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Torto arado – Itamar Vieira Junior

Fio de corte 🧵
Capítulo 1:

Bibiana e Belonísia, duas crianças de um lar simples, interessam-se pela mala de sua avó
Donana, e ao inspecioná-la descobrem uma faca. Curiosas, as meninas introduzem a faca
na boca, acidentalmente cortando fora a língua de uma delas.

Comentário: As “conversas” da vó me trazem a lembrança de encontros do candomblé, onde


entidades são evocadas e recebidas. O pai parece reforçar a ideia do hábito ter origem religiosa,
dizendo que “[Dodana] havia repetido rezas e encantos com a mesma distração com que revirava os
pensamentos”.

Capítulo 2:

Machucadas, as irmãs vão em direção ao hospital dentro do carro do dono da fazenda,


vendo pela primeira vez a porção urbana de Água Negra. Também descobrimos que logo
após o acidente Donana, dona da peixeira, se prontificou em benzer a lâmina no riacho.

Comentário: A relação cíclica com a terra não é só poética como também literal, sendo que no estilo
de vida dos personagens eles recebem sustento diretamente do solo e também descartam seus
restos, fúnebres ou puerpérios, nele.

Capítulo 3:

Após o incidente, a conexão das duas se torna mais forte, e enquanto uma aprende a falar
pela irmã, a outra aprende a ser interpretada. Assim, elas entendem melhor seus
respectivos maneirismos, se tornando inseparáveis mesmo sendo pessoas distintas.

Comentário: Nesse trecho, é fortemente salientado a ligação tão complementar que quase se torna
anatômica, “ao dividir o mesmo órgão para produzir os sons”. Essa relação me remete ao lado
esquerdo e direito do cérebro, o direito responsável pelos reconhecimentos não verbais e o esquerdo
capaz da comunicação verbal, a fala.

Capítulo 4:

Dodona sente remorso pela mutilação causada por seu instrumento. Seu sentimento de
culpa é abrandado pela presença de um cachorro, Fusco. Essa melhora, porém, dura
pouco, e por conta da caducidade da avó, Bibiana a encontra morta nas margens do rio.

Capítulo 5:

É contado a chegada das gêmeas Crispiana e Crispiniana, filhas de Saturnino, no terreiro


da família. Eles procuram a ajuda do pai das meninas para curar Crispina, tomada por uma
condição desconhecida após seu desaparecimento.
Comentário: Quando conversei com minha tia-avó, praticante do candomblé, sobre a figura de Zeca
Chapéu Grande, ela me contou que ele muito provavelmente recebe a orixá curandeira Iansã, no
sincretismo relacionada com Santa Bárbara.

Capítulo 6:

É revelado o motivo da desvaria de Crispina, quando ela conta que viu seu marido tendo um
caso com sua irmã, fazendo ela fugir, tomada por um sentimento de ira. Com o tempo,
porém, seu estado parece melhorar, e ela retorna para casa.

Capítulo 7:

Por mais mão-de-obra, o tio das meninas é convidado para trabalhar na fazenda, trazendo
sua esposa e filho. O primo Severo, garoto de idade similar às protagonistas, é
inconscientemente disputado pelas duas, eventualmente se envolvendo com Belonísia.

Comentário: As festas de jarê são celebrações intrínsecas à religião homônima, típica da Chapada
Diamantina. O jarê é uma amálgama de influências africanas, nordestinas e indígenas. Os rituais de
cura do livro também são condizentes com a crença, como afirma a yalorixá Dona Idalina: “houve
ocasiões nas quais sujeitos chegavam amarrados à corda, desajuizados, amparados por mais de
cinco homens que já pareciam não conseguir detê-los tamanha a brutalidade. Sua resposta firme era
apenas: solte-o”. Para melhor contextualizar essa religião, recomendo conversar com minha tia-avó.
Na falta dela, porém, vou deixar essa matéria super interessante, de onde tirei a citação de Idalina.

https://www.cartacapital.com.br/sociedade/jare-o-candomble-de-caboclos-tipico-da-chapada-diamantina/

Capítulo 8:

Quando Benina conta sobre o suposto beijo da irmã, Belonísia é espancada pela mãe,
começando uma desavença com a delatora. A mãe, sentindo remorso, repreende as duas e
as leva para pescar, e na volta Benina corta seu pé ao pisar em uma concha quebrada.

