebelado
não poupava sarcasmos à poesia de Apollinaire e outros mestres
da literatura europeia de vanguarda. Mas em 1921 a mocidade rei­
vindicou os seus direitos: o encontro com o músico Villa-Lobos,
com o pintor Di Cavalcanti, com Ribeiro Couto e logo depois com
Mário de Andrade e Oswald de Andrade teve sobre o Poeta influên­
cia decisiva. Já naquele ano escrevia a propósito do nosso grande
compositor: "A arte é uma aspiração à liberdade. O que nós, poetas,
músicos, pintores, escultores e arquitetos desejamos é criar o nosso
ritmo pessoal, é transmitir a nossa harmonia interior. Cada um
de nós é um instrumento por onde passa a corrente da vida. Não
queremos regras nem admitimos preconceitos. Não nos atraem as
teorias especiosas. A lógica do artista não cabe nas fronteiras de
um teorema, a lógica do artista é um problema cujos dados mu­
dam a cada instante, e cuja solução varia de momento a momen­
to. Para empregar uma simples e admirável imagem de Nietzsche,
'dançamos acorrentados', dançamos sobre as coisas sem que a elas
nos adaptemos, mas, ao revés, tirando do espetáculo do mundo
a substância da criação. A obra de arte não repete, mas adivinha
e transforma a Natureza. O artista é um transfigurador. Recebe a
energia da vida e, em troca, lhe dá a forma". Era explicar em prosa
o que exprimia poeticamente num epigrama:

Olha a vida primeiro, longamente, enternecidamente,


Como quem a quer adivinhar...
Olha a vida, rindo ou chorando, frente a frente,
Deixa depois o coração falar.

Nessa nova compreensão da arte escreve os seus livros mais carac­


terísticos Epigramas irônicos e sentimentais [1922] e Jogos pueris [1926] .
-

Compreensão que depois se alarga aos temas mais vastos das terras
americanas que sonhava solidarizadas na mesma

Alegria de inventar, de descobrir, de correr!

Alegria de criar o caminho com a planta do pé !

As viagens que fez pelas Américas, a civilização mexicana, de que


guardou profunda impressão, a vista dos pampas argentinos, das
solidões andinas, despertaram-lhe a vontade de ser no Novo Mun­
do aquele poeta novo que nos propõe em Toda a América [1926] :

Teu poeta será ágil e inocente, América!

a alegria será a sua sabedoria,


a liberdade será a sua sabedoria,
e sua poesia será o vagido da tua própria substância, América, da
[tua própria substância lírica e numerosa.
ROMfiLn �E tílRVHLHO
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XIII llE7EnH07 li[
NI \OLA llE G;ARO

R I O � E cJ A t1E I R O
MXM X X V I
Nesse momento esquecia-se Ronald de Carvalho de que essa alegria,
essa liberdade, essa substância "lírica e numerosa" já estava expressa e
como que esgotada na voz verdadeiramente continental de Walt Whit­
man. Eis por que as imagens fulgurantes e os ritmos amplos dos seus
poemas americanos ressoam aos nossos ouvidos como ecos, talvez
mais concertados, porém menos ingênuos, menos "inocentes" do que
os acentos mais potentes, os acentos geniais de Leaves of Grass. Nem
podia ser de outro modo, já que por fatalidade de temperamento, pela
severa educação e pela sua própria concepção da arte era Ronald de
Carvalho aquele "dançarino acorrentado" da imagem de Nietzsche.
DANTE MILANO [1899-1991 ], carioca, estreou tarde em livro (Poemas,

1948), o que, se por um lado privou o grande público de mais cedo


tomar conhecimento de um dos nossos poetas mais fortes e mais
perfeitos, deu, por outro lado, ao artista a vantagem de surgir em
plena maturidade, sem os cacoetes caducos dos primeiros anos do
modernismo. A sua poesia é grave e meditativa - Mário de Andra­
de chamá-la-ia de "pensamenteada". Exemplo singularmente raro
em nossas letras, parece o Poeta escrever os seus versos naquele
indefinível momento em que o pensamento se faz emoção. Em
1953 a publicação de suas traduções de Três cantos do Inferno (v, xxv
e xxxm ) , veio novamente pôr de manifesto a sua extraordinária
perícia de artista do verso.
RI B E I RO COUTO [1898-1963] estreou com o volume O jardim das

confidências [1921] , um livro típico das emoções da adolescência, em


que nos conta

A dor sentimental dos romances perdidos,


Da mocidade inquieta e de uma espera inútil.
Poesia que o próprio Poeta definirá no livro seguinte, Poemetos de
ternura e melancolia [1924] :

Minha poesia é toda mansa.


Não gesticulo, não me exalto ...
Meu tormento sem esperança
Tem o pudor de falar alto.

Ribeiro Couto pertencia à linhagem dos poetas intimistas. En­


contramos nele o mesmo gosto do cotidiano, a mesma música
de Samain e Francis Jammes. Nas grandes cidades procurava de
preferência os seus temas na vida dos arrabaldes e mais tarde, em
1933, consagra todo um volume, Província, a fixar os aspectos, a
doçura, o encanto como que suburbano das cidadezinhas do in­
terior. Uniu-se aos modernistas no horror da eloquência e na
aceitação do verso livre, mas ficou sempre fiel ao tom baixo, aos
temas humildes do primeiro livro, ao processo musical de criar
uma atmosfera pelas aliterações e refréns. Processo que dá à
maioria dos seus poemas o caráter de canções, já tinha notado
a propósito de O jardim das confidências o crítico Rodrigo M. F. de
Andrade.
Em Um homem na multidão [1926] mistura-se à suavidade, já
menos intencional dos primeiros livros, outra face não menos
marcante do Poeta, a ironia, expressa porém com tão deslizante
leveza, que pode ainda servir de veículo à ternura sempre presen­
te nesse temperamento fundamentalmente sentimental:

Eu quero que tu gostes de mim, quero ...


Mas não me peças nunca para que te leia poemas.
J{IIJEIR..._O COUTO

dos con/ldeacias.

MOKI.EIRO LOBATO @ CI:4-EDUOJ(flS


·S. PA ULO ·.l(UA .BÔA VISTA,52 ·
Cada vez que te obedeço e vou buscar poemas
Começo a ler e te espantas logo: - "Mas a métrica?"
E é preciso repetir toda uma explicação monótona.

Mas em Ribeiro Couto, com o sentimental, para quem a poesia


seria sempre de preferência o refúgio das horas confidenciais, coe­
xistia um homem de ação, dinâmico, intrépido e sagaz, amante
da aventura, curioso de todo o mundo (e para o conhecer se fez
diplomata), profundamente interessado nos destinos de sua pátria
e da América: este afirmou-se num só livro Noroeste e outros poemas
-

do Brasil [1933] . Trata-se do noroeste do seu estado natal, São Paulo,


para onde avançava então a "onda verde" do café novo, zona tu­
multuosa de adventícios cobiçosos e violentos como os do tempo
das "entradas", enchendo-se vertiginosamente de uma população
misturada, sem antecedentes locais:

Nenhum homem feito, ó Noroeste,


Poderá dizer-te: minha terra natal.

Aqui o Poeta gesticula, exalta-se, fala "na linguagem sonora que


inflama as multidões contentes". Em dez poemas celebra a cidade
de Santos, escoadouro marítimo do café, onde nasceu e cresceu
"junto do porto, vendo a azáfama dos embarques", aprendendo "a
poesia do comércio", sentindo no sangue "o instinto da partida".
Mas esse tom é uma exceção na sua obra, e em Cancioneiro de
d. Afonso [1939] e Cancioneiro do ausente [1943] volta ao seu jardim,
onde já agora não soa mais o desejo das terras distantes, enfim sa­
tisfeito: soa, com mais pudor ainda e numa forma extremamente
depurada, o desencanto de todas as aventuras:
Por mares andei
E terras estranhas
Que tristes achei.

E agora, saudades !
Campos e montanhas,
Praias e cidades
De aqui e de além ...

Mas o longe é um bem -


Apagada tinta
Que desperta cores
Na memória extinta...

E a recordação
De não sei que amores,
De não sei que vida
Em não sei que chão ...

E uma voz pungente


Nunca mais ouvida,
Nunca mais ausente.

Não houve mudança essencial na sua poesia. Mas os últimos livros


- Dia longo [1944] , Entre mar e rio [1952] apresentam-na em seu com­
-

pleto amadurecimento. Cada um destes poemas é, pela perfeição


formal, uma página de antologia; cada um resume todo o poeta
que ele quis ser desde o primeiro livro: claro, natural, disfarçando
a comoção num sorriso e comovendo-nos por isso mesmo.

1 72 * 173
[1890-1969] , paulista, já era ao tem­
G U I L H E RM E D E A LM E I D A
po de se iniciar o movimento modernista um nome consagrado
por cinco livros de poemas Nós [1917] , A dança das horas [1919] ,
-

Messidor [ 1919] , Livro de horas de Sóror Dolorosa e Era uma vez [ 1921] .
Todos cinco pertencentes ao clima parnasiano-simbolista, todos
cinco revelando um habilíssimo artista do verso, que, com mais
fundamento ainda do que Bilac, poderia dizer que imita o ourives
quando escreve. Foi na ação renovadora um elemento moderado,
jamais se entregando à facilidade do verso livre sem peias, jamais
renunciando à nobreza dos temas e da linguagem, aos requintes
da técnica, chegando nos seus livros da fase modernista - A frauta
que eu perdi [1924] , Meu [1925] e Raça [1925] - a uma espécie de
compromisso entre os dois processos de versificação, o regular
e o livre. A esse aspecto, Raça, onde canta o Brasil discrimina­
do nos três elementos caldeados em sua formação, o branco, o
índio e o negro, atesta a extraordinária virtuosidade do Poeta.
A célula rítmica do poema é o pentassílabo: "Gentias tatuadas
- coroadas de penas - curvadas como arcos". Esse o primeiro
verso em que surge e se estabelece com valor de cadência; depois
aparecem outros metros, mas o ritmo persiste o mesmo, porque
o pentassílabo, que a intervalos intervém, rege toda a estrutura
do poema; e no fim o ritmo se esquematiza em estrofes com um
primeiro verso longo e ondulante, seguido de três versos curtos,
enumerativos:

Ritmos paralíticos do silêncio imóvel estendido sobre


- capitanias
tabas
quilombos ...
Esse domínio da técnica poética deu a Guilherme de Almeida o
primado entre os nossos tradutores, e o conhecimento que possui
do português arcaico habilitou-o ao tour de force de trasladar uma
balada de Villon no galaico-português dos trovadores medievais.
Passado o período da agitação renovadora, volveu Guilherme
de Almeida aos temas e às formas dos seus primeiros livros, pu­
blicando Encantamento, premiado pela Academia Brasileira [1925] ,
Você [1930] , Cartas que eu não mandei [1932] , Acaso [1938], Cartas do
meu amor [1942] , Poesia vária [1947] , O anjo de sal [1951] , Toda a poesia
[1953] e Camoniana [1956] .
Lançando a poesia Pau-Brasil, Oswald de Andrade separava­
se ruidosamente de Graça Aranha. O modernismo cindia-se em
correntes diversas, guardando todavia os mesmos processos
formais, e unidas apenas no combate ao academicismo. Em
São Paulo mesmo formou-se, em oposição ao primitivismo de
Oswald de Andrade, o grupo que se chamou "verde-amarelo" e de­
pois "da Anta", composto de Menotti del Picchia, Plínio Salgado,
Cassiano Ricardo, Raul Bopp e outros. Para esses o pau-brasil era
nefasto, "pau colonial, arcaísmo da flora, expressão do país sub­
serviente". Propunha-se o grupo estudar a contribuição índia em
nossa formação, pretendia dar à arte uma função social e política.
"Queríamos", escreveu Cassiano Ricardo, "uma arte que tivesse
pátria: ou melhor, uma arte que, para adquirir o seu maior sentido
humano e universal, realizasse aquele pensamento de Gide, que
Maritain (um católico) reproduz em sua 'Arte e escolástica': 'toda
obra de arte será tanto mais universal quanto mais refletir o sinal
da pátria'."
MENOTTI D E L PICCHIA [1892-1988] , nascido em São Paulo, estre­

ara em 1913 com os Poemas do vício e da virtude, a que se seguiram os


poemas Moisés [19171 Juca Mulato [1917] , Máscaras [1920] , A angústia

1 74 ·> 175
de d. João [1925] , Amores de Dulcineia e jesus (1928, tragédia sacra). To­
mou parte ativa na Semana de Arte Moderna, publicando em 1925 o
livro Chuva de pedra. À época verde-amarela pertencem os versos de
República dos Estados Unidos do Brasil. Mas nenhum dos seus livros
modernistas superou o êxito de ]uca Mulato, onde o Poeta se apre­
senta em sua feição mais genuína.
CASSIANO RICARD O [1895-1974] , natural de São José dos Cam­

pos, estado de São Paulo, reuniu as suas poesias completas em dois


livros Martim Cererê [1928] e O sangue das horas [1943] renegando
- -

assim não só as produções parnasianas dos primeiros livros, mas


também os poemas, que chamou polêmicos, dos volumes moder­
nistas Vamos caçar papagaios [1926] , Borrões de verde e amarelo [1925],
Deixa estar, jacaré [1931] .
Martim Cererê é "o Brasil dos meninos, dos poetas e dos he­
róis": na Terra Grande, resume o Poeta, morava a moça bonita
chamada Uiara; certo dia chegou um marinheiro e quis casar com
Uiara; disse-lhe esta: só casarei com aquele que me trouxer a noite;
e como o marinheiro lhe houvesse trazido a noite, a Uiara casou
com ele; então nasceram os gigantes de botas, vermelhos, pretos
e brancos, que sururucaram no mato e foram deixando, por onde
passavam, o rasto vivo dos caminhos, dos cafezais e das cidades...
O mesmo aroma forte da terra, que se respira em Martim Cererê,
vamos encontrar na maioria dos poemas de O sangue das horas; mas
aqui há ainda um certo número de produções inspiradas no mun­
do subjetivo do Poeta. O que caracteriza a expressão de Cassiano
Ricardo nesses livros é a profusão das imagens, quase sempre de
natureza visual. Os seus melhores poemas davam-nos a impressão
de instantâneos fotográficos apanhados à luz crua meridiana. Em
"Relâmpago", tomado ao Martim Cererê, temos o exemplo mais feliz
dessa sua técnica imagista:
.
"
m art1m - c e rere .

Corria na manhã clara


todo enfeitado de arara
brincando por entre as arvores
ainda humidas de sereno.
Era um tapuio pequeno
fugido de alguma taba ;
vivia no sertão bruto
mexendo com tatorana
comendo jaboticaba.

Da pelle de uma onça preta


fez um dia a sua tanga
E andava atropelando os caminheiros
com o relho em flôr da japecanga.

Certa ve:z, depois que os brancos


tomaram conta da terra
appareceu no mato um homem preto
falando em mandinga e candonga.
A onça pintada saltou tronco acima que nem um relâmpago de
[rabo comprido e cabeça amarela:
zás !
Mas uma flecha ainda mais rápida que o relâmpago fez rolar ali
[mesmo
aquele matinal gatão elétrico e bigodudo
que ficou estendido no chão feito um fruto de cor que tivesse
[caído de uma árvore!

Em 1947, com a publicação do livro Um dia depois do outro, surpreen­


deu-se a crítica diante da quase total renovação do Poeta: como
que este, debruçando-se sobre si mesmo, tivesse descoberto as fon­
tes mais profundas de sua inspiração. Poesia desencantadamente
pessoal, de um tom muito diverso dos livros anteriores: rosa "que
floriu atrasada", mas, talvez por isto mesmo, com as melhores for­
mas, as melhores cores e os melhores aromas de todo o jardim. As
qualidades desse novo lirismo confirmaram-se nos livros seguintes
- A face perdida, Poemas murais [1950] , ]oão Torto e a fábula e Arranha-
céu de vidro [1956] - , os quais vieram colocar o seu autor entre os
nossos poetas mais importantes da hora atual.
Em seus livros mais recentes, A montanha russa [1960] e Jeremias
sem chorar [1964] , voltou o Poeta à linha de pesquisas no sentido
do concretismo e da poesia-práxis, movimentos de que trataremos
no fim deste ensaio.
RAUL BOPP [1898-1984] é natural do Rio Grande do Sul, mas pela

sua atividade literária pertence ao meio paulista, tendo colaborado


na Semana de Arte Moderna e posteriormente na corrente naciona­
lista de Menotti del Picchia e Cassiano Ricardo, e na antropofágica
de Oswald de Andrade. Não que fosse um caudatário: muito ao
contrário, Bopp é uma das figuras mais fortes e originais do movi­
mento modernista. O crítico Andrade Muricy define-o muito bem
quando o pinta simpatizado por todos os partidos, divertindo-se
com todos, sumindo-se periodicamente para aventuras inverossí­
meis e distantes. É assim que fez duas vezes a viagem do transibe­
riano e percorreu de Sul a Norte todo o Brasil. "A maior volta do
mundo que eu dei foi na Amazônia", escreveu Bopp. "Canoa de
vela. Pé no chão ouvindo aquelas Mil e uma noites tapuias. Febre e
cachaça. O mato e as estrelas conversando em voz baixa." Dessa
volta ao mundo nasceu o poema Cobra Norato [1931] , do qual disse o
próprio autor: "Para mim vale como a tragédia da maleita, cocaína
amazônica. Eu quero é afilha da rainha Luzia. Obsessão sexual. Druí­
dica. Esotérica. Tem o ar de um livro de criança. Quente e colorido.
Mas no fundo representa a minha tragédia das febres". À visão da­
quele mundo paludial e como que ainda em gestação Ué, aqui estão
-

mesmo fabricando terra! mistura-se a sugestão da alma selvagem


-

evocada nos mitos do folclore local, tudo expresso numa língua


forte e saborosa, síntese muito harmoniosamente organizada da
dição culta e da fala popular. Em Urucungo [1933] e em alguns dos
poemas que acompanham a edição de 1951 de Cobra Norato trouxe
o Poeta à poesia americana de temas negros uma contribuição que
emparelha com as dos mestres cubanos e porto-riquenses.
S É RG I O MILLIET [1898-1966] , nascido em São Paulo, embora
revele na sua maneira de exprimir-se a influência de Mário de
Andrade e Oswald de Andrade, é, pela sensibilidade e formação,
uma figura perfeitamente distinta dentro do grupo paulista. Fez o
curso secundário e o superior de ciências econômicas e sociais na
Suíça, em Genebra. Ali publicou três livros de poemas em francês
-Par le Sentier, Le Départ sous la pluie e En Singeant, este uma coleção

178 ·• 179
11 r u ·
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de pastiches de escritores suíços. Voltando ao Brasil em 1920,
tomou parte na Semana de Arte Moderna, deu em 1923 mais um
volume de versos franceses, <Eil de boeuf, em 1927 Poemas análogos,
em 1937, Poemas. Em 1943 editou Oh valsa latejante, abrangendo
poemas que vão de 1922 a 1943· Em 1946 editou num só volume
-Poesias toda a sua obra poética em língua portuguesa. Sérgio
-

Milliet é por excelência um crítico e no sentido mais amplo da pa­


lavra, pois a sua atividade se estende aos setores da literatura, das
artes plásticas e dos estudos sociais; o mesmo espírito de análise
caracteriza a sua poesia, sempre reflexiva, desenvolvendo-se à ma­
neira de comentário desencantado das vivências de um homem
que se sabe sentimental e procura defender-se numa atitude de
reserva e de ressalva irônica. Já em 1926 compendiava ele toda uma
ars poetica em dois versos do poema "Toi et moi":

Arte é amor e alegria


e o pudor da ironia ...

Mas nunca existiu verdadeiro poeta que não violasse a sua arte
poética. Mais tarde Milliet dirá:

O poema que eu hei de escrever


Será nu e simplesmente rude
O poema que eu hei de escrever será um palavrão.

E em 1936 e 1937, nos cinco "Poemas da rua", maltrata ele a si mes­


mo e aos demais poetas de sua terra que não sentem "senão o
próprio drama pequenino":

180 * 181
É um homem
Tem coração, tem olhos, tem ouvidos
tem todos os sentidos
Ele olha o mundo
Ele ouve o mundo
Ele sente as pulsações do mundo
Ele pensa longamente
volve o olhar para dentro da alma inquieta e pesquisa. ..

NADA ... Um amorzinho muito sensual ...

E concita:

oh poeta de minha terra


abre os braços bem abertos para que venha a ti
a voz profunda do mundo ...

Nessa turbulenta geração paulista, RO DRIGUES D E A B RE U [1897] ,


falecido em 1927, foi, como assinalou Andrade Muricy, "o irmão
deserdado, o irmão doente". Irremediavelmente prostrado pela tu­
berculose em plena adolescência, não teve tempo de amadurecer
em cantos definitivos. Mas em dois livros apenas, A sala dos passos
perdidos [1924] e Casa destelhada [1927] , de publicação póstuma, dei­
xa-se entrever o tesouro de sensibilidade que havia nesse rapaz cuja
poesia comove como "um gesto carinhoso de despedida", cujos
ritmos largos, paralelísticos, e mais o tom augura! e grave nos te­
mas da noite, da morte, da religião antecipam a futura mensagem
de Augusto Frederico Schmidt:

em dia vindouro, nevoento,


porque há de ser sempre de névoa esse dia supremo,
eu partirei numa galera frágil
pelo Mar Desconhecido.

Mas nos meus olhos brilhará uma chama inquieta.


Não pensem que será febre.
Será o Sant'Elmo que brilhou nos mastros altos
das naves tontas que se foram à Aventura.

Saltarei na galera apodrecida,


que me espera no meu porto de Sagres,
no mais áspero cais da vida.
Saltarei um pouco feliz, um pouco contente,
porque não ouvirei o choro de minha mãe.
O choro das mães é lento e cansado.
E é o único choro capaz de chumbar à terra firme
o mais ousado mareante.

Em fins de 1927 e no correr do ano seguinte, quer dizer, mais ou


menos ao tempo em que na capital paulista aparecia o "Manifesto
Pau-Brasil", de Oswald de Andrade, e o "Manifesto Verde-Amarelo",
de Menotti del Picchia, definia-se na revista Festa, do Rio, a corrente
que o crítico Tristão de Athayde chamou espiritualista. Dela faziam
parte os poetas Tasso da Silveira, Murilo Araújo, Cecília Meireles,
os prosadores Andrade Muricy, Adelino Magalhães, Brasílio Itibe­
rê e outros. Em manifestos escritos à maneira de poema, Tasso da
Silveira, principal porta-voz do grupo, compendiava-lhe as ideias
diretrizes nas quatro palavras - velocidade, totalidade, brasilida­
de, universalidade. E definia-as. Velocidade: não se trata de só falar
em aeroplanos, trens de ferro, automóveis; trata-se de velocidade
expressional, isto é, da expressão que condense fortemente a matéria
emotiva, e evite, em transposições bruscas e audazes, os terrenos
já batidos do espírito, e seja sempre inesperada, surpreendente. To­
talidade, quer dizer: o artista assenhoreando-se da realidade integral:
das realidades humanas e transcendentes; das realidades materiais
e espirituais. Brasilidade: fazer viver, pela arte, mais luminosa do
que tudo, a realidade brasileira. Universalidade: exprimir essa reali­
dade brasileira, não como coisa que começa, erro do primitivismo
pau-brasil, mas como coisa integrada na realidade universal, coparti­
cipando dessa perene permuta de forças interiores entre os povos.
Mas a verdade é que o caráter individualista da geração, as idios­
sincrasias de cada um não consentiram jamais o enquadramento
dentro da estética dos manifestos, mesmo da parte dos companhei­
ros de grupo, unidos mais pelo que não queriam do que pelo que
queriam. No caso dos poetas de Festa, o que eles não queriam era o
dinamismo "superficial e pueril" dos futuristas, o linguajar do povo,
o poema-piada ou a piada no poema. Talvez o que os distinga em
comum seja um certo resíduo da sensibilidade simbolista, mas isto
também se encontra em outros poetas fora do grupo, como Manuel
Bandeira, Álvaro Moreyra, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, etc.
Persistência muito natural nos poetas de Festa, ligados por laços de
parentesco e amizade com o grupo simbolista do Paraná: basta lem­
brar que TASSO DA SILVEIRA [1895-1968] , nascido em Curitiba, é filho
de Silveira Neto. Se as palavras definidoras de Tasso da Silveira são
insuficientes para caracterizar a poesia de Murilo Araújo e Cecília
Meireles, uma coisa é certa: elas definem bem as intenções de seus
próprios poemas nos livros A alma heroica dos homens, Alegorias do
homem novo, As imagens acesas, O canto absoluto [1940] , Canto do campo
de batalha e Contemplação do Eterno. Todavia neste último livro e sobre-
tudo no que se lhe seguiu (Puro canto, 1956) o poeta se exprime, como
ainda não havia feito, com "fresco, simples, inocente" lirismo.
Mais vários que os temas de Tasso da Silveira são os de MURILO
ARAÚJO. Mineiro de nascimento (Serro, 1894), estreou com Carrilhões
[1917] , a que seguiu Árias de muito longe. Cantou em A cidade de ouro
o Rio de Janeiro não como ele é no seu cotidiano descrito nos ro­
mances de Manuel Antônio de Almeida, Alencar, Machado de Assis,
Lima Barreto e Marques Rebelo, ou ainda nos poemas de Mário Pe­
derneiras, mas um Rio estilizado e rebrilhante como uma iluminura
bizantina (de resto esse preciosismo ornamental é uma característica
da maneira habitual de Murilo Araújo). Já em A iluminação da vida e
em As sete cores do céu, a par de produções em que persistem os temas
subjetivos ou visuais, dá-nos o Poeta alguns poemas de inspiração
negra, e aqui o que predomina é, como no Congo do norte-america­
no Vachel Lindsay, o elemento musical imitativo - ritmos batidos,
onomatopeias, aliterações e, mau grado os manifestos antiprimiti­
vistas de Festa, o aproveitamento artístico do caçanje. Posteriormen­
te editou ainda o Poeta A estrela az.ul, A escadaria acesa e A luz perdida,
nos quais volta ao suave simbolismo do seu primeiro livro.
Ao tempo de Festa era já CECÍLIA MEIRELES [19m-64] uma voz
distinta entre os nossos poetas. Andrade Muricy definiu-a então
como enamorada do Oriente, grave e austera "nesta terra de sol
violento e de volúpia". Publicara três livros Nunca mais e Poema
-

dos poemas [1923] , Criança, meu amor. . . e Balada para El-Rei [1925] . Mas
data do volume Viagem, seguido de Vaga música, a plenitude de
sua força poética, e um crítico português, João Gaspar Simões,
classificou-a "talvez a maior poetisa de língua portuguesa". O que
logo chama a atenção nos poemas de Cecília Meireles é a extraor­
dinária arte com que estão realizados. Nos seus versos se verifica
mais uma vez que nunca o esmero da técnica, entendida como
informadora e não simples decoradora da substância, prejudicou
a mensagem de um poeta. Sente-se que Cecília Meireles estava
sempre empenhada em atingir a perfeição, valendo-se para isso de
todos os recursos tradicionais ou novos. Há em Viagem [1939] , em
Vaga música [1942] , em Mar absoluto [1945] , em Retrato natural [1949] ,
em 12 noturnos da Holanda [1952] , em Romanceiro da Inconfidência
[1953] , em Canções [1956], em Poemas escritos na Índia [1961] , em Metal
Rosicler [1960] e em Solombra [1963] , seu último livro, as claridades
clássicas, as melhores sutilezas do gongorismo, a nitidez dos me­
tros e dos consoantes parnasianos, os esfumados de sintaxe e as
toantes dos simbolistas, as aproximações inesperadas dos super­
realistas. Tudo bem assimilado e fundido numa técnica pessoal,
segura de si e do que quer dizer. A sua poesia guarda um tom de
reserva mesmo nos momentos de extrema amargura:

Eu não tinha este rosto de hoje,


assim calmo, assim triste, assim magro
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,


tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,


tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
a minha face?
e Poema dos Poemas
..._ Cecilia. Melrelles .li'
Transcrevi na íntegra esse poema "Retrato" porque caracteriza me­
lhor do que quaisquer outras palavras o fariam, não só a autora
como a sua arte. Há não sei que graça aérea nas imagens de Cecília
Meireles, cuja poesia se pode definir por aquele pensamento, aque­
la música a passar na frescura da "Noite" e que era "uma nuvem
repleta, entre as estrelas e o vento". Repleta de emoção nunca tra­
duzida em banalidades sentimentais, tomando às estrelas o seu
brando lucilar, ao vento a sua versatilidade de direção. De resto
o poeta era para Cecília Meireles um irmão do vento e da água,
deixando o seu ritmo por onde quer que vá.
O movimento modernista não ficou limitado aos dois centros
de mais densa vida intelectual do país, Rio e São Paulo: estendeu­
se a outras capitais, e até na pequena cidade mineira de Cataguases
teve repercussão no grupo da revista Verde [1925-28] , fundada por
ROSÁRIO FUSCO, GUILH E RMINO CÉSAR [1908] e outros.
Em Belo Horizonte, a capital de Minas Gerais, o órgão da re­
novação foi A Revista, lançada em 1925 por CARLOS D RUMMOND DE
ANDRADE, EMÍLIO MOURA, JOÃO ALPHONSUS, ABGAR RENAULT.
Carlos Drummond de Andrade [1902-87] é o representante mais
típico em poesia do homem de Minas. Os mineiros mais genuínos
são dotados daquelas qualidades de reflexão cautelosa, de descon­
fiança do entusiasmo fácil, de gosto das segundas intenções, de
reserva pessimista, elementos todos geradores de humour. Toda vez
que com esse feitio mineiro coincidirem uma sensibilidade mais
rara e o dom da poesia, é de esperar um humorista de grande es­
tilo. Carlos Drummond de Andrade é o primeiro caso dessa feliz
conjunção. Sensibilidade comovida e comovente em cada linha que
escreve, o Poeta não abandona quase nunca essa atitude de humour,
mesmo nos momentos de maior ternura. De ordinário, ternura e
ironia agem na sua poesia como um jogo automático de alavancas
de estabilização: não há manobra falsa nesse admirável aparelho de
lirismo. Nos três primeiros volumes que publicou Alguma poesia
-

[1930] , Brejo das Almas [1934] e Sentimento do mundo [1940] - assinala­


se nitidamente uma evolução que o próprio Poeta marcou nestas
linhas de uma informação autobiográfica: "Alguma poesia traduz
uma grande inexperiência do sofrimento e uma deleitação ingê­
nua com o próprio indivíduo. Já em Brejo das Almas há também
uma consciência crescente da sua precariedade e uma desaprova­
ção tácita da conduta (ou falta de conduta) espiritual do autor.
Penso ter resolvido as contradições elementares da minha poesia
num terceiro volume, a sair em breve, e que se chamará Sentimento
do mundo " . Nos dois primeiros livros o pessimismo sarcástico é a
nota dominante. O Poeta não espera grande coisa desta humanida­
de: "tirante dois ou três, o resto vai para o inferno". Como o Jesus
do poema "Romaria", ele devia sonhar, nas horas de cansaço, com
"outra humanidade". O juízo que fazia da pátria não podia ser me-
nos amargo: "Quem me fez assim foi minha gente e minha terra";
"é burrice suspirar pela Europa, aqui ao menos a gente sabe que
tudo é uma canalha só, lê o seu jornal, mete a língua no Governo,
queixa-se da vida e no fim dá certo". O amor? A eterna toada: "briga,
perdoa, briga". Afinal um pis a/ler, porque "se não fosse ele também,
que graça teria a vida?". A vida não presta.
Ninguém atentara naquela desaprovação tácita de tal proce­
dimento, já manifesta, como notou o Poeta, em Brejo das Almas,
e daí a surpresa causada pelo terceiro livro, esse Sentimento do mun­
do, no qual Carlos Drummond de Andrade inesperadamente se
impôs como o nosso primeiro grande "poeta público do Brasil,
o único comparável à moderníssima corrente da poesia inglesa",
como o definiu o crítico Otto Maria Carpeaux. Carlos Drummond
de Andrade tinha compreendido que "chegou um tempo em que

188 * 1 89
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a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação". Não será
mais o cantor "de uma mulher, de uma história". Não dirá mais
"os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela":

não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,


não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens
[presentes,
a vida presente.

Canta neste amanhecer ainda "mais noite do que a noite" a


esperança de um mundo melhor, e grita mesmo, com entusias­
mo: "ó vida futura! nós te criaremos". Até A rosa do povo [1945]
exprimiu-se o Poeta em versos livres, mas nos livros seguintes
- Claro enigma [1951] , Viola de bolso [1952] , Fazendeiro do ar [1954]
e Lição de coisas [1962] - pratica, com grande perícia, também a
metrificação rimada.
EMÍLIO MOURA [1902-71] estreou com o livro Ingenuidade [1931] ,
a que se seguiram Canto da hora amarga [1936] , Cancioneiro [1945], O
espelho e a musa [1948] , O instante e o Eterno [1953] e A casa [1961] . Atra­
vés de todos esses livros se exprime uma alma que sempre ficou fiel
a si mesma e ao seu ideal de paz, de serenidade, de humilde alegria.
Num de seus primeiros poemas dizia-nos:

Eu fiquei só diante da vida


E todas as coisas me assustaram.

A poesia de Emílio Moura é a confissão desses sustos, feita sempre


com um tremor de emoção, mas cheio de pudor. "Poeta quase

1 90 * 1 9 1
místico", disse de si próprio. Ao que Drummond de Andrade acres­
centou: "Sua mística não é a de Deus, mas a do mistério".
Mineira é também HENRI QUETA LISBOA [1904-85] , de cuja poesia
se pode dizer o que ela diz do morto no poema "O mistério": é pode­
rosa de indiferença e equilfbrio, completa em si mesma, torre de seduções e
amarras. E é na morte que encontra o seu maior tema, a morte "cruel
mas limpa", depois da qual "tudo volta a ser como antes da carne
e sua desordem".
No Rio Grande do Sul, AUGUSTO MEYER, RUI CIRN E LIMA, VAR­
GAS NETO, P E D RO V E RGARA e TE O D O M I RO TOSTES formaram o

primeiro grupo modernista.


AUGU STO M EY E R, nascido em Porto Alegre [1902-70], editou Co­

ração verde [1926] , Giraluz, Duas orações [1928] e Poemas de Bilu [1929] .
Desde então silenciou, como se no último livro tivesse chegado
a um beco sem saída ou houvesse exaurido a sua mensagem de
poeta. Mas em 1957 a Livraria S. José Editora publicou Poesias [1958] ,
onde aos livros já mencionados se acrescentaram Literatura &poesia,
Folhas arrancadas e Últimos poemas. Só um elemento mantém nos
volumes de versos publicados por Augusto Meyer a unidade da
sua obra: a profunda conexão com a terra, cuja paisagem, alma e
vocabulário palpitam em cada poema desse rio-grandense-do-sul
para quem o minuano que passa gelando as coxilhas é "um batismo
de orgulho". O que diferencia violentamente os Poemas de Bilu de
Coração verde e Giraluz, é que nestes livros a expressão é calma e
ingênua, ao passo que naquele, Augusto Meyer vira Bilu, "o filóis
(filósofo) Bilu, malabarista metafísico, grão-tapeador parabólico",
reduzindo tudo a si mesmo, dissolvendo os pensamentos e as emo­
ções em "caretas de sagui". O poema "Chewinggum " representa ca­
balmente o Poeta em sua definitiva atitude diante da vida e na sua
expressão irônica e displicente:
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Masco e remasco a minha raiva, chewing gum.

Que pílula este mundo !


Roda roda sem parar.
Zero zero zero zero,
é uma falta de imprevisto ...

Cotidianissimamente enfastiado,
engulo a pílula ridícula,
janto universo e como mosca.

Comi o mio-mio das amarguras.


A raiva dói como um guasqueaço.
Amolado.
Paulificado.
Angurreado.

Bilu, pensa nas madrugadas que virão,


aspira a força da terra possante e contente.
Cada pedra no caminho é trampolim.
O futuro se conjuga saltando.
Depois:
indicativo presente -
. .

cai.o em mim.

O poeta Bilu sabe que "os caminhos foram feitos para andar'', ouve
o mundo que manda: "Entra no coro". Mas recusa-se ao convite da
vida, e o seu desgosto amarguemo só se tranquiliza "na grande luz
de renunciar". O resíduo último dessa filosofia niilista é "que nós so-

1 94 * 195
mos a sombra de um sonho numa sombra", inversão do pensamento
de Píndaro, que definiu o homem como "o sonho de uma sombra".
A melhor poesia do nordeste do Brasil está nas trovas dos can­
tadores populares, nos poemas dialetais de CATULO DA PAIXÃ O
CEARENSE, nos versos dos pernambucanos Ascenso Ferreira e Joa­

quim Cardozo, e do alagoano Jorge de Lima.


ASCENSO F E RRE I RA [1895-1965] publicou três livros Catimbó
-

[1927] , Cana caiana [1939] e Xenhenhém [1927] . Tem uma estatura gi­
gantesca, que a princípio assusta como a catadura de um campeão
de boxe da categoria dos pesados. No entanto, basta ele abrir a boca
para dissipar todos os terrores: é um sentimentalão, e sentimental­
mente compreendeu e cantou o drama doloroso do matuto, a quem
ama ainda quando é o cangaceiro marcado pela fatalidade mesológi­
ca com os estigmas do crime. Os seus poemas são verdadeiras rapsó­
dias nordestinas, onde se espelha fielmente a alma ora brincalhona,
ora pungentemente nostálgica das populações dos engenhos.
De JOAQUIM CARDOZO [1897-1978] , escreveu Carlos Drummond
de Andrade que "foi modernista mais ausente do que participante.
Um aparelho severo de pudor, timidez e autocrítica salvou-o das
demasias próprias de todo período de renovação literária". Esse
retraimento fez que só em 1947 publicasse o Poeta o seu único livro,
Poemas,· onde há versos que datam de 1925. Em Cardozo, artista
tão à vontade na poesia metrificada e rimada quanto no verso livre,
vemos a mesma província de Ascenso Ferreira, mas sentida por
um temperamento extremamente apurado. Mas não é só a sua

* Em 1948 apareceu a Pequena antologia pernambucana de Cardozo, com­


posta e impressa por João Cabral de Melo Neto em Barcelona; em 1960, Signo
estrelado; e em 1963, O coronel de Macambira, onde o Poeta reatualiza um gêne­
ro de teatro brasileiro - o Bumba-meu-boi.
província o que interessa a esse pernambucano tão autêntico: há
nos Poemas assuntos sociais, em "Anjos da paz" por exemplo, a que
ele soube comunicar vibração poética igual à dos momentos mais
enternecidos de sua lírica amorosa.
JORGE DE LIMA [1893-1953] estreou verdadeiramente com O mundo

do menino impossível [1925] , que é a expressão poética da sua adesão à


terra e ao modernismo, tanto que ao publicar em 1929 o livro Novos
poemas, pôs-lhe como epígrafe este fragmento daquele poema: "E o
menino impossível quebrou todos os brinquedos que os vovós lhe
deram ... ". Entre esses brinquedos recebidos dos vovôs estavam as
formas tradicionais em que vazara os XIV alexandrinos, seu primeiro
livro. Já nos Poemas [1927], Novos poemas e Poemas escolhidos [1933]
o Menino Impossível

que destruiu até


os soldados de chumbo de Moscou
e furou os olhos de um Papá Noel,
brinca com os sabugos de milho,
caixas vazias,
tacos de pau,
pedrinhas brancas do rio ...

"Faz de conta que os sabugos


são bois ... "
"Faz de conta ... "
"Faz de conta..."

E os sabugos de milho
mugem como bois de verdade ...

196 * 197
e os tacos que deveriam ser
soldadinhos de chumbo são
cangaceiros de chapéus de couro ...

