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Caramuru é um poema épico (1791), que o autor Santa Rita Durão traz sobre a

Colonização do Brasil. O autor narra a vida de Diogo Alves, o Caramuru – que significa filho
do trovão - que naufragou e virou líder da tribo dos Tupinambás.
Diogo Alves ao chegar ao Brasil é recepcionado por Paraguaçu, filha do cacique
Itaparica, de forma ousada e exótica, alegado como a “recepção do povo Tupinambá”,
evocando assim, a sensualidade exacerbada e também o erotismo. O filme Caramuru – A
Invenção do Brasil – oscila desse modo, entre a função sacralizadora e dessacralizadora
proposta por Zilá Bernd em Literatura e identidade nacional.
O estranhamento acontece diversas vezes no filme e no poema, em que o lusitano
Caramuru é encaminhado para o ritual de antropofagia de modo que a tribo possa comê-lo.
No entanto, astutamente Diogo Alves consegue livrar sua vida da morte. Neste aspecto
antropofágico, também é possível observar a cena em que Paraguaçu arranca o dedo de
Isabelle, muito característico do povo tupinambá em comer seus inimigos, que neste caso,
Isabelle queria casar com Diogo Alves para depois de tornar sua esposa e roubar-lhe. Outro
sentido do estranhamento na obra flagrado das duas culturas em contato foi o relacionamento
de Diogo com Paraguaçu e sua irmã Moema, no qual ele com princípios cristãos católicos, de
início, se recusa a viver o caso de amor com Paraguaçu, pois eles não tinham o sacramento do
matrimônio. Entretanto, ele fere os dogmas católicos à respeito de uma única esposa e se
entretém também com Moema, formando um triângulo amoroso, característica do
Cunhadismo apontado por Darcy Ribeiro em O Povo Brasileiro. Ao decorrer da narrativa,
Paraguaçu e Diogo vão à França, este passa a ser rei e os dois se casam na Igreja, ocorrendo
assim, a assimilação de hibridação cultural do europeu com o indígena.
A função sacralizante é colocado em Caramuru pela exuberância da geografia
brasileira e a paisagem como foco principal, visto quando Paraguaçu mostra à Diogo os vários
frutos e pássaros. Além disso, o dominador é celebrado tradicionalmente, como a exemplo do
segregado e logo rei, Diogo Alves à herói elevado. Os europeus quando chegaram ao Brasil,
especificamente, à Bahia de acordo com o poema, se maravilharam com a quantidade de ouro
e a bestialidade dos indígenas de trocarem as riquezas por coisas, como o Cacique que deu as
terras brasileiras à Vasco de Ataíde por muitos espelhos, uma espécie de escambo. Paraguaçu,
porém é muito inteligente, contrariando o mito do bom selvagem, em que desarticula Isabelle
de seus planos e a leva de beber de seu próprio veneno. Logo depois da viagem, os dois
voltam. E uma característica presente no filme é as roupas que Paraguaçu traz de Isabelle e os
guerreiros da tribo as usam na guerra e também nas festas, pois para essa cultura, eles devem
andar muito enfeitados, aspecto marcante de sua identidade indígena.
A formação da identidade brasileira se dá pela construção do ideário mágico presente
na função sacralizadora baseado na representação inventada do indígena e pela função
dessacralizadora em que há a desmontagem do indío e logo mais o negro como em Mário de
Andrade, escreve Macunaíma com o objetivo de desmistificar o ideal de perfeição que eram
atribuídos aos índios. A visão posta de que o índio é pacífico, não satisfaz a função
dessacralizadora. Paraguaçu ao voltar da Europa, sabendo ler e escrever, já “civilizada”, é
recepcionada por Moema em que é ensinada pela irmã alguns atos dos europeus, havendo
mais uma vez na obra, a hibridação. Outra cena que revela o mesmo, é quando Isabelle, que é
uma europeia, se veste de índia e ensina Paraguaçu sobre os costumes portugueses, então,
novamente a situação presente constitui uma troca cultural baseada em interesses pessoais.
É possível perceber que os aspectos da formação do Brasil presente em Caramuru se
dá pela relação da linguagem disposta pelos europeus e também pelo povo indígena. O poema
persiste na ambivalência da língua, em que Santa Rita Durão afirma que a língua dos índios é
uma língua obscura, a quantidade de vocábulos indígenas que ele incorpora ao texto é
imensa, o que denota o início do longo processo de hibridação cultural. A autora Zilá Bernd
afirma que a obra de Santa Rita na língua portuguesa, não é suficiente para nomear a
multiplicidade de referentes do Brasil. Percebemos assim, quando Paraguaçu mostra as frutas
à Diogo Alves, ela chama as frutas por um nome e as que ele conhece, chama por outro. Um
aspecto bastante relevante na formação do Brasil é a miscigenação ocorrida pela junção de
brancos, indígenas e negros que caracterizaram o que é hoje o Brasil. O filme aborda o
assunto de forma bem humorada de como se deu essa hibridação cultural, embora realmente
nada mágica e nem um pouco humorada e bem violenta.

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