Comentário: Neste capítulo, assim como em outros, é mencionado o jirau. Minha avó, nascida no
nordeste, explicou que o jirau é um móvel ‘multiuso’. Na história, ele é usado para lavar louça, mas a
aplicação para essa mesinha de madeira varia, sendo também usada como forno e desidratador.

Capítulo 9:

O elo das irmãs é restaurado pela ferida volar de Bibiana, e é descoberto um conflito entre
Crispina e Crispiniana, ambas em estágios diferentes da gestação. O interesse romântico
em Severo se dissipa, e as irmãs percebem o estrago que uma briga fraternal pode causar.

Comentário: De forma sutil, porém pungente, o autor conta sobre o patriarcado e misoginia que
perdura no Brasil. A objetificação das meninas, assim como o constante planejamento futuro,
envolvendo necessariamente um casamento arranjado, mostra o papel subalterno das mulheres que
perduram nas estruturas pós-coloniais.

Capítulo 10:
A mãe, agora encarregada como assistente das parturientes após a morte da avó, faz o
parto de Crispiniana, mostrando uma habilidade impressionante para auxiliar a mulher.
Crispina, porém, dispensa esses cuidados, quando descobre-se que seu filho é natimorto.

Capítulo 11:

Durante uma festa de jarê, o pai das meninas recebe a orixá curandeira Iansã. O prefeito é
reverenciado pela divindade, que parece remeter a promessa feita pelo mesmo de convocar
uma professora para as crianças, garantindo sua alfabetização.

Comentário: Segundo o mesmo artigo usado no comentário do capítulo 7, os gêmeos Cosme e


Damião são frequentemente pareados, conhecidos também como “Dois-Dois”. Minha tia-avó
novamente agrega conhecimento, explicando que muitas músicas só são cantadas com a presença
dos dois orixás.

Capítulo 12:

A construção da escola coincide com uma grande estiagem, levando à escassez de comida
e à morte de muitos. O encontro não intencional de Benina e Severo faz com que a menina
questione seu papel no mundo, a instigando com um senso de curiosidade.

Capítulo 13:

Os encontros entre Bibiana e Severo se tornam mais recorrentes, estimulados pela vontade
mútua de conhecer mais, ir além da fazenda. Eventualmente, o contato se torna íntimo, e
sua exploração se estende até o âmbito do concebimento.

Capítulo 14:

Animada pelos ideais desbravadores de Severo, Benina decide ocultar sua gravidez da
família, cogitando escapar pela surdina e retornar com melhores condições financeiras.
Durante uma festa de jarê, uma encantada adverte sobre os possíveis danos de sua fuga.

Comentário: Durante encontros do candomblé, não é incomum observar pessoas que recebem orixás
e personalidades, adquirindo seus maneirismos e vitalidade. Mesmo a viúva, de idade avançada,
pula e rodopia com um ânimo que parece preceder qualquer atuação.

Capítulo 15:

Perceber a condição subalterna dos empregados da fazenda persuadiu Benina a fugir com
Severo. Seu remorso foi grande, não só por abandonar a família, mas sobretudo por deixar
a irmã, desamparada e afônica, sem ninguém que a compreendesse tanto quanto Benina.

Torto Arado 〰️
Capítulo 1:

Agora narrada por Belonísia, é descrita a desolação e respeitosa discrição da família após a
partida de Benina. Essa tristeza é contraposta com a chegada de chuvas e a inauguração
da escola, marcando uma nova fase para quem vive em Água Negra.

Comentário: Respeito profundamente a figura de Zeca, que não só reserva o benefício da dúvida
para sua filha fugitiva, mas também prega a importância da educação e alfabetização infantil
veementemente, mesmo não tendo essa mesma oportunidade.