"Eu poderia dizer", escreveu José Lins do Rego, "que com esse ca­
derno dos Poemas o Nordeste teve o seu primeiro livro de poesia.
O Nordeste dos cangaceiros, do rio de São Francisco, de Lampião,
do padre Cícero, da Great Western Brazil Railway, dos engenhos­
banguês, das procissões, das bonecas de pano que se vendem nas
feiras, de toda a sentimentalidade tão característica de nossa gente."
Alguns dos poemas desse livro e do que se lhe seguiu, Novos poemas,
garantem ao seu autor um nome duradouro em nossa poesia, por­
que figuram entre as melhores e mais saborosas interpretações da
paisagem e da alma brasileiras. Não se confina o Poeta num estreito
nacionalismo. Mas se Ronald de Carvalho cantou toda a Améri­
ca, Jorge de Lima, ainda um tanto rodoísta, celebra o que chama
"a minha América", isto é, a América do Sul, sentimentalmente al-
terada em sua geografia para conter também o México. O ciclo da
terra parece definitivamente encerrado na poesia de Jorge de Lima.
Em Tempo e eternidade [1935], livro seu e de Murilo Mendes, o Poeta
passa a haurir toda a sua inspiração no fundo religioso, a expressão
assume tom e ritmos graves, largos, paralelísticos, de sabor bíblico.
"A vida está malograda", mas o Poeta crê "nas mágicas de Deus".
O manifesto de Jorge de Lima e Murilo Mendes está dito em cinco
palavras: "Restauremos a Poesia em Cristo". A túnica inconsútil [1938]
e Anunciação e encontro de Mira-Celi [1938] persistem, com mais abun­
dância e plenitude, nos temas e na técnica do livro anterior.
Em 49 publicou o Poeta o Livro de sonetos, onde já nos aparece
diferente, justificando a observação de Otto Maria Carpeaux, que o
definiu como um poeta "em caminho". São 78 sonetos, alguns dos
quais só têm da genuína forma fixa tradicional a estruturação em
dois quartetos e dois tercetos. Neles se compraz o autor em concei­
tos, metáforas e expressões de surpreendente barroquismo, barro­
quismo que o Poeta levará à mais desabusada, e às vezes abstrusa,
eclosão no seu livro último, Invenção de Orfeu [r952] , longo poema
em dez cantos, de técnicas e faturas extremamente variadas e cujo
sentido profundo ainda não foi devidamente esclarecido pela crí­
tica e talvez não o seja nunca, pois é evidente haver nele grande
carga de subconsciente a par de certas vivências puramente verbais.
Como quer que seja, é obra poderosa, onde deparamos fragmentos
de alta beleza, que são em si pequenos poemas completos.
M U RI L O M E N D E S [r9or-75] é talvez o mais complexo, o mais

estranho e seguramente o mais fecundo poeta desta geração. Já


publicou onze livros (Poemas, r930; História do Brasil, r933; Tempo e
eternidade, r935; A poesia em pânico, r938; O visionário, r94r; As meta­
morfoses, r944; Mundo enigma, r945; Poesia liberdade, r947; Contempla­
ção de Ouro Preto, r954; Parábola e siciliana, r959; Tempo espanhol, r959)
e tem ainda inéditos uma meia dúzia. Mineiro de nascimento (Juiz
de Fora), tornou-se famoso por alguns poemas-piadas de sabor ca­
racteristicamente carioca. A verdade é que não lhe escapa nenhum
ridículo da vida nacional no presente e no passado. Na sua obra
"há brasileirismo tão constante como em nenhum outro poeta
do Brasil", escreveu com razão Mário de Andrade. Fornecendo
os dados biográficos para uma notícia de antologia, declarou o
próprio Poeta que "encara a poesia como fenômeno diário, cons­
tante, permanente, eterno e universal". Considera seus poemas
como "estudos" que outros poderão desenvolver. Entende que o
germe da poesia existe em todos os homens, competindo ao artista
"desenvolvê-lo nos outros". Nessa mesma ocasião assinalou como
fatos capitais de sua existência a passagem do cometa de Halley
em 1910, dois espetáculos de bailados russos (Nijinsky) em 1916 e
o conhecimento de Ismael Nery em 1921. O primeiro é talvez mui­
to responsável pela interpenetração dos planos da realidade e da
imaginação, do natural e do sobrenatural, pelo ambiente de alum­
bramento e pânico tão frequente nos momentos graves dessa poesia;
o segundo, pelo que a torna, como já notou Vinicius de Moraes, a
mais próxima do ballet, quanto a Ismael Nery, foi o encontro deci­
sivo na vida do poeta, o acontecimento culminante, que resultou
na conversão de Murilo Mendes ao catolicismo.
Nasceu ISMAEL N E RY em Belém do Pará em 1900 e faleceu no
Rio em 1934 aos 34 anos de idade. Tinha gosto e talento para todas
as artes, mas cultivou de preferência a pintura, tendo deixado neste
domínio uma obra importante, ainda não convenientemente estu­
dada. Depois de sua morte viemos a saber que era também poeta,
lendo uma série de poemas publicados numa revista por iniciativa
de Murilo Mendes. Acompanhavam os versos umas notas e comen­
tários que explicavam a concepção que do mundo e da arte formava
o artista. Chamava-lhe ele "essencialismo". Segundo Ismael Nery o
homem deve sempre procurar eliminar os supérfluos que prejudi­
cam sempre a essência a conhecer: a essência do homem e das coisas
só pode ser atingida mediante a abstração do espaço e do tempo, pois
a localização num momento contraria uma das condições da vida,
que é o movimento. Um essencialista deve colocar-se na vida como
se fosse o centro dela para que possa ter a perfeita relação das ideias
e dos fatos. A essa doutrina, escreveu Murilo Mendes, "Ismael Nery
imprimiu o caráter de sua fortíssima personalidade, sujeitando-a
porém aos eternos princípios do catolicismo".

200 * 20I
Sem prejuízo da ingênita originalidade (Murilo Mendes é um
dos quatro ou cinco bichos-da-seda da nossa poesia, isto é, os
que tiram tudo de si mesmos), as ideias de Ismael Nery exerceram
grande influência no amigo, cuja obra se nos apresenta fortemente
marcada por essa abstração do tempo e do espaço. Ouçamo-lo no
seu ensaio sobre "O eterno nas letras brasileiras modernas": "Os
elementos místicos da alma humana não estão sujeitos ao tempo.
Colocado no tempo, o homem tende continuamente a abstraí-lo. A
grande ideia da abstração do tempo ainda não chegou a ser orga­
nizada ou sistematizada pelo homem, mas é fora de dúvida que ele
sofre inconscientemente a pressão da ideia. Na vida diária colhem­
se a todo momento exemplos disto, a começar pela pitoresca e
fortíssima expressão popular matar o tempo. Todo o mundo quer se
libertar do tempo. Nós estamos sujeitos ao tempo e contra o tem­
po. A própria música, uma arte que se desenvolve no tempo, é ou­
vida por quase toda a gente com a finalidade expressa de arrancar o
homem do tempo. Joseph de Maistre diz que a própria ideia da feli­
cidade eterna, junta à do tempo, fatiga e espanta o homem. Eis por
que o Apocalipse nos revela que, no fim de tudo, um anjo gritará:
'Não haverá mais tempo ! '. Muitos homens julgam que a ideia de
eternidade reside num plano de mito, de ficção, ou que a eternida­
de é a vida de além-túmulo. Entretanto a vida eterna começa neste
mundo mesmo: o homem que distingue o espírito da matéria, a
necessidade da liberdade, o bem do mal, e que aceita a revelação
de Cristo como solução para o enigma da vida, este homem já in­
corpora elementos eternos ao patrimônio que lhe foi trazido pelo
tempo". De fato, em toda a poesia de Murilo Mendes assistimos a
essa constante incorporação do eterno ao contingente. E por ou­
tro lado a abstração do espaço acaba por abolir a perspectiva dos
planos, confundidos todos numa superrealidade, com a tangência
do invisível pelo visível. Não se trata porém do super-realismo no
sentido da escola francesa: sente-se sempre na poesia de Murilo Men­
des a força da inteligência e do coração dominando o tumulto das
fontes do subconsciente. Poesia bem de católico, terrivelmente cônscio
do pecado original e ao mesmo tempo como que feliz de todas as
suas fraquezas pelo que elas implicam de amor - um fulgurante
amor não só pelos seus semelhantes como por todas as criaturas
e coisas da Criação. Um catolicismo à São Filipe Néri, em que a
verdade é concebida em suma e em essência como caridade. O seu
culto afronta o ridículo; incorpora-o. E coisa curiosa - poesia e
-

catolicismo dialéticos. Sente-o o próprio Poeta quando num poe­


ma qualifica o seu lirismo de dialético. Com efeito, a cada passo
vemos na poesia de Murilo Mendes uma conciliação dos contrá­
rios. Certos versos seus poderão até transpirar heresia a espíritos
mais estreitos, como aqueles onde exclama: "Amor! Amor! Palavra
que cria e que consome os seres. Fogo, fogo do inferno ! melhor que
o céu". A verdade é que ele se sente de Deus tanto na boa ação
quanto no pecado, e talvez mais no pecado: em Satã, "que não lhe
falta nem um instante". Para ele U RSS é a irmã transviada, cuja
evolução dialética lhe parece imperfeita, e só se completará com
a volta ao lar do Pai, onde URSS encontrará o que procura, o que
não vê que existe nela "desde o princípio". O próprio Poeta se sen­
te ele mesmo e o seu duplo, "a luta entre um homem acabado e
um outro que está andando no ar". O seu maior desejo é voltar
para o Princípio, "que nivela a vida e a morte, a construção e a
destruição"; a sua maior inveja, Adão, "o único homem que foi ao
mesmo tempo mãe, pai, irmão, esposo e amante". Berenice, um
dos muitos nomes da amada, é "sólida como a pedra e variável

202 ,. 203
como o mar". A amada assume nos versos de amor do seu poeta
um desdobramento cósmico, a despeito da "sua elegância, da sua
mentira, da sua vida teatral". Porque ela é "o laço misterioso", diz
ainda o Poeta, "que me prende à ideia essencial de Deus". Temos
aqui o conceito petrarquiano do amor levado ao extremo limite
quase sem um sorriso, antes assiduamente formidável.
Não obstante as intenções construtivistas de Graça Aranha, dos
rapazes de Festa e do grupo verde-amarelo, não obstante a presença
no movimento de um ou outro poeta de sensibilidade e expressão
grave como Emílio Moura, pode-se dizer que, encarado no seu con­
junto, o modernismo brasileiro caracterizou-se por uma atitude
destruidora. Assim o confessa o próprio Mário de Andrade numa
espécie de balanço daqueles anos de agitação: "[ ... ] embora lançando
inúmeros processos e ideias novas, o movimento modernista foi
essencialmente destruidor. Até destruidor de nós mesmos, porque
o pragmatismo das pesquisas sempre enfraqueceu a liberdade de
criação". E acrescenta que ele e os seus companheiros viviam então
"arrebatados pelos ventos da destruição. E a fazíamos ou preparáva-
mos especialmente pela festa, de que a Semana de Arte Moderna fora
a primeira. Todo esse tempo destruidor do movimento modernista
foi pra nós tempo de festa, de cultivo imoderado do prazer". Não
era movimento destruidor das tradições veneráveis, e nisso afastava­
se nitidamente do futurismo e demais movimentos europeus, dos
quais tomava os processos de expressão - o verso livre, as palavras
em liberdade, etc. - e o tom irônico, blagueur, voluntariamente prosai­
co. Não faltava a nenhum desses nossos poetas, e foi uma acusação
injusta que se lhes fez, o sentido grave da vida e do momento social
que viviam, mas é certo que havia neles uma desconfiança evidente
do sublime, como o viam nas formas cursis da literatura consagra-
da, do satisfeito patriotismo burguês. Que o sequestravam de caso
pensado é manifesto num ou noutro momento de abandono à
expressão ingenuamente comovida, raro em Oswald de Andrade
("Procissão do enterro'', 1925) e em Mário de Andrade ("Improviso
do rapaz morto", 1925), mais frequente em Murilo Mendes ("Sertão",
"O homem, a luta e a eternidade", etc., anteriores a 1929), em Manuel
Bandeira ("Os sinos", "Madrigal melancólico'', "Noite morta", etc.,
anteriores a 1924) e outros. Sem embargo, o clima geral era efeti­
vamente de amargo cotidiano e o patriotismo se revelava sob as
formas do pitoresco geográfico e social.
Contra o espírito dessa primeira geração modernista reagiu
a poesia de AUGUSTO F RE D E RI C O S C H M I DT [1906-65] , a partir do
Canto brasileiro [1928] e do Canto do liberto [1928] seguidos de uma
série de livros admiráveis Pássaro cego [1930] , Desaparição da amada
-

e Navio perdido [1931] , Canto da noite [1934] , Estrela solitária [ 1940 ], Mar
desconhecido [1942], Afonte invisível [1949] , todos reunidos em Poesias
completas [1956] , acrescidos de 49 sonetos, da Mensagem aos poetas no­
vos [1950] , Ladainha do mar [1951] , Morelli [1953] , O, Reis [1953], Novos
poemas [1956] e Meditações sobre o mistério da Ressurreição. Publicou
ainda Aurora lívida [1958], Babilônia [1959] e Caminho do frio [1964] .
Nascido no Rio, Schmidt passara pela experiência modernista, assi­
milara-a e, embora sabendo aproveitar-lhe as lições, afastara-se dela,
exprimindo-se num tom constantemente sério e grave, quase catas­
trófico, acometendo-nos a consciência como um eco dos versículos
severos dos profetas judeus. As apóstrofes dessa poesia suscitavam
ambientes de apreensão, como se estivéssemos, e de fato estávamos,
na véspera de calamidades tremendas. É precisamente essa volta
ao sublime a qualidade nova trazida à nossa poesia pela voz de
Schmidt, logo secundada pela de Vinicius de Moraes em O caminho

20 4 * 205
para a distância [1933], Forma e exegese [1935] e Ariana, a mulher [1936] .
"Não quero mais o Brasil, não quero mais geografia, nem pitoresco",
diziam os versos iniciais do Canto do brasileiro. Talvez para marcar a
sua oposição ao engraçado, ao anedótico, ao que Otávio de Faria
chamou "o espírito de café", buscou a princípio Schmidt retomar o
fio partido da tradição romântica, e certos poemas de Navio perdido
e Pássaro cego lembram muitas vezes no sentimento, nos ritmos e
até no vocabulário os versos de um Álvares de Azevedo ou de um
Casimiro de Abreu. Mais tarde o Poeta abandonou essas muletas
românticas e firmou-se em sua feição definitiva, onde é de notar
uma certa afinidade com a de Péguy. Os ritmos largos, o paralelis­
mo, o gosto de falar nas formas do futuro, certo ar de iniciar o po­
ema como se já estivesse no meio dele, a indeterminação no tempo
e no espaço, a frequente aparição de personagens cuja identidade
não se pode de pronto precisar, a insistência nos grandes temas
universais, sobretudo a obsessão do mistério, seja o da morte, ou
o do mar, ou o da noite, ou o das amadas, enchem a sua poesia
de estranhas ressonâncias. Schmidt é dos poucos poetas que já
souberam falar a Deus com tranquila dignidade. Talvez proceda
isso do seu fundo judaico. O cristão em tal colóquio toma quase
sempre uma postura muito sentimental e um tanto pedinchona.
Os antigos hebreus não eram assim. Schmidt a esse respeito não
tem quem se lhe compare: encontra sempre o tom justo, as pala­
vras mais acertadas de respeito, de fé e de confiança. Confessa-se
católico, mas o seu sentimento religioso não é repousado nem
repousante: ele mesmo se pergunta num soneto por que não crê
em Deus sem se martirizar. Martiriza-se mais assiduamente com a
ideia da morte, cujo sentimento nele escapole, como notou Mário
de Andrade, da lição cristã: "Não se percebe na sua obsessão da
morte nenhum anseio da vida futura, nenhum grito de Esperança
ou de Caridade em transe. A morte que Augusto Frederico Schmidt
canta é um fim, um ponto final, um como que terror paralisante
de acabar. E principalmente a visão seca do acabado. É mesmo
estranho que um poeta religioso se permita essa profecia do "Nas­
cimento do sono":

Do fundo do céu virá o sono.


O sono virá crescendo pelos espaços,
O sono virá pela terra caminhando,
E surpreenderá os passarinhos cansados
E as flores, os peixes e os velhos homens.

O sono virá do céu e escorregará,


Se encorpando, nos vales abandonados.
O sono virá macio e terrível,
E suas mãos gelarão as águas dos rios
E as pétalas das rosas.
Suas mãos despirão as roupas das árvores
E o corpo dos pequeninos.

Do fundo do céu virá o sono;


E das gargantas de todos partirá um grito sem som,
E tudo adormecerá,
As cabeças voltadas para o abismo.

Há quem lamente uma certa monotonia na obra abundante de


Schmidt. Por mim penso que o melhor do Poeta estava precisa­
mente nessa persistência de harmônicos elegíacos, que, como os
velhos profetas, lhe conferem um timbre próprio e o situam numa

206 * 207
grandeza solitária como a daquela sua estrela "imagem de um de­
sespero sem forma".
O mesmo tom grave, os mesmos ritmos largos de Schmidt va­
mos encontrar na poesia dos primeiros livros de VINICIUS DE MO­
RAES [1913-80] , nascido no Rio. Mas o seu drama era outro: o Poeta

se debatia entre as solicitações da carne e as do espírito; debatia-se


naquele conflito que Otávio de Faria definiu com uma perplexida­
de entre "a impossível pureza" e "a impureza inaceitável". Ressoava
o seu canto como a longa e desesperada queixa de um prisioneiro.
Era ainda, creio eu, anseio e insatisfação da adolescência que o
fazia dizer:

Eu sou o Incriado de Deus, o que não teve a sua alma e


[semelhança
Eu sou o que surgiu da terra e a quem não coube outra dor
[senão a terra
Eu sou a carne louca que freme ante a adolescência impúbere e
[explode sobre a imagem criada
Eu sou o demônio do bem e o destinado do mal mas eu nada sou.

Mais tarde ele dirá em "Elegia quase uma ode": "Meu sonho eu
te perdi; tornei-me em homem". A partir de Novos poemas [1938] e
sobretudo em Cinco eleyj,as [1943] e Poemas, sonetos e baladas [1946] , •

onde atinge a maior força, a sua poesia virilizou-se, ganhou uma


humanidade mais vasta e mais profunda, e embora o Poeta ainda
sofra de se sentir "falso, miserável e sórdido", prefere, a queixar-se

* Publicou posteriormente uma Antologia poética, organizada em 1949, hoje


em 3� edição aumentada, Orfeu da Conceição, tragédia em versos [1956], e Para
viver um grande amor [poemas e crônicas, 1962] .
apenas, estalar em "sacrifício, violência e devotamento". Tendo reagi­
do, a exemplo de Schmidt, contra o prosaísmo de expressão, encheu­
se de plebeísmos, assim superando numa síntese muito pessoal o
espírito da sua geração e o da anterior. Na forma também mudou
bastante, enriquecendo-se dos ritmos regulares, servindo-se frequen­
temente da rima e chegando até ao soneto de que há exemplares ad­
miráveis desde os Novos poemas.

A expressão mais cabal de LÚCIO CARD O S O [1913-68] , nascido em


Minas Gerais, está nos seus romances e contos, aliás de densa at­
mosfera poética. Todavia sente-se em seus poemas (Poesias, 1941,
Novas poesias, 1944) a mesma vocação, tão bem definida por ele pró­
prio nos versos de "Mazepa":

Ver - sobretudo ver e ouvir e sentir


O e scu ro que sobe das trincheiras
Onde a razão humana dardeja ainda
Os fogos trêmulos do entendimento.

Poesia angustiada, que se compraz nos longos espasmos dos versos


livres de amplíssimo ritmo.
ALPHONSUS DE GUIMARAENS FILHO [1918-2008] , cujo livro Lume
de estrelas [1940] obteve dois prêmios, um da Academia Brasileira de
Letras, outro da Fundação Graça Aranha, sempre atenta a esti­
mular os valores de vanguarda. Estreia paradoxal, como assinalou
Mário de Andrade, essa em que "se afirma um poeta bastante for­
te num livro ainda bastante fraco". Justifica o crítico o seu juízo
apontando o convencionalismo de umas tantas dições, o abuso
de certas imagens-símbolos, os resíduos do simbolismo de escola.

208 . 209
Alphonsus de Guimaraens Filho nasceu em 1918 e publicou o seu
livro em 1940; eram versos dos vinte anos e se de fato pecavam
pelo conformismo a que se referiu Mário de Andrade, por outro
lado revelavam em grau invulgar fina sensibilidade, forte imagi­
nação verbal e técnica segura. Os seus poemas posteriores (Sonetos
da ausência, Nostalgia dos anjos, 1946, A cidade do sul, 1948, O irmão,
1950, O mito e o criador, 1954, Sonetos com dedicatória, 1957, O unigênito,
Elegia de Guarapari, Uma rosa sobre o mármore, Cemitério de pescadores
e Aqui, 1960) confirmam as promessas do primeiro livro.
Os poetas que, depois desses, vieram surgindo até os anos da
Segunda Guerra Mundial, não parecem ter sentido necessidade
de inovação, e dentro do espírito e da forma de seus predeces­
sores souberam afirmar a própria individualidade: entre outros
nomes MÁRI O QUINTANA [1906-94] , como AUGUSTO MEYER muito
de sua terra e muito pessoal, O DYLO COSTA FILHO, E D GARD B RAGA,
O D O RICO TAVARES, F E RNAN DO MENDES DE ALME I DA, MARCELO DE
SENA, ADALGISA N E RY, MAURO MOTA, A . R. RANGEL M O RE I RA, PAU­
LO A RMAND O , SYLVI O DA CUNHA, MARIA ISABEL, PAULO G O M I D E ,
O NEYDA ALVARENGA, MÁRIO PEIXOTO, estes dois últimos emudeci­
dos após promissora estreia. Emudecido para sempre pela morte
prematura, em 1960, CARLOS PENNA FILHO, poeta que podia ser em
tantos momentos raro e requintado, mas que soube nos temas da
terra natal (Pernambuco) apoiar-se firmemente nos metros e no
estilo do povo, escrevendo os deliciosos poemas de Nordesterro e o
Guia prático da cidade do Recife.
Não parece possível caracterizar em conjunto os poetas apa­
recidos a partir de 1942, alguns dos quais mais tarde a si próprios
se chamaram a geração de 45, embora os mais empenhados em se
afirmar como nova geração LÊDO IVO [1924], P É RICLES EUGÊNIO
-
DA SILVA RAMOS [1919-92] , e outros, de sensibilidade e técnica bas­
tante diferenciadas das dos mestres de 22 JOÃO CABRAL DE MELO
-

NETO [1920-99] , MARCOS KONDER REIS, JOSÉ PAULO MOREIRA DA


FONSECA, BUENO DE RIVERA, PAULO MENDES CAMPOS, THIAGO DE
MELLO, GEIR CAMPOS, EMANUEL DE MORAIS, ANTÔNIO RANGEL
BANDEIRA, AFONSO FELIX DE SOUSA, etc. - tenham estreado an­
tes ou depois daquela data. De um modo geral, são de expressão
pouco acessível, sobretudo pelo insólito de suas imagens, e deno­
tam preferência pelo verso livre curto. Todas essas características
podem aliás ser encontradas em poetas anteriores, mas a chamada
geração de 45 como que as sistematizou. A maioria deles está ainda
em formação: Cabral de Melo, por exemplo, em seus últimos livros
- Cão sem plumas [1950] , O rio [1954] e Terceira feira [1961] adotou
-

um realismo socialmente interessado, poesia com mensagem, de


linguagem direta e não mais, como dantes, preocupadamente me­
tafórica. Péricles Eugênio e Bueno de Rivera já se apresentam mais
amadurecidos, e têm idade para isso.
Como o Cabral de Melo da primeira fase têm poetado JOSÉ PAU­
LO MOREIRA DA FONSECA e EMANUEL DE MORAIS. Outros, porém,
talvez mais ricos de seiva lírica, deixam fluir com abundância o can­
to interior: LÊDO IVO, já com dez livros publicados, os últimos dos
quais Um brasileiro em Paris e o rei da Europa [1955] e Uma lira dos
-

vinte anos [1962] - o situam singularmente entre os de sua geração.


De THIAGO DE MELLO e AFONSO FELIX DE SOUSA se pode dizer o
mesmo: a força de suas sensibilidades fá-los extravasar em verda­
deiros discursos poéticos, sobretudo ao primeiro, que se exprime
sempre em versos metrificados mas sem rima, produzindo poemas
que impressionam pelo que há neles de denso e aluvial (o poeta é
natural do Amazonas).

210 * 2 1 1
O número de bons poetas entre os novos é considerável: não esgo­
taremos a lista citando os nomes de PAULO MENDES CAMPOS, MAR­
COS KONDER REIS, ANTÔNIO RANGEL BANDEIRA, DARCY DAMASCENO,
STELLA LEONARDOS, NILO APARECIDA PINTO, CIRO PIMENTEL, PAULO
HECKER FILHO, PAULO BONFIM, JOSÉ ESCOBAR FARIA, ANTÔNIO
OLINTO, DOMINGOS PAOLIELO, RUI GUILHE RME BARATA, EDSON RÉ­
GIS, HÉLIO PELLEGRINO, EDMIR DOMINGUES DA SILVA, FRED PINHEI­
RO, RUTH MARIA CHAVES, MYRTES RIB E RTE, ANTÔNIO PINTO DE
MEDEIROS, MONIZ BANDEIRA, REINALDO JARDIM, HENRIQUE SIMAS
etc. Entre os nomes femininos alguns aparecem com força às vezes
superior à da maioria dos poetas do outro sexo: uma LUCY TEIXEIRA,
uma MARLY DE OLIVEIRA, uma ZILA MAMEDE.
Os mais recentes movimentos em nossa poesia foram o con­
cretismo, o néo-concretismo e a poesia-práxis. Os dois primeiros se
inspiram nos princípios do concretismo plástico, ou seja, uma arte
que se exprime, como pregou van Doesburg, por signos concretos
e não simbólicos. "O poema concreto aspira a ser: composição de
elementos básicos da linguagem, organizados óptico-acusticamente
no espaço gráfico por fatores de proximidade e semelhança como
uma espécie de ideograma para uma dada emoção, visando à apre­
sentação direta - presentificação - do objeto": assim explicou HA­
ROLDO DE CAMPOS [1929-2003], um dos jovens poetas dessa corrente,
entre os quais figuram DÉCIO PIGNATARI [1927] , AUGUSTO DE CAM­
POS (1931] , WLADIMIR DIAS PINO (1927] , RONALDO AZEREDO (1937]
e FERREIRA GULLAR [1930] . Este último, por motivo ideológico po­
lítico, deu resolutamente as costas aos concretismos, passando a
praticar a poesia social com apoio nas formas populares, como o
estão mostrando as suas produções mais recentes joão Boa Morte,
-

cabra marcado p 'ra morrer [1962] e Quem matou Aparecida [1962].


com can
so m tem

con ten tam


tem são bem

tom sem
bem som
"Práxis" significa em grego "ação, empreendimento, execução,
negócio, situação dos negócios". Linha de pesquisa literária lan­
çada pelo paulista MÁRIO CHAMIE [1933] , nada explica melhor o
que é um poema-práxis do que a seguinte análise do seu poema
"Migradores", por ele mesmo feita: o tema é a situação do cam-
pesino que se vê forçado a emigrar do campo para a cidade. "Seu
estímulo é a vida sem programa, o esfalfar-se improdutivo do
seu trabalho rural. A questão que se propõe é a de saber se, com
a emigração, não transferiria simplesmente o seu improdutivo
esfalfar-se. E toda essa questão, antes de ser debatida e soluciona­
da no nível de sua consciência, é debatida e solucionada no nível
de sua fala. O poeta práxis dá testemunho disso. De que maneira?
A partir de um desdobramento fenomenológico do verbo esfalfar.
Então o poeta defronta-se com o fato prosódico de que a letra l, na
fala rural brasileira, tem o som de r, com o fato morfológico de que
o esfalfar na cidade é um esfalfar no asfalto, com o fato léxico de
que esfalfar é cansar, terfalta de ar, com o fato silábico-estadístico
de que a desinência de esfalfar é ar e de que o sufixo de asfalto é
falto, com o fato prosódico e pragmático de que, tendo a letra a
pronúncia de r, o elemento radical do verbo esfalfar seria outro
verbo, ou seja, arfar (composição de ar(f)ar), e, finalmente, se depa­
ra o poeta com o fato estadístico e próprio de uma teoria do texto
de que esfalfar é uma palavra que tem o seu próprio vocabulário,
como uma área de levantamento tem a sua própria fala. Com a
certez.a crítica, portanto, de que uma palavra tem o seu próprio
vocabulário, obtive, no poema "Migradores", uma solução e uma
estrutura fono-estilística que é a realidade estética do migrador:

esfalfado arfar sobre o asfalto


falto de ar [ . .. ]
Para completarmos o quadro da moderna poesia brasileira cum­
pre-nos fazer uma breve referência àqueles poetas que os seus ín­
timos chamamos "bissextos" pela escassez da produção. Todos
já ultrapassaram os quarenta anos. Desinteressados da nomeada,
só de raro em raro publicam alguma coisa. São desconhecidos
do grande público mas altamente prezados por quantos vivem
atentos aos verdadeiros valores da poesia. "O defunto", de P E D RO
NAVA [1903-84] , "A cachorra", de P E D RO DANTAS [1904-77] , al­
guns poemas de ANÍBAL MACHADO [ 1894-1964] vieram enriquecer
o nosso patrimônio poético mais do que a abundante produção
impressa de numerosos poetas tão frequentemente citados e reci­
tados. Cumpre-me ainda esclarecer que a antologia complementar
deste estudo está longe de abranger toda a riqueza do patrimônio
poético do Brasil: muitas figuras de primeiro plano a que me referi
no texto não figuram nela, o que de modo nenhum significa menos­
prezo ou esquecimento; a seleção foi feita no sentido de acusar o
mais nitidamente possível a evolução do sentimento e da técnica
em nossa poesia. E até no próprio texto foram omitidos muitos
nomes que num estudo mais amplo poderiam caber sem favor.

214 * 215
216 * 217
GONGORI ZANTES E ÁRCADES

G regó rio de M atos

BUSCANDO A CRISTO

A vós correndo vou, braços sagrados,


Nessa cruz sacrossanta descobertos,
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.

A vós, divinos olhos, eclipsados


De tanto sangue e lágrimas abertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.

A vós, pregados pés, por não deixar-me,


A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p'ra chamar-me.

A vós, lado patente, quero unir-me,


A vós, cravos precisos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
A CRISTO S. N. CRUCIFICADO ESTAN D O O

P O ETA NA Ú LTI MA H O RA DE SUA VIDA

Pequei, Senhor, mas não porque hei pecado,


Da vossa piedade me despido,
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto um pecado,


A abrandar-vos sobeja um só gemido,
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida, e já cobrada


Glória tal, e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história:

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,


Cobrai-a, e não queirais, Pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.

E M BARCADO J Á O PO ETA PARA O SEU D E G RE D O ,

E POSTOS OS O L H O S NA S U A INGRATA P ÁTRIA

LHE CANTA D E S D E O MAR AS D E S P E D I DAS

Adeus, praia, adeus, Cidade,


e agora me deverás,
Velhaca, dar eu adeus,
a quem devo ao demo dar.

218 * 21 9
Que agora, que me devas
dar-te adeus, como quem cai,
sendo que estás tão caída,
que nem Deus te quererá.
Adeus Povo, adeus Bahia,
digo, Canalha infernal,
e não falo na nobreza
tábula, em que se não dá,
Porque o nobre enfim é nobre,
quem honra tem, honra dá,
pícaros dão picardias,
e inda lhes fica, que dar.
E tu, Cidade, és tão vil,
que o que em ti quiser campar,
não tem mais do que meter-se
a magano, e campará.
Seja ladrão descoberto
qual águia imperial,
tenha na unha o rapante,
e na vista o perspicaz.
A uns compre, a outros venda,
que eu lhe seguro o medrar,
seja velhaco notório,
e tramoeiro fatal.
Compre tudo, e pague nada,
deva aqui, deva acolá
perca o pejo, e a vergonha,
e se casar, case mal.
Com branca não, que é pobreza,
trate de se mascavar;
vendo-se já mascavado,
arrime-se a um bom solar.
Porfiar em ser fidalgo,
que com tanto se achará;
se tiver mulher formosa,
gabe-a por esses poiais.
De virtuosa talvez,
e de entendida outro tal,
introduza-se ao burlesco
nas casas, onde se achar.
Que há Donzela de belisco,
que aos punhos se gastará;
trate-lhes um galanteio,
e um frete, que é principal.
Arrime-se a um poderoso,
que lhe alimente o gargaz,
que há pagadores na terra,
tão duros como no mar.
A estes faça alguns mandados
a título de agradar,
e conserve-se o afetuoso,
confessando o desigual.
Intime-lhe a fidalguia,
que eu creio, que crerá,
porque fique ela por ela,
quando lhe ouvir outro tal.
Vá visitar os amigos
no engenho de cada qual,
e comendo-os por um pé,
nunca tire o pé de lá.
Que os Brasileiros são bestas,
e estarão a trabalhar

220 * 221
toda a vida por manter
maganos de Portugal.
Como se vir homem rico,
tenha cuidado em guardar,
que aqui honram os mofinos,
e mofam dos liberais.
No Brasil a fidalguia
no bom sangue nunca está,
nem no bom procedimento,
pois logo em que pode estar?
Consiste em muito dinheiro,
e consiste em o guardar,
cada um o guarde bem,
para ter que gastar mal.
Consiste em dá-lo a maganos,
que o saibam lisonjear,
dizendo, que é descendente
da casa do Vila Real.
Se guardar o seu dinheiro,
onde quiser, casará:
os sogros não querem homens,
querem caixas de guardar.
Não coma o Genro, nem vista
que esse é genro universal;
todos o querem por genro,
genro de todos será.
Oh assolada veja eu
Cidade tão suja, e tal,
avesso de todo o mundo,
só direita em se entortar.
Terra que não se parece
neste mapa universal
com outra, ou são ruins todas,
ou ela somente é má.

TO RNA A D E F I N I R O PO ETA OS MAUS M O D O S DE O B RAR

NA GOVERNANÇA DA BAHIA, PRINCIPALMENTE

NAQU E LA UNIVERSAL F O M E , QU E PADECIA A CIDADE

Que falta nesta cidade? . ...................................................... Verdade


Que mais por sua desonra .................................................. Honra
Falta mais que se lhe ponha ............................................... Vergonha.

O demo a viver se exponha,


por mais que a fama a exalta,
numa cidade, onde falta
Verdade, Honra, Vergonha.

Quem a pôs neste socrócio? ............................................... Negócio


Que causa tal perdição? ...................................................... Ambição
E o maior desta loucura? .................................................... Usura.

Notável desaventura
de um povo néscio, e sandeu,
que não sabe, que o perdeu
Negócio, Ambição, Usura.

Quais são os seus doces objetos? ...................................... Pretos


Tem outros bens mais maciços? ....................................... Mestiços
Quais destes lhe são mais gratos? .................................... Mulatos.

2 2 2 * 223
Dou ao demo os insensatos,
dou ao demo a gente asnal,
que estima por cabedal
Pretos, Mestiços, Mulatos.

Quem faz os círios mesquinhos? ...................................... Meirinhos


Quem faz as farinhas tardas? ............................................ Guardas
Quem as tem nos aposentos? ............................................ Sargentos.

Os círios lá vêm aos centos,


e a terra fica esfaimando,
porqt:e os vão atravessando
Meirinhos, Guardas, Sargentos.

E que justiça a resguarda? .................................................. Bastarda


É grátis distribuída? ............................................................. Vendida
Que tem, que a todos assusta? .......................................... Injusta.

Valha-nos Deus, o que custa,


o que El-Rei nos dá de graça,
que anda a justiça na praça
Bastarda, Vendida, Injusta.

Que vai pela clerezia? ........................................................... Simonia


E pelos membros da Igreja? ............................................... Inveja
Cuidei, que mais se lhe punha? ......................................... Unha.

Sazonada caramunha!
enfim que na Santa Sé
o que se pratica, é
Simonia, Inveja, Unha.
E nos Frades há manqueiras? ............................................ Freiras
Em que ocupam os serões? ................................................ Sermões
Não se ocupam em disputas? ............................................ Putas.

Com palavras dissolutas


me concluís na verdade,
que as lidas todas de um Frade
são Freiras, Sermões, e Putas.

O açúcar já se acabou? ........................................................ Baixou


E o dinheiro se extinguiu? .................................................. Subiu
Logo já convalesceu? ............................................................ Morreu.

À Bahia aconteceu
o que a um doente acontece,
cai na cama, o mal lhe cresce,
Baixou, Subiu, e Morreu.

A Câmara não acode? .......................................................... Não pode


Pois não tem todo o poder? ............................................... Não quer
É que o governo a convence? ............................................. Não vence

Quem haverá que tal pense,


que uma Câmara tão nobre
por ver-se mísera, e pobre
Não pode, não quer, não vence.

* *

224 * 225
Basíl io da Gama

M O RTE D E LIND OYA

Um frio susto corre pelas veias


De Caitutu, que deixa os seus no campo;
E a irmã por entre as sombras do arvoredo
Busca co'a vista, e teme de encontrá-la.
Entram enfim na mais remota, e interna
Parte de antigo bosque, escuro, e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins, e rosas.
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindoya.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutú, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira, e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindoya, e fere
A serpente na testa, e a boca, e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açouta o campo co'a ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindoya
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor! no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia,
Cheios de morte; e muda aquela língua,
Que ao surdo vento, e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime, e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado, e triste,

226 > 227


Que os corações mais duros enternece.
Tanto era bela no seu rosto a morte !
* * *

Cláudio Manuel d a Costa

S O N ETO XCVI I I

Destes penhascos fez a natureza


O berço em que nasci: oh! quem cuidara
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigres, por empresa


Tomou logo render-me; ele declara
Contra meu coração guerra tão rara,
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano,


A que dava ocasião minha brandura,
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura,


Temei, penhas, temei, que Amor tirano,
Onde há mais resistência, mais se apura.
Tom ás Antô n i o Gonzaga

TU N Ã O VE RÁ S, MA RÍ LIA, C E M CATIVOS . . .

Tu não verás, Marília, cem cativos


Tirarem o cascalho e a rica terra,
Ou dos cercos dos rios caudalosos,
Ou da minada Serra.

Não verás separar ao hábil negro


Do pesado esmeril a grossa areia,
E já brilharem os granetes de ouro
No fundo da bateia.

Não verás derrubar os virgens matos,


Queimar as capoeiras inda novas,
Servir de adubo à terra a fértil cinza,
Lançar os grãos nas covas.

Não verás enrolar negros pacotes


Das secas folhas do cheiroso fumo;
Nem espremer entre as dentadas rodas
Da doce cana o sumo.

Verás em cima da espaçosa mesa


Altos volumes de enredados feitos;
Ver-me-ás folhear os grandes livros,
E decidir os pleitos.

Enquanto revolver os meus consultos,


Tu me farás gostosa companhia,

228 * 229
Lendo os fastos da sábia, mestra História,
Os cantos da Poesia.

Lerás em alta voz, a imagem bela;


Eu, vendo que lhe dás o justo apreço,
Gostoso tornarei a ler de novo
O cansado processo.

Se encontrares louvada uma beleza,


Marília, não lhe invejes a ventura,
Que tens quem leve à mais remota idade
A tua formosura.
* * *
23 0 23 1
ROMÂNTI COS

Gonçalves D i as

CANÇÃO DO EXÍLIO

Kennst du das Land, wo die Citronen blühen,

Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühen,

Kennst du es wohl? - Dahin, dahin!

Mõcht ich. . . ziehn!

Goethe

Minha terra tem palmeiras,


Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,


Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,


Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar - sozinho, à noite -
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,


Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Coimbra -julho de 1843

NÃO ME DEIXES !

Debruçada nas águas dum regato


A flor dizia em vão
À corrente, onde bela se mirava...
"Ai, não me deixes, não !

