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Literatura como missão:

Lima Barreto e Euclides da


Cunha no contexto da
República Velha
1866 –1909 1881 –1922
República Velha (1889-1930)
´
Autores importantes desse tempo, tais como
Lima Barreto e Euclides da Cunha,
projetaram em seus textos muitos
acontecimentos de seu contexto, situado
sobretudo na época da 1º República, chamada
também República Velha
alguns acontecimentos foram marcantes na
República Velha :

- Constituição de 1891 (instituiu-se o


federalismo, o presidencialismo e o
sistema bicameral)

- Assunção ao poder de Deodoro da


Fonseca, de 1889-1891; seguido depois
por Floriano Peixoto, que governou de
1891-1894, e de mais 11 presidentes
- Ao todo foram 13 presidentes. No livro
“Triste Fim de Policarpo Quaresma”, a
obra mais conhecida de Lima Barreto,
aparece a figura de Floriano Peixoto, por
exemplo
Revoltas na República Velha

- No livro “Triste Fim de Policarpo


Quaresma”, aparecem também, por
exemplo, alusões à Revolta da Armada,
que foi uma revolta da Marinha contra o
Governo Federal, por não reconhecer a
legitimidade deste último
Revoltas na República Velha

- Podemos elencar uma série de outras


revoltas típicas do período da República
Velha: Guerra de Canudos, Revolta da
Chibata, Revolta da Vacina, Guerra do
Contestado, Revolta do Forte de
Copacabana
- O país na República Velha vivia em forte
tensão e era marcado por grande
desigualdade social, o que tornou comuns
esses conflitos no país
- Um bem ilustrativo disso é a Guerra de
Canudos, que também é pertinente do
ponto de vista literário porque deu origem
ao livro “Os sertões” (1902), de Euclides
da Cunha
A Guerra de Canudos foi um dos principais
conflitos que marcaram o período entre a queda
da monarquia e a instalação do regime
republicano no Brasil. Aconteceu de novembro de
1896 a outubro de 1897 no sertão da Bahia, em
uma fazenda improdutiva ocupada por Antônio
Conselheiro e seus mais de 20 mil seguidores.
Teve caráter messiânico, por conta das pregações
do beato, mas envolvia a luta contra a fome, a
miséria e a seca nordestina, região desassistida
pelo governo federal
“Os sertões”, de
1902, livro de
Euclides da
Cunha
Na obra Os sertões, de Euclides da Cunha, o
narrador relata, com detalhes, a Guerra de
Canudos (1896-1897). O livro é dividido em
três partes: “A terra”, em que a flora, relevo e
clima do sertão nordestino são descritos; “O
homem”, em que se descreve o sertanejo a
partir de uma visão determinista, atrelada ao
naturalismo; e “A luta”, quando o narrador
relata, em detalhes, a Guerra de Canudos.
Trechos
“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não
tem o raquitismo exaustivo dos mestiços
neurastênicos do litoral.
A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance
de vista, revela o contrário. Falta-lhe a plástica
impecável, o desempeno, a estrutura
corretíssima das organizações atléticas. (...)
“É desgracioso, desengonçado, torto. Hércules-
Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade
típica dos fracos. O andar sem firmeza, sem
aprumo, quase gingante e sinuoso, aparenta a
translação de membros desarticulados. Agrava-
o a postura normalmente abatida, num
manifestar de displicência que lhe dá um
caráter de humildade deprimente (...)
“A pé, quando parado, recosta-se invariavelmente ao
primeiro umbral ou parede que encontra; a cavalo, se
sofreia o animal para trocar duas palavras com um
conhecido, cai logo sobre um dos estribos,
descansando sobre a espenda da sela. Caminhando,
mesmo a passo rápido, não traça trajetória retilínea e
firme. Avança celeremente, num bambolear
característico, de que parecem ser o traço geométrico
os meandros das trilhas sertanejas.
“E se na marcha estaca pelo motivo mais vulgar,
para enrolar um cigarro, bater o isqueiro, ou travar
ligeira conversa com um amigo, cai logo - cai é o
termo - de cócaras [cócoras], atravessando largo
tempo numa posição de equilíbrio instável, em que
todo o seu corpo fica suspenso pelos dedos grandes
dos pés, sentado sobre os calcanhares, com uma
simplicidade a um tempo ridícula e adorável. (...)
“É o homem permanentemente fatigado.
Reflete a preguiça invencível, a atonia muscular
perene, em tudo: na palavra remorada, no gesto
contrafeito, no andar desaprumado, na cadência
langorosa das modinhas, na tendência constante à
imobilidade e à quietude.
Entretanto, toda esta aparência de cansaço ilude. (...)
“Nada é mais surpreendente do que vê-la
desaparecer de improviso. Naquela organização
combalida operam-se, em segundos, transmutações
completas. Basta o aparecimento de qualquer
incidente exigindo-lhe o desencadear das energias
adormidas. O homem transfigura-se.
Empertiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas
na estatura e no gesto; e a cabeça firma-se-lhe, alta,
sobre os ombros possantes, aclarada pelo olhar
desassombrado e forte; e corrigem-se-lhe, prestes,
numa descarga nervosa instantânea, todos os efeitos
do relaxamento habitual dos órgãos; e da figura
vulgar do tabaréu [caipira] canhestro, reponta,
inesperadamente, o aspecto dominador de um titã
acobreado e potente, num desdobramento
surpreendente de força e agilidade extraordinárias.
(...)
“Este contraste impõe-se ao mais leve exame. Revela-
se a todo o momento, em todos os pormenores da
vida sertaneja - caracterizado sempre pela
intercadência impressionadora entre extremos
impulsos e apatias longas.”