Capítulo 2:

Desinteressada pelos tópicos da escola e desmotivada pelo escárnio dos alunos, Belonísia
se afasta das classes, aproximando-se de seu pai e suas tarefas braçais na própria
fazenda, absorvendo assim conhecimentos da natureza e agricultura.

Comentário: A crítica sobre o sistema é extremamente necessária. As crianças, que vivem na terra e
dela tiram seu sustento, estudam "histórias de soldado, professor, médico e juiz". Apesar da inegável
importância de aprender história, dificilmente esse conhecimento se faz útil nas circunstâncias dos
alunos, e as lições dadas pelo pai de Belonísia se mostram muito mais convenientes no cotidiano.
Assim, a didática formal substitui um ensino propriamente prático, tornando o ato de aprender
incondizente com a realidade de quem aprende.

Capítulo 3:

Após um tempo, Bibiana e Severo confirmam seu contentamento com uma carta, contando
que possuem emprego e uma criança nascitura. Ao ver a comoção dos pais pela notícia,
Belonísia almeja em começar uma família também, com o recém chegado Tobias.

Capítulo 4:

O período de cheias que perpassa pelo dia de Santa Bárbara acomete o nordeste,
afogando culturas e causando imenso prejuízo, forçando os agricultores a pescar para
lucrar. Em meio a isso, Belonísia é convidada para coabitar com Tobias em sua fazenda.

Capítulo 5:

Aceitando a proposição de Tobias, Belonísia se muda para a casa dele. Lá, ela descobre
que o local é extremamente sórdido, e ela tem de arrumá-lo. Ao preparar a comida, ela não
encontra nada para acender uma chama, e sai a procura de algo para acender uma faísca.

Comentário: Isso é uma conjectura, dado que eu comecei essa parte agora, mas os capítulos
narrados pela Belonísia parecem ser substancialmente menores do que aqueles contados por sua
irmã. Talvez isso seja por conta da repulsa que a personagem tem de sua própria voz, originada pela
resseção de sua língua.

Capítulo 6:
Conseguindo acender a chama e preparar comida, Belonísia se adequa ao seu novo
espaço, apesar de sua relação com Tobias tornar-se uma de interesse e conveniência,
degradando-se ao ponto dela ser desvalorizada pelo difícil trabalho de cuidar de casa.

Comentário: Em vários, VÁRIOS trechos do capítulo são feitas referências ao sistema machista e
patriarcal presente no Brasil pós-colonial. Dentro de uma lógica deturpada e opressora, Belonísia
passa a se acomodar em seu papel submisso e dular, enquanto Tobias se mostra cada vez mais
ingrato pelo esforço de sua esposa. Belonísia chega a pensar, de modo completamente naturalizado;
"era um homem, por que deveria agradecer".

Capítulo 7:

Tobias chega em casa embriagado, e desrespeita a mulher tão profundamente que ela
decide se afastar, indo cuidar do jardim, e visitar a sua antiga morada no dia seguinte. Ao
retornar, ela se depara com sua irmã, Bibiana, que também havia voltado para casa.

Capítulo 8:

Belonísia conta como o incidente da lâmina de Donana se sucedeu, e suas consequências


para a menina que, ao falar, fica horrorizada com sua própria voz, eternamente distante de
sua versão original.

Comentário: Que capítulo bonito. Ele explora a dificuldade de fala da Belonísia de um jeito tão
sensível e impactante, achei genial ela fazer alusão ao título mas nunca dizer "minha voz é um torto
arado" verbatim. Teria ficado tão cafona.

Capítulo 9:

Voltando ao momento do capítulo 7, descobre-se que Bibiana voltou com Severo e seu filho,
Inácio. Em geral, a família não parece ter guardado rancor da escapada, e a relação entre
as irmãs parece se remendar, apesar de não totalmente, antes da partida dos três.

Capítulo 10:

A relação de Tobias e Belonísia se deteriora ainda mais, com ele se tornando cada vez mais
ausente e cada vez mais bêbado. A mulher teme pelo novo estilo de vida do marido, e certa
noite Genivaldo, o vaqueiro da fazenda, encontra Tobias, presumivelmente morto.