Comigo fica ou leva-me contigo


Dos mares à amplidão,
Límpido ou turvo, te amarei constante
Mas não me deixes, não ! "

E a corrente passava; novas águas


Após as outras vão;

232 * 233
E a flor sempre a dizer curva na fonte:
"Ai, não me deixes, não ! "

E das águas que fogem incessantes


À eterna sucessão
Dizia sempre a flor, e sempre embalde:
"Ai, não me deixes, não ! "

Por fi m desfalecida e a cor murchada,


Quase a lamber o chão,
Buscava inda a corrente por dizer-lhe
Que a não deixasse, não.

A corrente impiedosa a flor enleia,


Leva-a do seu torrão;
A afundar-se dizia a pobrezinha:
"Não me deixaste, não ! "

I -JUCA- P I RAMA

No meio das tabas de amenos verdores,


Cercados de troncos - cobertos de flores,
Alteiam-se os tetos d'altiva nação;
São muitos seus filhos, nos ânimos fortes,
Temíveis na guerra, que em densas coortes
Assombram das matas a imensa extensão.
São rudos, severos, sedentos de glória,
Já prélios incitam, já cantam vitória,
Já meigos atendem à voz do cantor:
São todos Timbiras, guerreiros valentes !
Seu nome lá voa na boca das gentes,
Condão de prodígios, de glória e terror!

As tribos vizinhas, sem forças, sem brio,


As armas quebrando, lançando-as ao rio
O incenso aspiraram dos seus maracás:
Medrosos das guerras que os fortes acendem,
Custosos tributos ignavos lá rendem,
Aos duros guerreiros sujeitos na paz.

No centro da taba se estende um terreiro,


Onde ora se aduna o concílio guerreiro
Da tribo senhora, das tribos servis:
Os velhos sentados praticam d' outrora,
E os moços inquietos, que a festa enamora,
Derramam-se em torno dum índio infeliz.

Quem é? - ninguém sabe: seu nome é ignoto,


Sua tribo não diz: - de um povo remoto
Descende por certo - dum povo gentil;
Assim lá na Grécia ao escravo insulano
Tornavam distinto do vil muçulmano
As linhas corretas do nobre perfil.

Por casos de guerra caiu prisioneiro


Nas mãos dos Timbiras: - no extremo terreiro
Assola-se o teto, que o teve em prisão;

234 * 235
Convidam-se as tribos dos seus arredores,
Cuidosos se incumbem do vaso das cores,
Dos vários aprestos da honrosa função.

Acerva-se a lenha da vasta fogueira,


Entesa-se a corda da embira ligeira,
Adorna-se a maça com penas gentis:
A custo, entre as vagas do povo da aldeia
Caminha o Timbira, que a turba rodeia,
Garboso nas plumas de vário matiz.

Entanto as mulheres com leda trigança,


Afeitas ao rito da bárbara usança,
O índio já querem cativo acabar:
A coma lhe cortam, os membros lhe tingem,
Brilhante enduape no corpo lhe tingem,
Sombreia-lhe a fronte gentil canitar.

II

Em fundos vasos d'alvacenta argila


Ferve o cauim;
Enchem-se as copas, o prazer começa,
Reina o festim.

O prisioneiro, cuja morte anseiam,


Sentado está,
O prisioneiro, que outro sol no ocaso
Jamais verá!
A dura corda, que lhe enlaça o colo,
Mostra-lhe o fim
Da vida escura, que será mais breve
Do que o festim !

Contudo os olhos d'ignóbil pranto


Secos estão;
Mudos os lábios não descerram queixas
Do coração.

Mas um martírio, que encobrir não pode,


Em rugas faz
A mentirosa placidez do rosto
Na fronte audaz !

Que tens, guerreiro? Que temor te assalta


No passo horrendo?
Honra das tabas que nascer te viram,
Folga morrendo.

Folga morrendo; porque além dos Andes


Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.

Rasteira grama, exposta ao sol, à chuva,


Lá murcha e pende:
Somente ao tronco, que devassa os ares,
O raio ofende !

236 * 237
Que foi? Tupã mandou que ele caísse,
Como viveu;
E o caçador que o avistou prostrado
Esmoreceu!

Que temes, ó guerreiro? Além dos Andes


Revive o forte,
Que soube ufano contrastar os medos
Da fria morte.

III

Em larga roda de novéis guerreiros


Ledo caminha o festival Timbira,
A quem do sacrificio cabe as honras.
Na fronte o canitar sacode em ondas,
O enduape na cinta se embalança,
Na destra mão sopesa a iverapeme,
Orgulhoso e pujante. - Ao menor passo
Colar d'alvo marfim, insígnia d'honra,
Que lhe orna o colo e o peito, ruge e freme,
Como que por feitiço não sabido
Encantadas ali as almas grandes
Dos vencidos Tapuias, inda chorem
Serem glória e brasão d'imigos feros.

"Eis-me aqui, diz ao índio prisioneiro;


Pois que fraco, e sem tribo, e sem família,
As nossas matas devassaste ousado,
Morrerás morte vil da mão de um forte."

Vem a terreiro o mísero contrário;


Do colo à cinta a muçurana desce:
"Dize-me quem és, teus feitos canta,
Ou se mais te apraz, defende-te." Começa
O índio, que ao redor derrama os olhos,
Com triste voz que os ânimos comove.

IV

Meu canto de morte,


Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci,
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.

Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Já vi cruas brigas,
De tribos imigas,
E as duras fadigas
Da guerra provei;
Nas ondas mendaces
Senti pelas faces
Os silvos fugaces
Dos ventos que amei.

Andei longes terras,


Lidei cruas guerras,
Vaguei pelas serras
Dos vis Aimorés;
Vi lutas de bravos,
Vi fortes - escravos!
De estranhos ignavos
Calcados aos pés.

E os campos talados,
E os arcos quebrados,
E os piagas coitados
Já sem maracás;
E os meigos cantores,
Servindo a senhores,
Que vinham traidores,
Com mostras de paz.

Aos golpes do imigo


Meu último amigo,
Sem lar, sem abrigo
Caiu junto a mi !
Com plácido rosto,
Sereno e composto,
O acerbo desgosto
Comigo sofri.

Meu pai a meu lado


Já cego e quebrado,
De penas ralado,
Firmava-se em mi:
Nós ambos, mesquinhos,
Por ínvios caminhos,
Cobertos d' espinhos
Chegamos aqui !

O velho no entanto
Sofrendo já tanto
De fome e quebranto
Só qu'ria morrer!
Não mais me contenho,
Nas matas me embrenho,
Das frechas que tenho
Me quero valer.

Então, forasteiro,
Caí prisioneiro
De um troço guerreiro
Com que me encontrei:
O cru dessossego

24 0 * 24 1
Do pai fraco e cego,
Enquanto não chego,
Qual seja, - dizei !

Eu era o seu guia


Na noite sombria,
A só alegria
Que Deus lhe deixou:
Em mim se apoiava,
Em mim se firmava,
Em mim descansava,
Que filho lhe sou.

Ao velho coitado
De penas ralado,
Já cego e quebrado,
Que resta? - Morrer.
Enquanto descreve
O giro tão breve
Da vida que teve,
Deixai-me viver!

Não vil, não ignavo,


Mas forte, mas bravo;
Serei vosso escravo:
Aqui virei ter.
Guerreiros, não coro
Do pranto que choro;
Se a vida deploro,
Também sei morrer.
V

Soltai-o ! diz o chefe. Pasma a turba;


Os guerreiros murmuram: mal ouviram,
Nem pôde nunca um chefe dar tal ordem !
Brada segunda vez com voz mais alta,
Afrouxam-se as prisões, a embira cede,
A custo, sim: mas cede: o estranho é salvo.

- Timbira, diz o índio enternecido,


Solto apenas dos nós que o seguravam:
É s guerreiro ilustre, um grande chefe,
Tu que assim do meu mal te comoveste,
Nem sofres, que, transposta a natureza,
Com olhos onde a luz já não cintila,
Chore a morte do filho o pai cansado,
Que somente por seu na voz conhece.
- É s livre; parte.
- E voltarei.
- Debalde
- Sim, voltarei, morto meu pai.
- Não voltes !
É bem feliz, se existe, em que não veja,
Que filho tem, qual chora: és livre; parte !
- Acaso tu supões que me acobardo,
Que receio morrer!
- É s livre; parte !
- Ora não partirei; quero provar-te
Que um filho dos Tupis vive com honra,
E com honra maior, se acaso o vencem,
Da morte o passo glorioso afronta.

242 * 243
- Mentiste, que um Tupi não chora nunca,
E tu choraste ! ... parte; não queremos
Com carne vil enfraquecer os fortes.

Sobresteve o Tupi: - arfando em ondas


O rebater do coração se ouvia
Precípite. - Do rosto afogueado
Gélidas bagas de suor corriam:
Talvez que o assaltava um pensamento ...
Já não ... que na enlutada fantasia,
Um pesar, um martírio ao mesmo tempo,
Do velho pai a moribunda imagem
Quase bradar-lhe ouvia: - Ingrato ! ingrato !
Curvado o colo, taciturno e frio,
Espectro d'homem, penetrou no bosque !

VI

- Filho meu, onde estás?


- Ao VOSSO lado;
Aqui vos trago provisões: tomai-as,
As vossas forças restaurai perdidas,
E a caminho, e já!
- Tardaste muito !
Não era nado o sol, quando partiste,
E frouxo o seu calor já sinto agora!

- Sim, demorei-me a divagar sem rumo,


Perdi-me nestas matas intrincadas,
Reaviei-me e tornei; mas urge o tempo;
Convém partir, e já!
- Que novos males
Nos resta de sofrer? - que novas dores,
Que outro fado pior Tupã nos guarda?
- As setas da aflição já se esgotaram,
Nem para novo golpe espaço intacto
Em nossos corpos resta.
- Mas tu tremes !
- Talvez do afà da caça...
- Oh filho caro !
Um quê misterioso aqui me fala,
Aqui no coração; piedosa fraude
Será por certo, que não mentes nunca!
Não conheces temor, e agora temes?
Vejo e sei: é Tupã que nos aflige,
E contra o seu querer não valem brios.
Partamos ! ... -
E com mão trêmula, incerta
Procura o filho, tateando as trevas
Da sua noite lúgubre e medonha.
Sentindo o acre odor das frescas tintas,
Uma ideia fatal correu-lhe à mente ...
Do filho os membros gélidos apalpa,
E a dolorosa maciez das plumas
Conhece estremecendo: - foge, volta,
Encontra sob as mãos o duro crânio,
Despido então do natural ornato ! ...
Recua aflito e pávido, cobrindo
Às mãos ambas os olhos fulminados,

244 * 245
Como que teme ainda o triste velho
De ver, não mais cruel, porém mais clara,
Daquele exício grande a imagem viva
Ante os olhos do corpo afigurada.
Não era que a verdade conhecesse
Inteira e tão cruel qual tinha sido;
Mas que funesto azar correra o filho,
Ele o via; ele o tinha ali presente;
E era de repetir-se a cada instante.
A dor passada, a previsão futura
E o presente tão negro, ali os tinha;
Ali no coração se concentrava,
Era num ponto só, mas era a morte !

- Tu prisioneiro, tu?
- Vós o dissestes.
- Dos índios?
- Sim.
- De que nação?
- Timbiras.
- E a muçurana funeral rompeste,
Dos falsos manitôs quebraste a maça...
- Nada fiz... aqui estou.
- Nada! -
Emudecem;

Curto instante depois prossegue o velho:


- Tu és valente, bem o sei; confessa,
Fizeste-o, certo, ou já não foras vivo !
- Nada fiz; mas souberam da existência
De um pobre velho, que em mim só vivia...
- E depois? ...
- Eis-me aqui.
- Fica essa taba?
- Na direção do sol, quando transmonta.
- Longe?
- Não muito.
- Tens razão: partamos.
- E quereis ir? ...
- Na direção do ocaso.

VII

"Por amor de um triste velho,


Que ao termo fatal já chega,
Vós, guerreiros, concedestes
A vida a um prisioneiro.
Ação tão nobre vos honra,
Nem tão alta cortesia
Vi eu jamais praticada
Entre os Tupis, - e mas foram
Senhores em gentileza.

"Eu porém nunca vencido,


Nem nos combates por armas,
Nem por nobreza nos atos;
Aqui venho, e o filho trago.
Vós o dizeis prisioneiro,
Seja assim como dizeis;
Mandai vir a lenha, o fogo,
A maça do sacrifício
E a muçurana ligeira:
Em tudo o rito se cumpra!
E quando eu for só na terra,
Certo acharei entre os vossos,
Que tão gentis se revelam,
Alguém que meus passos guie;
Alguém, que vendo o meu peito
Coberto de cicatrizes,
Tomando a vez de meu filho,
De haver-me por pai se ufane ! "

Mas o chefe dos Timbiras,


Os sobrolhos encrespando,
Ao velho Tupi guerreiro
Responde com torvo acento:

- Nada farei do que dizes:


É teu filho imbele e fraco !
Aviltaria o triunfo
Da mais guerreira das tribos
Derramar seu ignóbil sangue:
Ele chorou de cobarde;
Nós outros, fortes Timbiras,
Só de heróis fazemos pasto. -

Do velho Tupi guerreiro


A surda voz na garganta
Faz ouvir uns sons confusos,
Como os rugidos de um tigre,
Que pouco a pouco se assanha!

VIII

"Tu choraste em presença da morte?


Na presença de estranhos choraste?
Não descende o cobarde do forte;
Pois choraste, meu filho não és !
Possas tu, descendente maldito
De uma tribo de nobres guerreiros,
Implorando cruéis forasteiros,
Seres presa de vis Aimorés.

"Possas tu, isolado na terra,


Sem arrimo e sem pátria vagando,
Rejeitado da morte na guerra,
Rejeitado dos homens na paz,
Ser das gentes o espectro execrado;
Não encontres amor nas mulheres,
Teus amigos, se amigos tiveres,
Tenham alma inconstante e falaz!

"Não encontres doçura no dia,


Nem as cores da aurora te ameiguem,
E entre as larvas da noite sombria
Nunca possas descanso gozar:
Não encontres um tronco, uma pedra,

24 8 * 249
Posta ao sol, posta às chuvas e aos ventos,
Padecendo os maiores tormentos,
Onde possas a fronte pousar.

"Que a teus passos a relva se torre;


Murchem prados, a flor desfaleça,
E o regato que límpido corre,
Mais te acenda o vesano furor;
Suas águas depressa se tornem,
Ao contato dos lábios sedentos,
Lago impuro de vermes nojentos,
Donde fujas com asco e terror!

"Sempre o céu, como um teto incendido,


Creste e punja teus membros malditos
E oceano de pó denegrido
Seja a terra ao ignavo tupi!
Miserável, faminto, sedento,
Manitôs lhe não falem nos sonhos,
E do horror os espectros medonhos
Traga sempre o cobarde após si.

"Um amigo não tenhas piedoso


Que o teu corpo na terra embalsame,
Pondo em vaso d'argila cuidoso
Arco e frecha e tacape a teus pés !
Sê maldito, e sozinho na terra;
Pois que a tanta vileza chegaste,
Que em presença da morte choraste,
Tu, cobarde, meu filho não és."
IX

Isto dizendo, o miserando velho


A quem Tupã tamanha dor, tal fado
Já nos confins da vida reservara,
Vai com trêmulo pé, com as mãos já frias
Da sua noite escura as densas trevas
Palpando. - Alarma! alarma! - O velho para!
O grito que escutou é voz do filho,
Voz de guerra que ouviu já tantas vezes
Noutra quadra melhor. - Alarma! alarma!
- Esse momento só vale apagar-lhe
Os tão compridos trances, as angústias,
Que o frio coração lhe atormentaram
De guerreiro e de pai: - vale, e de sobra.
Ele que em tanta dor se contivera,
Tomado pelo súbito contraste,
Desfaz-se agora em pranto copioso,
Que o exaurido coração remoça.

A taba se alborota, os golpes descem,


Gritos, imprecações profundas soam,
Emaranhada a multidão braveja,
Revolve-se, enovela-se confusa,
E mais revolta em mor furor se acende.
E os sons dos golpes que incessantes fervem,
Vozes, gemidos, estertor de morte
Vão longe pelas ermas serranias
Da humana tempestade propagando
Quantas vagas de povo enfurecido
Contra um rochedo vivo se quebravam.

250 * 251
Era ele, o Tupi; nem fora justo
Que a fama dos Tupis - o nome, a glória,
Aturado labor de tantos anos,
Derradeiro brasão da raça extinta,
De um jato e por um só se aniquilasse.
- Basta! clama o chefe dos Timbiras,
- Basta, guerreiro ilustre ! assaz lutaste,
E para o sacri fício é mister forças. -

O guerreiro parou, caiu nos braços


Do velho pai, que o cinge contra o peito,
Com lágrimas de júbilo bradando:
"Este, sim, que é meu filho muito amado !
E pois que o acho enfim, qual sempre o tive,
Corram livres as lágrimas que choro,
Estas lágrimas, sim, que não desonram."

Um velho Timbira, coberto de glória,


Guardou a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi !
E à noite, nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Dizia prudente: - "Meninos, eu vi !

"Eu vi o brioso no largo terreiro


Cantar prisioneiro
Seu canto de morte, que nunca esque ci:
Valente, como era, chorou sem ter pejo ;
Pare ce que o vejo,
Que o tenh o nest'hora diante de mi.

"Eu disse comigo : Que infâmia d'es cravo !


Pois não, era um bravo ;
Valente e brioso, como ele, não vi !
E à fé que vos digo : pare ce-me en canto
Que quem chorou tanto,
Tivesse a coragem que tinha o Tupi ! "

Assim o Timbira, coberto d e glória,


Guardava a memória
Do moço guerreiro, do velho Tupi.
E à noite nas tabas, se alguém duvidava
Do que ele contava,
Tornava prudente: - "Meninos, eu vi ! "
*

Á lvares d e Azevedo

SE EU MORRESSE AMANHÃ

Se eu morresse amanhã, viria ao menos


Fe char meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria,
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro !


Que aurora de porvir e que manhã!

2 5 2 * 253
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul ! que do ce n'alva


Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora


A ânsia de glória, o dolorido afà...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

LEMBRANÇA DE MORRER

No more! o never more!


Shelley

Quando em meu peito rebentar-se a fibra


Que o espírito enlaça à dor vivente,
Não derramem por mim nem uma lágrima
Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura


A flor do vale que adorme ce ao vento:
Não quero que uma nota de alegria
Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio


Do deserto, o poento caminheiro
- Como as horas de um longo pesadelo
Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como um desterro de minh'alma errante,


Onde fogo insensato a consumia:
Só levo uma saudade - é desses tempos
Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras


Que eu sentia velar nas noites minhas ...
De ti, ó minha mãe, pobre coitada
Que por minha tristeza te definhas !

De meu pai ... de meus únicos amigos,


Poucos - bem poucos - e que não zombavam
Quando, em noites de febre endoudecido,
Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,


Se um suspiro nos seios treme ainda
É pela virgem que sonhei ... que nunca
Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora
Do pálido poeta deste flores ...
Se viveu, foi por ti ! e de esperança
De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,


Verei cristalizar-se o sonho amigo ...

254 , . 255
Ó minha virgem dos errantes sonhos,
Filha do céu, eu vou amar contigo !

Descansem o meu leito solitário


Na floresta dos homens esquecida,
À sombra de uma cruz, e escrevam nela:
- Foi poeta - sonhou - e amou na vida. -

Sombras do vale, noites da montanha


Que minha alma cantou e amava tanto,
Protegei o meu corpo abandonado,
E no silêncio derramai-lhe canto !

Mas quando preludia ave d'aurora


E quando à meia-noite o céu repousa,
Arvoredos do bosque, abri os ramos ...
Deixai a lua prantear-me a lousa!

FRAGMENTO DE UM CANTO EM CORDAS DE BRONZE

Deixai que o pranto esse palor me queime,


Deixai que as fibras que estalaram dores
Desse maldito coração me vibrem
A canção dos meus últimos amores !

Da delirante embriaguez de bardo


Sonhos em que afoguei o ardor da vida,
Ardente orvalho de febris pranteias,
Que lucro à alma descrida?
Deixai que chore pois. - Nem loucas venham
Consolações a importunar-me as dores;
Quero a sós murmurá-la à noite escura
A canção dos meus últimos amores !

Da ventania às rábidas lufadas


A vida maldirei em meu tormento
- Que é falsa, como em prostitutos lábios
Um ósculo visguento.

Escárnio ! para essas muitas virgens


Como flores - românticas e belas -
Mas que no seio o coração tem árido,
Insens ível e estúpido como elas !

Quero agreste vibrar ruja-me as cordas


Mais selvagens d'est'harpa - quero acentos
D' áspero som como o ranger dos mastros
Na orquestra dos ventos !

Corre feio o trovão nos céus bramindo;


Vão torvos do relâmpago os livores -
Quero às rajadas do tu fão gemê-la
A canção dos meus últimos amores !

Vem pois, meu fulvo cão ! ergue-te asinha,


Meu derradeiro e solitário amigo !
- Quero me ir embrenhar pelos desvios
Da serra - ao desabrigo ...
* *

256 * 257
J u n q ueira Freire

À PROFISSÃO DE FREI JOÃO DAS MERCÊS RAMOS

Entretanto o céu se levanta sereno e pomposo como para


um dia defesta.
Carlos Lacretelle

Eu também antevi dourados dias


Nesse dia fatal:
Eu também, como tu, sonhei contente
Uma ventura igual.

Eu também ideei a linda imagem


Da placidez da vida:
Eu também desejei o claustro estéril,
Como feliz guarida.

Eu também me prostrei ao pé das aras


Com júbilo indizível:
Eu também declarei com forte acento
O juramento horrível.

Eu também afirmei que era bem fácil


Esse voto imortal:
Eu também prometi cumprir as juras
Desse dia fatal.

Mas eu não tive os dias de ventura


Dos sonhos que sonhei:
Mas eu não tive o plácido sossego
Que tanto procurei.

Tive mais tarde a reação rebelde


Do sentimento interno.
Tive o tormento dos cruéis remorsos,
Que me parece eterno.

Tive as paixões que a solidão formava


Crescendo-me no peito.
Tive, em lugar das rosas que esperava,
Espinhos no meu leito.

Tive a calúnia tétrica vestida


Por mãos a Deus sagradas.
Tive a calúnia - que mais livre abrange
Ó Deus ! vossas moradas !

Iludimo-nos todos ! - Concebemos


Um paraíso eterno:
E quando nele sôfregos tocamos,
Achamos um inferno.

Virgem formosa entre visão fantástica


Que tão real parece !
Mas quando a mão chega a tocá-la quase,
Lá vai, lá se esvaece !

Sonho da infância que nos traz aos lábios


Um riso mais que doce:

258 * 259
Mas uma voz, um som ... - some-se o sonho,
Como se nunca fosse.

Tu, filho da esperan ça! - tu juraste


O que também juramos.
Tu acreditas, inocente ! - ainda
O quanto acreditamos !

Oh ! que não sofra as dores que nos ferem


Teu jovem coração !
Que o futuro que esperas não se torne
Terrível ilusão !

Que sobre nós - os filhos da desgraça -


Levantes um troféu:
E que não aches, - como nós achamos -
Inferno em vez de céu!

24 de outubro de r852

NEM SEMPRE
(HORA DE DELÍRIO)

Bem sei que te sorris com rir angélico,


Como as aves do céu e a flor dos bosques:
Porém deste sorrir - por mais danoso,
Nem sempre gosto.

Olhas-me, - eu sinto, com olhar tão terno,


Que, como um talismã, quebranta os ânimos ;
Porém de teu olhar, - tão doce embora,
Nem sempre gosto.

Coa-te as faces candidez lucente,


N ítida e vítrea, - como a flor do jaspe;
Porém desse palor, - tão lindo embora,
Nem sempre gosto.

Falas com som melodioso e harmônico,


Com som tocante, - como etéreas harpas;
Porém desse falar, - por mais sonoro,
Nem sempre gosto.

Andas com passos breves e calados,


Soturnos, - como o divagar da noite:
Porém dos passos teus, - por mais mimosos,
Nem sempre gosto.

De um rir irado, estrídulo e sardônico,


Que, como a seta, me transpasse as fibras;
De um rir danado, que me inspire fúrias,
Às vezes gosto.

De olhar fogoso, trépido e fosfórico,


Como o luzir e o crepitar do raio;
De olhar raivoso, que me acenda o gênio,
Às vezes gosto.

De um rubro afoguear de acesas faces,


- Sintoma de colérico transporte;

260 * 261
De um rubro afoguear, - como um incêndio,
Às vezes gosto.

De um tom vibrante, rápido e precípite,


Como a voz do oceano entre as procelas;
De um tom de voz, que me afigure a raiva,
Às vezes gosto.

De um passo nobre, arrebatado e válido,


Como os impulsos da paixão nos peitos;
De um passo forte, que vacile a terra,
Às vezes gosto.

A mole imagem da apatia inerte


Já me basta de vê-la em teu semblante;
Da guerra das paixões, do horror da cólera
Às vezes gosto.

Ao menos uma vez quisera, ó virgem,


Ver em teu rosto a contração da raiva;
Que do terno langor, que te define,
Nem sempre gosto.

LOUCO
(HORA DE DELÍRIO)

Não, não é louco. O es pírito somente


É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
Aproxima-se mais à essência etérea.
Achou pequeno o cérebro que o tinha:
Suas ideias não cabiam nele;
Seu corpo é que lutou contra sua alma,
E nessa luta foi vencido aquele.

Foi uma repulsão de dois contrários:


Foi um duelo, na verdade, insano:
Foi um choque de agentes poderosos:
Foi o divino a combater com o humano.

Agora está mais livre. Algum atilho


Soltou-se-lhe do nó da inteligência;
Quebrou-se o anel dessa prisão de carne.
Entrou agora em sua própria essência.

Agora é mais espírito que corpo:


Agora é mais um ente lá de cima;
É mais, é mais que um homem vão de barro:
É um anjo de Deus, que Deus anima.

Agora, sim - o espírito mais livre


Pode subir às regiões supernas:
Pode, ao descer, anunciar aos homens
As palavras de Deus, também eternas.

E vós, almas terrenas, que a matéria


Os sufocou ou reduziu a pouco,
Não lhe entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando o chamais, portanto: - um louco !
Não, não é louco. O es pírito somente
É que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.
* * *

Fagu ndes Varela

NÉVOAS

Nas horas tardias que a noite desmaia,


Que rolam na praia mil vagas azuis,
E a lua cercada de pálida chama
Nos mares derrama seu pranto de luz,

Eu vi entre os flocos de névoas imensas


Que em grutas extensas se elevam no ar,
- Um corpo de fada, - serena, dormindo,
Tranquila sorrindo num brando sonhar.

Na forma de neve - puríssima e nua -


Um raio de lua de manso batia,
E assim reclinada no túrbido leito
Seu pálido peito de amores tremia.

Ó filha das névoas ! das veigas viçosas,


Das verdes, - cheirosas roseiras do céu,
Acaso rolaste tão bela dormindo,
E dormes sorrindo, das nuvens no véu?
O orvalho das noites congela-te a fronte,
As orlas do monte se escondem nas brumas,
E queda repousas num mar de neblina,
Qual pérola fina no leito de es pumas !

Nas nuas espáduas, dos astros dormentes,


- Tão frio - não sentes o pranto filtrar?
E as asas de prata do gênio das noites,
Em tíbios açoites a trança agitar?

Ai ! vem que nas nuvens te mata o desejo


De um férvido beijo gozares em vão ! ...
Os astros - sem alma - se cansam de olhar-te,
Nem podem amar-te, nem dizem paixão !

E as auras passavam, - e as névoas tremiam, -


- E os gênios corriam - no es paço a cantar,
Mas ela dormia tão pura e divina
Qual pálida andina nas águas do mar!

Imagem formosa das nuvens da Ilíria,


- Brilhante Valquíria - das brumas do norte,
Não ouves ao menos do bardo os clamores,
Envolto em vapores, - mais fria que a morte?

Oh ! vem ! vem, minh'alma! teu rosto gelado,


Teu seio molhado de orvalho brilhante,
Eu quero aquecê-los ao peito incendido,
- Contar-te ao ouvido paixão delirante ! ...
Assim eu clamava tristonho e pendido,
Ouvindo o gemido da onda na praia,
Na hora em que fogem as névoas sombrias,
- Nas horas tardias que a noite desmaia. -

E as brisas d'aurora ligeiras corriam,


No leito batiam da fada divina;
Sumiram-se as brumas do vento à bafagem
E a pálida imagem desfez-se em - neblina.

Santos, 1861

JUVENÍLIA

VII

Ah ! quando face a face te contemplo,


E me queimo na luz de teu olhar,
E no mar de tu'alma afogo a minha,
E escuto-te falar,

Quando bebo teu hálito mais puro


Que o bafejo inefável das esferas,
E miro os róseos lábios que aviventam
Imortais primaveras,

Tenho medo de ti ! ... Sim, tenho medo


Porque pressinto as garras da loucura,
E me arrefeço aos gelos do ateísmo,
Soberba criatura!
Oh! eu te adoro como adoro a noite
Por alto-mar, sem luz, sem claridade,
Entre as refegas do tu fào bravio
Vingando a intensidade !

Como adoro as florestas primitivas


Que aos céus levantam perenais folhagens,
Onde se embalam nos coqueiros presas
As redes dos selvagens !

Como adoro os desertos e as tormentas,


O mistério do abismo e a paz dos ermos,
E a poeira de mundos que prateia
A abóbada sem termos ! . ..

Como tudo o que é vasto, eterno e belo;


Tudo o que traz de Deus o nome escrito !
Como a vida sem fim que além me espera
No seio do infinito !

CÂNTICO DO CALVÁRIO

À memória de meufilho morto a II de dezembro de 1863

Eras na vida a pomba predileta


Que sobre um mar de angústias conduzia
O ramo da esperança. - Eras a estrela
Que entre as névoas do inverno cintilava
Apontando o caminho ao pegureiro.

266 * 267
Eras a messe de um dourado estio.
Eras o idílio de um amor sublime.
Eras a glória, - a inspiração, - a pátria,
O porvir de teu pai ! - Ah ! no entanto,
Pomba, - varou-te a flecha do destino !
Astro, - engoliu-te o temporal do norte !
Teto, - caíste ! - Crença, já não vives !

Correi, correi, ó ! lágrimas saudosas,


Legado acerbo da ventura extinta,
Dúbios archotes que a tremer clareiam
A lousa fria de um sonhar que é morto !
Correi ! Um dia vos verei mais belas
Que os diamantes de O fi.r e de Golgonda
Fulgurar na coroa de martírios
Que me circunda a fronte cismadora!
São mortos para mim da noite os fachos,
Mas Deus vos faz brilhar, lágrimas santas,
E à vossa luz caminharei nos ermos !
Estrelas do sofrer, - gotas de mágoa,
Brando orvalho do céu ! - Sede benditas !
Ó filho de minh'alma! Ú ltima rosa
Que neste solo ingrato vicejava!
Minha esperança amargamente doce !
Quando as garças vierem do ocidente
Buscando um novo clima onde pousarem,
Não mais te embalarei sobre os joelhos,
Nem de teus olhos no cerúleo brilho
Acharei um consolo a meus tormentos !
Não mais invocarei a musa errante
Nesses retiros onde cada folha
Era um polido espelho de esmeralda
Que refletia os fugitivos quadros
Dos suspirados tempos que se foram !
Não mais perdido em vaporosas cismas
Escutarei ao pôr do sol, nas serras,
Vibrar a trompa sonorosa e leda
Do caçador que aos lares se recolhe!

Não mais ! A areia tem corrido, e o livro


De minha infanda história está completo !
Pouco tenho de andar! Um passo ainda
E o fruto de meus dias, negro, podre,
Do galho eivado rolará por terra!
Ainda um treno, e o vendaval sem freio
Ao soprar quebrará a última fibra
Da lira infausta que nas mãos sustenho !
Tornei-me o eco das tristezas todas
Que entre os homens achei ! O lago escuro
Onde ao clarão dos fogos da tormenta
Miram-se as larvas fúnebres do estrago !
Por toda a parte em que arrastei meu manto
Deixei um traço fundo de agonias ! . ..

Oh! quantas horas não gastei, sentado


Sobre as costas bravias do Oceano,
Esperando que a vida se esvaísse
Como um floco de espuma, ou como o friso
Que deixa n'água o lenho do barqueiro !

Quantos momentos de loucura e febre


Não consumi perdido nos desertos,
Escutando os rumores das florestas,
E procurando nessas vozes torvas
Distinguir o meu cântico de morte !
Quantas noites de angústias e delírios
Não velei, entre as sombras espreitando
A passagem veloz do gênio horrendo
Que o mundo abate ao galopar infrene
Do selvagem corcel? ... E tudo embalde !
A vida parecia ardente e douda
Agarrar-se a meu ser! ... E tu tão jovem,
Tão puro ainda, - ainda n'alvorada,
Ave banhada em mares de esperança,
Rosa em botão, crisálida entre luzes,
Foste o escolhido na tremenda ceifa!
Ah ! quando a vez primeira em meus cabelos
Senti bater teu hálito suave ;
Quando em meus braços te cerrei, ouvindo
Pulsar-te o coração divino ainda;
Quando fitei teus olhos sossegados,
Abismos de inocência e de candura,
E baixo e a medo murmurei: meu filho !
Meu filho! frase imensa, inexplicável,
Grata como o chorar de Madalena
Aos pés do Redentor. .. ah ! pelas fi bras
Senti rugir o vento incendiado
Desse amor infinito que eterniza
O consórcio dos orbes que se enredam
Dos mistérios do ser na teia augusta!
Que prende o céu à terra e a terra aos anjos !
Que se expande em torrentes inefáveis
Do seio imaculado de Maria!
Cegou-me tanta luz ! Errei, fui homem !
E de meu erro a punição cruenta
Na mesma glória que elevou-me aos astros,
Chorando aos pés da cruz hoje padeço !

O som da orquestra, o retumbar dos bronzes,


A voz mentida de rafeiros bardos,
Torpe alegria que circunda os berços
Quando a opulência doura-lhes as bordas,
Não te saudaram ao sorrir primeiro,
Clícia mimosa rebentada à sombra!
Mas ah ! se pompas, esplendor faltaram-te,
Tiveste mais que os príncipes da terra!
Templos, altares de afeição sem termos !
Mundos de sentimento e de magia!
Cantos ditados pelo próprio Deus !
Oh! quantos reis que a humanidade aviltam
E o gênio esmagam dos soberbos tronos,
Trocariam a púrpura romana
Por um verso, uma nota, um som apenas
Dos fecundos poemas que inspiraste !

Que belos sonhos ! Que ilusões benditas


Do cantor infeliz lançaste à vida,
Arco-íris de amor! luz da aliança,
Calma e fulgente em meio da tormenta!
Do exílio escuro a cítara chorosa
Surgiu de novo e às vibrações errantes
Lançou dilúvios de harmonia! - O gozo
Ao pranto sucedeu. As férreas horas

270 * 271
Em desejos alados se mudaram.
Noites fugiam, madrugadas vinham,
Mas sepultado num prazer profundo
Não te deixava o berço descuidoso,
Nem de teu rosto meu olhar tirava,
Nem de outros sonhos, que dos teus vivia!

Como eras lindo ! Nas rosadas faces


Tinhas ainda o tépido vestígio
Dos beijos divinais, - nos olhos langues
Brilhava o brando raio que acendera
A bênção do Senhor quando o deixaste !
Sobre teu corpo a chusma dos anjinhos,
Filhos do éter e da luz, voavam,
Riam-se alegres das caçoilas níveas
Celeste aroma te vertendo ao corpo !
E eu dizia comigo: - teu destino
Será mais belo que o cantar das fadas
Que dançam no arrebol, - mais triunfante
Que o sol nascente derribando ao nada
Muralhas de negrume ! ... Irás tão alto
Como o pássaro-rei do Novo Mundo !

Ai ! doudo sonho ! ... Uma estação passou-se,


E tantas glórias, tão risonhos planos
Desfizeram-se em pó ! O gênio escuro
Abrasou com seu facho ensanguentado
Meus soberbos castelos. A desgraça
Sentou-se em meu solar, e a soberana
Dos sinistros impérios de além-mundo
Com seu dedo real selou-te a fronte !
Inda te vejo pelas noites minhas,
Em meus dias sem luz vejo-te ainda,
Creio-te vivo, e morto te pranteio ! . ..

Ouço o tanger monótono dos sinos,


E cada vibração contar parece
As ilusões que murcham-se contigo !
Escuto em meio de confusas vozes,
Cheias de frases pueris, estultas,
O linho mortuário que retalham
Para envolver teu corpo ! Vejo esparsas
Saudades e perpétuas, - sinto o aroma
Do incenso das igrejas, - ouço os cantos
Dos ministros de Deus que me repetem
Que não és mais da terra! ... E choro embalde ! ...

Mas não ! Tu dormes no infinito seio


Do Criador dos seres ! Tu me falas
Na voz dos ventos, no chorar das aves
Talvez das ondas no respiro flébil !
Tu me contemplas lá do céu, quem sabe,
No vulto solitário de uma estrela.
E são teus raios que meu estro aquecem !
Pois bem ! Mostra-me as voltas do caminho!
Brilha e fulgura no azulado manto,
Mas não te arrojes, lágrima da noite
Nas ondas nebulosas do ocidente !
Brilha e fulgura! Quando a morte fria
Sobre mim sacudir o pó das asas,
Escada de Jacó serão teus raios
Por onde asinha subirá minh'alma.
* * *

Casimiro de Abreu

MEUS OITO ANOS

Oh! souvenirs! printemps! aurores!


V. Hugo

Oh ! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Como são belos os dias


Do despontar da existência!
- Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é - lago sereno,
O céu - um manto azulado,
O mundo - um sonho dourado,
A vida - um hino d'amor!
Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d'estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas bei jando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh ! dias da minha infância!


O h ! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã!
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,


Eu ia bem satisfeito,
Da camisa aberto o peito,
- Pés descalços, braços nus -
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis !

Naqueles tempos ditosos


Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,

274 * 275
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!

Oh ! que saudades que tenho


Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais !
- Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais !

Lisboa 1857
-

AMOR E M E D O

Quando eu te fujo e me desvio cauto


Da luz de fogo que te cerca, oh ! bela,
Contigo dizes, suspirando amores:
"- Meu Deus ! que gelo, que frieza aquela! "
Como te enganas ! meu amor é chama
Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco ...
É s bela - eu moço ; tens amor - eu medo ! . ..

Tenho medo de mim, de ti, de tudo,


Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes,
Das folhas secas, do chorar das fontes,
Das horas longas a correr velozes.

O véu da noite me atormenta em dores,


A luz da aurora me entumece os seios,
E ao vento fresco do cair das tardes
Eu me estremeço de cruéis receios.

É que esse vento que na várzea - ao longe,


Do colmo o fumo caprichoso ondeia,
Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia!

Ai ! se abrasado crepitasse o cedro,


Cedendo ao raio que a tormenta envia,
Diz: - que seria da plantinha humilde
Que à sombra dele tão feliz crescia?

A labareda que se enrosca ao tronco


Torrara a planta qual queimara o galho,
E a pobre nunca reviver pudera,
Chovesse embora paternal orvalho !
II

Ai ! se eu te visse no calor da sesta,


A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco,
Soltos cabelos nas espáduas nuas ! ...

Ai ! se eu te visse, Madalena pura,


Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce,
Os braços frouxos - palpitante o seio ! .. .

Ai ! s e e u t e visse e m languidez sublime,


Na face as rosas virginais do pejo,
Trêmula a fala a protestar baixinho . . .
Vermelha a boca, soluçando u m beijo! ...

Diz: - que seria da pureza d'anjo,


Das vestes alvas, do candor das asas?
- Tu te queimaras, a pisar descalça,
- Criança louca, - sobre um chão de brasas !

No fogo vivo eu me abrasara inteiro !


É brio e sedento na fugaz vertigem
Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem !

Vampiro infame, eu sorveria em beijos


Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço
Anjo enlodado nos pauis da terra.
Depois ... desperta no febril delírio,
- Olhos pisados - como um vão lamento,
Tu perguntaras: - qu'é da minha c'roa? ...
Eu te diria: - desfolhou-a o vento ! ...