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. 3 ed., São Paulo,


Cultrix, 1982, p. 99 - 100
“Guerra de
Canudos”, filme
de 1997,
dirigido por
Sérgio Resende
Lima Barreto
(1881-1922)
nasceu em 13 de
maio de 1881,
no Rio de
Janeiro, e
morreu em 1 de
novembro de
1922
Era negro e de família pobre. Sua avó
materna, Geraldina Leocádia da
Conceição, foi uma escrava alforriada.
Sua mãe era professora primária e
morreu de tuberculose quando Lima
Barreto tinha 6 anos. Seu pai era
tipógrafo, e sofria de doença mental.
Suas obras são realistas e trazem uma visão
crítica da sociedade brasileira. O escritor
trabalha, com ironia, não só a temática
nacionalista, como também discute as
diferenças sociais e a questão do preconceito
racial. Como ele escreveu em seu Diário
íntimo (1953): “A capacidade mental dos
negros é discutida a priori e a dos brancos, a
posteriori”.
Por ser um autor que também ficcionalizou
muitos de suas vivências, outros temas
aparecem de modo marcante na obra de Lima
Barreto, o do poder político da imprensa é
um exemplo
Obras de Lima Barreto
“Recordações
do escrivão
Isaías
Caminha”, de
1909, é o
primeiro
romance de
Lima Barreto
O enredo acompanha a história de
Isaías Caminha, um jovem negro do
subúrbio carioca, que tinha a ambição
de se tornar “doutor” no Rio de
Janeiro. Lá encontra diversas
dificuldades pela sua cor, mostrando a
incapacidade do país incorporar
pessoas negras à sociedade, mesmo
depois da abolição.
“A minha situação no Rio estava garantida.
Obteria um emprego. Um dia pelos outros iria
às aulas, e todo o fim de ano, durante seis,
faria os exames, ao fim dos quais seria doutor!
Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado
original do meu nascimento humilde,
amaciaria o suplício premente, cruciante e
onímodo de minha cor...” (BARRETO, 1909,
p. 16 [22])
- Raposo, vou sair: há alguma coisa?
- Nada. Capitão Viveiros.
- E o caso do Jenikalé? Já apareceu o tal “mulatinho”?
Não tenho pejo em confessar hoje que quando me ouvi tratado
assim, as lágrimas me vieram aos olhos. Eu saíra do colégio,
vivera sempre num ambiente artificial de consideração, de
respeito, de atenções comigo; a minha sensibilidade, portanto,
estava cultivada e tinha uma delicadeza extrema que se juntava
ao meu orgulho de inteligente e estudioso, para me dar não sei
que exaltada representação de mim mesmo, espécie de homem
diferente do que era na realidade, ente superior e digno a quem
um epíteto daqueles feria como uma bofetada. (BARRETO,
1909, p. 90 [96])
Jantava, uns dias; em outros, almoçava unicamente; e
houve
muitos que nem uma coisa ou outra fiz. Descobri a
Biblioteca Nacional, para onde muitas vezes fui,
cheio de fome, ler Maupassant e Daudet. (BARRETO,
1909, p. 120-121 [126-127])
“Presenciando tudo aquilo, eu senti que tinha travado
conhecimento com um engenhoso aparelho de
aparições e eclipses, espécie complicada de tablado de
mágica e espelho de prestidigitador,
provocando ilusões, fantasmagorias, ressurgimentos,
glorificações e apoteoses com pedacinhos de
chumbo, uma máquina Marinoni e a estupidez das
multidões.
Era a Imprensa, a Onipotente Imprensa, o quarto poder
fora da Constituição!” (BARRETO, 1909, p. 168 [174])
“O crime ficou sendo a grande preocupação pública
durante os sete dias que se seguiram. O laudo do
doutor Franco concluía que o homem era mulato,
muito adiantado é verdade, um quarterão, mas ainda
com grandes sinais antropológicos da raça negra. As
testemunhas, porém, entre elas o chefe e os condutores
dos trens, não se lembravam de ter transportado
nenhum par em tais condições.”(BARRETO, 1909, p.
223 [229])
“Triste fim de
Policarpo
Quaresma”, de
1915, é o
romance mais
conhecido de
Lima Barreto
Um pouco mais sobre o
“Triste fim de Policarpo
Quaresma”