Comentário: Finalmente.

Capítulo 11:

Após o enterro de Tobias, Belonísia trabalha no jardim e constrói uma nova casa, a fim de
recomeçar a sua vida. Maria Cabocla aparece, ferida por conta de seu marido, e Belonísia a
acompanha de volta para casa, levando a estimada lâmina de sua avó por precaução.

Capítulo 12:
Alcançando a morada de Maria, as duas começam a preparar comida e limpá-la. À noite,
Maria penteia os cabelos crespos de Belonísia que, sentindo um raro afeto por esse gesto,
demora para adormecer, acordando de madrugada para regressar à sua fazenda.

Comentário: Senti extrema solidariedade por ambas as personagens, resistentes e totalmente cientes
de sua situação em que elas se encontram. A frase de Maria, "Que tristeza pode ser ficar
desamparada, mas deve ser melhor que ficar como eu estou", resume perfeitamente o ambiente
tóxico e misógino que ambas vivenciam, onde é preferível ser viúva do que estar casada com
alguém.

Capítulo 13:

Quando um dos filhos de Maria relata que sua mãe está sendo novamente abusada,
Belonísia corre até a casa dela, expulsando o homem e dando coragem para sua amiga
fazer o mesmo. Pouco depois, contudo, o marido retorna, e as duas se distanciam.

Capítulo 14:

Benina e Severo retornam de vez com seus quatro filhos, Inácio, Flora, Maria e Ana,
construindo seu lar na fazenda dos pais. Após a caminhada até Bom Jesus da Lapa, uma
promessa feita pelos pais quando a filha retornasse, Zeca se torna muito abatido, morrendo.

Capítulo 15:

Apesar da velhice, Zeca estava disposto pouco antes de seu declínio, comendo e
trabalhando. Quando males o acometeram, contudo, sua piora foi rápida, e mesmo quando
o edema enchia seus pulmões, ele se recusava a ir para um hospital, falecendo em casa.

Capítulo 16:

Belonísia conta o legado de seu pai. Sua avó, antes chamada de Donana Chapéu Grande
por trajar o acessório de seu primeiro marido, estava endividada com os encantados,
causando desavenças como a morte de seu segundo parceiro e a enfermidade de seu filho.

Capítulo 17:

Um interesse de ler histórias para contar sua própria história cresce em Belonísia, e ela
pega emprestado os livros da irmã. Durante o funeral do pai, a mulher escuta histórias das
diversas curas e assistências fornecidas pelo homem, que morre honroso e prestigiado.

Capítulo 18:

Retomando as histórias de Zeca, é contado do sumiço subsequente à sua condição, que o


transformou em um ser selvagem. Um vaqueiro testemunha o menino, nu, vivendo em uma
árvore de jatobá com uma onça. Adentrando a floresta, Donana encontra-o.

Capítulo 19:
Escutando as histórias de Severo passadas de geração em geração, Belonísia descobre da
luta de seus ancestrais, forçados até aqui e obrigados a trabalhar, na roça e nas minas. A
fazenda deixa de ser da família Peixoto, e os novos donos proíbem o enterro dos
moradores em Viração, o cemitério local.

Comentário: Acho que a parte mais essencial do relato de Severo foi a afirmação de que só
sobrevivemos por resistir, e só resistimos por estarmos juntos. "Aonde quer que fôssemos,
encontrávamos um parente, nunca estávamos sós. Quando não éramos parentes, nos fazíamos
parentes. Foi a nossa valência poder se adaptar, poder construir essa irmandade, mesmo sendo
alvos da vigilância dos que queriam nos enfraquecer."

Capítulo 20:

Curado de sua condição, Zeca aprende com seu curandeiro, apropriando-se de rituais,
beberagens e espíritos, e tornando-se um hábil cuidador. Uma seca prejudica a região onde
ele mora, e com promessas de uma terra fértil, Zeca migra, prometendo buscar sua mãe.