Oh ! não me chames coração de gelo !


Bem vês: traí-me no fatal segredo.
Se de ti fujo é que te adoro e muito,
É s bela - eu moço ; tens amor, - eu medo ! ...

Outubro r858
-

Castro Alves

CREPÚSCULO SERTANEJO

A tarde morria! Nas águas barrentas


As sombras das margens deitavam-se longas ;
Na esguia atalaia das árvores secas
Ouvia-se um triste chorar de arapongas.

A tarde morria! Dos ramos, das lascas,


Das pedras, do líquen, das heras, dos cardos,
As trevas rasteiras com o ventre por terra
Saíam, quais negros, cruéis leopardos.

A tarde morria! Mais funda nas águas


Lavava-se a galha do escuro ingazeiro ...
Ao fresco arrepio dos ventos cortantes
Em músico estalo rangia o coqueiro.

Sussurro profundo ! Marulho gigante !


Talvez um - silêncio ! ... Talvez uma - orquestra...
Da folha, do cálix, das asas, do inseto ...
Do átomo - à estrela... do verme - à floresta! ...

As garças metiam o bico vermelho


Por baixo das asas, - da brisa ao açoite - ;
E a terra n a vaga d e azul d o infinito
Cobria a cabeça co'as penas da noite !

Somente por vezes, dos jungles das bordas


Dos golfos enormes, daquela paragem,
Erguia a cabeça surpreso, inquieto,
Coberto de limas - um touro selvagem.

Então as marrecas, em torno boiando,


O voo encurvavam medrosas, à toa...
E o tímido bando pedindo outras praias
Passava gritando por sobre a canoa! ...
A D O RMECIDA

Ses longs cheveux épars la couvrent toute entiere


La croix de son collier répose dans sa main,

Com me pour témoigner qu'elle a fait sa priere.


Et qu'elle va la faire en s'éveillant demain.
A. de Musset

Uma noite, eu me lembro ... Ela dormia


Numa rede encostada molemente ...
Quase aberto o roupão ... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste


Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte,
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,


Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras,
Iam na face trêmulos - beijá-la.

Era um quadro celeste ! . . A cada afago


.

Mesmo em sonhos a moça estremecia...


Quando ela serenava... a flor bei java-a.. .
Quando ela ia bei jar-lhe ... a flor fugia .. .

Dir-se-ia que naquele doce instante


Brincavam duas cândidas crianças ...

280 . 281
A brisa, que agitava as folhas verdes,
Fazia-lhe ondear as negras tranças !

E o ramo ora chegava ora afastava-se ...


Mas quando a via despeitada a meio,
P'ra não zangá-la ... sacudia alegre
Uma chuva de pétalas no seio ...

Eu, fitando esta cena, repetia


Naquela noite lânguida e sentida:
"Ó flor! - tu és a virgem das campinas !
"Virgem ! - tu és a flor de minha vida! ..."

São Paulo, novembro de 1868

V O Z E S D ' ÁFRICA

Deus ! ó Deus ! onde estás que não respondes !


Em que mundo, em qu'estrela tu t'escondes
Embuçado nos céus?
Há dois mil anos te mandei meu grito,
Que embalde, desde então, corre o infinito ...
Onde estás, Senhor Deus? ...

Qual Prometeu, tu me amarraste um dia


Do deserto na rubra penedia,
- Infinito: galé ! ...
Por abutre - me deste o sol candente !
E a terra de Suez - foi a corrente
Que me ligaste ao pé ...

O cavalo estafado do Beduíno


Sob a vergasta tomba ressupino
E morre no areal.
Minha garupa sangra, a dor poreja,
Quando o chicote do simoun dardeja
O teu braço eternal.

Minhas irmãs são belas, são ditosas ...


Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas
Dos haréns do Sultão.
Ou no dorso dos brancos elefantes
Embala-se coberta de brilhantes
Nas plagas do Hindustão.

Por tenda tem os cimos do Himalaia ...


O Ganges amoroso beija a praia
Coberta de corais ...
A brisa de Misora o céu inflama;
E ela dorme nos templos do deus Brahma,
- Pagodes colossais ...

A Europa é sempre Europa, a gloriosa! . ..


A mulher deslumbrante e caprichosa,
Rainha e cortesã.
Artista - corta o mármor de Carrara;
Poetisa - tange os hinos de Ferrara,
No glorioso afà! . ..

282 * 283
Sempre a láurea lhe cabe no litígio ...
Ora uma c'roa, ora o barrete frígio
Enflora-lhe a cerviz.
O Universo após ela - doudo amante -
Segue cativo o passo delirante
Da grande meretriz.

Mas eu, Senhor! .. . Eu triste, abandonada


Em meio das areias, desgarrada,
Perdida marcho em vão !
Se choro ... bebe o pranto a areia ardente ;
Talvez ... p'ra que meu pranto, ó Deus clemente !
Não descubras no chão ! . ..

E nem tenho uma sombra na floresta...


Para cobrir-me nem um templo resta
No solo abrasador...
Quando subo às Pirâmides do Egito,
Embalde aos quatro céus chorando grito:
"Abriga-me, Senhor! ..."

Como o profeta em cinza a fronte envolve,


Velo a cabeça no areal, que volve
O siroco feroz ...
Quando eu passo no Saara amortalhada...
Ai ! dizem: "Lá vai África embuçada
No seu branco albornoz ..."
Nem veem que o deserto é meu sudário,
Que o silêncio campeia solitário
Por sobre o peito meu.
Lá no solo onde o cardo apenas medra
Boceja a Esfinge colossal de pedra
Fitando o morno céu.

De Tebas nas colunas derrocadas


As cegonhas espiam debruçadas
O horizonte sem fim ...
Onde branque ja a caravana errante
E o camelo monótono, arque jante
Que desce de Efraim ...

Não basta inda de dor, ó Deus terrível?!


É, pois, teu peito eterno, inexaurível
De vingança e rancor? ...
E que é que fiz, Senhor? que torvo crime
Eu cometi jamais que assim me oprime
Teu gládio vingador? ! . ..

Foi depois do dilúvio ... Um viandante,


Negro, sombrio, pálido, arque jante,
Descia do Arará...
E eu disse ao peregrino fulminado:
"Cão ! ... serás meu esposo bem amado ...
Serei tua Eloá...
"
Desde este dia o vento da desgraça
Por meus cabelos ululando passa
O anátema cruel.
As tribos erram do areal nas vagas,
E o Nómada faminto corta as plagas
No rápido corcel.

Vi a ciência desertar do Egito ...


Vi meu povo seguir - Judeu maldito -
Trilho da perdição.
Depois vi minha prole desgraçada
Pelas garras d'Europa - arrebatada -
- Amestrado falcão ! ...

Cristo ! embalde morreste sobre um monte ...


Teu sangue não lavou da minha fronte
A mancha original.
Ainda hoje são, por fado adverso,
Meus filhos - alimária do universo,
Eu - pasto universal ...

Ho je em meu sangue a América se nutre


- Condor que transformara-se em abutre,
Ave da escravidão,
Ela juntou-se às mais ... irmã traidora
Qual de José os vis irmãos outrora
Venderam seu irmão.
Basta, Senhor! De teu potente braço
Role através dos astros e do espaço
Perdão p'ra os crimes meus ! . ..
Há dois mil anos ... eu soluço um grito ...
Escuta o brado meu lá no infinito,
Meu Deus ! Senhor, meu Deus ! ! ...

São Paulo, II de junho de 1868

O NAVIO NEGREIRO
(TRAGÉDIA NO MAR)

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço


Brinca o luar - dourada borboleta -
E as vagas após ele correm ... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar ... Do firmamento


Os astros saltam como espumas de ouro . ..
O mar em troca acende as ardentias
- Constelações do líquido tesouro ...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos


Ali se estreitam num abraço insano
Azuis, dourados, plácidos, sublimes ...
Qual dos dois é o céu? Qual o oceano? ...
'Stamos em pleno mar... Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares
Como roçam na vaga as andorinhas ...

Donde vem? ... Onde vai? ... Das naus errantes


Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste Saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.

Bem feliz quem ali pode nest'hora


Sentir deste painel a majestade ! ...
Embaixo - o mar... em cima - o firmamento ...
E no mar e no céu - a imensidade !

Oh ! que doce harmonia traz-me a brisa!


Que música suave ao longe soa!
Meu Deus ! Como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!

Homens do mar! Ó rudes marinheiros


Tostados pelo sol dos quatro mundos !
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos !

Esperai ! Esperai ! deixai que eu beba


Esta selvagem, livre poesia...
Orquestra - é o mar que ruge pela proa,
E o vento que nas cordas assobia...
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh ! quem me dera acompanhar a esteira
Que semelha no mar - doudo cometa!

Albatroz! Albatroz! águia do oceano,


Tu, que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviatã do espaço !
Albatroz ! Albatroz! dá-me estas asas ...

II

Que importa do nauta o berço,


Donde é filho, qual seu lar?...
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai ! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
Às vagas que deixa após.

Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor.
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente
- Terra de amor e traição -
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso
Junto às lavas do Vulcão !

O Inglês - marinheiro frio,


Que ao nascer no mar se achou -
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando orgulhoso histórias
De Nelson e de Aboukir.
O Francês - predestinado -
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir...

Os marinheiros Helenos,
Que a vaga iônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
... Nautas de todas as plagas !
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu ...

III

Desce do espaço imenso, ó águia do oceano !


Desce mais, inda mais ... não pode o olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu ali ... que quadro de amarguras !
Que cena funeral! ... Que tétricas figuras ! ...
Que cena infame e vil ! . .. Meu Deus ! meu Deus ! Que horror!

IV

Era um sonho dantesco ... O tombadilho


Que das luzernas avermelha o brilho,
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros ... estalar do açoite ...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...

Negras mulheres, suspendendo às tetas


Magras crianças, cu jas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras, moças ... mas nuas, espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs.

E ri-se a orquestra, irônica, estridente ...


E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja... se no chão resvala,
Ouvem-se gritos ... o chicote estala.
E voam mais e mais ...

Presa nos elos de uma só cadeia,


A multidão faminta cambaleia,

290 * 291
E chora e dança ali !

Um de raiva delira, outro enlouquece ...


Outro, que de martírios embrutece,
Cantando, geme e ri !

No entanto o capitão manda a manobra


E após, fitando o céu que se desdobra
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai ri jo o chicote, marinheiros !
Fazei-os mais dançar ! . ..
"

E ri-se a orquestra irônica, estridente ...


E da roda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Qual num sonho dantesco as sombras voam ! ...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam !
E ri-se Satanás ! .. .

Senhor Deus dos desgraçados !


Dizei-me vós, Senhor Deus !
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus . ..

Ó mar! por que não apagas


Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão? ...
Astros! noite ! tempestades !
Rolai das imensidades !
Varrei os mares, tufào !

Quem são estes desgraçados,


Que não encontram em vós,
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são ... Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa musa,
Musa libérrima, audaz !

São os filhos do deserto,


Onde a terra esposa a luz.
Onde voa em campo aberto
A tribo dos homens nus ...
São os guerreiros ousados,
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão ...
Homens simples, fortes, bravos ...
Hoje míseros escravos
Sem ar, sem luz, sem razão ...

São mulheres desgraçadas


Como Agar o foi também,
Que sedentas, alquebradas,
De longe ... bem longe vêm ...

292 * 293
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma - lágrimas e fel
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite do pranto
Têm que dar para Ismael...

Lá nas areias infindas,


Das palmeiras no país,
Nasceram - crianças lindas,
Viveram - moças gentis ...
Passa um dia a caravana
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus ! ó choça do monte ! ...
... Adeus ! palmeiras da fonte ! . ..
... Adeus ! amores ... adeus ! ...

Depois o areal extenso .. .


Depois o oceano de pó .. .
Depois no horizonte imenso
Desertos ... desertos só ...
E a fome, o cansaço, a sede ...
Ai ! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer! ...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer...

Ontem a Serra Leoa,


A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão ...
Hoje ... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...

Ontem plena liberdade,


A vontade por poder...
Hoje ... cum'lo de maldade,
Nem são livres p'ra... morrer...
Prende-os a mesma corrente
- Férrea, lúgubre serpente -
Nas roscas da escravidão.
E assim roubados à morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoite ... Irrisão ! . ..

Senhor Deus dos desgraçados !


Dizei-me vós, Senhor Deus !
Se eu deliro ... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus ...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?
Astros ! noite ! tempestades !
Rolai das imensidades !
Varrei os mares, tufão ! ...

294 * 295
VI

E existe um povo que a bandeira empresta


P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia! ...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus ! meu Deus ! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia? ! ...
Silêncio ! ... Musa! chora, chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto ...

Auriverde pendão de minha terra,


Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que à luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu, que da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança,
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha! ...

Fatalidade atroz que a mente esmaga!


Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu na vaga,
Como um íris no pélago profundo !
... Mas é infâmia de mais ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo ...
Andrada! arranca esse pendão dos ares !
Colombo ! fecha a porta dos teus mares !

São Paulo, 18 de abril de 1868


PA R N A S I A N O S

Lu iz Delfina

I N H E R B OOK

Ela andou por aqui; andou. Primeiro,


Porque há traços de suas mãos; segundo,
Porque ninguém, como ela, tem no mundo
Este esquisito, este suave cheiro.

Livro, de beijos meus teu rosto inundo,


Porque dormiste sob o travesseiro
Em que ela dorme o seu dormir, ligeiro
Como um sono de estrela em céu profundo.

Trouxeste dela o olor de uma caçoula,


A luz que canta, a mansidão da rola
E esse estranho mexer de etéreos ninhos ...

Ruflos de asas, amoras dos silvedos,


Frescuras d'água, sombras e arvoredos
Dando seca aos rosais pelos caminhos ...
A PRIMEIRA LÁGRIMA

Quando a primeira lágrima caindo,


Pisou a face da mulher primeira,
O rosto dela assim ficou tão lindo,
E Adão beijou-a de uma tal maneira,

Que anjos e Tronos pelo espaço infindo,


Qual rompe a catadupa prisioneira,
As seis asas de azul e de ouro abrindo,
Fugiram numa esplêndida carreira.

Alguns, poisando à próxima montanha,


Queriam ver de perto os condenados,
Da dor fazendo uma alegria estranha.

E ante o rumor dos ósculos dobrados,


Todos queriam punição tamanha,
Ansiosos, mudos, trêmulos, pasmados ...
* *

Machado de Assis

CÍRCULO VICIOSO

Bailando no ar, gemia inquieto vaga-lume:


"Quem me dera que fosse aquela loura estrela,
Que arde no eterno azul, como uma eterna vela! "
Mas a estrela, fitando a lua, com ciúme:

298 * 299
"Pudesse eu copiar o transparente lume,
Que, da grega coluna à gótica janela,
Contemplou, suspirosa, a fronte amada e bela!"
Mas a lua, fitando o sol, com azedume:

"Mísera! tivesse eu aquela enorme, aquela


Claridade imortal, que toda a luz resume ! "
Mas o sol, inclinando a rútila capela:

"Pesa-me esta brilhante auréola de nume ...


Enfara-me esta azul e desmedida umbela...
Por que não nasci eu um simples vaga-lume?"

A MOSCA AZUL

Era uma mosca azul, asas de ouro e granada,


Filha da China ou do Indostão,
Que entre as folhas brotou de uma rosa encarnada,
Em certa noite de verão.

E zumbia, e voava, e voava, e zumbia,


Refulgindo ao clarão do sol
E da lua, - melhor do que refulgiria
Um brilhante do Grão-Mogol.

Um poleá que a viu, espantado e tristonho,


Um poleá lhe perguntou:
"Mosca, esse refulgir, que mais parece um sonho,
Dize, quem foi que to ensinou?"
Então ela, voando, e revoando, disse:
"Eu sou a vida, eu sou a flor
Das graças, o padrão da eterna meninice,
E mais a glória, e mais o amor".

E ele deixou-se estar a contemplá-la, mudo,


E tranquilo, como um faquir,
Como alguém que ficou deslembrado de tudo,
Sem comparar, nem refletir.

Entre as asas do inseto, a voltear no espaço,


Uma cousa lhe pareceu
Que surdia, com todo o resplendor de um paço.
E viu um rosto, que era o seu.

Era ele, era um rei, o rei de Cachemira,


Que tinha sobre o colo nu
Um imenso colar de opala, e uma safira
Tirada ao corpo de Vichnu.

Cem mulheres em flor, cem nairas superfinas,


Aos pés dele, no liso chão,
Espreguiçam sorrindo as suas graças finas,
E todo o amor que têm lhe dão.

Mudos, graves, de pé, cem etíopes feios,


Com grandes leques de avestruz,
Refrescam-lhes de manso os aromados seios,
Voluptuosamente nus.

300 * 3 01
Vinha a glória depois; - quatorze reis vencidos,
E enfim as páreas triunfais
De trezentas nações, e os parabéns unidos
Das coroas ocidentais.

Mas o melhor de tudo é que no rosto aberto


Das mulheres e dos varões,
Como em água que deixa o fundo descoberto,
Via limpos os corações.

Então ele, estendendo a mão calosa e tosca,


Afeita a só carpintejar,
Com um gesto pegou na fulgurante mosca,
Curioso de a examinar.

Quis vê-la, quis saber a causa do mistério.


E, fechando-a na mão, sorriu
De contente, ao pensar que ali tinha um império,
E para casa se partiu.

Alvoroçado chega, examina, e parece


Que se houve nessa ocupação
Miudamente, como um homem que quisesse
Dissecar a sua ilusão.

Dissecou-a, a tal ponto, e com tal arte, que ela,


Rota, baça, nojenta, vil,
Sucumbiu; e com isto esvaiu-se-lhe aquela
Visão fantástica e sutil.
Hoje, quando ele aí vai, de aloé e cardamomo
Na cabeça, com ar taful,
Dizem que ensandeceu, e que não sabe como
Perdeu a sua mosca azul.

UMA CRIATURA

Sei de uma criatura antiga e formidável,


Que a si mesma devora os membros e as entranhas
Com a sofreguidão da fome insaciável.

Habita juntamente os vales e as montanhas ;


E no mar, que se rasga, à maneira de abismo,
Espreguiça-se toda em convulsões estranhas.

Traz impresso na fronte o obscuro despotismo ;


Cada olhar que despede, acerbo e mavioso,
Parece uma expansão de amor e de egoísmo.

Friamente contempla o desespero e o gozo


Gosta do colibri, como gosta do verme,
E cinge ao coração o belo e o monstruoso.

Para ela o chacal é, como a rola, inerme ;


E caminha na terra imperturbável, como
Pelo vasto areal um vasto paquiderme.

302 * 303
Na árvore que rebenta o seu primeiro gomo
Vem a folha, que lento e lento se desdobra,
Depois a flor, depois o suspirado pomo.

Pois essa criatura está em toda a obra:


Cresta o seio da flor e corrompe-lhe o fruto ;
E é nesse destruir que as suas forças dobra.

Ama de igual amor o poluto e o impoluto ;


Começa e recomeça uma perpétua lida,
E sorrindo obedece ao divino estatuto.
Tu dirás que é a Morte: eu direi que é a Vida.
* * *

Lu iz Guimarães

VISITA À CASA PATERNA

A minha irmã Isabel

Como a ave que volta ao ninho antigo,


Depois de um longo e tenebroso inverno,
Eu quis também rever o lar paterno,
O meu primeiro e virginal abrigo:

Entrei. Um gênio carinhoso e amigo,


O fantasma talvez do amor materno,
Tomou-me as mãos, - olhou-me grave e terno,
E, passo a passo, caminhou comigo.
Era esta a sala ... (Oh ! se me lembro ! e quanto ! )
E m que da luz noturna à claridade,
Minhas irmãs e minha mãe ... O pranto

Jorrou-me em ondas ... Resistir quem há de?


Uma ilusão gemia em cada canto,
Chorava em cada canto uma saudade.

O ESQUIFE

Rosa d'amor, rosa purpúrea e bela.


Garrett

Como é ligeiro o esquife perfumado


Que conduz o teu corpo, oh flor mimosa!
Mal pousaste entre nós, alma saudosa,
Pouco ade jaste, oh querubim nevado !

E vais descendo ao túmulo sagrado,


Igual à incauta e leve mariposa
Que sem sentir queimou a asa ansiosa
Do mundo vil no fogo profanado.

Mas eu que acabo de te ver perdida


Nos abismos sem fim da Natureza,
Oh minha filha! oh terna flor caída!

3 04 * 3 05
Eu que perdi contigo a fortaleza,
As ilusões, o gozo, a crença e a vida,
Ah ! eu bem sei quanto esse esquife pesa!

Londres
* * *

Alberto de Ol ivei ra

VASO GREGO

Esta de áureos relevos, trabalhada


De divas mãos, brilhante copa, um dia,
Já de aos deuses servir como cansada,
Vinda do Olimpo, a um novo deus servia.

Era o poeta de Teos que a suspendia


Então, e, ora repleta ora esvazada,
A taça amiga aos dedos seus tinia,
Toda de roxas pétalas colmada.

Depois ... Mas o lavor da taça admira,


Toca-a, e do ouvido aproximando-a, às bordas
Finas hás de lhe ouvir, canora e doce,

Ignota voz, qual se da antiga lira


Fosse a encantada música das cordas,
Qual se essa voz de Anacreonte fosse.
ASPIRAÇÃO

Ser palmeira! existir num píncaro azulado,


Vendo as nuvens mais perto e as estrelas em bando ;
Dar ao sopro do mar o seio perfumado,
Ora os leques abrindo, ora os leques fechando ;

Só de meu cimo, só de meu trono, os rumores


Do dia ouvir, nascendo o primeiro arrebol,
E no azul dialogar com o espírito das flores,
Que invisível ascende e vai falar ao sol;

Sentir romper do vale e a meus pés, rumorosa,


Dilatar-se e cantar a alma sonora e quente
Das árvores, que em flor abre a manhã cheirosa,
Dos rios, onde luz todo o esplendor do Oriente ;

E juntando a essa voz o glorioso murmúrio


De minha fronde e abrindo ao largo espaço os véus,
Ir com ela através do horizonte purpúreo
E penetrar nos céus ;

Ser palmeira, depois de homem ter sido ! est'alma


Que vibra em mim, sentir que novamente vibra,
E eu a espalmo a tremer nas folhas, palma a palma,
E a distendo, a subir num caule, fibra a fibra;

E à noite, enquanto o luar sobre os meus leques treme,


E estranho sentimento, ou pena ou mágoa ou dó,
Tudo teme, na sombra, ora ou soluça ou geme,
E, como um pavilhão, velo lá em cima eu só ;

3 06 * 3 07
Que bom dizer então bem alto ao firmamento
O que outrora jamais - homem - dizer não pude,
Da menor sensação ao máximo tormento
Quanto passa através minha existência rude !

E, esfolhando-me ao vento, indômita e selvagem,


Quando aos arrancas vem bufando o temporal,
- Poeta - bramir então à noturna bafagem
Meu canto triunfal!

E isto que aqui não digo então dizer: - que te amo,


Mãe natureza! mas de modo tal que o entendas,
Como entendes a voz do pássaro no ramo
E o eco que têm no oceano as borrascas tremendas ;

E pedir que, ou no sol, a cuja luz referves,


Ou no verme do chão ou na flor que sorri,
Mais tarde, em qualquer tempo, a minh'alma conserves,
Para que eternamente eu me lembre de ti !

TAÇA DE CORAL

Lícias, pastor - enquanto o sol recebe,


Mugindo, o manso armento e ao largo espraia,
Em sede abrasa, qual de amor por Febe,
- Sede também, sede maior, desmaia.

Mas aplacar-lhe vem piedosa Naia


A sede d'água: entre vinhedo e sebe
Corre uma linfa, e ele no seu de faia
De ao pé do Alfeu tarro escultado bebe.

Bebe, e a golpe e mais golpe: - "Quer ventura


(Suspira e diz) que eu mate uma ânsia louca,
E outra fique a penar, zagala ingrata!

Outra que mais me aflige e me tortura,


E não em vaso assim, mas de uma boca
Na taça de coral é que se mata."
* * *

j oão Ribei ro

SIMPLES BALADA

"Tu vais partir, Dom Gil! Sus ! Cavaleiro !


"Essa tristeza de tua alma espanca.

"Deixa o penhor de um beijo derradeiro


"No retrato gentil de Dona Branca".

***

Mas tanto fel no longo beijo havia,


E tanta incomparável amargura,

Que o solitário beijo aos poucos ia


Roubando à tela a pálida figura.

3 08 * 3 09
Cresce, recresce, as linhas devastando,
Nódoa voraz pela figura entorna.

Dom Gil, onde se vai, que demorando


Não aparece, aos lares não retorna? !

E o beijo avulta devorando a trama


Do quadro, haurindo a pálida figura...

***

Tarde chega Dom Gil. De longe exclama:


- "Vou ver-te agora, ó santa criatura! "

Funda tristeza o rosto lhe anuvia;


Quem de Dom Gil esta tristeza espanca?

Havia um bei jo - eis tudo quanto havia!


A tela estava inteiramente branca.
* * *

Rai m u ndo Correia

S E R MOÇA E B E LA S E R . . .

Ser moça e bela ser, por que é que lhe não basta?
Por que tudo o que tem de fresco e virgem gasta
E destrói? Por que atrás de uma vaga esperança
Fátua, aérea e fugaz, frenética se lança
A voar, a voar? ...
Também a borboleta,
Mal rompe a ninfa, o estojo abrindo, ávida e inquieta,
As antenas agita, ensaia o voo, adeja;
O finíssimo pó das asas espaneja;
Pouco habituada à luz, a luz logo a embriaga;
Boia do sol na morna e rutilante vaga;
Em grandes doses bebe o azul; tonta, espairece
No éter; voa em redor, vai e vem; sobe e desce ;
Torna a subir e torna a descer; e ora gira
Contra as correntes do ar; ora, incauta, se atira
Contra o tojo e os sarçais; nas puas lancinantes
Em pedaços faz logo as asas cintilantes ;
Da tênue escama de ouro os resquícios mesquinhos
Presos lhe vão ficando à ponta dos espinhos;
Uma porção de si deixa por onde passa,
E, enquanto há vida ainda, esvoaça, esvoaça,
Como um leve papel solto à mercê do vento ;
Pousa aqui, voa além, até vir o momento
Em que de todo, enfim, se rasga e dilacera...

Ó borboleta, para! Ó mocidade, espera!

BANZO

Visões que n'alma o céu do exílio incuba,


Mortais visões ! Fuzila o azul infando ...
Coleia, basilisco de ouro, ondeando
O Niger... Bramem leões de fulva juba ...

31 0 * 31 1
Uivam chacais ... Ressoa a fera tuba
Dos cafres, pelas grotas retumbando,
E a estralada das árvores, que um bando
De paquidermes colossais derruba...

Como o guaraz nas rubras penas dorme,


Dorme em ninhos de sangue o sol oculto ...
Fuma o saibro africano incandescente ...

Vai co'a sombra crescendo o vulto enorme


Do baobá... E cresce n'alma o vulto
De uma tristeza, imensa, imensamente ...

PLENILÚNIO

Além nos ares, tremulamente,


Que visão branca das nuvens sai !
Luz entre as franças, fria e silente ;
Assim nos ares, tremulamente,
Balão aceso subindo vai...

Há tantos olhos nela arroubados,


No magnetismo do seu fulgor!
Lua dos tristes e enamorados,
Golfào de cismas fascinador!

Astro dos loucos, sol da demência,


Vaga, noctâmbula aparição !
Quantos, bebendo-te a refulgência,
Quantos por isso, sol da demência,
Lua dos loucos, loucos estão !

Quantos à noite, de alva sereia


O falaz canto na febre a ouvir,
No argênteo fluxo da lua cheia,
Alucinados se deixam ir...

Também outrora, num mar de lua,


Voguei na esteira de um louco ideal;
Exposta aos euros a fronte nua,
Dei-me ao relento, num mar de lua,
Banhos de lua que fazem mal.

Ah ! quantas vezes, absorto nela,


Por horas mortas postar-me vim
Cogitabundo, triste, à janela,
Tardas vigílias passando assim !

E assim, fitando-a noites inteiras,


Seu disco argênteo n'alma imprimi ;
Olhos pisados, fundas olheiras,
Passei fitando-a noites inteiras,
Fitei-a tanto, que enlouqueci !

Tantos serenos tão doentios,


Friagens tantas padeci eu;
Chuva de raios de prata frios
A fronte em brasa me arrefeceu !

312 * 313
Lunárias flores, ao fera! lume,
- Caçoilas de ópio, de embriaguez -
Evaporavam letal perfume ...
E os lençóis d'água, do fera! lume
Se amortalhavam na lividez ...

Fúlgida névoa vem-me ofuscante


De um pesadelo de luz encher,
E a tudo em roda, desde esse instante,
Da cor da lua começo a ver.

E erguem por vias enluaradas


Minhas sandálias chispas a flux .. .
Há pó de estrelas pelas estradas ...

E por estradas enluaradas


Eu sigo às tontas, cego de luz ...

Um luar amplo me inunda, e eu ando


Em visionária luz a nadar,
Por toda a parte, louco arrastando
O largo manto do meu luar...
* * *

Olavo Bilac

VIA-LÁCTEA

VI

Em mim também, que descuidado vistes,


Encantado e aumentando o próprio encanto,
Tereis notado que outras coisas canto
Muito diversas das que outrora ouvistes.

Mas amastes, sem dúvida ... Portanto,


Meditai nas tristezas que sentistes:
Que eu, por mim, não conheço coisas tristes,
Que mais aflijam, que torturem tanto.

Quem ama inventa as penas em que vive:


E, em lugar de acalmar as penas, antes
Busca novo pesar com que as avive.

Pois sabei que é por isso que assim ando:


Que é dos loucos somente e dos amantes
Na maior alegria andar chorando.

L Í NGUA P O RTUGUESA

Ú ltima flor do Lácio, inculta e bela,


É s, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,


Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!

314 . 315
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo !
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho ! "


E e m que Camões chorou, n o exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho !

M Ú SICA B RASILEIRA

Tens, às vezes, o fogo soberano


Do amor: encerras na cadência, acesa
Em requebras e encantos de impureza,
Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza


Dos desertos, das matas e do oceano:
Bárbara poracé, banzo africano,
E soluços de trova portuguesa.

É s samba e jongo, xiba e fado, cujos


Acordes são desejos e orfandades
De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,


Lasciva dor, beijo de três saudades,
Flor amorosa de três raças tristes.
O CAÇA D O R DE E S M E RALDAS

Foi em março, ao findar das chuvas, quase à entrada


Do outono, quando a terra, em sede requeimada,
Bebera longamente as águas da estação,
- Que, em bandeira, buscando esmeraldas e prata,
À frente dos peões filhos da rude mata,
Fernão Dias Paes Leme entrou pelo sertão.

Ah ! quem te vira assim, no alvorecer da vida,


Bruta Pátria, no berço, entre as selvas dormida,
No virginal pudor das primitivas eras,
Quando, aos bei jos do sol, mas compreendendo o anseio
Do mundo por nascer que trazias no seio,
Reboavas ao tropel dos índios e das feras !

Já lá fora, da ourela azul das enseadas,


Das angras verdes, onde as águas repousadas
Vêm, borbulhando, à flor dos cachopos cantar;
Das abras e da foz dos tumultuosos rios,
- Tomadas de pavor, dando contra os baixios,
As pirogas dos teus fugiam pelo mar...

De longe, ao duro vento opondo as largas velas,


Bailando ao furacão, vinham as caravelas,
Entre os uivos do mar e o silêncio dos astros;
E tu, do litoral, de ro jo nas areias,
Vias o oceano arfar, vias as ondas cheias
De uma palpitação de proas e de mastros.

Pelo deserto imenso e líquido, os penhascos


Feriam-nas em vão, roíam-lhes os cascos ...
A quantas, quanta vez, rodando aos ventos maus,
O primeiro pegão, como a baixéis, quebrava!
E lá iam, no alvor da espumarada brava,
Despo jos da ambição, cadáveres de naus ...

Outras vinham, na febre heroica da conquista!


E quando, de entre os véus das neblinas, à vista
Dos nautas fulgurava o teu verde sorriso,
Os seus olhos, ó Pátria, enchiam-se de pranto:
Era como se, erguendo a ponta do teu manto,
Vissem, à beira d'água, abrir-se o Paraíso !

Mais numerosa, mais audaz, de dia em dia,


Engrossava a invasão. Como a enchente bravia,
Que sobre as terras, palmo a palmo, abre o lençol
Da água devastadora, - os brancos avançavam:
E os teus filhos de bronze ante eles recuavam,
Como a sombra recua ante a invasão do sol.

Já nas faldas da serra apinhavam-se aldeias ;


Levantava-se a cruz sobre as alvas areias,
Onde, ao brando mover dos leques das juçaras,
Vivera e progredira a tua gente forte ...
Soprara a destruição, como um vento de morte,
Desterrando os pajés, abatendo as caiçaras.
Mas além, por detrás das broncas serranias,
Na cerrada região das florestas sombrias,
Cujos troncos, rompendo as lianas e os cipós,
Alastravam no céu léguas de rama escura;
Nos matagais, em cuja horrível espessura
Só corria a anta leve e uivava a onça feroz:

Além da áspera brenha, onde as tribos errantes


À sombra maternal das árvores gigantes
Acampavam; além das sossegadas águas
Das lagoas, dormindo entre aningais floridos ;
Dos rios, acachoando em quedas e bramidos,
Mordendo os alcantis, roncando pelas fráguas ;

- Aí, não ia ecoar o estrupido da luta...


E, no seio nutriz da natureza bruta,
Resguardava o pudor teu verde coração !
Ah ! quem te vira assim, entre as selvas sonhando,
Quando a bandeira entrou pelo teu seio, quando
Fernão Dias Paes Leme invadiu o sertão !
*

Vicente de Carval ho

V E L H O TEMA

IV

Eu não espero o bem que mais desejo:


Sou condenado, e disso convencido ;

3 1 8 * 31 9
Vossas palavras, com que sou punido,
São penas e verdades de sobejo.

O que dizeis é mal muito sabido,


Pois nem se esconde nem procura ensejo,
E anda à vista naquilo que mais vejo:
Em vosso olhar, severo ou distraído.

Tudo quanto afirmais eu mesmo alego:


Ao meu amor desamparado e triste
Toda a esperança de alcançar-vos nego.

Digo-lhe quanto sei, mas ele insiste;


Conto-lhe o mal que vejo, e ele, que é cego,
Põe-se a sonhar o bem que não existe.

PEQUENINO M O RTO

Tange o sino, tange, numa voz de choro,


Numa voz de choro ... tão desconsolado ...
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo ... Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro ...
Pequenino, acorda!

Como o sono apaga o teu olhar inerte


Sob a luz da tarde tão macia e grata!
Pequenino, é pena que não possas ver-te ...
Como vais bonito, de vestido novo
Todo azul celeste com debruns de prata!
Pequenino, acorda! E gostarás de ver-te
De vestido novo.

Como aquela imagem de Jesus, tão lindo


Que até vai levado em cima dos andores,
Sobre a fronte loura um resplendor fulgindo,
- Com a grinalda feita de botões de rosas
Trazes na cabeça um resplendor de flores ...
Pequenino, acorda! E te acharás tão lindo
Florescido em rosas !

Tange o sino, tange, numa voz de choro,


Numa voz de choro ... tão desconsolado ...
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo ... Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro ...
Pequenino, acorda!

Que caminho triste, e que viagem! Alas


De ciprestes negros a gemer no vento ;
Tanta boca aberta de famintas valas
A pedir que as fartem, a esperar que as encham ...
Pequenino, acorda! Recupera o alento,
Foge da cobiça dessas fundas valas
A pedir que as encham.

32 0 * 32 1
Vai chegando a hora, vai chegando a hora
Em que a mãe ao seio chama o filho ... A espaços,
Badalando, o sino diz adeus, e chora
Na melancolia do cair da noute ;
Por aqui só cruzes com seus magros braços
Que jamais se fecham, hirtos sempre ... É a hora
Do cair da noute ...

Pela ave-maria, como procuravas


Tua mãe ! ... Num eco de sua voz piedosa,
Que suaves cousas que tu murmuravas,
De mãozinhas postas, a rezar com ela...
Pequenino, em casa, tua mãe saudosa
Reza a sós ... É a hora quando a procuravas ...
Vai rezar com ela!

E depois ... teu quarto era tão lindo ! Havia


Na janela jarras onde abriam rosas ;
E no meio a cama, toda alvor, macia,
De lençóis de linho no colchão de penas.
Que acordar alegre nas manhãs cheirosas !
Que dormir suave, pela noute fria,
No colchão de penas ...

Tange o sino, tange, numa voz de choro,


Numa voz de choro ... tão desconsolado ...
No caixão dourado, como em berço de ouro,
Pequenino, levam-te dormindo ... Acorda!
Olha que te levam para o mesmo lado
De onde o sino tange numa voz de choro ...
Pequenino, acorda!
Por que estacam todos dessa cova à beira?
Que é que diz o padre numa língua estranha?
Por que assim te entregam a essa mão grosseira
Que te agarra e leva para a cova funda?
Por que assim cada homem um punhado apanha
De caliça, e espalha-a, debruçado à beira
Dessa cova funda?

Vais ficar sozinho no caixão fechado ...


Não será bastante para que te guarde?
Para que essa terra que jazia ao lado
Pouco a pouco rola, vai desmoronando?
Pequenino, acorda! - Pequenino ! ... É tarde ...
Sobre ti cai todo esse montão que ao lado
Vai desmoronando ...

Eis fechada a cova. Lá ficaste ... A enorme


Noute sem aurora todo amortalhou-te.
Nem caminho deixam para quem lá dorme,
Para quem lá fica e que não volta nunca...
Tão sozinho sempre por tamanha noute ! ...
Pequenino, dorme ! Pequenino dorme ...
Nem acordes nunca!

322 * 323
SUGEST Õ ES DO CREP Ú SCULO

Ao pôr do sol, pela tristeza


Da meia-luz crepuscular,
Tem a toada de uma reza
A voz do mar.

Aumenta, alastra e desce pelas


Rampas dos morros, pouco a pouco,
O ermo de sombra, vago e oco,
Do céu sem sol e sem estrelas.

Tudo amortece; a tudo invade


Uma fadiga, um desconforto ...
Como a infeliz serenidade
Do embaciado olhar de um morto .

Domada então por um instante


Da singular melancolia
De em torno - apenas balbucia
A voz piedosa do gigante.

Toda se abranda a vaga hirsuta,


Toda se humilha, a murmurar...
Que pede ao céu que não a escuta
A voz do mar?
II

Estranha voz, estranha prece


Aquela prece e aquela voz,
Cuja humildade nem parece
Provir do mar bruto e feroz;

Do mar, pagão criado às soltas


Na solidão, e cu ja vida
Corre, agitada e desabrida,
Em turbilhões de ondas revoltas ;

Cuja ternura assustadora


Agride a tudo que ama e quer,
E vai, nas praias onde estoura,
Tanto beijar como morder...

Torvo gigante repelido


Numa paixão lasciva e louca,
É todo fúria: em sua boca
Blasfema a dor, mora o rugido.

Sonha a nudez: brutal e impuro,


Branco de espuma, ébrio de amor,
Tenta despir o seio duro
E virginal da terra em flor.

Debalde a terra em flor, com o fito


De lhe escapar, se esconde - e anseia
Atrás de cômoros de areia
E de penhascos de granito:
No encalço dessa esquiva amante
Que se lhe furta, segue o mar;
Segue, e as maretas solta adiante
Como matilha, a fare jar.

E, achado o rastro, vai com as suas


Ondas e a sua espumarada
Lamber, na terra devastada,
Barrancos nus e rochas nuas ...

III

Mais formidável se revela,


E mais ameaça, e mais assombra
A uivar, a uivar, dentro da sombra
Nas fundas noutes de procela.

Tremendo e próximo se escuta


Varrendo a noute, enchendo o ar,
Como o fragor de uma disputa
Entre o tufào, o céu e o mar.