...
“Policarpo
Quaresma, herói
do Brasil”, foi
feito em 1998 e
é baseado na
obra “Triste fim
de Policarpo
Quaresma”
O romance é
dividido em 3
grandes partes

...
A primeira parte relata a
vida do personagem
principal, Policarpo
Quaresma, como
funcionário público na
cidade do Rio de Janeiro
a segunda parte relata o
personagem principal
como um simplório
proprietário rural e a
realidade agrícola do país.
A terceira parte relata Quaresma como
soldado voluntário na Revolta da
Armada em 1893 (movimento de
rebelião promovido por unidades da
Marinha do Brasil em oposição política
contra o Governo de Floriano Peixoto)
e sua final desilusão com as questões e
 reformas nacionais que sempre
defendeu.
Outras obras de Lima
Barreto
“Clara dos Anjos”,
romance póstumo de
1948
“Clara dos anjos” é uma das suas grandes obras
póstumas. O livro conta uma história que atravessa
as dinâmicas sociais que envolviam as mulheres,
pessoas negras e birraciais no início do século XX
— quando o Brasil entrava num período de
“modernização” quase forçada e o fantasma da
escravização ainda se fazia muito presente na vida
das pessoas negras.
Em “Clara dos anjos”, vemos um processo
doloroso e, ainda sim, muito real, de uma jovem de
17 anos que descobre o lugar social que ocupa no
espaço e tempo em que vive: mulher, negra e
pobre no Brasil República.
— Ora, vejam vocês, só! É possível? É possível
admitir-se meu filho casado com esta... As filhas intervieram:
—Que é isto, mamãe?
A velha continuou:
—Casado com gente dessa laia... Qual!... Que diria meu avô,
Lord Jones, que foi cônsul da Inglaterra em Santa Catarina —
que diria ele, se visse tal vergonha? Qual!
Parou um pouco de falar; e, após instantes, aduziu:
—Engraçado, essas sujeitas! Queixam-se de que abusaram
delas... É sempre a mesma cantiga... Por acaso, meu filho as
amarra, as amordaça, as ameaça com faca e revólver? Não. A
culpa é delas, só delas...
Outras obras de
Lima Barreto
“Vida e morte de M.J.
Gonzaga de Sá”, de
1919
A história é narrada por Augusto Machado,
biógrafo de Gonzaga. De saída, coloca-se uma
questão extremamente atual, da qual tem se
ocupado grande parte da literatura
contemporânea: as pontes entre realidade e ficção.
A linguagem documental é trabalhada no âmbito
da ficção. O romance não segue um enredo linear,
nem trabalha os conflitos do ponto de vista da
narrativa clássica.
Machado relata encontros com seu biografado, cuja
morte anuncia no início do livro, dando voz a ele em
diálogos, cartas, anotações deixadas. E é assim que
tomamos contato com as inquietudes de Gonzaga
diante daquilo que vê ao transitar pela cidade. E
como são atuais suas reflexões acerca da hipocrisia
que rege a civilização.
“Diário do hospício e
Cemitério dos vivos”,
publicados em 1953
Os manuscritos do Diário do Hospício
redigidos por Lima Barreto durante a sua
segunda internação no Hospital Nacional de
Alienados, entre dezembro de 1919 e fevereiro
de 1920, encontram-se na Seção de
Manuscritos da Biblioteca Nacional, Coleção
Lima Barreto.
Referências

https://www.taglivros.com/blog/clara-dos-anjo
s-e-um-livro-sobre-descobrir-seu-lugar-social-
no-mundo/
. Acesso em: 17/02/2023.
https://www.culturagenial.com/livro-clara-dos-
anjos/
. Acesso em: 17/02/2023.

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