Capítulo 21:

A insatisfação com um sistema desvantajoso para a classe trabalhadora acomete os mais


jovens da fazenda, que procuram melhores direitos, amparados pela lei. Isso vai contra a
posição de gratidão dos mais velhos, que evitam causar dissabor em seus senhores.

Comentário: Este capítulo cita diretamente a dificuldade e burocracia proposital advinda do registro e
documentação de populações mais afastadas do âmbito urbano, impedindo a prática dos direitos e
deveres de cada um em sua plenitude.

Capítulo 22:

Acompanhado pelos encantados e amarrado pela promessa de buscar sua avó Donana e
irmã Carmelita, Zeca Chapéu Grande alcança Água Negra após uma longa caminhada,
encontrando um senhor, que o direciona para Damião.

Comentário: A representação dos encantados é absolutamente maravilhosa. Não sendo apenas


"forças da natureza", eles são personificações, acompanhantes de qualquer jornada bem-aventurada
e essenciais para a sobrevivência de todo viajante. A descrição da Mãe D'Água, orixá dos rios e água
doce, é particularmente tocante. "Ela corria, aparecia e sumia, e seus pés se desfaziam num rio
negro e limpo que era o próprio caminho e promessa de vida no seu destino".

Capítulo 23:

Salu, tomada pelo luto, se torna indisposta e começa a beber. Belonísia procura conforto na
terra, cuidando da vida e dela recebendo contentamento. A mãe, após ser auxiliada por
Dona Tonha, retorna à sua disposição usual, finalizando a morada fundamentada por Zeca.

Capítulo 24:
As forças de oposição ao novo latifundiário se intensificam, outrossim causando
contramedidas de proporções drásticas. Casas e pastos são depredados, galinheiros são
queimados, e em uma fatídica madrugada, as irmãs encontram severo morto, vítima de uma
saraivada de tiros.

Comentário: SEVERO NÃAAAAAO

Rio de Sangue 🩸
Capítulo 1:

Contado por quem Miúda recebia ao tornar-se Maria Rita Pescadeira. É descrito o delírio
causado pela busca incansável por diamantes, além da situação inescapável de escravos
"livres", ainda presos às fazendas de seus senhores, sem opções melhores para sustento.

Comentário: O filme que estamos assistindo na aula de história, Serra Pelada (2013), conta de um
delírio paralelo, também incitado pela ganância, mas trazido pela procura do ouro. A noção incitada
pelo capitalismo de uma vida ideal está tão intrinsecamente ligada à riqueza que muitos se mostram
dispostos a matar e negligenciar sua própria saúde para alcançá-la.

Capítulo 2:

Deparando-se com Severo morto, a dor é tanta que em chuva transforma-se quem narra a
secção, e essa chuva banha as roupas de Bibiana e Belonísia, inconsoláveis. O
revolucionário é velado e então enterrado no cemitério da Viração.

Capítulo 3:

A chegada dos novos proprietários, Salomão e Estela, é arrazoada, mencionando que sua
chegada foi contestada pelos moradores, mas ultimamente aceita. Com a construção da
casa-grande, é discutida a infraestrutura das outras casas, gerando repercussão.

Comentário: "[Estela] sorria de forma quase discreta do que chamava de ignorância do povo, quando
se dispunha a perguntar e obtinha uma resposta diferente da que presumia ser verdadeira." Essa
gente me enoja, com seus hábitos condescendentes contra um povo considerado por eles como
inculto. Esse é o tipo de gente que representa nordestinos em novelas como caipiras incivilizados de
sotaque puxado. Sobretudo por isso eu valorizo e admiro tanto representações empáticas, como as
de Itamar.

Capítulo 4:

Bibiana, tomada pela viuvez, testemunha sobre a morte de Severo. Esperando justiça e
transparência, valores veementemente defendidos por seu marido, é entregue justamente o
contrário, e o veredicto atribui a causa da morte como vinda de uma disputa narcotráfica.

Capítulo 5:
Bibiana disputa as alegações, negando o envolvimento de Severo com drogas, e reforçando
a permanência dos moradores lá, exigindo seus direitos. O discurso é sintônico com a
população, compartilhantes da indignação emitida por ela.