Em cada ríspida rajada


O vento agride o mar sanhudo:
Roça-lhe a face, com o agudo
Sibilo de uma chicotada.

De entre a celeuma, um estampido


Avulta e estoura, alto e maior,
Quando, tirano enfurecido,
Troveja o céu ameaçador.

De quando em quando, um tênue risco


De chama vem, da sombra em meio ...
E o mar recebe em pleno seio
A cutilada de um corisco.

Mas a batalha é sua, vence-a:


Cansa-se o vento, afrouxa... e assim
Como uma vaga sonolência
O luar invade o céu sem fim ...

Donas do campo, as ondas rugem;


E o monstro impando de ousadia,
Pragueja, insulta, desafia
O céu, cuspindo-lhe a salsugem.

IV

A alma raivosa e libertina


Desse tenaz batalhador
Que faz do escombro e da ruína
Como os troféus do seu amor;

A alma rebelde e mal composta


Desse pagão e desse ateu
Que retalia e dá respostas
À mesma cólera do céu ;
A alma arrogante, a alma bravia
Do mar, que vive a combater,
Comove-se à melancolia
Conventual do entardecer...

No seu clamor esmorecido


Vibra, indistinta e espiritual,
Alguma cousa do gemido
De um órgão numa catedral.

E pelas praias aonde descem


Do firmamento - a sombra e a paz ;
E pelas várzeas que emudecem
Com os derradeiros sabiás ;

Ouvem os ermos espantados


Do mar contrito no clamor
A confidência dos pecados
Daquele eterno pecador.

Escutem bem ... Quando entardece,


Na meia-luz crepuscular
Tem a toada de uma prece
A voz tristíssima do mar...
* *
J osé Albano

SONETO

Poeta fui e do áspero destino


Senti bem cedo a mão pesada e dura.
Conheci mais tristeza que ventura
E sempre andei errante e peregrino.

Vivi sujeito ao doce desatino


Que tanto engana mas tão pouco dura;
E inda choro o rigor da sorte escura,
Se nas dores passadas imagino.

Porém, como me agora vejo isento


Dos sonhos que sonhava noute e dia
E só com saudades me atormento;

Entendo que não tive outra alegria


Nem nunca outro qualquer contentamento,
Senão de ter cantado o que sofria.

328 * 3 29
S I M B O L I STA S

Cruz e Sousa

M O NJA NEGRA

É teu esse espaço, é teu todo o Infinito,'


Transcendente Visão das lágrimas nascida,
Bendito o teu sentir, para sempre bendito
Todo o teu divagar na Esfera indefinida!

Através de teu luto as estrelas meditam


Maravilhosamente e vaporosamente ;
Como olhos celestiais dos Arcanjos nos fitam
Lá do fundo negror do teu luto plangente.

Almas sem rumo já, corações sem destino


Vão em busca de ti, por vastidões incertas ...
E no teu sonho astral, mago e luciferino,
Encontram para o amor grandes portas abertas.

Cândida Flor que aroma e tudo purifica,


Trazes sempre contigo as sutis virgindades

I Nas edições anteriores da Apresentação da poesia brasileira, este verso, de onze


sílabas, tem a métrica "corrigida" para as doze dos demais versos do poema:
"É teu todo esse espaço, é teu todo o Infinito". Esse acréscimo, no entanto,
não consta de nenhuma edição de Cruz e Sousa. [N.E.]
E uma caudal preciosa, interminável, rica,
De raras sugestões e curiosidades .

As belezas do mito, as grinaldas de louro,


Os priscos ouropéis, os símbolos já vagos,
Tudo forma o painel de um velho fundo de ouro
De onde surges enfim como as visões dos lagos.

Certa graça cristã, certo excelso abandono


De Deusa que emigrou de regiões de outrora,
Certo aéreo sentir de esquecimento e outono,
Trazem-te as emoções de quem medita e chora.

É s o imenso crisol, és o crisol profundo


Onde se cristalizam todas as belezas,
É s o néctar da Fé, de que eu melhor me inundo,
Ó néctar divinal das místicas purezas.

Ó Monja soluçante ! Ó Monja soluçante,


Ó Monja do Perdão, da paz e da clemência,
Leva para bem longe este Desejo errante,
Desta febre letal toda secreta essência.

Nos teus golfos de Além, nos lagos taciturnos,


Nos pélagos sem fim, vorazes e medonhos,
Abafa para sempre os soluços noturnos,
E as dilacerações dos formidáveis Sonhos !

Não sei que Anjo fatal, que Satã fugitivo,


Que gênios infernais, magnéticos, sombrios,

33 0 • 33 1
Deram-te as amplidões e o sentimento vivo
Do mistério com todos os seus calafrios ...

A lua vem te dar mais trágica amargura,


E mais desolação e mais melancolia,
E as estrelas, do céu na Eucaristia pura,
Têm a mágoa velada da Virgem Maria.

Ah ! Noite original, noite desconsolada,


Monja da solidão, espiritual e augusta,
Onde fica o teu reino, a região vedada,
A região secreta, a região vetusta? !

Almas dos que não têm o Refúgio supremo


De altas contemplações, dos mais altos mistérios,
Vinde sentir da Noite o Isolamento extremo,
Os fluidos imortais, angelicais, etéreos.

Vinde ver como são mais castos e mais belos,


Mais puros que os do dia os noturnos vapores:
Por toda a parte no ar levantam-se castelos
E nos parques do céu há quermesses de amores.

Volúpias, seduções, encantos feiticeiros


Andam a embalsamar teu seio tenebroso
E as águias da Ilusão, de voos altaneiros,
Crivam de asas triunfais o horizonte onduloso.

Cavaleiros do Ideal, de erguida lança em riste,


Sonham, a percorrer teus velhos Paços cavas ...
E esse nobre esplendor de majestade triste
Recebe outros lauréis mais bizarros e bravos.

Convulsivas paixões, convulsivas nevroses,


Recordações senis nos teus aspectos vagam,
Mil alucinações, mortas apoteoses
E mil filtros sutis que mornamente embriagam.

Ó grande Monja negra e transfiguradora,


Magia sem igual dos páramos eternos,
Quem assim te criou, selvagem Sonhadora,
Da carícia de céus e do negror d'infernos?

Quem auréolas te deu assim miraculosas


E todo o estranho assombro e todo o estranho medo,
Quem pôs na tua treva ondulações nervosas,
E mudez e silêncio e sombras e segredo?

Mas ah ! quanto consolo andar errando, errando,


Perdido no teu Bem, perdido nos teus braços,
Nos noivados da Morte andar além sonhando,
Na unção sacramental dos teus negros Espaços !

Que glorioso troféu andar assim perdido


Na larga vastidão do mudo firmamento,
Na noite virginal ocultamente ungido,
Nas transfigurações do humano sentimento !

Faz descer sobre mim os brandos véus da calma,


Sinfonia da Dor, ó Sinfonia muda,

332 * 333
Voz de todo o meu Sonho, ó noiva da minh'alma,
Fantasma inspirador das Religiões de Buda.

Ó negra Monja triste, ó grande Soberana,


Tentadora Visão que me seduzes tanto,
Abençoa meu ser no teu doce Nirvana,
No teu Sepulcro ideal de desolado encanto !

Hóstia negra e feral da comunhão dos mortos,


Noite criadora, mãe dos gnomos, dos vampiros,
Passageira senil dos encantados portos,
Ó cego sem bordão da torre dos suspiros ...

Abençoa meu ser, unge-o dos óleos castos,


Enche-o de turbilhões de sonâmbulas aves,
Para eu me difundir nos teus Sacrários vastos,
Para me consolar com os teus Silêncios graves.

ÓDIO SAGRADO

Ó meu ódio, meu ódio majestoso,


Meu ódio santo e puro e benfaze jo,
Unge-me a fronte com teu grande bei jo,
Torna-me humilde e torna-me orgulhoso.

Humilde, com os humildes generoso,


Orgulhoso com os seres sem Dese jo,
Sem Bondade, sem Fé e sem lampejo
De sol fecundador e carinhoso.
Ó meu ódio, meu lábaro bendito,
Da minh'alma agitada no infinito,
Através de outros lábaros sagrados,

Ó dio são, ódio bom ! sê meu escudo


Contra os vilões do Amor, que infamam tudo,
Das sete torres dos mortais Pecados !

TRIUNFO SUPREMO

Quem anda pelas lágrimas perdido,


Sonâmbulo dos trágicos flagelos,
É quem deixou para sempre esquecido
O mundo e os fúteis ouropéis mais belos !

É quem ficou do mundo redimido,


Expurgado dos vícios mais singelos
E disse a tudo o adeus indefinido
E desprendeu-se dos carnais anelos !

É quem entrou por todas as batalhas


Às mãos e os pés e o flanco ensanguentando,
Amortalhado em todas as mortalhas.

Quem florestas e mares foi rasgando


E entre raios, pedradas e metralhas,
Ficou gemendo mas ficou sonhando !

334 * 335
SUPREMO VERBO

- Vai, Peregrino do caminho santo,


Faz da tu'alma lâmpada do cego,
Iluminando, pego sobre pego,
As invisíveis amplidões do Pranto.

Ei-lo, do Amor o cálix sacrossanto !


Bebe-o, feliz, nas tuas mãos o entrego ...
Eis o filho leal, que eu não renego,
Que defendo nas dobras do meu manto.

Assim ao Poeta a Natureza fala!


Em quanto ele estremece ao escutá-la,
Transfigurado de emoção sorrindo ...

Sorrindo a céus que vão se desvendando,


A mundos que se vão multiplicando,
A portas de ouro que se vão abrindo !

CAMINHO DA GL Ó RIA

Este caminho é cor-de-rosa e é de ouro,


Estranhos roseirais nele florescem,
Folhas augustas, nobres reverdecem
De acanto, mirto e sempiterno louro.

Neste caminho encontra-se o tesouro


Pelo qual tantas almas estremecem;
É por aqui que tantas almas descem
Ao divino e fremente sorvedouro.

É por aqui que passam meditando,


Que cruzam, descem, trêmulos, sonhando,
Neste celeste, límpido caminho

Os seres virginais que vêm da Terra,


Ensanguentados da tremenda guerra,
Embebedados do sinistro vinho.
* * *

Al phonsus d e G u i m araens

CISNES BRANCOS

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,


Por que viestes, se era tão tarde?
O sol não beija mais os flancos
Da montanha onde morre a tarde.

Ó cisnes brancos, dolorida,


Minh'alma sente dores novas.
Cheguei à terra prometida:
É um deserto cheio de covas.

Voai para outras risonhas plagas,


Cisnes brancos ! Sede felizes ...
Deixai-me só com as minhas chagas,
E só com as minhas cicatrizes.

33 6 * 337
Venham as aves agoureiras,
De risada que esfria os ossos ...
Minh'alma, cheia de caveiras,
Está branca de padre-nossos.

Queimando a carne como brasas,


Venham as tentações daninhas,
Que eu lhes porei, bem sob as asas,
A alma cheia de ladainhas.

Ó cisnes brancos, cisnes brancos,


Doce afago de alva plumagem!
Minh'alma morre aos solavancos
Nesta medonha carruagem ...

ISMÁLIA

Quando Ismália enlouqueceu,


Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu
Viu outra lua no mar.

No sonho em que se perdeu,


Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu


As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu


Rufiaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...

C O M O SE MOÇO, E N Ã O B E M VELHO EU FOSSE . . .

Como s e moço, e não bem velho e u fosse


Uma nova ilusão veio animar-me:
Na minh'alma floriu um novo carme,
O meu ser para o céu alcandorou-se.

Ouvi gritos em mim como um alarme.


E o meu olhar, outrora suave e doce,
Nas ânsias de escalar o azul, tornou-se
Todo em raios que vinham desolar-me.

Vi-me no cimo eterno da montanha,


Tentando unir ao peito a luz dos círios
Que brilhavam na paz da noite estranha.

33 8 * 339
Acordei do áureo sonho em sobressalto:
Do céu tombei ao caos dos meus martírios,
Sem saber para que subi tão alto...

VILA DO CARMO

Ó dolente Ribeirão do Carmo,


Estrelado como um céu de agosto !
(Musa de além, para decantar-mo,
Bem que o viste, quando o sol foi posto).

Olhando o céu tão coberto de astros,


Eu vi que estava diante de um altar
E tive, como dentro dos claustros,
Uma vontade imensa de rezar.

Que paz tão cheia de almos pesares,


Que silenciais mágoas de repouso ...
Certo divaga por estes ares
A Alma sublime de D. Viçoso.

Noites de luar nas cidades mortas,


Casas que lembram Jerusalém ...
(Passam por mim, tristes e remotas,
Essas visões de amor que o céu contém).

- Como passais num silêncio enorme,


Virgens de luz, fadas erradias !
- "É a cidade episcopal que dorme
No seio branco das litanias".

Tombai de joelhos junto das cruzes,


Para rezar por quem não tem fé !
"Os túmulos estão cobertos de urzes,
E não há mais uma cruz de pé".

- Sombras esguias de confessandas,


Eu bem sei que a desgraça vos flagela...
Mas vós, tão tristes, tão miserandas,
Rezai por Ela, rezai por Ela.

E então olhou-me (não seja embalde)


O olhar de Deus para que eu espere ...
O luar tombava sobre a cidade
Numa dolência de miserere.

H Ã O DE C H O RAR POR E LA OS CINAMO M O S . . .

Hão d e chorar por ela o s cinamomos,


Murchando as flores ao tombar do dia.
Dos laranjais hão de cair os pomos,
Lembrando-se daquela que os colhia.

As estrelas dirão: - "Ai ! nada somos,


Pois ela se morreu, silente e fria..."

E pondo os olhos nela como pomos,


Hão de chorar a irmã que lhes sorria.

34 0 * 34 1
A lua, que lhe foi mãe carinhosa,
Que a viu nascer e amar, há de envolvê-la
Entre lírios e pétalas de rosa.

Os meus sonhos de amor serão defuntos ...


E os arcanjos dirão no azul ao vê-la,
Pensando em mim: - "Por que não vieram juntos?"

A CATE D RAL

Entre brumas, ao longe, surge a aurora.


O hialino orvalho aos poucos se evapora,
Agoniza o arrebol.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu risonho,
Toda branca de sol.

E o sino canta em lúgubres responsos:


"Pobre Alphonsus ! Pobre Alphonsus ! "

O astro glorioso segue a eterna estrada.


Uma áurea seta lhe cintila em cada
Refulgente raio de luz.
A catedral ebúrnea do meu sonho,
Onde os meus olhos tão cansados ponho,
Recebe a bênção de Jesus.

E o sino clama em lúgubres responsos:


"Pobre Alphonsus ! Pobre Alphonsus ! "
Por entre lírios e lilases desce
A tarde esquiva: amargurada prece
Põe-se a lua a rezar.
A catedral ebúrnea do meu sonho
Aparece, na paz do céu tristonho,
Toda branca de luar.

E o sino chora em lúgubres responsos:


"Pobre Alphonsus ! Pobre Alphonsus ! "

O céu é todo trevas: o vento uiva.


Do relâmpago a cabeleira ruiva
Vem açoitar o rosto meu.
E a catedral ebúrnea do meu sonho
Afunda-se no caos do céu medonho
Como um astro que já morreu.

E o sino geme em lúgubres responsos:


"Pobre Alphonsus ! Pobre Alphonsus ! "
* * *

Augusto dos Anjos

AS CISMAS DO D E STINO

Recife. Ponte Buarque de Macedo.


Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo !

342 * 343
Na austera abóbada alta o fósforo alvo
Das estrelas luzia . O calçamento
. .

Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,


Copiava a polidez de um crânio calvo.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,


E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!

A noite fecundava o ovo dos vícios


Animais. Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios !

Tal uma horda feroz de cães famintos,


Atravessando uma estação deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos !

Era como se, na alma da cidade,


Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.

E aprofundando o raciocínio obscuro,


Eu vi, então, à luz de áureos reflexos,
O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro.
Livres de microscópios e escalpelos,
Dançavam, parodiando saraus cínicos,
Biliões de centrossomas apolínicos
Na câmara promíscua do vitellus.

Mas, a irritar-me os globos oculares,


Apregoando e alardeando a cor nojenta,
Fetos magros, ainda na placenta,
Estendiam-me as mãos rudimentares !

Mostravam-me o apriorismo incognoscível


Dessa fatalidade igualitária,
Que fez minha família originária
Do antro daquela fábrica terrível !

A corrente atmosférica mais forte


Zunia. E, na ígnea crosta do Cruzeiro,
Julgava eu ver o fúnebre candeeiro
Que há de me alumiar na hora da morte.

Ninguém compreendia o meu soluço,


Nem mesmo Deus ! Da roupa pelas brechas,
O vento bravo me atirava flechas
E aplicações hiemais de gelo russo.

A vingança dos mundos astronômicos


Enviava à terra extraordinária faca,
Posta em rija adesão de goma-laca
Sobre os meus elementos anatômicos.

344 . 345
Ah ! Com certeza, Deus me castigava!
Por toda a parte, como um réu confesso,
Havia um juiz que lia o meu processo
E uma forca especial que me esperava!

Mas o vento cessara por instantes


Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco
Abafava-me o peito arqueado e porco
Num núcleo de substâncias abrasantes.

É bem possível que eu um dia cegue.


No ardor desta letal tórrida zona,
A cor do sangue é a cor que me impressiona
E a que mais neste mundo me persegue !

Essa obsessão cromática me abate.


Não sei por que me vêm sempre à lembrança
O estômago esfaqueado de uma criança
E um pedaço de víscera escarlate.

Quisera qualquer coisa provisória


Que a minha cerebral caverna entrasse,
E até ao fim, cortasse e recortasse
A faculdade aziaga da memória.

Na ascensão barométrica da calma,


Eu bem sabia, ansiado e contrafeito,
Que uma população doente do peito
Tossia sem remédio na minh'alma!
E o cuspo que essa hereditária tosse
Golfava, à guisa de ácido resíduo,
Não era o cuspo só de um indivíduo
Minado pela tísica precoce.

Não ! Não era o meu cuspo, com certeza


Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!

Era antes uma tosse ubíqua, estranha,


igual ao ruído de um calhau redondo
Arremessado, no apogeu do estrondo,
Pelos fundibulários da montanha!

E a saliva daqueles infelizes


Inchava, em minha boca, de tal arte,
Que eu, para não cuspir por toda a parte,
Ia engolindo, aos poucos, a hemoptísis !

Na alta alucinação de minhas cismas,


O microcosmos líquido da gota
Tinha a abundância de uma artéria rota,
Arrebentada pelos aneurismas.

Chegou-me o estado máximo da mágoa!


Duas, três, quatro, cinco, seis e sete
Vezes que eu me furei com um canivete,
A hemoglobina vinha cheia de água!

346 . 347
Cuspo, cujas caudais meus beiços regam,
Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, cotidianamente, te segregam !

Escarrar de um abismo noutro abismo,


Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do cristianismo !

Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam


Eu não deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam !

Ú LTIM O C RE D O

Como ama o homem adúltero o adultério


E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro - este ladrão comum,
Que arrasta a gente para o cemitério !

É o transcendentalíssimo mistério !
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um
Que matou Cristo e que matou Tibério !
Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui ...

Creio, perante a evolução imensa,


Que o homem universal de amanhã vença
O homem particular que eu ontem fui !

O LAMENTO DAS COISAS

Triste, a escutar, pancada por pancada,


A sucessividade dos segundos,
Ouço, em sons subterrâneos, do Orbe oriundos,
O choro da Energia abandonada!

É a dor da Força desaproveitada,


- O cantochão dos dínamos profundos,
Que, podendo mover milhões de mundos,
Jazem ainda na estática do Nada!

É o soluço da forma ainda imprecisa .. .


Da transcendência que se não realiza .. .

Da luz que não chegou a ser lampejo .. .

E é, em suma, o subconsciente ai formidando


Da Natureza que parou, chorando,
No rudimentarismo do Desejo!

348 . 349
O ÚLTIMO NÚMERO

Hora da minha morte. Hirta, ao meu lado,


A Ideia estertorava-se ... No fundo
Do meu entendimento moribundo
Jazia o Último Número cansado.

Era de vê-lo, imóvel, resignado,


Tragicamente de si mesmo oriundo,
Fora da sucessão, estranho ao mundo,
Como o reflexo fúnebre do Incriado:

Bradei: - Que fazes ainda no meu crânio?


E o Último Número, atro e subterrâneo,
Parecia dizer-me: "É tarde, amigo !

Pois que a minha autogênita Grandeza


Nunca vibrou em tua língua presa,
Não te abandono mais ! Morro contigo ! "
350 * 351
M O D E R N I STA S

G u i l herme de Al meida

MO RMAÇO

Calor. E as ventarolas das palmeiras


e os leques das bananeiras
abanam devagar
inutilmente na luz perpendicular.
Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:
não há borboletas azuis nem rolas líricas.
Apenas as taturanas
escorrem quase líquidas
na relva que estala como um esmalte.
E longe uma última romântica
- uma araponga metálica - baté
o bico de bronze na atmosfera timpânica.

RAÇA

( fragmento)

NÓS. Branco - verde - preto: simplicidades - indolências -


superstições.
O quarto-de-hóspede e a pousada - a rede e o cigarro de palha -
o São Benedito e as assombrações.

NÓS. O clã fazendeiro. Sombra forte de mangueiras pelo chão;


recorte nítido de bananeiras pelo ar;

redes bambas penduradas nas varandas das fazendas, com


sanfonas cantando lendas ao luar;

donas de casa prestimosas fazendo a merenda - quindins,


bombocados -; altos mastros de São João;

e a vaca Estrela, o cão Joly, a égua Sultana; e o baio, o alazão,

o pampa, o tordilho - passarinheiros; e, na luz limpa das manhãs


sadias,

demandistas picando fumo e discutindo, rédea em punho,


servidões e divisões de sesmarias;

safras pendentes, cavalhadas, geadas, estradas estragadas,


invernadas;

e os carros de boi gemendo, e os monjolos tossindo, e as enxadas


tropeçando nas roças capinadas;

e a terra torrada, a terra torresmo, a terra estorricada no forno


crespuscular das queimadas

para o renascimento simétrico e verde dos cafezais em


alexandrinos

352 * 353
alinhados nas cabeças parnasianas das colinas penteadas com
pentes-finos ...

Fazendas de todos os santos; ladainhas agrícolas cantadas pelas


rodas dos tróleis

com guarda-pós ao vento, estalos de relho, tostões aos moleques,


ranger sonolento de porteiras moles;

e disparadas pelas picadas nos catingueiros e pelas capoeiras até


o espigão ...

E, das ruínas da velha tapera de taipa e sapé, a cidade que surge


branca de cal como assombração.

E aí, nas tardes pintadas de cor de baú - azul-celeste, rosa e


verde-mar - a procissão.

A procissão ! Raça processional ! São Bom Jesus de Pirapora!


Nossa Senhora da Aparecida!

Quitandeiras com tabuleiros, virgens, anjos, irmãos, romeiros,


promessas, milagres, subida e descida

por calvários de terra vermelha onde a igreja acaçapada se ajoelha


crucificada entre dois lampiões;

ladrões de beijos nas esquinas das morenas de jambo entre rótulas


sob os beirais dos casarões
de azulejos e bolas de louça, com sempre-vivas nos jardins, jasmins
nos caramanchões,

caramujos e conchas nas cascatas tristes que cantam modinhas


nos serões brasileiros ...

Chácaras de arrabalde - solares de terra socada agachados na


sombra gostosa dos grandes pomares em flor

e abrindo ao mormaço, atrás dos portões de ferro com galgos e


leões de cimento, claraboias de vidro de cor ...

Violões nos morros mulatos - maxixes políticos, tosses, pitos e


pinga na luz dos candeeiros;

foguetes, cervejas eleitorais - o protesto indolente - e o sonho com


palpites nas noites inquietas ...
*

Mário de And rade

O PO ETA COME AMENDOIM

A Carlos Drummond de Andrade

Noites pesadas de cheiros e calores amontoados ...


Foi o Sol que por todo o sítio imenso do Brasil
Andou marcando de moreno os brasileiros.

Estou pensando nos tempos de antes de eu nascer...

354 . 355
A noite era pra descansar. As gargalhadas brancas dos mulatos ...
Silêncio ! O Imperador medita os seus versinhos.
Os Caramurus conspiram na sombra das mangueiras ovais.
Só o murmurejo dos cre'm-deus-padre irmanava os homens de
[meu país ...
Duma feita os canhamboras perceberam que não tinha mais
[escravos,
Por causa disso muita virgem-do-rosário se perdeu...

Porém o desastre verdadeiro foi embonecar esta República


[temporã.
A gente inda não sabia se governar ...
Progredir, progredimos um tiquinho
Que o progresso também é uma fatalidade ...
Será o que Nosso Senhor quiser! . ..
Estou com desejos de desastres ...

Com desejos do Amazonas e dos ventos muriçocas


Se encostando na canjerana dos batentes ...
Tenho desejos de violas e solidões sem sentido
Tenho desejos de gemer e de morrer.

Brasil...
Mastigado na gostosura quente de amendoim ...
Falado numa língua curumim
De palavras incertas num remelexo melado melancólico ...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons ...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois remurmuram sem malícia as rezas bem nascidas ...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der ...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

PO EMAS DA NEGRA

Não sei por que espírito antigo


Ficamos assim impossíveis ...

A Lua chapeia os mangues


Donde sai um favor de silêncio
E de maré.
É s uma sombra que apalpo
Que nem um cortejo de castas rainhas.
Meus olhos vadiam nas lágrimas.
Te vejo coberta de estrelas,
Coberta de estrelas,
Meu amor!

Tua calma agrava o silêncio dos mangues.

356 * 357
III

Você é tão suave,


Vossos lábios suaves
Vagam no meu rosto,
Fecham meu olhar.

Sol-posto.

É a escureza suave
Que vem de você,
Que se dissolve em mim.

Que sono ...

Eu imaginava
Duros VOSSOS lábios,
Mas você me ensina
A volta ao bem.

TOADA DO PAI-DO-MATO
(ÍNDIOS PARECIS)

A moça Camalalô
Foi no mato colher fruta.
A manhã fresca de orvalho
Era quase noturna.
- Ah ...
Era quase noturna...
Num galho de tarumã
Estava um homem cantando.
A moça sai do caminho
Pra escutar o canto.

- Ah ...
Ela escuta o canto.

Enganada pelo escuro


Camalalô fala pro homem:
Ariti, me dá uma fruta
Que eu estou com fome.
- Ah ...
Estava com fome ...

O homem rindo secundou:


- Zuimaalúti se engana,
Pensa que sou ariti?
Eu sou Pai-do-Mato.

Era o Pai-do-Mato !

A SE RRA DO ROLA- MOÇA

A serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não ...
Eles eram de outro lado,
Vieram na vila casar.
E atravessaram a serra,

358 . 359
O noivo com a noiva dele
Cada qual no seu cavalo.

Antes que chegasse a noite


Se lembraram de voltar.
Disseram adeus pra todos
E se puseram de novo
Pelos atalhos da serra
Cada qual no seu cavalo.

Os dois estavam felizes,


Na altura tudo era paz.
Pelos caminhos estreitos
Ele na frente, ela atrás.
E riam. Como eles riam !
Riam até sem razão.

A serra do Rola-Moça
Não tinha esse nome não.

As tribos rubras da tarde


Rapidamente fugiam
E apressadas se escondiam
Lá embaixo nos socavões
Temendo a noite que vinha.

Porém os dois continuavam


Cada qual no seu cavalo,
E riam. Como eles riam !
E os risos também casavam
Com as risadas dos cascalhos
Que pulando levianinhos
Da vereda se soltavam
Buscando o despenhadeiro.

Ah, Fortuna inviolável!


O casco pisara em falso
Dão noiva e cavalo um salto
Precipitados no abismo.
Nem o baque se escutou.
Faz um silêncio de morte.
Na altura tudo era paz ...
Chicoteando o seu cavalo,
No vão do despenhadeiro
O noivo se despenhou.

E a serra do Rola-Moça
Rola-Moça se chamou.
* * *

Ronald de Carvalho

BRASIL
A Fernando Haroldo

Nesta hora de sol puro


palmas paradas
pedras polidas
claridades
faíscas
cintilações
Eu ouço o canto enorme do Brasil !

Eu ouço o tropel dos cavalos de Iguaçu correndo na ponta das


rochas nuas, empinando-se no ar molhado, batendo com as
patas de água na manhã de bolhas e pingos verdes;

Eu ouço a tua grave melodia, a tua bárbara e grave melodia, Ama­


zonas, a melodia da tua onda lenta de óleo espesso, que se avo­
luma e se avoluma, lambe o barro das barrancas, morde raízes,
puxa ilhas e empurra o oceano mole como um touro picado de
farpas, varas, galhos e folhagens;

Eu ouço a terra que estala no ventre quente do nordeste, a terra


que ferve na planta do pé de bronze do cangaceiro, a terra que
se esboroa e rola em surdas bolas pelas estradas de Juazeiro e
quebra-se em crostas secas, esturricadas no Crato chato;

Eu ouço o chiar das caatingas - trilos, pios, pipios, trinos, asso­


bios, zumbidos, bicos que picam, bordões que ressoam retesas,
tímpanos que vibram límpidos, papos que estufam, asas que
zinem, zinem, rezinem, criscris, cicios, cismas, cismas longas,
langues - caatingas debaixo do céu !

Eu ouço os arroios que riem, pulando na garupa dos dourados gu­


losos, mexendo com os bagres no limo das luras e das locas;

Eu ouço as moendas espremendo canas, o glu-glu do mel escorren­


do nas tachas, o tinir das tigelinhas nas seringueiras;

e machados que disparam caminhos,


e serras que toram troncos,
e matilhas de "Corta-Vento", "Rompe-Ferro", "Faíscas" e "Tuba­
rões" acuando suçuaranas e maçarocas,

e mangues borbulhando na luz,


e caititus tatalando as queixadas para os jacarés que dormem no
tijuco morno dos igapós ...

Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo, gritando, vociferando !

Redes que se balançam,


sereias que apitam,
usinas que rangem, martelam, arfam, estridulam, ululam e roncam,

tubos que explodem,


guindastes que giram,
rodas que batem,
trilhos que trepidam,
rumor de coxilhas e planaltos, campainhas, relinchas, aboiados
e mugidos,

repiques de sinos, estouros de foguetes, Ouro Preto, Bahia, Con­


gonhas, Sabará,

vaias de Bolsas empinando números como papagaios,


tumulto de ruas que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças que a maresia dos portos joga no sertão !

Nesta hora de sol puro eu ouço o Brasil.

Todas as tuas conversas, pátria morena, correm pelo ar...


a conversa dos fazendeiros nos cafezais,
a conversa dos mineiros nas galerias de ouro,
a conversa dos operários nos fornos de aço,
a conversa dos garimpeiros, peneirando as bateias,
a conversa dos coronéis nas varandas das roças ...

Mas o que eu ouço, antes de tudo, nesta hora de sol puro


palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações

é o canto dos teus berços, Brasil, de todos esses teus berços, onde
dorme, com a boca escorrendo leite, moreno, confiante,

o homem de amanhã!

O M E RCADO DE PRATA, D E OURO E ESMERALDA

Cheira a mar! cheira a mar!


As redes pesadas batem como asas,
as redes úmidas palpitam no crepúsculo.
A praia lisa é uma cintilação de escamas ...

Pulam raias negras no ouro da areia molhada,


o aço das rainhas faísca em mãos de ébano e bronze.
Músculos, barbatanas, vozes e estrondos, tudo se mistura,
tudo se mistura no chiar da espuma que ferve nas pedras.
Cheira a mar!

O corno da lua nova brinca na crista da onda.

E entre as algas moles e os peludos mariscos,


onde se arrastam caranguejos de patas denticuladas,
e onde bole o olho gelatinoso das lulas flexíveis,
diante da rede imensa na noite carregada de estrelas,
na livre melodia das águas e do espaço,
entupido de ar, profético, timpânico,
estoura orgulhosamente o papo dum baiacu...

E P I G RAMA

Enche o teu copo, bebe o teu vinho,


enquanto a taça não cai das tuas mãos ...

Há salteadores amáveis pelo teu caminho.


Repara como é doce o teu vizinho,
repara como é suave o olhar do teu vizinho,
e como são longas, discretas, as suas mãos ...
* * *

Ascenso Ferreira

A MULA- D E - PA D RE

Um dia no engenho,
já tarde da noite
que estava tão preta
como carvão ...
a gente falava de assombração:

- O avô de Zé Pinga-Fogo
amanheceu morto na mata
com o peito varado
pela canela do Pé-de-Espeto !

- O cachorro de Brabo-Manso
levou, sexta-feira passada,
uma surra das caiporas !

- A Mula-de-Padre quis beber o sangue


da mulher de Chico Lolão ...

Na noite preta como carvão,


a gente falava de assombração !

Lá, embaixo, a almanjarra,


a rara almanjarra,
gemia e rangia,
que o Engenho Alegria
é bom moedor...

- Eh, Andorinha!
- Eh, Moça Branca!
- Eh, Beija-Flor...

Pela bagaceira
os bois ruminavam
e as éguas pastavam,
esperando a vez
de entrar no rojão ...

Foi quando se deu


a coisa esquisita:
mordendo, rinchando,
às popas e aos pulos,
se pondo de pé
com artes do Cão,
surgiu uma besta sem ser dali não...

- Atalha a bicha, Baraúna!


- Sustenta o laço, Maracanã!

E a besta agarrada
entrou na almanjarra,
tocou-se-lhe a peia
até de manhã...

E depois que ela foi solta


entupiu no oco do mundo !

Num abrir e fechar d' olhos


a maldita se encantou...

De tardinha,
gente vinda
da cidade
trouxe a nova
de que a ama
de Seu Padre
Serrador
amanhecera tão surrada
que causava compaixão !

Na noite tão preta como carvão,


a gente falava de assombração !

Rau l Bopp

C O BRA NORATO

(fragmento)

Um dia
eu hei de morar nas terras do Sem-fim

Vou andando caminhando caminhando


Me misturo no ventre do mato mordendo raízes

Depois
faço puçanga de flor de tajá de lagoa
e mando chamar a Cobra Norato

- Quero contar-te uma história


Vamos passear naquelas ilhas decotadas?
Faz de conta que há luar
A noite chega mansinho
Estrelas conversam em voz baixa
Brinco então de amarrar uma fita no pescoço
e estrangulo a Cobra.

Agora sim
me enfio nessa pele de seda elástica
e saio a correr mundo

Vou visitar a rainha Luzia


Quero me casar com sua filha
- Então você tem que apagar os olhos primeiro
O sono escorregou nas pálpebras pesadas
Um chão de lama rouba a força dos meus passos

II

[ ... ]
Agora são os rios afogados
bebendo o caminho
A água resvala pelos atoleiros
afundando afundando
Lá adiante
a areia guardou os rastos da filha da rainha Luzia

- Agora sim
vou ver a filha da rainha Luzia
Mas antes tem que passar por sete portas
Ver sete mulheres brancas de ventres despovoados
guardadas por um jacaré

- Eu só quero a filha da rainha Luzia

Tem que entregar a sombra para o Bicho do Fundo


Tem que fazer mirongas na lua nova
Tem que beber três gotas de sangue

- Ah só se for da filha da rainha Luzia!

NEGRO

Pesa em teu sangue a voz de ignoradas origens.


As florestas guardaram na sombra o segredo da tua história.

A tua primeira inscrição em baixo-relevo


foi uma chicotada no lombo.

Um dia
atiraram-te no bojo de um navio negreiro.
E durante longas noites e noites
vieste escutando o rugido do mar
como um soluço no porão soturno.

O mar era um irmão da tua raça.


Uma madrugada
baixaram as velas do convés.
Havia uma nesga de terra e um porto.
Armazéns com depósitos de escravos
e a queixa dos teus irmãos amarrados em coleiras de ferro.

Principiou aí a sua história.

O resto,
a que ficou pra trás,
o Congo, as florestas e o mar
continuam a doer na corda do urucungo.

Ribei ro Couto

O BANHO

Junto à ponte do ribeirão


Meninos brincam nus dentro da água faiscante.
O sol brilha nos corpos molhados,
Cobertos de escamas líquidas.

Da igreja velha, no alto do morro,


O sino pinga lentamente um dobre fúnebre.

Na esquina da cadeia desemboca o enterro.


O caixão negro, listado de amarelo,
Pende dos braços de quatro homens de preto.
Vêm a passo cadenciado os amigos, seguindo,

370 * 371
O chapéu na mão, a cabeça baixa.
As botas rústicas, no completo silêncio,
Fazem na areia do chão o áspero rumor de vidro moído.

O sino dobra vagaroso: dobre triste


Na tarde clara que dá pena de morrer.

Cheios do inexplicável respeito da morte


Os meninos correram para baixo da ponte,
Como se a sua nudez pura pudesse ofender a morte.

Vai agora subindo o morro do cemitério


O caixão negro listado de ouro.
Já não se vê mais, desapareceu atrás do mato.

Na água fugitiva do ribeirão


Os corpos nus cambalhoteiam de novo
Com o sentimento espontâneo e invencível da vida.

VIAGEM

Cadências de sombras cansadas


Batiam na estrada sem chão.
Embaixo era a trama ofuscante
Dos raios de um sol invisível.
Em cima eram nuvens, o vento ...

Vi que voava uma criança:


Era um anjo, vinha com asas.
Pôs um sorriso no meu rosto,
Pôs uma voz em meus ouvidos,
Pôs nos meus olhos uma imagem.

Jamais compreendi a razão


De tão estranhas aventuras.
A estrada era sempre sem chão.
Donde é que eu vinha? Para onde ia?
E por que é que em torno de mim
Anjos cuidavam de outras sombras?

ELEGIA

Que quer o vento?


A cada instante
Este lamento
Passa na porta
Dizendo: abre ...

Vento que assusta


Nas horas frias
Da noite feia,
Vindo de longe,
Das ermas praias.

Andam de ronda
Nesse violento,
Longo queixume,
As invisíveis
Bocas dos mortos.

372 * 373
Também um dia,
Estando eu morto,
Virei queixar-me
Na tua porta.

Virei no vento
Mas não de inverno,
Nas horas frias
Das noites feias.

Virei no vento
Da primavera.
Em tua boca
Serei carícia,
Cheiro de flores
Que estão lá fora
Na noite quente.

Virei no vento .. .
Direi: acorda.. .
* * *

Jorge de Li ma

ESSA NEGRA FULÔ

Ora, se deu que chegou


(isso já faz muito tempo)
no banguê dum meu avô
uma negra bonitinha
chamada negra Fulô.
Essa negra Fulô !
Essa negra Fulô !

Ó Fulô ! Ó Fulô !
(Era a fala da Sinhá)
- Vai forrar a minha cama,
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô !

Essa negra Fulô !

Essa negrinha Fulô


ficou logo pra mucama,
para vigiar a Sinhá
pra engomar pro Sinhô !

Essa negra Fulô !


Essa negra Fulô !

Ó Fulô ! Ó Fulô !
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô !
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô !

374 * 375
Essa negra Fulô !

"Era um dia uma princesa


que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco."

Essa negra Fulô !


Essa negra Fulô !

Ó Fulô? Ó Fulô?
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô !
"Minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou."

Essa negra Fulô !


Essa negra Fulô !

Fulô? Ó Fulô?
(Era a fala da Sinhá
Chamando a Negra Fulô.)
Cadê meu frasco de cheiro
que teu Sinhô me mandou?
- Ah ! foi você que roubou !
Ah ! foi você que roubou!

O Sinhô foi ver a negra


levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa.
O Sinhô disse: Fulô !
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô.)

Essa negra Fulô !


Essa negra Fulô !

Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê meu lenço de rendas
cadê meu cinto, meu broche,
cadê meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah ! foi você que roubou.
Ah ! foi você que roubou.

Essa negra Fulô !


Essa negra Fulô !

O Sinhô foi açoitar


sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dele pulou
nuinha a negra Fulô.

376 • 377
Essa negra Fulô !
Essa negra Fulô !

Ó Fulô? Ó Fulô?
Cadê, cadê teu Sinhô
que nosso Senhor me mandou?
Ah ! foi você que roubou,
foi você, negra Fulô?

Essa negra Fulô !

INVE RN O

Zefa, chegou o inverno !


Formigas-de-asas e tanajuras !
Chegou o inverno !
Lama e mais lama,
chuva e mais chuva, Zefa!
Vai nascer tudo, Zefa!
Vai haver verde,
verde do bom,
verde nos galhos,
verde na terra,
verde em ti, Zefa!
que eu quero bem !
Formigas-de-asas e tanajuras !
O rio cheio,
barrigas cheias,
mulheres cheias, Zefa!
Águas nas locas,
pitus gostosos,
carás, cabojes,
e chuva e mais chuva!
Vai nascer tudo:
milho, feijão,
até de novo
teu coração, Zefa!
Formigas-de-asas e tanajuras !
Chegou o inverno !
Chuva e mais chuva!
Vai casar tudo,
moça e viúva!
Chegou o inverno !
Covas bem fundas
pra enterrar cana;
cana-caiana e flor de Cuba!
Terra tão mole
que as enxadas
nela se afundam
com olho e tudo !
Leite e mais leite
pra requeijões !
Cargas de imbu!
Em junho o milho
milho e canjica
pra São João !
E tudo isto, Zefa ...
E mais gostoso
que isso tudo:

378 * 379
noites de frio,
lá fora o escuro,
lá fora a chuva,
trovão, corisco,
terras caídas,
corgos gemendo,
os caborés gemendo,
os caborés piando, Zefa!
Os cururus cantando, Zefa!
Dentro da nossa
casa de palha:
carne de sol
chia nas brasas,
farinha-d'água,
café, cigarro,
cachaça, Zefa...
... rede gemendo ...

Tempo gostoso !
Vai nascer tudo !
Lá fora chuva,
chuva e mais chuva,
trovão, corisco,
terras caídas
e vento e chuva,
chuva e mais chuva!
Mas tudo isso, Zefa,
vamos dizer,
só com os poderes
de Jesus Cristo !
INVENÇÃ O DE O RFEU

CANTO IV

Era um cavalo todo feito em lavas


recoberto de brasas e de espinhos.
Pelas tardes amenas ele vinha
e lia o mesmo livro que eu folheava.

Depois lambia a página, e apagava


a memória dos versos mais doridos;
então a escuridão cobria o livro,
e o cavalo de fogo se encantava.

Bem se sabia que ele ainda ardia


na salsugem do livro subsistido
e transformado em vagas sublevadas.

Bem se sabia: o livro que ele lia


era a loucura do homem agoniado
em que o íncubo cavalo se nutria.

* * *

Joaq u i m Cardozo

CHUVA DE CAJU

Como te chamas, pequena chuva inconstante e breve?


Como te chamas, dize, chuva simples e leve?
Teresa? Maria?
Entra, invade a casa, molha o chão,
Molha a mesa e os livros.
Sei de onde vens, sei por onde andaste.
Vens dos subúrbios distantes, dos sítios aromáticos
Onde as mangueiras florescem, onde há cajus e mangabas,
Onde os coqueiros se aprumam nos baldes dos viveiros
E em noites de lua cheia passam rondando os maruins:
Lama viva, espírito do ar noturno do mangue.
Invade a casa, molha o chão,
Muito me agrada a tua companhia,
Porque eu te quero muito bem, doce chuva,
Quer te chames Teresa ou Maria.

IMAGENS DO N O RD E STE

Sobre o capim orvalhado


Por baixo das mangabeiras
Há rastros de luz macia:
Por aqui passaram luas,
Pousaram aves bravias.

Idílio de amor perdido,


Encanto de moça nua
Na água triste da camboa;
Em junhos do meu Nordeste
Fantasma que me povoa.
Asa e flor do azul profundo,
Primazia do mar alto,
Vela branca predileta;
Na transparência do dia
É s a flâmula discreta.

É s a lâmina ligeira
Cortando a lã dos cordeiros,
Ferindo os ramos dourados;
- Chama intrépida e minguante
Nos ares maravilhados.

E enquanto o sol vai crescendo


O vento recolhe as nuvens
E o vento desfaz a lã;
Vela branca desvairada,
Mariposa da manhã.

Velho calor de Dezembro,


Chuva das águas primeiras
Feliz batendo nas telhas;
Verão de frutas maduras,
Verão de mangas vermelhas.

A minha casa amarela


Tinha seis janelas verdes
Do lado do sol nascente;
Janelas sobre a esperança
Paisagem, profundamente.
Abri as leves comportas
E as águas duras fundiram;
Num sopro de maresia
Viveiros se derramaram
Em noites de pescaria.

Camarupim, Mamanguape,
Persinunga, Pirapama,
Serinhaém, Jaboatão;
Cruzando barras de rios
Me perdi na solidão.

Me afastei sobre a planície


Das várzeas crepusculares;
Vi nuvens em torvelinho,
Estrelas de encruzilhadas
Nos rumos do meu caminho.

Salinas de Santo Amaro,


Ondas de terra salgada,
Revoltas, na escuridão,
De silêncio e de naufrágio
Cobrindo a tantos no chão.

Terra crescida, plantada


De muita recordação.
* * *
M u rilo Mendes

OS D O I S LAD O S

Deste lado tem meu corpo


tem o sonho
tem a minha namorada na janela
tem as ruas gritando de luzes e movimentos
tem meu amor tão lento
tem o mundo batendo na minha memória
tem o caminho pro trabalho.

Do outro lado tem outras vidas vivendo da minha vida


tem pensamentos sérios me esperando na sala de visitas
tem minha noiva definitiva me esperando com flores na mão,
tem a morte, as colunas da ordem e da desordem.

MAPA

A jorge Burlamaqui

Me colaram no tempo, me puseram


uma alma viva e um corpo desconjuntado. Estou
limitado ao norte pelos sentidos, ao sul pelo medo,
a leste pelo Apóstolo São Paulo, a oeste pela minha educação.
Me vejo numa nebulosa, rodando, sou um fluido,
depois chego à consciência da terra, ando como os outros,
me pregam numa cruz, numa única vida.
Colégio. Indignado, me chamam pelo número, detesto a
[hierarquia.
Me puseram o rótulo de homem, vou rindo, vou andando, aos
[solavancos.
Danço. Rio e choro, estou aqui, estou ali, desarticulado,
gosto de todos, não gosto de ninguém, batalho com os espíritos
[do ar,
alguém da terra me faz sinais, não sei mais o que é o bem
nem o mal.
Minha cabeça voou acima da baía, estou suspenso, angustiado,
[no éter,
tonto de vidas, de cheiros, de movimentos, de pensamentos,
não acredito em nenhuma técnica.
Estou com os meus antepassados, me balanço em arenas
[espanholas,
é por isso que saio às vezes pra rua combatendo personagens
[imaginários,
depois estou com os meus tios doidos, às gargalhadas,
na fazenda do interior, olhando os girassóis do jardim.
Estou no outro lado do mundo, daqui a cem anos, levantando
[populações ...
Me desespero porque não posso estar presente a todos os atos
[da vida.
Onde esconder minha cara? O mundo samba na minha cabeça.
Triângulos, estrelas, noites, mulheres andando,
presságios brotando no ar, diversos pesos e movimentos me
[chamam a atenção,
o mundo vai mudar a cara,
a morte revelará o sentido verdadeiro das coisas.

Andarei no ar.
Estarei em todos os nascimentos e em todas as agonias,
me aninharei nos recantos do corpo da noiva,
na cabeça dos artistas doentes, dos revolucionários.
Tudo transparecerá:
vulcões de ódio, explosões de amor, outras caras aparecerão
[na terra,
o vento que vem da eternidade suspenderá os passos,
dançarei na luz dos relâmpagos, beijarei sete mulheres,
vibrarei nos canjerês do mar, abraçarei as almas no ar,
me insinuarei nos quatro cantos do mundo.

Almas desesperadas eu vos amo. Almas insatisfeitas, ardentes.


Detesto os que se tapeiam,
os que brincam de cabra-cega com a vida, os homens "práticos" ...
Viva São Francisco e vários suicidas e amantes suicidas,
e os soldados que perderam a batalha, as mães bem mães,
as fêmeas bem fêmeas, os doidos bem doidos.
Vivam os transfigurados, ou porque eram perfeitos ou porque
uejuavam muito ...
Viva eu, que inauguro no mundo o estado de bagunça
[transcendente.
Sou a presa do homem que fui há vinte anos passados,
dos amores raros que tive,
vida de planos ardentes, desertos vibrando sob os dedos do amor,
tudo é ritmo do cérebro do poeta. Não me inscrevo em nenhuma
[teoria,
estou no ar,
na alma dos criminosos, dos amantes desesperados,
no meu quarto modesto da Praia de Botafogo,
no pensamento dos homens que movem o mundo,
nem triste nem alegre, chama com dois olhos andando,
sempre em transformação.
O I M P E N ITENTE

Quem me consolará no mundo vão?


Homens, tenho convosco a relação da forma.
Nuvem sólida, rosa virginal, água branca
E tu, antiga sinfonia aérea,
Pertenceis ao anjo, não a mim.
Eu digo ao pecado: Tu és meu pai.
Eu digo à podridão: Tu és minha irmã.
A presença real do demônio
É meu pão de vida cotidiano:
Minha alma comprime a aleluia gloriosa.

Hóstias puras,
Inutilmente vos ergueis sobre mim.
* *

Carlos Dru m mond de And rade

POEMA DE SETE FACES

Quando nasci, um anjo torto


desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos ! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens


que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode


é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste


se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo,


se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
Mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer


mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
M Ã OS DADAS

Não serei o poeta de um mundo caduco.


Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,


não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

E D I F Í CIO E S PLEND O R

Na areia da praia
Oscar risca o projeto.
Salta o edificio
da areia da praia.

No cimento, nem traço


da pena dos homens.
As famílias se fecham
em células estanques.
O elevador sem ternura
expele, absorve
num ranger monótono
substância humana.

Entretanto há muito
se acabaram os homens.
Ficaram apenas
tristes moradores.

II

A vida secreta da chave.


Os corpos se unem e
bruscamente se separam.

O copo de uísque e o blue


destilam ópios de emergência.
Há um retrato na parede,
um espinho no coração,
uma fruta sobre o piano
e um vento marítimo com cheiro de peixe, tristeza, viagens ...

Era bom amar, desamar,


morder, uivar, desesperar,
era bom mentir e so frer.
Que importa a chuva no mar?
a chuva no mundo? o fogo?
Os pés andando, que importa?
Os móveis riam, vinha a noite,

39 0 * 39 1
o mundo murchava e brotava
a cada espiral de abraço.

E vinha mesmo, sub-reptício,


em momentos de carne lassa,
certo remorso de Goiás.
Goiás, a extinta pureza ...

O retrato cofiava o bigode.

III

Oh que saudades não tenho


de minha casa paterna.
Era lenta, calma, branca,
tinha vastos corredores
e nas suas trinta portas
trinta crioulas sorrindo,
talvez nuas, não me lembro.

E tinha também fantasmas,


mortos sem extrema-unção,
anjos da guarda, bodoques
e grandes tachos de doce
e grandes cismas de amor,
como depois descobrimos.

Chora, retrato, chora.


Vai crescer a tua barba
neste medonho edificio
de onde surge tua infância
como um copo de veneno.

IV

As complicadas instalações do gás,


úteis para suicídio,
o terraço onde camisas tremem,
também convite à morte,
o pavor do caixão
em pé no elevador,
o estupendo banheiro
de mil cores árabes,
onde o corpo esmorece
na lascívia frouxa
da dissolução prévia.
Ah, o corpo, meu corpo,
que será do corpo?
Meu único corpo,
aquele que eu fiz
de leite, de ar,
de água, de carne,
que eu vesti de negro,
de branco, de bege,
cobri com chapéu,
calcei com borracha,
cerquei de defesas,
embalei, tratei?
Meu coitado corpo

392 * 393
tão desamparado
entre nuvens, ventos
neste aéreo living!

Os tapetes envelheciam
pisados por outros pés.

Do cassino subiam músicas


e até o rumor de fichas.

Nas cortinas, de madrugada,


a brisa pousava. Doce.

A vida jogada fora


voltava pelas janelas.

Meu pai, meu avô, Alberto ...


Todos os mortos presentes.

Já não acendem a luz


com suas mãos entrevadas.

Fumar ou beber: proibido.


Os mortos olham e calam-se.

O retrato descoloria-se,
era superfície neutra.
As dívidas amontoavam-se.
A chuva caiu vinte anos.

Surgiram costumes loucos


e mesmo outros sentimentos.

- Que século, meu Deus ! diziam os ratos.


E começavam a roer o edifkio.
* * *

Henri q ueta Lisboa

RESTAURADORA

A morte é limpa.
Cruel mas limpa.

Com seus aventais de linho


- fâmula - esfrega as vidraças.

Tem punhos ágeis e esponjas.


Abre as janelas, o ar precipita-se
inaugural para dentro das salas.
Havia impressões digitais nos móveis,
grãos de poeira no interstício das fechaduras.

Porém tudo voltou a ser como antes da carne


e sua desordem.
* *

394 * 3 95
Emílio Moura

POEMA PATÉTICO

Como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma


caverna,
como um abafado soluço que irrompesse de súbito de um quarto
fechado,

ouço-te, agora, a voz, ó meu desejo, e instintivamente recuo até as


origens de minha angústia,

policiada e vencida, oh ! afinal vencida por tantos e tantos séculos


de resignação e humildade.

Em que hora remota, em que época já tão distanciada, foi que os


ares vibraram pela última vez, diante de teu último grito de
rebeldia?

Quantas vezes, ó meu desejo, tu me obrigaste a acender grandes


fogueiras dentro da noite,

e esperar, cantando, pela madrugada?

Mas, e hoje? Hoje a tua voz ressoa dentro de mim, como um cân­
tico de órgão,

como a voz de um pequeno braço de mar perdido dentro de uma


caverna,
como um abafado soluço que irrompesse, de súbito, de um quarto
fechado.
* * *

Cecíl ia Meireles

CANÇÃ O DA TARD E NO CAMPO

Caminho do campo verde,


estrada depois de estrada.
Cercas de flores, palmeiras,
serra azul, água calada.

(Eu ando sozinha


no meio do vale.
Mas a tarde é minha.)

Meus pés vão pisando a terra


que é a imagem da minha vida:
tão vazia, mas tão bela,
tão certa, mas tão perdida!

(Eu ando sozinha


por cima de pedras.
Mas a flor é minha.)

Os meus passos no caminho


são como os passos da lua:
vou chegando, vais fugindo,
minha alma é a sombra da tua.

39 6 * 397
(Eu ando sozinha
por dentro de bosques.
Mas a fonte é minha.)

De tanto olhar para longe,


não vejo o que passa perto.
Subo monte, desço monte,
meu peito é puro deserto.

(Eu ando sozinha


ao longo da noite.
Mas a estrela é minha.)

ELEGIA

Perto da tua sepultura,


trazida pelo humilde sonho
que fez a minha desventura,
mal minhas mãos na terra ponho,
logo estranhamente as retiro.
Neste limiar de indiferença,
não posso abrir a tênue rosa
do mais espiritual suspiro.
Jazes com a estranha, a muda, a imensa
Amada eterna e tenebrosa,
pelas tuas mãos escolhida
para teu convívio absoluto.
Por isso me retraio, certa
de que é pura felicidade
a terra densa que te aperta.
E por entre as pedras serenas
desliza o meu tímido luto,
com uma quieta lágrima, apenas,
- esse humano, doce atributo.

O REI D O MAR

Muitas velas. Muitos remos.


Âncora é outro falar...
Tempo que navegaremos
não se pode calcular.
Vimos as Plêiades. Vemos
agora a Estrela Polar.
Muitas velas. Muitos remos.
Curta vida. Longo mar.

Por água brava ou serena


deixamos nosso cantar,
vendo a voz como é pequena
sobre o comprimento do ar.
Se alguém ouvir, temos pena:
só cantamos para o mar...

Nem tormenta nem tormento


nos poderia parar.
(Muitas velas. Muitos remos.
Âncora é outro falar ... )

398 * 39 9
Andamos entre água e vento
procurando o Rei do Mar.

NOITE

Ú mido gosto de terra,


cheiro de pedra lavada,
- tempo inseguro do tempo ! -
sombra do flanco da serra,
nua e fria, sem mais nada.

Brilho de areias pisadas,


sabor de folhas mordidas,
- lábio da voz sem ventura! -
suspiro das madrugadas
sem coisas acontecidas.

A noite abria a frescura


dos campos todos molhados,
- sozinha, com o seu perfume ! -
preparando a flor mais pura
com ares de todos os lados.

Bem que a vida estava quieta.


Mas passava o pensamento ...
- de onde vinha aquela música?
E era uma nuvem repleta,
entre as estrelas e o vento.
*
Dante M i lano

IMAGEM

Uma coisa branca,


Eis o meu desejo.

Uma coisa branca


De carne, de luz,

Talvez uma pedra,


Talvez uma testa,

Uma coisa branca.


Doce e profunda,

Nesta noite funda,


Fria e sem Deus.

Uma coisa branca,


Eis o meu desejo,

Que eu quero beijar,


Que eu quero abraçar,

Uma coisa branca


Para me encostar

E afundar o rosto.
Talvez um seio,

400 * 401
Talvez um ventre
Talvez um braço,

Onde repousar.
Eis o meu desejo,

Uma coisa branca


Bem junto de mim,

Para me sumir,
Para me esquecer,

Nesta noite funda,


Fria e sem Deus.

SAUDADES D O TEMPO

Saudade do tempo
Do tempo passado,
O tempo feliz
Que não volta mais.

Deus queira que um dia


Eu encontre ainda
Aquela inocência
Feliz sem saber.

Mas hoje que eu sei


De toda a verdade
Já não acredito
Na felicidade,

E quando eu morrer
Então outra vez
Pode ser que eu seja
Feliz sem saber.

H O M ENAG E M A CAM Õ ES

Através de imitado sentimento,


Ao ler-te, quanta vez tenho sentido
Como é muito maior o amor vivido
Em ato não, mas só em pensamento.
Então invento o que amo e amo o que invento
Em coisas sem razão tão comovido
Que o ar me falta e o respiro comprimido
Não sei se dá, não sei se tira o alento.
Sabor de amor é esse alto respirar,
Essa angústia em suspiros mal dispersos.
Em amor, que importância tem o ar,
O ar, cheio de fantásticas ações !
Assim, aquele que imitar teus versos,
Primeiro imite o teu amor, Camões.
* * *

402 * 403
Ped ro Dantas

A CACHO RRA

Veio uma angústia de cima


Pelos ombros me agarrou
No mais fundo do meu peito
Sua lâmina cravou
Depois que no chão desfeito
O meu corpo estrebuchou
Pelos cabelos a fera
Sobre pedras me arrastou.
Meu corpo se espedaçou.
Mas ainda não satisfeita
Nova vida me insuflou:
Para mostrar poderio
Com a sua mão direita
Uma cidade arrasou
Na esquerda tomou um rio
Fogo nas águas soprou
As águas todas do rio
Com seu hálito secou
Levou-me aos cimos mais altos
No ar me imobilizou
Depois em súbitos saltos
A garra adunca fincando
No meu coração, lá do alto
Soltou um grito nefando
E sobre o mar me atirou.
Ah ! nas águas do mar alto
Meu corpo logo afundou.
Veio buscar-me de novo:
Angina-pectoris, polvo,
Meu coração sufocou
E tais surras de chicote
Me deu, que a cada lambada
Minh'alma mortificada
Minh'alma perto da morte
Só a morte desejou;
Meu rosto esfregou na lama
As faces me babujou
E quando, à atroz azáfama
O meu olhar se turvou
Vencido entregue arquejante
- Perdido o sangue das veias -
Na praia sobre as areias
Meu corpo exausto rodou.
Ah ! pobre corpo do amante
Que até o fim se humilhou !
Então um riso infamante
As fauces lhe escancarou
Zombou da minha tolice
"Eu sou a Cachorra", disse,
"Tu me chamaste: aqui estou."

A essa voz dissiparam-se as sombras


E enquanto ela me mastigava os últimos restos da memória
Senti que da sua boca nasciam rosas
E vi que o céu se rasgava para a maravilhosa aparição.
* *

404 * 405
Ped ro N ava

O D EFUNTO

A Afonso Arinos de Melo Franco

Quando morto estiver meu corpo


evitem os inúteis disfarces,
os disfarces com que os vivos,
só por piedade consigo,
procuram apagar no Morto
o grande castigo da Morte.

Não quero caixão de verniz


nem os ramalhetes distintos,
os superfinos candelabros
e as discretas decorações.

Eu quero a morte com mau gosto !

Deem-me coroas de pano.


Deem-me as flores de roxo pano,
angustiosas flores de pano,
enormes coroas maciças,
como enormes salva-vidas,
com fitas negras pendentes.

E descubram bem minha cara:


que a vejam bem os amigos.
Que não a esqueçam os amigos,
e ela lance nos seus espíritos
a incerteza, o pavor, o pasmo ...
E a cada um leve bem nítida
a ideia da própria morte.

Descubram bem esta cara!

Descubram bem estas mãos:


Não se esqueçam destas mãos !
- Meus amigos ! olhem as mãos !
Onde andaram, que fizeram,
em que sexos se demoraram
seus sabidos quirodáctilos?
Foram nelas esboçados
todos os gestos malditos:
até furtos fracassados
e interrompidos assassinatos.

- Meus amigos! olhem as mãos


Que mentiram às vossas mãos ...
Não se esqueçam !
elas fugiram
da suprema purificação
dos possíveis suicídios ...

- Meus amigos ! olhem as mãos,


as minhas e as vossas mãos!

Descubram bem minhas mãos!

Descubram todo o meu corpo.


Exibam todo o meu corpo
e até mesmo do meu corpo
as partes excomungadas,
as sujas partes sem perdão.

- Meus amigos ! olhem as partes ...


Fujam das partes.
Das punitivas, malditas partes ...

Eu quero a morte nua e crua


terrífica e habitual,
com o seu velório habitual.

- Ah ! o seu velório habitual.

Não me envolvam num lençol:


a franciscana humildade,
bem sabeis que não se casa
com meu amor pela Carne,
com meu apego ao Mundo.

E quero ir de casimira:
De jaquetão com debrum,
calça listrada, plastrom ...
E os mais altos colarinhos.

Deem-me um terno de ministro


ou roupa nova de noivo ...
E assim solene e sinistro,
quero ser um tal defunto,
um morto tão acabado,
tão aflitivo e pungente,
que sua lembrança envenene
o que restar aos meus amigos
de vida sem minha vida.

- Meus amigos ! lembrem de mim.


Se não de mim, deste morto,
deste pobre terrível morto
que vai se deitar para sempre,
calçando sapatos novos !
Que se vai como se vão
os penetras escorraçados,
as prostitutas recusadas,
os amantes despedidos,
como os que saem enxotados
e tornariam sem brio
a qualquer gesto de chamada.

Meus amigos ! tenham pena,


senão do morto, ao menos
dos dois sapatos do morto !
Dos seus incríveis, patéticos
sapatos pretos de verniz.
Olhem bem estes sapatos
e olhai os vossos também.

Urca, Rio, 23/7/1938


* * *

408 * 409
Augusto Meyer

O RAÇÃ O D O NEGRINHO DO PASTO REIO

Negrinho do Pastoreio,
venho acender a velinha
que palpita em teu louvor.

A luz da vela me mostre


o caminho do meu amor.

A luz da vela me mostre


onde está Nosso Senhor.

Eu quero ver outra luz


na luz da vela, Negrinho,
clarão santo, clarão grande
como a verdade e o caminho
na falação de Jesus.

Negrinho do Pastoreio,
diz que você acha tudo
se a gente acender um lume
de velinha em seu louvor.

Vou levando esta luzinha


Treme-treme, protegida
contra o vento, contra a noite ...
É uma esperança, queimando
na palma da minha mão.
Que não se apague este lume !
Há sempre um novo clarão,
Quem espera acha o caminho
pela voz do coração.

Eu quero achar-me, Negrinho !


(Diz que você acha tudo)
Ando tão longe, perdido ...
Eu quero achar-me, Negrinho:
a luz da vela me mostre
o caminho do meu amor.

Negrinho, você que achou


pela mão da sua Madrinha
os trinta tordilhos negros
e varou a noite toda
de vela acesa na mão
(piava a coruja rouca
no arrepio da escuridão,
manhãzinha, a estrela-d' alva
na voz do galo cantava,
mas quando a vela pingava,
cada pingo era um clarão),
Negrinho, você que achou,
me leve à estrada batida
que vai dar no coração !

Ah os caminhos da vida
ninguém sabe onde é que estão !

410 * 411
Negrinho, você que foi
amarrado num palanque,
rebenqueado a sangue pelo
rebenque do seu patrão,
e depois foi enterrado
na cova de um formigueiro
pra ser comido inteirinho
sem a luz da extrema-unção,
se levantou saradinho,
se levantou inteirinho:
seu riso ficou mais branco
de enxergar Nossa Senhora
com seu Filho pela mão !

Negrinho santo, Negrinho,


Negrinho do Pastoreio,
você me ensine o caminho
pra chegar à devoção
pra sangrar na cruz bendita
pelos cravos da Paixão.

Negrinho santo, Negrinho,


quero aprender a não ser!
Quero ser como a semente
na falação de Jesus,
semente que só vivia
e dava fruto enterrada,
apodrecendo no chão.
M INUANO

Ao Liberato

Este vento faz pensar no campo, meus amigos,


Este vento vem de longe, vem do pampa e do céu.

Olá compadre, levanta a poeira em corrupios,


assobia e zune encanado na aba do chapéu.

Curvo, o chorão arrepia a grenha fofa,


giram na dança de roda as folhas mortas,
chaminés botam fumaça horizontal ao sopro louco
e a vaia fina fura a frincha das portas.

Olá compadre, mais alto mais alto !

As ondas roxas do rio rolando a espuma


batem nas pedras da praia o tapa claro ...
Esfarrapadas, nuvens nuvens galopeiam
no céu gelado, altura azul.

Este vento macho é um batismo de orgulho:


quando passa lava a cara enfuna o peito,
varre a cidade onde eu nasci sobre a coxilha.

Não sou daqui, sou lá de fora...


Ouço o meu grito gritar na voz do vento:
- Mano Poeta, se enganche na minha garupa!

412 * 413
Comedor de horizontes,
meu compadre andarengo, entra!

Que bem me faz o teu galope de três dias


quando se atufa zunindo na noite gelada...

Ó mano
Minuano
upa upa
na garupa!

Casuarinas cinamomos pinhais


largo lamento gemido imenso, vento !
Minha infância tem a voz do vento virgem:
ele ventava sobre o rancho onde morei.

Todas as vozes numa voz, todas as dores numa dor,


todas as raivas na raiva do meu vento !
Que bem me faz ! mais alto, compadre !
derruba a casa! me leva junto ! eu quero o longe !
não sou daqui, sou lá de fora, ouve o meu grito !

Eu sou o irmão das solidões sem sentido ...


Upa upa sobre o pampa e sobre o mar...
* *
Mário Q u i ntan a

O POEMA. I

Um poema como um gole dágua bebido no escuro.


Como um pobre animal palpitando ferido.
Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta
[noturna.
Um poema sem outra angústia que a sua misteriosa condição de
[poema.
Triste.
Solitário.
Único.
Ferido de mortal beleza.

O POEMA. 2

O poema é uma pedra no abismo,


O eco do poema desloca os perfis:
Para bem das águas e das almas
Assassinemos o poeta.
*

414 * 415
Augusto Frederico Sch midt

A PARTIDA

Quero morrer de noite -


As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Quero morrer de noite.


Irei me separando aos poucos,
Me desligando devagar.
A luz das velas envolverá meu rosto lívido.

Quero morrer de noite.


As janelas abertas.
Tuas mãos chegarão aos meus lábios
Um pouco de água.
E os meus olhos beberão a luz triste dos teus olhos.
Os que virão, os que ainda não conheço,
Estarão em silêncio,
Os olhos postos em mim.

Quero morrer de noite.


As janelas abertas,
Os olhos a fitar a noite infinda.

Aos poucos me verei pequenino de novo, muito pequenino.


O berço se embalará na sombra de uma sala
E na noite, medrosa, uma velha coserá um grande boneco.
Uma luz vermelha iluminará um grande dormitório
E passos ressoarão quebrando o silêncio.
Depois na tarde fria um chapéu rolará numa estrada...

Quero morrer de noite -


As janelas abertas.
Minha alma sairá para longe, para bem longe de tudo.

E quando todos souberem que já não estou mais


E que nunca mais volverei
Haverá um segundo, nos que estão
E nos que virão, de compreensão absoluta.

D E STINO

Onde estão as que sorriam


E eram como rosas mal nascidas?
Onde estão as que eram brancas e puras
Como as águas que descem das altas pedras
No fechado coração da mata?

Onde estão as que eram belas,


As que tinham nos olhos o brilho das estrelas?
Onde estão as que cantavam e tinham sinos e flores
Na voz de aurora?

Onde estão as que dançavam e eram leves


Como flores que o vento estremece e desfolha?
Onde estão as que traziam nos cântaros
A água viva das fontes?
Onde estão as que enchiam o escuro mundo
De um sorriso de graça e de alegria?
Onde estão as que traziam nos longos cabelos negros
O pequeno coração vermelho de uma flor?

Estão, meu Deus, escondidas - longe,


Onde se encontram as raízes das tuas grandes árvores.
Estão escondidas longe, desfolhadas na úmida noite.

PAZ DOS TÚMULOS

Ó paz dos túmulos


Ó frio das tardes invernais nos cemitérios
Ó mármores gelados, rosas frias, Cristos de gelo, como vos
[espero !
Quando serei silêncio e frio apenas?
Quando serei apenas o íntimo da terra?
Quando, enfim, dormirei na paz - na álgida paz?
Ó vento que matais as rosas, vento frio !
Quando me levareis mudado em poeira?
Quando me levareis pelas ruas
Quando me levareis em mim mesmo mudado
Para o grande mar, o grande mar, o grande mar...
* * *
Vi n icius de Moraes

POEMA DE NATAL

Para isso fomos feitos:


Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos -
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:


Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos -
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:


Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai -
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:


Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia

41 8 * 419
Para ver a face da morte -
De repente nunca mais esperaremos ...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

ROSÁRIO

E eu que era um menino puro


Não fui perder minha infância
No mangue daquela carne !
Dizia que era morena
Sabendo que era mulata
Dizia que era donzela
Nem isso não era ela
Era uma moça que dava.
Deixava... mesmo no mar
Onde se fazia em água
Onde de um peixe que era
Em mil se multiplicava
Onde suas mãos de alga
Sobre meu corpo boiavam
Trazendo à tona águas-vivas
Onde antes não tinha nada.
Quando meus olhos não viram
No céu da areia da praia
Duas estrelas escuras
Brilhando entre aquelas duas
Nebulosas desmanchadas
E não beberam meus beijos
Aqueles olhos noturnos
Luzindo de luz parada
Na imensa noite da ilha!
Era minha namorada
Primeiro nome de amada
Primeiro chamar de filha ...
Grande filha de uma vaca!
Como não me seduzia
Como não me alucinava
Como deixava, fingindo
Fingindo que não deixava!
Aquela noite entre todas
Que cica os cajus ! travavam!
Como era quieto o sossego
Cheirando a jasmim-do-cabo !
Lembro que nem se mexia
O luar esverdeado
Lembro que longe, nos longes
Um gramofone tocava
Lembro dos seus anos vinte
Junto aos meus quinze deitados
Sob a luz verde da lua!
Ergueu a saia de um gesto
Por sobre a perna dobrada
Mordendo a carne da mão
Me olhando sem dizer nada
Enquanto jazente eu via
Como uma anêmona na água
A coisa que se movia
Ao vento que a farfalhava.
Toquei-lhe a dura pevide

420 * 421
Entre o pelo que a guardava
Beijando-lhe a coxa fria
Com gosto de cana brava.
Senti à pressão do dedo
Desfazer-se desmanchada
Como um dedal de segredo
A pequenina castanha
Gulosa de ser tocada.
Era uma dança morena
Era uma dança mulata
Era o cheiro de amarugem
Era a lua cor de prata
Mas foi só naquela noite !
Passava dando risada
Carregando os peitos loucos
Quem sabe para quem, quem sabe?
Mas como me seduzia
A negra visão escrava
Daquele feixe de águas
Que sabia ela guardava
No fundo das coxas frias !
Mas como me desbragava
Na areia mole e macia!
A areia me recebia
E eu baixinho me entregava
Com medo que Deus ouvisse
Os gemidos que não dava!
Os gemidos que não dava...
Por amor do que ela dava
Aos outros de mais idade
Que a carregaram da ilha
Para as ruas da cidade
Meu grande sonho da infância
Angústia da mocidade.

ELEGIA QUASE UMA O D E

Meu sonho, eu te perdi; tornei-me em homem.

O verso que mergulha o fundo de minha alma


É simples e fatal, mas não traz carícia...
Lembra-me de ti, poesia criança, de ti
Que te suspendias para o poema como que para um seio no espaço.
Levavas em cada palavra a ânsia
De todo o sofrimento vivido.

Queria dizer coisas simples, bem simples


Que não ferissem teus ouvidos, minha mãe.
Queria falar em Deus, falar docemente em Deus
Para acalentar tua esperança, minha avó.
Queria tornar-me mendigo, ser miserável
Para participar da tua beleza, meu irmão.
Queria, meus amigos ... queria, meus inimigos ...
Queria...
queria tão exaltadamente, minha amiga!

Mas tu, Poesia


Tu desgraçadamente Poesia
Tu que me afogaste em desespero e me salvaste
E me afogaste de novo e de novo me salvaste e me trouxeste

422 * 423
À borda de abismos irreais em que me lançaste e que depois eram
[abismos verdadeiros
Onde vivia a infância corrompida de vermes, a loucura prenhe do
[Espírito Santo, e ideias e ideias em lágrimas, e
[castigos e redenções mumificados em sêmen cru
Tu !
Iluminaste, jovem dançarina, a lâmpada mais triste da memória...

Pobre de mim, tornei-me em homem.


De repente, como a árvore pequena
Que à estação das águas bebe a seiva no húmus farto
Estira o caule e dorme para despertar adulta
Assim, poeta, voltaste para sempre.

No entanto, era mais belo o tempo em que sonhavas ...

Que sonho é minha vida?


A ti direi que és tu, Maria Aparecida!
A vocês, no pudor de falar ante a vossa grandeza
Direi que é esquecer todos os sonhos, meus amigos.
Ao mundo, que ama a lenda dos destinos
Direi que é o meu caminho de poeta.
A mim mesmo, hei de chamá-lo inocência, amor, alegria, sofrimento,
[morte, serenidade
Hei de chamá-lo assim, que sou fraco e mutável
E porque é preciso que eu não minta nunca para poder dormir.
Ah
Devesse eu jamais atender aos apelos do íntimo ...
*

Teus braços longos, coruscantes; teus cabelos de oleosa cor; tuas


mãos musicalíssimas; teus pés que levam a dança prisioneira; teu
corpo grave de graça instantânea; o modo com que olhas o âmago
da vida; a tua paz, angústia paciente; o teu desejo irrevelado; o gran­
de, o infinito inútil poético ! tudo isso seria um sonho a sonhar no
teu seio que é tão pequeno ...
*

Oh, quem me dera não sonhar mais nunca


Nada ter de tristezas nem saudades
Ser apenas Moraes sem ser Vinicius !
Ah, pudesse eu jamais, me levantando
Espiar a janela sem paisagem
O céu sem tempo e o tempo sem memória!
Que hei de fazer de mim que sofro tudo:
Anjo e demônio, angústias e alegrias
Que peco contra mim e contra Deus !
Às vezes me parece que me olhando
Ele dirá, do seu celeste abrigo:
Fui cruel por demais com esse menino ...
No entanto, que outro olhar de piedade
Curará neste mundo as minhas chagas?
Sou fraco e forte, venço a vida: breve
Perco tudo; breve, não posso mais ...
Oh, natureza humana, que desgraça!
Se soubesses que força, que loucura
São todos os teus gestos de pureza
Contra uma carne tão alucinada!
Se soubesses o impulso que te impele
Nestas quatro paredes de minha alma
Nem sei o que seria deste pobre
Que te arrasta sem dar um só gemido !
É muito triste se sofrer tão moço

424 . 425
Sabendo que não há nenhum remédio
E se tendo que ver a cada instante
Que é assim mesmo, que mais tarde passa
Que sorrir é questão de paciência
E que a aventura é que governa a vida
Oh ideal misérrimo, te quero:
Sentir-me apenas homem e não poeta!

E escuto ... Poeta! triste Poeta!


Não, foi certamente o vento da manhã nas araucárias
Foi o vento ... sossega, meu coração; às vezes o vento parece falar...

E escuto ... Poeta! pobre Poeta!


Acalma-te, tranquilidade minha ... é um passarinho, só pode ser um
[passarinho
Eu nem me importo ... e se não for um passarinho, há tantos lamentos
[nesta terra...
E escuto ... Poeta! sórdido Poeta!
Oh angústia! desta vez ... não foi a voz da montanha? não foi o eco
[distante
Da minha própria voz inocente?

Choro.
Choro arrozmente, como os homens choram.
As lágrimas correm milhões de léguas no meu rosto que o pranto faz
[gigantesco.
Ó lágrimas, sois como borboletas dolorosas
Volitais dos meus olhos para os caminhos esquecidos ...
Meu pai, minha mãe, socorrei-me !
Poetas, socorrei-me !
Penso que daqui a um minuto estarei sofrendo
Estarei puro, renovado, criança, fazendo desenhos perdidos no ar...
Venham me aconselhar, filósofos, pensadores
Venham me dizer o que é a vida, o que é o conhecimento, o que
[quer dizer a memória
Escritores russos, alemães, franceses, ingleses, noruegueses
Venham me dar ideias como antigamente, sentimentos como
[antigamente
Venham me fazer sentir sábio como antigamente !
Hoje me sinto despojado de tudo que não seja música
Poderia assoviar a ideia da morte, fazer uma sonata de toda a
[tristeza humana
Poderia apanhar todo o pensamento da vida e enforcá-lo na ponta
[de uma clave de Fá!
*

Minha Nossa Senhora, dai-me paciência


Meu Santo Antônio, dai-me muita paciência
Meu São Francisco de Assis, dai-me muitíssima paciência!
Se volto os olhos tenho vertigens
Sinto desejos estranhos de mulher grávida
Quero o pedaço de céu que vi há três anos, atrás de uma colina que
[só eu sei
Quero o perfume que senti não me lembro quando e que era entre
[ sândalo e carne de seio.

Tanto passado me alucina


Tanta saudade me aniquila
Nas tardes, nas manhãs, nas noites da serra.
Meu Deus, que peito grande que eu tenho
Que braços fortes que eu tenho, que ventre esguio que eu tenho !

42 6 * 427
Para que um peito tão grande
Para que uns braços tão fortes
Para que um ventre tão esguio
Se todo o meu ser sofre da solidão que tenho
Na necessidade que tenho de mil carícias constantes da amiga?
Por que eu caminhando
Eu pensando, eu me multiplicando, eu vivendo
Por que eu nos sentimentos alheios
E eu nos meus próprios sentimentos
Por que eu animal livre pastando nos campos
E príncipe tocando o meu alaúde entre as damas do senhor rei
[meu pai
Por que eu truão nas minhas tragédias
E Amadis de Gaula nas tragédias alheias?

Basta!
Basta, ou dai-me paciência!
Tenho tido muita delicadeza inútil
Tenho me sacrificado muito demais, um mundo de mulheres em
[excesso tem me vendido
Quero um pouso
Me sinto repelente, impeço os inocentes de me tocarem
Vivo entre as águas torvas da minha imaginação
Anjos, tangei sinos
O anacoreta quer a sua amada
Quer a sua amada vestida de noiva
Quer levá-la para a neblina do seu amor...

Mendelssohn, toca a tua marchinha inocente


Sorriam pajens, operárias curiosas
O poeta vai passar soberbo
Ao seu abraço uma criança fantástica derrama os óleos santos
[das últimas lágrimas
Ah, não me afogueis em flores, poemas meus, voltai aos livros
Não quero glórias, pompas, adeus !
Solness, voa para a montanha, meu amigo
Começa a construir uma torre bem alta, bem alta...