Capítulo 6:

É narrada a história de Miúda, descrita pela força que a tomava como "mulher-peixe" pelo
seu extenso conhecimento de pesca, assim como um profundo encantamento pelos rios.
Conta-se também da mágica união em que tornavam-se Maria Rita Pescadeira.

Capítulo 7:

Quando Estela e um pastor surgem na casa de Salustiana convidando-a para uma missa
que tenta converter os moradores, a mesma descreve com uma precisão cirúrgica sua
identidade intrinsecamente ligada com a terra, garantindo que nada irá inibir ela e seu povo.

Comentário: Uau. Simplesmente uau. A intensidade da fala de Salu me deixou atônito, e sua relação
com o lugar que ela vive é tão intensa e enraizada que sua fala se torna não só inspiradora como
também expõe a apatia e tirania trazida pelo ato de tirar alguém do lugar que este pensa como seu.

Capítulo 8:

Bibiana descobre a faca de Donana, reencontrada pela irmã na casa de Tobias durante uma
de muitas arrumações. Com o reencontro, Bibiana questiona a origem dessa faca,
imaginando por que a avó prezaria por mantê-la mesmo sendo um risco para as crianças

Capítulo 9:

Descobre-se que Donana roubou a faca de seu senhor, e mesmo com a intenção de
vendê-la, se afeiçoou à arma e a enterrou por muito tempo. Ela foi desenterrada, contudo,
para sangrar o homem que abusava de sua filha Carmelita.

Capítulo 10:

A rotina de Bibiana sem Severo torna-se vazia, insignificante. Ela perde interesse em seu
ofício, e encontra-se em um estado de transe durante uma grande parcela dos dias. Ela
escapa em algumas noites para embrenhar-se na mata, cavando um caminho para o rio.

Comentário: Um contraponto para a didática incondizente da escola onde Belonísia estava é a


educação dada por Bibiana, que conta da herança importante e identitária para os alunos que
aprendem com ela, fazendo as "crianças se orgulharem de serem quilombolas", mas também
compreendendo suas implicações, "e passavam a entender porque ainda sofriam com preconceito
no posto de saúde, no mercado ou nos cartórios da cidade."

Capítulo 11:
A vida de Belonísia sem sua língua torna-se atenta à natureza, sobretudo aos sons.
Remetendo a um ditado que diz "o vento não sopra, é o próprio sopro", Belonísia descobre
sua real voz, a voz da natureza que a circunda.

Comentários: Esses capítulos bem mais direcionados a certos personagens têm um tom
especialmente acusativo, com uma constante descrição direcionados a "você". Isso parece remeter
a uma introspecção, um resumo dos valores de cada protagonista da trama, e essa mudança do
estilo narrativo me surpreende positivamente e agrega muito à história.

Capítulo 12:

Salomão foi morto. Quando Salu chega na casa de sua filha Bibiana para noticiar o
ocorrido, ela se ofende com a indiferença de sua filha, que beirava o desejo pela morte do
homem. Belô se choca ao ouvir sobre a morte, desmaiando brevemente e dormindo depois.

Capítulo 13:

Mesmo antes da morte de Salomão, moradores queriam construir casas mais duráveis, mas
são coagidos por um processo, que falha após o assasinato. Em meio a essas aspirações
revolucionárias e querendo seguir os esforços de seu pai, Inácio deixa a fazenda.

Comentário: Vai, Inácio! ser gauche na vida.

Capítulo 14:

Unidas e ambivalentes, as irmãs se juntam com a encantada para derrotar o animal que
ronda Água Negra, ameaçando os trabalhadores que a habitam. Caindo na armadilha de
Bibiana, Belonísia desfere um golpe fatal sobre a Onça, aniquilando o mal que as rondava.

Comentário: É possível agregar diversos conceitos para a figura da Onça. Ela pode ser uma alegoria
para o preconceito, os latifundiários, ou o sistema como um todo. Não obstante, esse livro é
excepcionalmente fabuloso e pertinente para o cenário atual, e eu amei a leitura! Não vejo a hora de
conversar com Itamar :)

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