Itatiaia RJ, 1937


-

* * *

Alphonsus de G u i m araens Fi lho

CANTIGA DE PRAIA

Estou sozinho na praia,


estou sozinho e não sei.
Que luz adormece a face
se em gritos já me afoguei?

Estou dançando na praia?


Estou dançando? Não sei.
Eu colho com as mãos da ausência
a rosa que não beijei.

Que luz chega do outro lado,


do outro rio, do outro mar?
Estou sozinho na praia...
Ó mundo, vamos dançar!

428 * 429
ROSA DA MONTANHA

A Benone Guimarães
1

Um luar velho dói sobre o silêncio.


As mãos furtivas despetalam mortes
e o coração se perde em nostalgia.

Fugir na noite inconsolável, ir


ao teu suplício, rosa da montanha,
ó delicada pétala de sangue ...

Fender a noite e descobrir o sonho


nessa agonia que te faz mendiga,
sombra vermelha, convulsão de lua.

Com pouco deitarei meu desespero


sobre os claros soluços devastados
e lá me ficarei, abandonado.

E lá me ficarei deitado e inerte


colhendo a noite nas canções dos rios
e me perdendo em orvalho sobre a morte.

Cantar nos bosques, para amar a vida!


Ó camponesa, como não beijar-te,
se a primavera sopra de vertente.
Como não debruçar sobre o teu colo
e te pedir a melodia estranha
que a noite desfolhou no teu silêncio.

E irei dormir, ingênuo, nas colinas.


E sonharei contigo, estrela doida,
vertigem dos veleiros afogados.

E sonharei contigo, inatingida!


Tu que dormes nos lagos da montanha
e és lilás devastando o azul caminho.

Tu que em pouco te irás sonhar nas margens


do grande mar tão úmido de lua,
do grande mar coalhado de soluços!

Cerro o corpo à loucura e aqui me deito.


Descei, gênios do ar, filhos do espanto,
adormecei meu peito em doce unguento.

Derramai sobre o triste a paz do afeto


desconhecido, a paz dos descampados
onde a aurora dançou, loura e selvagem.

Descei, gênios do ar, mais aflitivos


que uma canção subindo da distância,
de um mundo que eu nem sei ... lá onde a noite

430 * 431
plantou cruzes no céu e fez da vida
um grito, um choro, a sombra de um ferido,
cansaço apenas e irreal cansaço.

Aurora, ó doida dos jardins, aurora,


de novo me trazei nas vestes noivas
um perfume de lua alucinada!

Quero viver de súbito o silêncio


que por aqui pesou em mais milênios
que as dores nuas sobre a carne escrava.

Quero me despenhar na voz dos ventos,


quero me rir nos sinos de noivado
e soluçar nas fontes prisioneiras !

Quero, calcando um gesto de saudade,


lá me perder - na sombra esmigalhada -
e me esquecer nas asas e nas chamas.

Carne-suplício, carne-treva, carne,


quem me dera de ti ver-me liberto
e a alma povoar de uma alegria

matinal, delirante, uma alegria


de formas tênues oscilando em breves
cantos de luz e cores sobre as águas.
Quem me dera dançar! Dançar nos rios,
dançar nos bosques trêmulos, pulsando
em cada galho e em luz perder-me rindo

como uma fonte límpida, na noite.


Me alucinar na dor das correntezas
que em vão pisam e repisam a mesma história

sem que os homens jamais ouçam seu grito


e o compreendam e o vivam no seu peito.
Ah ! me perder nas asas como um sopro

e procurar, meu Deus, os vilarejos,


para dormir nas cruzes das montanhas
e soluçar na sombra das ladeiras.

Um dia me esquecer, velho e menino,


numa igreja, talvez, ou num caminho
onde as rezas me cubram de carícia.

Me ferir no silêncio atormentado


da noite desolada onde as estrelas
são chamados sem paz, são incessantes

convites para a morte e para a sombra.


Ah ! me ferir nas luzes, resvalando
entre bosques e montes, resvalando

em melodias, contorções, suplícios,


e um dia me encontrar, puro e sem mágoa,
à sombra de uma estrela soluçando.

432 * 433
4

Um luar velho dói sobre o silêncio.


Se eu te pedisse a paz, que me darias?
Sim, que me darias, flor noturna,

corola umedecida de saudade !


Talvez sonhasses, como eu, nas praias.
Talvez te desolasses e, de manso,

fosses buscar a estrela nos caminhos.


Tudo é leve demais. Que importa o mundo
venha com a mesma dor e o mesmo grito !

Tudo é leve demais. Já me pressinto


como uma asa. (Rezam o miserere ... )
Descansa em paz, me diz a madrugada.

Já me pressinto adormecido em claras


palpitações de céu e aceso em brancas
melancolias. (Rezam o miserere ... )

Adeus, minha esperança! Já pressinto


que és onda e nuvem, que te entregas rindo
aos ventos levianos do desejo.

Já pressinto que ris na aurora tímida,


já pressinto que ris como uma ingênua,
sem que saibas ao menos esquecer-te.
Adeus, minha saudade ! Aqui me deito
e aqui me cubro de um luar insone,
palpebrando no mar ... Aqui me deito

e em breve saberei tantas cantigas


que possa adormecer o mundo inteiro
e aos homens todos prometer o sonho !
* * *

Bueno de Rivera

O FANTASMA

Não nasceu das trevas,


não surgiu do limbo.
É apenas a ideia,
a mais branca ideia.
Madrugada eterna
no polo invisível.

Não o vejo em torno,


não lhe aperto as mãos,
as mãos frias, moles.

Pressinto-o em mim
como um lírio enorme
crescendo no lodo.

Nasceu no meu dia,


dormiu no meu berço.
Não estava ao meu lado,

434 * 435
mas viveu no meu sonho.
Não é sombra, é a febre,
a ideia mais pura,
presença do eterno;
talvez o intangível,
talvez o mistério.

Não lembra os espectros


dos túmulos abertos
e de casas antigas
onde parentes mortos
soluçam na alcova.

Não espanta, não fere.


É manso e invisível,
calado e distante,
apenas encanta,
apenas sugere.

Passeia tranquilo
no fundo mais fundo
do eu infinito.
Sinto-lhe os passos
nos porões sombrios.
Amigo impossível
que procuro, olhando
os meus olhos no espelho.
* * *
Péricles Eugênio da Si lva Ramos

CANÇÃO DAS DUAS COROLAS

Taciturno, ó dolorosa,
quando o instante for chegando
lançarei um vinho em chamas
sobre o mármore sagrado.

Teu rosto de claro espelho


- nebulosa de cristais -
cantará como a alvorada
perdição de muita rosa ...

Cantará teu rosto claro,


brilharão teus seios de âmbar;
e ao fulgor das labaredas
sonharão papoulas doidas
nesse ventre cor de prata.

Companheira de olhos tristes,


cai a tarde e foge a vida;
cai a tarde, ó companheira,
desce a noite sobre mim ...

Tantos anos a meu lado,


fria esposa, irmã dolente !
Segura a taça vermelha,
derruba o fogo no altar . . .

436 * 437
Derruba... As chamas se elevam,
rola branca dos caminhos !
Regozija-te, que a morte
já soluça nos meus lábios ...

Cascata, flancos de rio,


Colhe anêmonas e mirtos!
Coroa as tranças violetas,
e assiste, pálida e nua,
à cavalgada sombria.

Teu rosto já está cantando,


perdição de muita rosa...
Na colina do silêncio
- rosa viva que cintilas ! -
possa ao menos consolar-me
o rubor de outra corola.
* * *

Domi ngos Carval ho da Si lva

POEMA TERCI Á RIO

A joão Cabral de Melo Neto

Cavalos já foram pombos


de asas de nuvem. Um rio
banhava o rosto da aurora.
Cavalos já foram pombos
na madrugada do outrora.
Onde há florestas havia
golfos oblongos por onde
tranquilos peixes corriam.
Uma lua alvissareira
passava à noite. E deixava
reticências de cometa
vagalumeando na relva
das margens, até à aurora
da Idade de Ouro do outrora,
quando cavalos alados
tinham estrelas nas crinas
alvas como asas de pombo.

O Verbo não existia.


Deus era incriado ainda.
Só as esponjas dormitavam
trespassadas por espadas
de água metálica, impoluta.
E as gaivotas planejavam
etapas estratosféricas
próximo às praias ibéricas.
E as montanhas desabavam
em estertores terciários,
em agonias de estrondo,
nas manhãs de sol atlântico,
quando cortavam as nuvens
- alvos garbosos equinos -
esquadrões marciais de pombos.

438 * 439
Teu cabelo era ainda musgo.
Teus olhos o corpo frio
de uma ostra semiviva.
E tua alma sempre-viva
sobrenadava o oceano
qual uma estrela perdida.
Teu coração era concha
fechada e sem pulsação.
E teu gesto - que é teu riso -
era um mineral estático
ainda não escavado
pelo mar duro e fleumático.

Cavalos já foram pombos.


E a prata que anda na garra
dos felinos, reluzia
em vibrações uterinas
no ventre da terra fria
quando o dia era só aurora
e Deus sequer existia
na madrugada do outrora.
* * *
João Cabral de Melo Neto

PSICOLOGIA DA COMPOSIÇÃ O

A Antonio Rangel Bandeira

Saio de meu poema


como quem lava as mãos.

Algumas conchas tornaram-se,


que o sol da atenção
cristalizou; alguma palavra
que desabrochei, como a um pássaro.

Talvez alguma concha


dessas (ou pássaro) lembre,
côncava, o corpo do gesto
extinto que o ar já preencheu;

talvez, como a camisa


vazia, que despi.

II

A Lêdo lvo

Esta folha branca


me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.

Eu me refugio
nesta praia pura
onde nada existe
em que a noite pouse.

Como não há noite


cessa toda fonte;
como não há fonte
cessa toda fuga;

como não há fuga


nada lembra o fluir
do meu tempo, ao vento
que nele sopra o tempo.

O CÃO SEM PLUMAS


(fragmento)

II
(Paisagem do Capibaribe)

§ Entre a paisagem
o rio fluía
como uma espada de líquido espesso.
Como um cão
humilde e espesso.
§ Entre a paisagem
(fluía)
de homens plantados na lama;
de casa de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.

§ Como o rio,
aqueles homens
são como cães sem plumas.
(um cão sem plumas
é mais
que um cão saqueado;
é mais
que um cão assassinado.

§ Um cão sem plumas


é quando uma árvore sem voz.
É quando de um pássaro
suas raízes no ar.
É quando a alguma coisa
roem tão fundo
até o que não tem).

§ O rio sabia
daqueles homens sem plumas.
Sabia
de suas barbas expostas,

442 * 443
de seu doloroso cabelo
de camarão e estopa.

§ Ele sabia também


dos grandes galpões da beira dos cais
(onde tudo
é uma imensa porta
sem portas)
escancarados
aos horizontes que cheiram a gasolina.

§ E sabia
da magra cidade de rolha,
onde homens ossudos,
onde pontes, sobrados ossudos
(vão todos
vestidos de brim)
secam
até sua mais funda caliça.

§ Mas ele conhecia melhor


os homens sem pluma.
Estes
secam
ainda mais além
de sua caliça extrema;
ainda mais além
de sua palha;
mais além
da palha de seu chapéu;
mais além
até
da camisa que não têm;
muito mais além do nome
mesmo escrito na folha
do papel mais seco.

§ Porque é na água do rio


que eles se perdem
(lentamente
e sem dente).
Ali se perdem
(como uma agulha não se perde).
Ali se perdem
(como um relógio não se quebra).

§ Ali se perdem
como um espelho não se quebra.
Ali se perdem
como se perde a água derramada:
sem o dente seco
com que de repente
num homem se rompe
o fio de homem.

§ Na água do rio,
lentamente,
se vão perdendo
em lama; numa lama
que pouco a pouco
também não pode falar:

444 * 445
que pouco a pouco
ganha os gestos defuntos
da lama;
o sangue de goma,
o olho paralítico
da lama.

§ Na paisagem do rio
difícil é saber
onde começa o rio;
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
onde começa o homem
naquele homem.

§ Difícil é saber
se aquele homem
já não está
mais aquém do homem;
mais aquém do homem
ao menos capaz de roer
os ossos do ofício;
capaz de sangrar
na praça;
capaz de gritar
se a moenda lhe mastiga o braço;
capaz
de ter a vida mastigada
e não apenas
dissolvida
(naquela água macia
que amolece seus ossos
como amoleceu as pedras).
* * *

Lêdo Ivo

NAI PE DE ELISAB ETE

Ó nuvens movediças ! Nas alturas


o céu desfecha a bruma e sagra o canto
da entrega nas escarpas, vozes puras
de terremotos, torres, desencanto.
Solstícios atravessam, como a aragem,
os tormentos sensuais que a tarde oferta
ao meu corpo hesitante, sem viagem,
que joga ao vento a sua descoberta.
Sirene bem serena, qual sereia
não do mar nem do mito, mas dos ares,
quero-te em mim, no céu cruzado, alheia,
por ir buscar no azul o arpão dos mares

Converso tigres na manhã. Seguro


em minhas mãos monumentais a brisa
que se exercita sobre o naipe duro
onde se espalma a tua carne lisa,

44 6 * 447
ó lisa Elisa, ó lisa Elisabete.
Dama, valete e rei - minhas sequências
triunfam junto ao mar que me reflete
no quadro repulsivo das ausências.
Sou eterno um momento, para ter
a besta viva que és entre os meus braços.
E assim me extingo, extinto por não ser
o que na areia fica entre dois passos ...

A VÃ FEITIÇARIA

Invento a flor e, mais que a flor, o orvalho


que a torna testemunha desta aurora.
Invento o espelho e, mais que o espelho, o amor
onde eu me vejo, vivo, num sarcófago.
E a vida, este galpão de sortilégios,
deixa que eu a invente com palavras
que são dragões vencidos pela mágica.
E não me espanta que eu, sendo mortal,
sujeito à injúria de tomar-me em pó,
crie uma rosa eterna como as rosas
inexistentes nesta flora efêmera.
Sonho de um sonho, a vida, ao vento, escoa-se
em vãs lembranças. Minha rosa morre
por ser eterna, sendo o mundo vão.
* * *
josé Pau lo Moreira da Fonseca

NATUREZA M O RTA

No outro termo - a cor -


Terrosa, com lenhos obscuros
Onde resplandece (inércia)
Aquele fugaz rubor de pomos.

No outro termo - o espaço -


Nítido o espaço,
Curvas maçãs o constroem.

No outro termo - a linha -


Sonora em torno das coisas,
Em meio dos planos -
Inesgotável definido
Adormecendo metamorfoses.
* * *

Od ylo Costa, Fi lho

SONETO D E N . S . D O B O M PARTO

A adolescente era a palmeira esguia


de tranças. Mas no mel do seu cabelo
tal mistério morava que de vê-lo
a alma desesperada renascia.

Era a Beleza? A simples alegria?

44 8 * 44 9
Era a presença de sutil desvelo?
Era a graça, era o corpo, era a poesia?
Era a saudade do materno zelo?

Era a esperança, a fé, a caridade?


Impossível dizê-lo com certeza.
Mas nela havia tanta eternidade

que pôs Nossa Senhora do Bom Parto


nove bocas em torno à nossa mesa
e uma sombra perene em nosso quarto.
* * *

Pau lo Mendes Campos

CÂNTICO A DEUS

O abismo da morte certa


Sempre terá mais delícia
Que a doce e fria malícia
De tua face encoberta.

Jamais fulgor tão constante


Perdeu meus passos no mundo
Mas quanto mais me aprofundo
Tu mais te ocultas distante.

Por que soberbo degredo


Toda vez que chego perto
De teu mistério deserto
Quero mais e tenho medo?
Que posso ter nesta vida,
Que paz, que porto, que pausa,
Se minha nítida causa
Perde-se em ti confundida?

Do caos sutil construíste


Uma fábula perfeita,
A certeza insatisfeita
De que existes; não existes.
*

Th iago de Mello

O S O N H O D A ARGILA

O vocábulo puro, em que me amparo,


esquiva-se a meu jugo; e raro canto.
Que a palavra da boca é sempre inútil
se o sopro não lhe vem do coração.

Mudo, contemplo os valerosos feitos


de quem funda caminhos sobre os mares
e edifica cidades e ergue torres
de cujo topo logre dominar
o mundo inteiro - e ver que o mundo é pouco.

Antes os que, cegos, trabalham a terra,


sorvendo-lhe os tesouros mais esconsos,
sem assombro, no convívio dos bois,
com eles aprendendo a ser humildes,
e dormem, vinda a noite, sossegados,

.
450 451
- permaneço calado, e todavia
algo em mim lhes inveja esse dormir.

Não me pranteio por saber-me turvo


ou por não me caber a paz dos brutos.
Sei que morro amanhã, mas não me louvo
a sóbria face que disfarça o medo.

Move-me ao canto ver que a sombra cresce


dentro de mim, enquanto um sol avaro
esplende oculto - em céus só vislumbrados
quando a argila, grotesca e ousada, sonha.

E ver o inútil dessa argila em sonho,


mais que mover-me ao canto, me comove.
* * *

Ferreira G u l lar

mar azul
mar azul marco azul
mar azul marco azul barco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul
mar azul marco azul barco azul arco azul ar azul
* * *
Augusto de Cam pos

com ca n
som te m

co n te n ta m
te m sao bem
-

to m se m
bem som

452 * 453
Cassiano Ricardo

TRANSLAÇÃ O

ª espera a esfera
a espera
a esfera
a espera
a esfera
a espera
a esfera
a espera
a esfera
a esfera a espera a espera
a espera a esfera a esfera
a esfera a espera a espera
a espera a esfera a esfera
a esfera a espera a espera
a espera a esfera a esfera
a esfera a espera a espera
a espera a esfera a esfera
a esfera a espera a espera
a espera a esfer a esfera
a esfera a esp a espera
a espera a esfera
a esfera a espera
a espera a esfera
a esfera a espera
a espera a esfera
a esfera a espera
a esfera
a espera
a esfera
a espera
a esfera
a espera
a esfera
454 . 455
Í N D I C E DA A N TO LO G I A

G regó rio d e M atos

B uscando a Cristo 217 * A Cristo s . N . crucificado estando o poeta


na última hora de sua vida 218 * Embarcado já o poeta para o seu de­
gredo, e postos os olhos na sua ingrata pátria lhe canta desde o mar as
despedidas 218 * Torna a definir o poeta os maus modos de obrar na
governança da Bahia, principalmente naquela universal fome que padecia
a cidade 222

Basíl io da Gama

Morre de Lindoya 225

Cláu d i o M an u e l da Costa

Soneto X C V I I I . •. 227

To m ás Antô n i o Gonzaga

Tu não verás, Marília, cem cativos. . . 228

G o n çalves D i as

Canção do exílio 231 * Não me deixes ! 232 * I-Juca-Pirama 233

Álvares de Azevedo

Se eu morresse amanhã 252 * Lembrança de morrer 253 * Fragmento


de um canto em cordas de bronze 255
J u n q u e i ra Frei re

À profissão de frei João das Mercês Ramos 257 * Nem sempre (Hora de
delírio) 259 * Louco (Hora de delírio) 261

Fagu n des Vare l a

Névoas 263 * Juvenília 265 * Cântico d o calvário 266

Cas i m i ro de Abreu

Meus oito anos 273 * Amor e medo 275

Castro Alves

C repúsculo s e rtanej o 278 * Adormecida 280 * Vozes d'África


281 * O navio negreiro (Tragédia no mar) 286

Luiz Delfino

ln Her Book 297 * A primeira lágrima 298

M ac h ado de Assis

Círculo vicioso 298 * A mosca azul 299 * Uma criatura 302

Luiz G u i m arães

Visita à casa paterna 303 * O esquife 304

Alberto de Ol ive i ra

Vaso grego 305 * Aspiração 306 * Taça de coral 307

J oão Ri beiro

Simples balada 308

456 * 457
Rai m u nd o Correia

Ser moça e bela ser 309 ... * Banzo 310 * Plenilúnio 3u

O l avo B i l ac

Via-Láctea 313 * Língua portuguesa 314 * Música brasileira 315 * O ca­


çador de esmeraldas 316

Vicente de Carval h o

Velho tema 318 * Pequenino morto 3 1 9 * Sugestões d o crepúsculo 323

j osé Albano

Soneto 328

Cruz e Sousa

Monja negra 329 * Ódio sagrado 333 * Triunfo supremo 334 * Supremo
verbo 335 * Caminho da glória 335

A l p h o n s u s de G u i m araen s

Cisnes brancos 336 * Ismália 337 * Como se moço, e não b em velho eu


fosse 338
... * Vila d o Carmo 339 * Hão d e chorar po r ela os cinamomos ...

340 * A catedral 341

Augusto dos Anjos

As cismas do destino 342 * Último credo 347 * O lamento das coisas


348 * O último número 349

G u i l herm e de Almeida

Mormaço 351 * Raça (fragmento) 351


M ário de And rade

O poeta come amendoim 354 .,. Poemas da negra 356 * Toada do Pai­
do-Mato (Índios pareeis) 357 ·• A Serra do Rola-Moça 358

Ronald de Carval h o

Brasil 360 x- O mercado de prata, de ouro e esmeralda 363 * Epigrama


364

Asce nso Ferrei ra

A mula-de-padre 364

Rau l Bopp

Cobra Norato (fragmento) 367 x- Negro 369

Ri beiro Couto

O banho 370 ·• Viagem 371 ·• Elegia 372

J o rge de Li m a

Essa negra Fulô 373 ·• Inverno 377 ·• Invenção d e Orfeu 380

J o aq u i m Card ozo

Chuva de caju 380 * Imagens do Nordeste 381

M u ri l o M e n des

Os dois lados 384 * Mapa 384 ·• O impenitente 387

Carlos Dru m mo n d de A n d rade

Poema de sete faces 387 ·• Mãos dadas 389 * Edifício Esplendor 389

458 * 459
H e n ri q u eta Li sboa

Restauradora 394

E m íl i o M o u ra

Poema patético 395

Cecíl i a M e i reles

Canção da tarde no campo 396 * Elegia 397 •- O rei do mar 398 * Noite
399

Dante M i l ano

Imagem 400 * Saudades do tempo 4or * Homenagem a Camões 402

Ped ro Dan tas

A cachorra 403

Ped ro N ava

O defunto 405

Augusto M eye r

Oração do Negrinho do Pastoreio 409 * Minuano 412

M ário Q u i ntana

O Poema. l 414 •- O Poema. 2 414

Augusto Frederico Sch m i d t

A partida 415 * Destino 416 -• Paz dos túmulos 417


Vi n i cius de M o raes

Poema de Natal 418 * Rosário 419 * Elegia quase uma ode 422

A l p h o n s u s de G u i m arae n s Fi l h o

Cantiga d e praia 428 * Rosa d a montanha 429

Bueno de Rivera

O fantasma 434

Péricles Eugê n i o da S i lva Ram os

Canção das duas corolas 436

Domi ngos Carval h o da Si lva

Poema terciário 437

J o ão Cabral de Melo N eto

Psicologia da composição 440 * O cão sem plumas (fragmento} 441

Lêd o Ivo

Naipe de Elisabete 446 * A vã feitiçaria 447

J osé Pau l o M o re i ra da Fo n seca

Natureza morta 448

Odylo Costa, fi l h o

Soneto d e N. s. d o B o m Parto 448

Pau l o Mendes Cam pos

Cântico a Deus 449


Th i ago de M e l l o

O sonho da argila 450

Ferre i ra G u l l ar

Mar azul 451

Augu sto de Campos

tensão 452

Cassiano Ricardo

Translação 453
Notícia sobre Manuel Bandeira

Otto Maria Carpeaux

O poeta que escreveu este livro exprimiu, certa vez, o desejo de

Morrer tão completamente


Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi? ..."

Morrer mais completamente ainda,


- Sem deixar sequer esse nome.

Fiel a tal decisão, o autor não permitiu ao seu nome entrar neste
livro que trata da evolução da poesia brasileira, opondo-se à opi­
nião literária no Brasil, que situa o nome de Manuel Bandeira num
momento decisivo da evolução daquela poesia.
Após a rebelião malograda dos simbolistas contra o parnasia­
nismo reinante, a poesia brasileira se libertou por um ato revo­
lucionário: o modernismo rompeu com a métrica tradicional e
com a solenidade acadêmica; voltou-se para os aspectos trágicos
e humorísticos da vida cotidiana, para as realidades sociais e a
geografia humana do Brasil; pregou a expressão livre dos senti­
mentos do homem brasileiro em face da natureza americana e
da crise do mundo contemporâneo. Esse movimento modernista
abriu o caminho a uma plêiade de poetas, entre os quais Manuel
Bandeira se situa.
Bandeira nasceu em 1886; pertence a uma geração de simbo­
listas e pós-parnasianos. São simbolistas os seus primeiros versos.
A cinz.a das horas [1917] revela o sentimentalismo inato, romântico,
do poeta; no entanto, a adoção das convenções de expressão sim­
bolistas é sintoma duma inibição do sentimento pessoal. Já em
Carnaval [1919] , os ritmos dançam com certa irregularidade, e a
melancolia do "meu Carnaval sem nenhuma alegria" acompanha­
se de gritos algo forçados de humorismo destruidor - modernismo
avant la lettre. Tem importância histórica o volume seguinte O ritmo
dissoluto [1924] , cujo título confessa a intenção demolidora do

Tuércele el cuello al cisne de enganoso plumaje.

Por um momento, a situação histórica que se chamava modernis­


mo, e a situação pessoal do poeta Manuel Bandeira estão identi­
ficadas. Depois, os caminhos se separam. O autor de Libertinagem
[19 3 0] é capaz de dar - em poemas como "Evocação do Recife" - um
timbre intimamente pessoal, de recordações infantis, aos assuntos
geográfico-pitorescos da poesia modernista; é capaz de empregar
o seu humorismo meio irônico, meio diabólico para analisar a
fundo o seu sentimentalismo inato, transformar o desespero ago­
nizante em elegia.
Desde então, o poeta elegíaco em Manuel Bandeira está livre.
Os volumes Estrela da manhã [19 3 6] e Lira dos cinqüent'anos [19 4 0]
revelam o poete mineur, no sentido alto da palavra: à transfigura­
ção sutilmente humorística dos tristes lugares-comuns da vida
cotidiana corresponde a visão dos destinos humanos in nuce duma
recordação anedótica -

To see a World in a grain ofSand


And a Heaven in a Wild Flower,
Hold Infinity in the palm ofyour hand,
And Eternity in an hour.
Os versos de Blake serviriam bem de epígrafe para a poesia defini­
tiva de Bandeira. Quando lhe iam demolir a velha casa no bairro
sombrio da Lapa, no Rio de Janeiro, o poeta elegíaco escreveu
este poema:

ÚLTIMA CANÇÃO DO BECO

Beco que cantei num dístico

Cheio de elipses mentais,

Beco das minhas tristezas,

Das minhas perplexidades

(Mas também dos meus amores,

Dos meus beijos, dos meus sonhos),

Adeus para nunca mais !

Vão demolir esta casa.

Mas meu quarto vai ficar,

Não como forma imperfeita

Neste mundo de aparências:

Vai ficar na eternidade,

Com seus livros, com seus quadros,

Intacto, suspenso no ar !

Beco de sarças de fogo,

De paixões sem amanhãs,

Quanta luz mediterrânea

No esplendor da adolescência

Não recolheu nestas pedras

O orvalho das madrugadas,

A pureza das manhãs !


Beco das minhas tristezas,

Não me envergonhei de ti !

Foste rua de mulheres?

Todas são filhas de Deus !

Dantes foram carmelitas ...

E eras só d e pobres quando,


Pobre, vim morar aqui.

Lapa - Lapa do Desterro -,

Lapa que tanto pecais !

(Mas quando bate seis horas,

Na primeira voz dos sinos,

Como na voz que anunciava

A conceição de Maria,

Que graças angelicais ! )

Nossa Senhora d o Carmo,

De lá de cima do altar,

Pede esmolas para os pobres,

- Para mulheres tão tristes,

Para mulheres tão negras,

Que vêm nas portas do templo

De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra

De paredes conventuais,
É s como a vida, que é santa,

Pesar de todas as quedas.

Por isso te amei constante,

E canto para dizer-te


Ade u s p ara nunca mais !
Parece-me satisfazer este poema à definição wordsworthiana da
poesia: "Emotion recollected in tranquility".
Está assim determinado o lugar histórico do poeta: num mo­
mento decisivo, cruzou-se com a evolução da poesia brasileira o
caminho que levou o poeta Manuel Bandeira para a realização
expressiva da sua experiência pessoal.
Poesia - a definição indica a parte do lirismo em toda arte - é
a arte verbal de comunicar experiências inefáveis. A experiência
de Manuel Bandeira era a gravíssima doença que lhe destruiu
a mocidade, e a que, no entanto, conseguiu dominar. Experiência
pessoal e realização poética de Bandeira estão sob o signo das pa­
lavras do apóstolo: "Ubi est, mors, victoria tua? ubi est, mors, stimulus
tuus?".
A adoção de formas convencionalmente simbolistas pelo poeta

de A cinza das horas corresponde ao desespero de poder sair da sua


situação particular, concebida como anedota cruelmente senti­
mental:

- Eu faço versos como quem morre.

- o caminho para baixo, descemo-lo, todos, sós. A dança macabra


de Carnaval simboliza a tentativa, desesperadamente exaltada, de
sair da solidão da agonia. Mas só em O ritmo dissoluto, o poeta adi­
vinha a presença dum símbolo de validade geral no símbolo da
sua existência particular:

A voz da noite ...

(Não desta noite, mas de outra maior).


A timidez parentética desaparece, depois, substituída pela expres­
são livre do volume Libertinagem; pela primeira vez, Bandeira dá o
nome à realidade:

PNEUMOTÓRAX

Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.


A vida inteira que podia ter sido e que não foi.

Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:


- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três ... trinta e três ...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão


[direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

O humor diabólico do fim deste poema é o meio de libertação que


torna possível a sutilíssima variação rítmica dos três primeiros ver­
sos: entre a marcha fúnebre do primeiro verso, que dá a dura reali­
dade, e os golpes em staccato desesperado do terceiro, abaúla-se, em
legato elegíaco, o arco do segundo verso: "A vida inteira que podia
ter sido e que não foi". Eis aí as três emoções fundamentais de Ma­
nuel Bandeira, a quem foi dado "recolhê-las em tranquilidade".
Encontra, agora, as metáforas definitivas para exprimir, da manei­
ra mais particular e mais geral ao mesmo tempo, o seu desespero -

470 * 471
A paixão dos suicidas que se matam sem explicação.

E tenta, em "Evocação do Recife", o realismo modernista que logo


se lhe transfigura em saudade evocativa da "vida que podia ter
sido". E a vida "que não foi" identifica-se-lhe com aquelas outras vi­
das que se foram, e que ecoam na alma do poeta, profundamente.

P ROFUNDAME NTE

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Estrondos de bombas luzes de Bengala

Vozes cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?


- Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.

* * *

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia

Rosa

Onde estão todos eles?

- Estão todos dormindo

Estão todos deitados

Dormindo

Profundamente.

O símbolo da recordação pessoal serve, ao mesmo tempo, como


símbolo da experiência geral do gênero humano. A agonia está
transformada em elegia.
Nos últimos poemas de Manuel Bandeira, a morte está presen­
te em toda parte. Mas esconde-se, atrás do símbolo da despedida
dum amigo, nos gerúndios suspensos para o infinito, do "Rondá
dos cavalinhos":

472 * 473
Os cavalinhos correndo,
E nós, cavalões, comendo ...
Alfonso Reyes partindo,
E tanta gente ficando ...

ou a Morte está nas agitações inúteis da vida cotidiana, enquanto


o enterro se transforma em marcha triunfal, neste

MOMENTO NUM CAFÉ

Quando o enterro passou


Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.

Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado


Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.

No fim deste poema também, como no fim de "Pneumotórax",


a inversão "diabólica" serve para conseguir a libertação; mas já
não se trata da transformação duma agonia desesperada em ele­
gia pessoal, e sim da transformação do destino geral da carne em
descanso "largo e demorado". Aqui está, Morte, tua vitória.
Manuel Bandeira é um poeta consciente: consciente dos meios
técnicos da sua arte, e consciente do resultado atingido. Já não faz
"versos como quem morre". Pode dizer, agora:

O vento varria tudo !


E a minha vida ficava
Cada vez mais cheia
De tudo.

O poeta atingiu a concentração da "vida inteira que podia ter sido"


no momento que realmente é e que se exprime como momento
de poesia. É um ponto fora do tempo, assim como - em " Última
canção do beco" - o quarto demolido do poeta continua como
ponto fora do espaço. Essas elegias cantam um mundo platônico
de formas perfeitas, mundo "intacto, suspenso no ar", que "vai
ficar na Eternidade"; quer dizer, mundo em que não existe Morte.
" Ubi, est, mors, victoria tua? ubi est, mors, stimulus tuus?".
A última poesia de Bandeira, transfigurando o sentimento em
símbolo, realiza a definição wordsworthiana da poesia: "Emotion
recollected in tranquility".
Assim, o poeta que desejava "morrer completamente", que de­
sejava

Morrer mais completamente ainda,


- Sem deixar sequer esse nome.

deixa uma poesia, e deixará o nome de Manuel Bandeira.

474 * 475
Índ ice remissivo

Abre u , Capi strano de 59 , 78 A n d rade, Rod rigo M. F. de 121-22, 1 69


Abre u , Casi m i ro de 72, 74, 79, 85, 205, 273 Anjos, Augu sto dos 141, 143 , 145-46, 342
Acad e m i a dos Esq uecidos 15 Apol l i n a i re, G u i l l au m e 165
Acad e m i a dos Fe l izes 1 6 Araúj o , M u ri l o 147, 182-84
Acad e m i a dos Renascidos 1 5 Arm a n d o , Pau l o 209
Acad e m i a dos Sel etos 1 6 Ath ayd e, Tristão d e 182
Agosti n h o , Santo 35 Azeredo, Ro naldo 211
Albano, José 122-24, 328 Azevedo, Artur 98
A l b u q u e rq u e Coe l h o , J o rge d e 10
Aleijad i n h o (Antô n i o Ban d e i ra, A n tô n i o Rangel 210-1 1 , 440
Fran cisco Lisboa) 1 8 Ban d e i ra, M a n u e l 1 1 , 124, 147, 1 8 3 ,
A l i g h i e r i , Dante 94 204, 463-64, 467- 6 8 , 470 , 472
A l m e i d a, Fern ando M e n d e s d e 209 Banvi l l e , Th éodore de 1 1 6
A l m e i d a , G u i l h e rm e d e 151 , 173 -74, 351 Barata, Gaspar 1 1
A l m e i d a, M a n u e l A n tô n i o d e 1 84 Barata, R u i G u i l h e rm e 2 1 1
A l m e i d a, Ren ato de 152 Barreto, To b i as 78, 8 5
A m é l i a de Portuga l , d . 1 1 2 Basti d e , Roge r 126
A l p h o n s u s , J o ão 1 8 7 Batista, Cícero Ro mão ver Cícero , padre
Alvarenga Peixoto , I n ácio Bau d e l a i re, Ch arles 1 0 9
José d e 20, 24, 3 0-3 1 Bernardes, Manuel 1 1
Alvarenga, O n eyd a 209 B i l ac, O l avo roo, 102, 1 1 0-12, 114- 1 6 , 173 , 3 1 3
Álvares d e Azevedo, M a n u e l Antô n i o B l ake, Wi l l iam 465
4 6 , 66-67, 71 -72, 79 , 8 5 , 155, 205, 252 Boabd i l 49
Amado, G i l berto 149 Bobad i l l a, frei Francisco de 51
Am aral , Amadeu 120, 149 Bocage , M a n u e l M aria Barbosa du 1 8
A n c h i eta, José de 9- 1 0 , 80 Bonaparte, N apoleão 7 8
A n d rada e S i lva, J osé B o n i fácio B o n fi m , Pau l o 2 1 1
( o Moço) 40, 71 , 78 Bopp, Rau l 174, 177-78, 367
A n d rade M u ricy, José Cân d i d o Braga, Edgar 209
de 125, 1 7 8 , 1 8 1 -82, 184 Braga, Teófi l o 97
A n d rad e , M ário d e 72, 149-51, B rech e ret, Vítor 149
155-56, 158, 160, 165, 1 6 8 , 178, B u a rq u e de H o l an d a , A u rél i o 57
1 99 , 203-05, 208-09, 354 B u e n o d e Rivera, O d o rico 2 1 0 , 434
Andrade, Oswald de 149 , 151, 155-56, B u rl a m aq u i , J orge de 384
1 6 1 , 1 65 , 174, 177-78 , 182, 204 Byro n , l o rd 46, 70, 78
Cabral de M e l o Neto, J o ão Costa Ataíde , M a n u e l da 1 8
195, 210, 437, 440 Costa e S i lva, Antô n i o
Cádiz, marq u ês de 49 Franci sco d a 1 2 0 , 149
Calado, M a n u e l 1 6 1 Costa Fi l h o , Odylo 209, 448
Caldas Barbosa, D o m i ngos 40-41 Couto, M a n u e l do 9- 1 0
Câm ara, Eugê n i a 8 6 Cristo, J e s u s 80
Cam i n h a, Pero V az d e 1 6 1 Cri t i l o ( C l á u d i o M a n u e l da
Camões, Luís de 1 0 2 , 122-23, 159 , 315 Costa ? ) 26, 30
Campos, Augu sto de 77, 2 1 1 , 452 Cruz e Sousa, João d a 125-
Campos, G e i r 210 27, 132, 139, 141 , 329
Campos, H aro l d o d e 77, 2 1 1 C u n h a M e n eses, Lu ís da 26, 28
C a m p o s , H u m berto d e 1 2 0 C u n h a , An astácio da 1 8
C a m p o s , Pau lo M e n des 210- 1 1 , 449 C u n ha, E u c l i d e s d a 146
Capac, M anco 50 C u n h a , Sylvio da 209
Cardoso, Lú c i o 208
Card ozo , J o aq u i m 195 , 380 Damasce n o , Darcy 2 1 1
Carpeaux, O tto M ari a 143, 188, 1 97, 463 Dantas, Ped ro ( Pru d e n te d e
Carva l h o J ú n i o r, Francisco M o rais, n eto) 214, 403
Antô n i o d e 99 Daraxa 49
Carva l h o Lea l , Alexa n d re Teó fi l o d e 64 Darío ( Fé l ix Rubén García y
Carval h o , Ro n a l d de 139, 147, 152, Sarm i e n to ) 141 , 147
155 , 1 64, 168, 183, 197, 360 D e b ret, J ean Bapti ste 48
Carval h o , Vice n te d e 102, 116, 118, 318 D e l fi n o , Luiz 9 1 , 97, 100, 297
Caste l o Branco, Cam i l o 9 8 , 153 Diário do Rio dejaneiro 98
Caste l o M e l h o r, m a rq u ês de 40 D i as Pais Le m e , Fe rnão 1 14, 31 6 , 31 8
Castro Alves, Antô n i o Frederico D i as, Teó fi l o 98-99
d e 78 , 85-86, 90-9 1 , 278 D i Caval canti, E m i l i a n o 151 , 1 65
Castro , Eugê n i o de 147 D i rceu ver Go nzaga, To m ás Antô n i o
Cavi edes, J u an de 15 Doesbu rg, Theo van 2 1 1
César, G u i l h e rm i n o 187 D ru m m o n d d e A n d rad e , Carlos
C h a m i e , M ário 213 187-88, 19 1 , 1 95 , 354, 387
C h atea u b r i a n d , François Re n é 56 , 60
C h aves, Ruth M ari a 211 Eu stáq u i o , Santo 1 8
C h ristie, Wi l l i am 80
Cícero, padre 197 Facó, Américo 121, 123, 124
Co l o m b o , Cristóvão 49-51 Fagu ndes Vare l a , Lu ís N i colau
Cooper, J ames Fe n i m o re 60 78-80, 82, 85 , 263
Coppée, François 107 Fari a, Al berto 27-28
Correia, D i ogo Álvares 36-37 Fari a, José Esco bar 2 1 1
Correia, Rai m u n d o 100, 102, Fari a, Otávio d e 205 , 207
107, 110, 116, 309 Fern a n d o 11 de Aragão 49 , 51
Costa, C l á u d i o M a n u e l d a 16, Ferre i ra da S i lva, Vi rgu l i n o ver Lam p i ão
20, 24, 27, 30, 227 Ferre i ra, Asce nso 195, 364

476 * 477
Festa 182 H e n ri q u e , i n fan te d . 51
Fo n seca, josé Pau l o M o re i ra d a 210, 44 8 H e rc u l a n o , Alexa n d re 56, 58 , 153
Fo n tes, H e rmes 120, 149 H e red i a , jose M a ría de 112
Fo n to u ra Xavi e r, Antô n i o Vi cente da 98 H o m e ro 46 , 150
Freyre, G i l berto 1 0 H ugo, Victo r 46, 78, 107, 273
Fusco, Rosário 1 8 7
Isabel de Caste l a 49-51
Gama, Basíl i o d a 20, 24, 32, 35 , 225 I sabel, M ari a 209
Gama, M arcel o 139 l taparica, M a n u e l de Santa M aria 1 8 , 26
G a n d avo ( Pe ro de M agal h ães) 1 6 1 l t i b e rê , B rasíl i o 182
Garcia, Rod o l fo 10-1 1 Ivo, Lêd o 209-1 0 , 440 , 44 6
Garrett, A l m e i d a 35 , 153, 304
Gautier, Th éo p h i l e 107, 1 1 1 , 1 1 6 Jam mes, Francis 139 , 1 69
G i d e , A n d ré 174 j a rd i m , Re i n al d o 2 1 1
Goeth e , j o h a n n Wo lfgang von 57, 231 j osé 1 , d . ( rei d e Portuga l ) 31 , 35
Gomes Fre i re de A n d rada 33 J u n q u e i ra Fre i re , Lu ís josé 74, 76, 257
G o m i d e , Pau l o 209
Gon çalves Cres po, Antô n i o Cân d i d o 98 Klaxon , 153
Gon çalves de M agal h ães, D o m i ngos
josé 43-44, 46-48 , 52, 78 Laet, Carlos de 74
Gon çalves D i as, Antô n i o 46-47, 52- Lam arti n e , A l p h o n se de 46
53, 60, 64-66, 79, 85 , 112, 231 Lamego , Alberto 1 6
G ó ngora y Argote, Lu i s de 12 Lam p i ão (Vi rgu l i n o Ferre i ra d a S i lva) 197
Go nzaga, To m ás Antô n i o ( D i rce u ) Lavrad i o , marq u ês d e 30
20-21 , 24 , 26-28, 30 , 8 6 , 228 Lea l , Antô n i o H e n ri q ues 66
G o u l a rt d e A n d rade, josé Leão, M ú cio 147
M ari a 102, 120, 149 Le ite, Se rafi m 9
G raça Aran h a , j osé Pere i ra d a Leo n ardos, Ste l l a 211
124, 152-53, 174, 203 Leo n i , Rau l d e 121
G rac i á n , Bal tasar 26 Lereno Selinuntino ver Cal d as
G u i m arae ns, A l p h o n s u s d e 132-33, 136, 336 Barbosa, D o m i ngos
G u i m arae n s Fi l h o , A l p h o n s u s Lessa, A u re l i a n o 71
d e 1 3 8 , 208-09, 428 Li m a Barreto, Afo nso H e n ri q u es de 184
G u i m araen s Passos, Sebastião Lima, Augu sto d e 1 07
Cícero dos 120 Li m a , j o rge de 195-97, 373
G u i m arães, Bernard o 71 Li m a , R u i C i rn e 191
G u i m arães, Edu ardo 147 Li n s d o Rego , josé 197
G u i m arães, Luiz 120, 303 Lisboa, Antô n i o Francisco ver Al eijad i n h o
G u l l ar, Ferrei ra 2 1 1 , 451 Lisboa, H en ri q u eta 1 9 1 , 394
Lis l e , Leconte de 112, 1 1 6
Hecker Fi l h o , Pau l o 211 Lo pes, B . 1 0 0 , 120
Heine, H e i n ri c h 137 Ló pez, Francisco Solano 77
H e n ri q u e 11 37 Luís, Pedro 78
Machado de Ass i s , J o aq u i m M aria Moraes, Vi n i c i u s de 200, 205, 207, 418
9 1 , 99, 1 07, 109, 184, 298 M o rais, n eto, Pru d e n te de,
M achado, An íbal 214 ver Dantas, Ped ro
M achado, G i l ka 120-21, 149 M o rais, E m a n u e l de 210
M aeterl i n ck, M a u ri ce 1 1 8 , 137 M o reyra, Álvaro 141 , 147, 1 83
M affe i , Sci p i o n e 30 M ota, M a u ro 209
M agal h ães, Adel i n o 182 M o u ra, E m íl i o 187, 190, 203 , 395
M agal h ães, Val e n t i m 98 M ü l l e r, Fritz 125
M a i stre, J oseph d e 201 M u sset, Alfred de 46, 78, 280
M a l fatti , A n i ta 149
M a l l armé, Sté p h a n e 100 N ava, Ped ro 214, 405
Mamede, Zi l a 211 Néri, São Fi l i p e 202
M ari ano, O l egári o 147 N e ry, Adalgisa 209
M a ríl i a ( M aria Dorote i a J o aq u i n a N e ry, I s m ael 200-01
d e Seixas) 2 1 , 24, 228-29 N i etzsc h e , Fri e d ri c h 165, 168
M a ri n etti , Fi l i ppo To m m aso 149 N ij i nsky, Vas l av 200
M aritai n , J ac q u e s 174 Niter6i 43, 48
M arq ues Reb e l o 184 N o b re, Antô n i o 139
M art i n s Fo n tes, J osé 120, 149 N ovai s, Caro l i n a Augu sta Xavi e r d e 91
M arti n s J ú n i o r, José I s i d o ro 98 N ovais, Fausti n o Xavi e r d e 9 1
M ascare n h as, José 15
M atos, G regó rio de 1 1 , 14, 217 Oj eda, Alonso de 51
M axi m i l i a n o , Fern ando J osé 82 O l i n to , Antô n i o 211
M e d e i ros, Antô n i o P i n to d e 211 O l ive i ra N eto , Luís Cam i l o de 28
M e i reles, Cecíl i a 182-85, 187, 396 O l ive i ra, Al berto d e 98-00,
Mello, Th i ago d e 210, 450 1 02-04, 1 0 6 , 116, 305
M e l o Franco, Afonso Ari nos de 27 O l ivei ra, Artu r de 98
M e l o Franco, Francisco de 40 O l ive i ra, Fe l i p e d' 141 , 147
M e n d es, M u ri l o 197, 199, 200-02, O l ive i ra, M a n u e l Bote l h o de 15, 1 8 , 26
204, 384 O l ive i ra, M arly de 211
M e n eses, E m í l i o de 102, 120 Orfeu 1 64
M e n eses, Luís d a C u n h a 26, 28 Ossian 77
M e n eses, Vasco Fern andes César d e 15 Otavi ano, Franci sco 76-77
M e n otti d e i Picc h i a , Paulo 151 , 174, 177, 182 Otávio Fi l h o , Rod rigo 141
M etastásio ( Pi etro Trap ass i ) 108 Oth ó n , M a n u e l José 1 1 0
M eyer, Augu sto 191, 209, 409 O to n i , E l ó i 38
M i l a n o , Dante 168, 400
M i l l iet, Sérgio 178, 180 Paixão Cearense, Catu l o da 149 , 195
Minerva Brasiliense 26 Patriota, O 32
M o n iz B a n d e i ra, Luiz Al b e rto Vian n a 211 Papel e Tinta 149
M o n t e i ro Lobato, J osé Bento 149 Pao l i e l o , D o m i ngos 211
M o n tezu m a 50 Ped e rn e i ras, M ário 139, 1 84
M o n tezu ma, Gê Acaiaba de 60 Ped ro 1, d. 60

478 * 479
Péguy, C h arles 205 Ri b e i ro , Bernard i m 147
Peixoto, Afrâ n i o 86, 88, 98 Ri b e i ro , Francisco das C h agas 27
Peixoto, M ário 209 R i b e i ro , João 20, 308
Pe l l egri n o , H é l i o 211 R i b e i ro , Santiago N u nes 26
Pen n a Fi l h o , Carlos 209 Riberte , Myrtes 211
Pen n afort, O n estal d o d e 136 , 147 Ricard o , Cassi a n o 174-75, 177, 453
Pere i ra da S i lva, Antô n i o J o aq u i m 139 Rodrigues de Abre u , Benedito Luís 181
Pern etta, E m i l i a n o 139 Ro d rigues Lapa, Manuel 24-25
Pessoa, Fern ando 1 65 Ro m e ro , S ílvio 44, 47-48, 78, 85, 98
Petrarca, Fran cesco 34
Pign atari , Décio 211 Sá-Carn e i ro, M ário de 1 65
P i m e n te l , C i ro 211 S a i n t- P i erre, J acques- H e n ri
Pínd aro 195 Bernard i n de 56
Pi n h e i ro , Fred 2 1 1 Salgad o , P l ín i o 174
P i n o , Wlad i m i r D i as 211 Salvado r, fre i Vice n te do 161
Pinto, Nilo Apareci d a 211 Samai n , A l be rt 139, 169
Pinzo n , M a rt i m 50 Santa Rita D u rão, J osé de 20, 35-38
Po m b a l , marq u ês de (Sebastião José Santo Ânge l o , barão de 47
d e Carva l h o e Melo) 31 , 33-34 São Carlos, fre i Franci sco de 38
Po m b e i ro, conde de 40 Sch i l l e r, Fri e d ri c h vo n 44, 65
Porto-Alegre , M a n u e l de Araújo S c h m i d t, Augu sto Frederico
44, 46-48, 51-52, 158 1 8 1 , 204-08, 415
Prad o, Paulo 151 Seixas, M aria Dorote i a J o aq u i n a
d e ver M a ríl i a
Q uental , An tero de 76, 97 S e n a , M arce l o d e 209
Q u eved o , Vasco Mouzi n h o de 12 S h akespeare , Wi l l iam 147, 150
Q u i net, Edgar 46 S h e l l ey, Percy Bysshe 253
Q u i ntana, M ário 209, 414 S i lva Alvarenga, M a n u e l I n ácio
d a 16, 20, 24, 31-32
Rabe l o , Lau r i n d o 71 S i lva, Antô n i o J osé da 47
Ramos, Péricles Eugê n i o da S i lva, D o m i ngos Carval h o da 437
S i lva 209-10, 436 S i lva, Ed m i r D o m i ngues da 211
Rangel M o re i ra, A. R. 209 S i lva, Francisca J ú l i a d a 120
Régis, Edson 211 S i lve i ra Neto, Manuel Azevedo
Re i s , M a rcos Ko n d e r 210-11 d a 125 , 139, 183
Re n a u lt, Abgar 187 S i lve i ra, Tasso Azevedo da 147, 1 82-84
Rese n d e , conde d e 32 S i m as, H e n ri q u e 2 1 1
Revista, A 1 87 S i mões, J o ão G a s p a r 1 84
Revista Brasileira 94 Soares, O rris 143
Revista de Antropofagia 161 Sociedad e Literári a 16, 31
Revista de Ciências e Letras 1 07 Sousa Cal d as, Antô n i o Pere i ra de 38
R i b e i ro Couto, Ru i 147, 151 , 155, S o u sa, Afonso Fe l ix de 210
1 65 , 1 68-69 , 171, 183, 370 Sousa, To mé d e 38
Sousân d rade, j o aq u i m de 77 Vasco ncelos, Luís d e 31
So uza da Si lve i ra, Álvaro Ferd i n an d o 74 Veiga, Francisco Luís Satu rn i n o d a 27
Ve iga, Luís Francisco d a 27
Tai n e , H i ppo lyte 150 Verde 187
Tavares, Ad e l m ar 149 Vergara, Ped ro 191
Tavares, Odorico 209 Veríss i m o , j osé 15 - 1 6 , 27, 37, 41 , 47,
Te ixe i ra, Bento 10-11 56, 1 04
Teixe i ra, Lucy 211 Verl a i n e , Paul 133, 137, 139 , 147
Teresa, Santa 139 Vi l l o n , François 174
Torres Homem, Franci sco d e Sales 46
Tostes, Teo d o m i ro 1 9 1 Whitman, Walt 168

Vac h e l L i n d say, N i c h o l as 184 Xavi e r d e Sousa, m arechal 125


Vargas N eto, M a n u e l d o N asci m e n to 191
Varn h age n , Francisco Adolfo d e 27, 30 Zori l l a y M o ral, José 107
Nota do ed itor

No estabelecimento de texto de Manuel Bandeira, foi utilizada a


última edição publicada em vida do autor, nos anos 1960 (Apre­
sentação da poesia brasileira. RJ: Edições de Ouro, s/d). Edições an­
teriores, como a incluída no volume de obras completas (RJ: José
Aguilar, 1958) e a de 1954 (Apresentação da poesia brasileira - Seguida de
uma antologja. RJ: Casa do Estudante Brasileiro) foram consultadas
para resolver dúvidas e corrigir erros. Os poemas citados foram
cotejados com as edições mencionadas nas "Fontes e créditos bi­
bliográficos" (p. 483).
Datas de nascimento e morte faltantes, bem como a data
de publicação das obras poéticas citadas, foram incluídas entre
colchetes, seguindo como fonte as edições-base ou, em caso de
omissão ou dúvida, a História da literatura brasileira de Luciana
Stegagno-Picchio (RJ: Nova Aguilar, 1997). A presente edição, con­
tudo, não tem caráter exaustivo e por isso não incluiu, apenas
corrigiu, informações biobibliográficas complementares sobre os
poetas citados. Foram corrigidos dados relativos aos poetas Bento
Teixeira e Gregório de Matos, que tiveram algumas circunstâncias
de vida e obra reveladas em publicações posteriores à última edição
da Apresentação da poesia brasileira preparada por Manuel Bandeira.
Incluímos abaixo a referência a essas pesquisas.

B E NT O T E I X E I RA Em 1952, pesquisas do professor José Antônio Gonsalves


de Melo no cartório da Inquisição de Lisboa refutaram definitiva­
mente a tese da nacionalidade brasileira de Bento Teixeira, além de
determinar com precisão outras circunstâncias da biografia do poeta.
Segundo Gonsalves de Melo, citado por ]. Galante de Sousa em Em
torno do poeta Bento Teixeira ( s P : Instituto de Estudos Brasileiros da
Universidade de São Paulo, 1972), o autor da Prosopopeia nasceu de
fato no Porto, em 1561, e morreu em Lisboa, em 1600.

GREGÓRIO DE MATOS Fernando da Rocha Peres, em Gregório de Mattos e


Guerra - Uma re-visão biográfica (Salvador: Edições Macunaíma, 1983) e
Gregório de Mattos e a Inquisição (Salvador: Centro de Estudos Baianos
da Universidade Federal da Bahia, 1987), fixou 1636 como o ano de
nascimento do poeta com base no documento Sumários matrimoniais
da Câmara Eclesiástica de Lisboa, 1661, maço 2, n. 69, manuscrito perten­
cente à Biblioteca Nacional de Lisboa, Seção de Resevados.
Fontes e créd itos bibliográficos

Os poemas reproduzidos neste livro foram cotejados com as fontes


o mais confiáveis possível: edições críticas, ou com texto estabele­
cido por especialistas, ou, na falta delas, a última edição publica­
da em vida do autor. Por isso, o leitor eventualmente encontrará
diferenças em determinados critérios editoriais, que podem variar
conforme o organizador da fonte consultada, tais como pontuação,
itálicos e maiúsculas que tenham valor expressivo. Em todos os
casos, a ortografia foi atualizada conforme o novo Acordo Ortográ­
fico da Língua Portuguesa, de 1990, adotado no Brasil em 2009.
A seguir, estão indicados a página em que o poema figura nesta
edição, o título do poema, o título e a data do livro em que foi pu­
blicado pela primeira vez, e os dados da edição utilizada no cotejo.

A L B E RTO D E O L I V E I RA pp. rn3-04 e 307 "Taça de coral" [Alma livre in Poesias:


segunda série, 1905]; p. rn4 "Alma em flor'', Canto 3, poema I I , [Alma em
flor in Poesias: segunda série, 1905] ; p. rn6 "A voz das árvores" [Flores da ser­
ra in Poesias: segunda série, 1905] ; pp. rn6 e 306 "Aspiração" [Versos e rimas,
1895] ; p. 305 "Vaso grego" [Sonetos e poemas, 1885] Fonte de cotejo: Poesias
completas, ed. crítica de Marco Aurélio Mello Reis. RJ: U E RJ , 1978. pp. IOl
(vol. 2); 264 (vol. 2); p. 3n (vol. 2); pp. 224-25 (vol. l) ; p. 144 (vol. l ) .
A L P H O N S U S D E G U I M A RA E N S p. 133 "Na arquiepiscopal cidade de Maria­
na... " [Poesias, 1938] Fonte de cotejo: Poesias. Ed. dirigida e revista por
Manuel Bandeira; notícia biográfica e notas de João Alphonsus. RJ :

Ministério da Educação e Saúde, 1938. p. 136 "Ária dos olhos" [Dona


Mística, 1899]; pp. 136-37 "S. Bom Jesus de Matozinhos" [Kiriale, 1902] ;
p. 138 "Virgem Maria" [Pulvis in Poesias, 1938 ] ; p. 138 "As almas filhas do
sarcasmo e riso ... " [Idem] ; p. 336 "Cisnes brancos" [Pastoral aos crentes do
amor e da morte, 1923] ; p. 337 "Ismália" [Idem] ; p. 338 "Como se moço, e
não bem velho eu fosse ... " [Idem] ; p. 339 "Vila do Carmo" [Poesia, 1938] ;
p. 340 "Hão de chorar por ela os cinamomos . . " [Pastoral aos crentes do
.

amor e da morte, 1923 ] ; p. 341 "A catedral" [Idem] Fonte de cotejo: Poesia
completa. Org. Alphonsus de Guimaraens Filho, com a colaboração de
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meiros cantos, 1846) ; pp. 61 e 62 Timbiras [Os Timbiras, 1857) ; pp. 231-32
"Canção do exílio" [Primeiros cantos, 1846) ; pp. 232-33 "Não me deixes ! "
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GREGÓRI O DE MATOS pp. n; 12 e 218-22 "Embarcado já o poeta para o seu
degredo, e postos os olhos na sua ingrata pátria lhe canta desde o mar
as despedidas"; pp. 12 e 14 "Escandalizado o poeta da sátira antecedente,
e ser publicada em nome do vigário de Passé Lourenço Ribeiro homem
pardo, quando ele estava inocente na fatura dela, e calava porque as­
sim convinha: lhe assenta agora o poeta o cacheiro com esta petulante
sátira"; p. 12 "Aos principais da Bahia chamados os Caramurus"; p. 14
"Descreve o Poeta a cidade do Recife em Pernambuco"; p. 14 "Solitário
em seu mesmo quarto à vista da luz do candeeiro porfia o poeta pen­
samentear exemplos de seu amor na borboleta"; p. 218 "A Cristo S. N.
crucificado estando o poeta na última hora de sua vida - Ao mesmo
assunto e na mesma ocasião"; pp. 222-24 "Torna a definir o poeta os
maus modos de obrar na governança da Bahia, principalmente naque­
la universal fome, que padecia a cidade" Fonte de cotejo: Obra poética 11.
Org. James Amado. Preparação e notas de Emanuel Araújo. RJ: Record,
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490 * 49 1
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notas e posfácio de Haroldo de Campos. S P : Globo, 2003. pp. rn7; rn9;
80; 131; 179; 181. © Espólio de Oswald de Andrade
PAULO M E N D E S CAM P O S PP· 449-50 "Cântico a Deus" [A palavra escrita,
1951] Fonte de cotejo: Poemas. 2 ed. RJ: Civilização Brasileira, 1984.
pp. rn8-09.
PEDRO DANTAS (Prudente de Morais, neto) pp. 405-08 "A cachorra" [Anto­
logia de poetas bissextos, 1946] Fonte de cotejo: Antologia de poetas bissextos,
1946. pp. 167-68. © Espólio de Maria Sampaio Prudente de Moraes.
P E D RO NAVA pp. 405-08 "O defunto" [Antologia de poetas bissextos, 1946]
Fonte de cotejo: Antologia de poetas bissextos, 1946. © Paulo Menezes
Nogueira Penido
P É RICLES E U G Ê N I O DA S ILVA RAM O S pp. 436-37 "Canção das duas co­
rolas" [Panorama da poesia brasileira, 1951] Fonte de cotejo: Poesia quase
completa. RJ : José Olympio, 1972. pp. 62-63. Propriedade do Espólio de
Péricles Eugênio da Silva Ramos
RAIMUNDO CORREIA P· I08 "Anoitecer" [Sinfonias, 1883] ; p. I09 ''Jó" [Versos
e versões, 1887] ; pp. no; 3rn-n "Banzo" [Poesias, 1898] ; pp. 309-m "Ser
moça e bela ser ... " [Idem] ; p. 311-13 "Plenilúnio" [Idem] Fonte de co­
tejo: Poesias. 4 ed. RJ: Lisboa: Porto, Anuário do Brasil: Seara Nova:
Renascença Portuguesa, 1922, pp. m8; 195-98; 190-91; 8-9; 155-57. p. no
"Fascinação" [Versos e versões, 1887] Fonte de cotejo: Poesia completa e

492 * 493
prosa. Texto, cronologia, notas e estudo biográfico de Waldir Ribeiro
do Val. Rio de Janeiro: José Aguilar, 1961. p. 207.
RAUL BOPP pp. 367-69 "Cobra Norato" (fragmento) [Cobra Norato, 1931];
pp. 369-70 "Negro" [Urucungo, 1932] Fonte de cotejo: Poesia completa. Org.,
preparação e comentários de Augusto Massi. RJ: SP: José Olympio/Edusp,
1998. pp. 148-50; 209. ©Jorge Luiz Bopp e Sérgio Alfredo Bopp. Represen­
tados por AMS Agenciamento Artístico, Cultural e Literário Ltda
RAU L D E L E O N I pp. 121-22 "Instinto" [Luz mediterrânea, 1922] Fonte de
cotejo: Luz mediterrânea e outros poemas. Introd., org. e fixação de texto
de Sérgio Alcides. S P : Martins Fontes, 2001. p. 43.
RIBEIRO COUTO p. 168 "Outros virão ... outros terão nos seus ouvidos ... " [O
jardim das confidências, 1921]; p. 169 "Surdina" [Poemetos de ternura e melan­
colia, 1924]; p. 169 "L'École des Femmes" [Um homem na multidão, 1926]; p.
171 "Noroeste" [Noroeste e outros poemas do Brasil, 1933]; pp. 172 "Por mares
andei ... " [Cancioneiro do ausente, 1943] ; pp. 370-71 "O banho" [Dia longo,
1945]; pp. 371-72 "Viagem" [Cancioneiro do ausente, 1943]; pp. 372-73 "Elegia"
[Idem] Fonte de cotejo: Poesias reunidas. RJ: José Olympio, 1960. pp. 6; 55;
129; 235-37; 372; 230; 331; 346. © dos textos de Ribeiro Couto, de João Maria
Pereira Rennó. Direitos cedidos por Solombra - Agência Literária
RO DRIGUES D E ABREU pp. 181-82 "Mar desconhecido" [Casa destelhada, 1927]
Fonte de cotejo: Casa destelhada. S P : Editorial Helios, 1927. pp. 87-89.
RONALD DE CARVALHO p. 166 "Epigrama" [Epigramas irônicos e sentimen­
tais, 1922]; p. 166 "Advertência" [Idem] ; p. 166 "Toda a América" [Idem] ;
pp. 360-63 "Brasil" [Idem] ; pp. 363-64 "O mercado de prata, de ouro e de
esmeralda" [fogos pueris, 1926] ; p. 364 "Epigrama" [Toda a América, 1926]
Fonte de cotejo: Toda a América. Original brasileiro seguido da versão
espanhola. SP / RJ: Editora Hispano-Brasileiia, 1935. pp. 9-n; 55; 12-15.
SANTA RITA D U RÃO pp. 35-36; 36-37; 37 e 38 Caramuru [Caramuru, 1781]
Fonte de cotejo: Caramuru - Poema épico do descobrimento da Bahia.
Introd., org. e fixação de texto de Ronald Polito. S P : Martins Fontes,
2001. PP· II-12; 75; 221; 320.
S É RGIO M I LLIET p. 180 "Toi et moi" [Poesias, 1946] ; pp. 181 "É um ho­
mem ... " [Poemas, 1943] ; p. 181 "Oh poeta de minha terra ... " [Idem] Fon­
te de cotejo: Poesias. RJ/P O RTO ALEGRE/SP: Globo, 1946. pp. 43; 93; 92.
p. 180 "O poema que eu hei de escrever ... ". © Thereza Christina de
Moura Albuquerque de Guimarães
SILVA ALVARENGA p. 32 O desertor das letras [O desertor das letras, 1774] Fonte
de cotejo: O desertor - Poema herói-cômico. Ed. preparada por Ronald
Poli to; notas de Joaci Pereira Furtado e Ronald Poli to. Campinas: Edi­
tora da Unicamp, 2003. p. 127.
THIAGO D E M E LLO pp. 440-51 "O sonho da argila" [Narciso cego, 1952]
Fonte de cotejo: Vento geral. S P : Civilização Brasileira, 1984. pp. 84-85.
"
TOM Á S ANTÔ N I O GO NZAGA pp. 24-26 e 228-29 "Lira 111 [Man1ia de Dir­
ceu, 1792] Fonte de cotejo: A poesia dos Inconfidentes - A poesia completa
de Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonz.aga e Alvarenga Peixoto.
Org. de Domício Proença Filho. RJ: Nova Aguilar, 1996. pp. 686-87. pp.
27-28 e 30 Cartas chilenas [Cartas chilenas, 1863] Fonte de cotejo: Cartas
chilenas. Introdução, cronologia, notas e est. de texto de Joaci Pereira
Furtado. S P : Companhia das Letras, 1996. pp. 127-28; 139; 157.
VICENTE DE CARVALHO PP· 118 "Última confidência" [Poemas e canções, 1908] ;
p. 118 "Carta a v. s . " [Idem] ; pp. 120 e 323-27 "Sugestões do crepúsculo"
[Rosa, rosa de amor, 1902]; pp. 318-19 "Velho tema" (1 v) [Poemas e canções,
1908] ; pp. 319-22 "Pequenino morto" [Idem] Fonte de cotejo: de Poemas
e canções. 16 ed. SP: Saraiva, 1962. pp. 3rn-11; 186; 59-68; 36; 45-51.
VINICIUS DE MORAES p. 207 "O incriado" [Forma e exegese, 1935] ; PP· 416-
17 "Poema de Natal" [Poemas, sonetos e baladas, 1946] ; pp. 419-22 "Ro­
sário" [Poemas, sonetos e baladas, 1946] ; pp. 422-28 "Elegia quase uma
ode" [Cinco elegias, 1943] Fonte de cotejo: Obra poética. Org. de Afrânio
Coutinho, com assistência do autor. RJ: José Aguilar, 1968. pp. 131-36;
295-96; 279-81; 219-24. A editora agradece o auxílio de Eucanaã Ferraz
no cotejo dos poemas de Vinicius de Moraes.

494 . 49 5
Créd ito das imagens

Todas as imagens publicadas neste livro pertencem à Biblioteca José


Mindlin e foram reproduzidas por Lúcia Mindlin Loeb, exceto a foto
de Manuel Bandeira em Teresópolis, 1966 [p. 2 ], que provém do Arquivo­
Museu de Literatura Brasileira da Fundação Casa de Rui Barbosa. Origi­
nal de Helio Santos/Arquivo Manchete. Reprodução de Vicente de Melo.
[p. 13] Cópia manuscrita (1792) das Poesias satíricas de Gregório de Matos.
[p. 17] Frontispício de Música do Parnasso, de Manuel Botelho de Olivei­
ra, o primeiro poeta brasileiro a ter um livro impresso. Lisboa: Officina
de Miguel Manescal, 1705. [p. 19] Este diploma da Arcádia Ultramarina,
datado do "Anno II dell'Olimpiade o c x x x v ab A . I . Olimpiade X I X , Anno
]", é o único documento conhecido que comprova a existência desta Ar­
cádia. O diploma confere a Joaquim Inácio de Seixas Brandão, primo de
Doroteia de Seixas, a Marília de Dirceu, o título de membro da Arcádia
Ultramarina, sob o nome árcade de Driasio. [pp. 22-23] A primeira edição
de Marz1ia de Dirceu, de Tomás Antônio Gonzaga, impressa em Lisboa, em
1792, e a raríssima primeira edição brasileira, publicada no Rio de Janeiro,
pela Impressão Régia, em 1810. [p. 29] Escritas na segunda metade do sé­
culo xvm , as Cartas chilenas foram publicadas pela primeira vez na revista
Minerva Brasiliense, n. 8. RJ: Typographia Austral, 1845. [p. 39] Manuscrito
de O reino da estupidez, de Francisco de Melo Franco. [p. 45] Frontispício
do primeiro número (1836) da revista Nitheroy, que publicou um texto
que valeria como "manifesto romântico", segundo Manuel Bandeira.
[pp. 54-55] Frontispício da quinta edição das Poesias de A. Gonçalves Dias
(RJ: B . L . Garnier, 1870), com retrato e assinatura do poeta. [p. 68] Retrato
e assinatura de Álvares de Azevedo publicados em Poesias de Manuel Antô­
nio Álvares de Azevedo. RJ: Typ. Americana, 1853. [p. 73] Cartão-postal com
retrato e poema de Casimiro de Abreu. [p. 87] Frontispício da primeira
edição de Espumas flutuantes, de Castro Alves, impressa em Salvador, pela
Tipografia de Camillo de Lellis Masson, em 1870. [p. 93] Dedicatória de
Machado de Assis num exemplar de Patenas. RJ: B.L. Garnier, s.d. [p. 101]
Frontispício de Fanfarras, de Teófilo Dias. S. Paulo: Dolivaes Nunes, 1882.
[p. 105] Frontispício de manuscrito, de Ramo de árvore, de Alberto de Oli­
veira, com desenho feito à mão. [p. 113] Olavo Bilac em meio aos votos
que o elegeram o "Príncipe dos poetas do Brasil" num concurso da revista
Fon Fon. Montagem feita por um leitor, num original datilografado. [p.
117] Capa de Rosa, rosa de amor, de Vicente de Carvalho. SP: Companhia
Editora Nacional, 1928. [p. 119] Capa de Esfinges, de Francisca Júlia. SP:

Monteiro Lobato, s.d. [pp. 128-29] Frontispício d e Últimos sonetos, d e Cruz


e Sousa, impresso em Paris, por Aillaud & C.i•, em 1905. [p. 134] Capa de
Pauvre lyre, de Alphonsus de Guimaraens. Belo Horizonte: Ed. Mineira
Paulo Brandão & Comp., 1921. [p. 135] Frontispício de Septenario das dores
de Nossa Senhora e Câmara ardente, de Alphonsus de Guimaraens. RJ: Typ.
de Leuzinger, 1899. [p. 142] Capa de Eu, de Augusto dos Anjos. RJ: s.c.p.,
1912. [p. 148] Caricatura de Álvaro Moreyra, por Álvarus. Publicado em
Hoje tem espetáculo! -Bonecos de Alvarus. RJ: Zelio Valverde, 1941. [p. 154]
Capa da revista Klaxon. [p. 157] Frontispício de Pauliceia desvairada, de Má­
rio de Andrade, com autógrafo para Manuel Bandeira. s P : Casa Mayença,
1922. Transcrição da dedicatória: "A Manuel Bandeira acrescentando neste
reenvio de 1933, o poema narcisista que omiti na edição: Cantiga Final/
Eu tenho um orgulho louco/ De ser louco varrido/ Tenho a certeza de
ser mais um pouco/ Mais louco que todos os loucos !/ Que me importa
ai os outros loucos/ Que chamam o Grão Louco Varrido?/ Si sou mais
varrido que os outros/ Sou mais limpo e sou mais oco.// Si sou mais oco
o mascote espavorido/ [ilegível] por mim e tira um som mais/ longo !/ Si

496 * 497
sou mais limpo a chuva pingo a [ilegível]/ Cai sobre mim e tira um som
mais longo !// Que me importa que me chamem louco,/ Louco
mais louco que os outros,/ Louco varrido?/ Si sou mais varrido que os
outros/ Sou mais limpo e sou mais oco.// Si sou mais limpo os badalos
dos martírios/ Batem em mim tirando um som mais/ longo !//
Si sou mais oco as filhas do destino/ Riem por mim tirando um som
mais longo !// Quem é louco não canta versos roucos,/ Suas ideias têm o
gemido/ Mais simples e mais natural !/ Eu sou o mais louco dos loucos,/
Louco entre loucos, sou Parsifae ! Mario de Andrade. S. Paulo". [p. 162]
Caricatura de Oswald de Andrade por Alvarus, com autógrafo de Oswald.
Publicado em Hoje tem espetáculo! Bonecos de Alvarus. RJ: Zelio Valverde,
1941. Transcrição do autógrafo: "Esse Alvarus - aliás, Alvar - merece três
forcas e um pouco de graça. Oswald 1949". [p. 167] Capa de jogos pueris,
de Ronald de Carvalho. Ilustrações de Nicola De Garo. RJ: s.c.p., 1926. [p.
170] Frontispício de O jardim das confidências, de Ribeiro Couto. S P : Mon­
teiro Lobato & Cia. Editores, 1921. [p. 176] Página de Martim Cererê - O
Brasil dos meninos, dos poetas, dos heróis. sP: S. Paulo Editora, 1928. [p. 179]
Capa de Urucungo (Poemas negros), de Raul Bopp. RJ: Ariel, s.d. [p. 186]
Frontispício de Nunca mais... e Poema dos poemas, Cecília Meireles. RJ: Leite
Ribeiro, 1923. [p. 189] Caricatura de Carlos Drummond de Andrade por
Alvarus, com autógrafo de Drummond. Publicado em Hoje tem espetáculo!
Bonecos de Alvarus. RJ: Zelio Valverde, 1941. Transcrição do autógrafo: "Meu
caro Mindlin: esta caricatura foi motivo de um desentendimento sério
com Alvarus. Passaram-se os tempos, e eu e ele nos tomamos excelentes
amigos. Carlos Drummond de Andrade. Rio 4.x. 86". [pp. 192-93] Manus­
crito do poema "A morte a cavalo", de Carlos Drummond de Andrade. [p.
198] Capa de Poemas escolhidos, de Jorge de Lima, com desenho de Manuel
Bandeira, homônimo do poeta. RJ : Adersen, 1932. [p. 212] Poema "ten­
são", de Augusto de Campos, publicado em Poesias 1949-1979. sP: Livraria
Duas Cidades, 1979.
498 * 499
Sobre o autor

Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho nasceu em Recife, no


dia 19 de abril de 1886. Já morando no Rio de Janeiro, lançou seu
primeiro livro em 1917, A cinz.a, das horas, ainda ligado à poesia sim­
bolista e parnasiana. A seguir publicou Carnaval (1919) e O ritmo
dissoluto (1924). Com Libertinagem, de 193º (a que se seguiram Estrela
da manhã, Lira dos cinqüent'anos, Belo belo e Estrela da tarde), passa a
ser considerado um dos autores mais importantes do modernismo
brasileiro. Por essa ocasião já colaborava assiduamente não só em
revistas literárias, mas também na grande imprensa, escrevendo
sobre literatura, artes plásticas e música. Em 1937, reuniu uma
seleção desses textos de imprensa no volume Crônicas da provín­
cia do Brasil, reeditado em 2006 pela Cosac Naify. Mesmo com a
publicação de outras coletâneas de suas crônicas, como Flauta de
papel (1957) e Andorinha, andorinha (1966), que serão reeditadas pela
Cosac Naify, permaneceu inédito um grande número dos textos
que escreveu para a imprensa - seja para grandes jornais como o
Diário Nacional, de São Paulo, seja para revistas como Para Todos
ou Ilustração Brasileira. As crônicas publicadas entre 1920 e 1931 fo­
ram reunidas em 2008 no volume Crônicas inéditas I, organizado
por Júlio Castafíon Guimarães, também responsável por Crônicas
inéditas 2 r930-r944.
-

Além de assíduo tradutor - não apenas as traduções de po­


esia reunidas no volume Poemas traduzidos, mas também peças
teatrais, como O círculo de giz caucasiano, de Bertolt Brecht (Cosac
Naify, 2002) e Macbeth, de Shakespeare (Cosac Naify, 2009), entre
outras - Bandeira foi um antologista contumaz. Organizou, por
exemplo, a Antologia dos poetas brasileiros dafase romântica (1937) e os
50 poemas escolhidos pelo autor (1955), que a Cosac Naify relançou em

2006, acompanhada de um CD com Bandeira lendo 29 poemas.


A editora também relançou a antologia Poemas religiosos e alguns
libertinos (2007), organizada por Edson Nery da Fonseca. A Apresen­
tação da poesia brasileira, feita sob encomenda da editora mexicana
Pondo de Cultura Económica, se filia tanto aos ensaios literários
que Manuel Bandeira escreveu, como A autoria das "Cartas chilenas"
(1940) e De poetas e poesia (1954), como às antologias que organizou,
sobretudo para o Ministério da Educação e Cultura brasileiro.
Manuel Bandeira morreu no Rio de Janeiro, em 13 de outubro
de 1968, aos 82 anos de idade.

500 * 501
© Cosac Naify, 2009
© Condomínio dos proprietários dos direitos intelectuais de Manuel Bandeira
© da iconografia de Manuel Bandeira, dos proprietários dos direitos de imagem
de Manuel Bandeira
Direitos cedidos por Solombra - Agência Literária (solombra@solombra.org)
1

Coordenação editorial AUGUSTO MASSI e PAULO WERNECK


Cotejo dos poemas IURI PEREIRA, RITA SAM e LUCIANA ARAUJO
Revisão RAUL DREWNICK e CECÍLIA RAMOS
Índice remissivo LUCIANA ARAUJO
Projeto gráfico ELAINE RAMOS
Composição GUSTAVO MARCHETTI
Tratamento de imagem WAGNER FERNANDES

Nesta edição, respeitou-se o novo Acordo Ortográfico da Ungua Portuguesa

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Apresentação da poesia brasileira: seguida de uma antologia/


posfácio de Otto Maria Carpeaux - São Paulo:
Cosac Naify, 2009.
504 pp., 37 ils.

ISBN 978-85-7503-818-5

1. Poesia brasileira 2. Poesia brasileira - História e crítica


I. Carpeaux, Otto Maria. 11. Título

09-01040 CDD-869.9109

Índice para catálogo sistemático:


r. Poesia: Literatura brasileira: história e crítica 869.9109

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Rua General Jardim, 770, 2� andar
01223-010 São Paulo sP
Te! (55 II] 3218 1444
www. cosacnaify.com.br

Atendimento ao professor: (55 II] 3218 1473


Manuel Bandeira na Cosac Naify

P RO S A

CRÔNICAS D A PROVÍNCIA D O BRASIL


Organização, posfácio e notas de

Júlio Castafion Guimarães

CRÔNICAS INÉDITAS I

1920-1931
Organização, posfácio e notas de

Júlio Castafion Guimarães

CRÔNICAS INÉDITAS 2
1930-1944
Organização, posfácio e notas de

Júlio Castafion Guimarães

POESIA

5 0 POEMAS ESCOLHIDOS PELO AUTOR


Posfácio de Augusto Massi e Carlito Azevedo

Inclui CD com Manuel Bandeira lendo 29 poemas

POEMAS RELIGIOSOS E ALGUNS LIBERTINOS


Seleção e posfácio de Edson Nery da Fonseca

Texto de Gilberto Freyre


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