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LITERATURA BRASILEIRA I

GREGÓRIO DE MATOS: IRREVERÊNCIA E


CONTRADIÇÃO

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Olá!
Ao final desta aula, o aluno será capaz de: 1. Reconhecer a variada obra do poeta Gregório de Matos Guerra 2.

Identificar as críticas à sociedade da época nos poemas satíricos; 3. Verificar a tensão existencial na lírica

religiosa. 3. Reconhecer aspectos barrocos na lírica amorosa gregoriana.

1 GREGÓRIO DE MATOS
Estudou em Portugal e formou-se pela Universidade de Coimbra, vindo para o Brasil quando contava perto de 50

anos. Atuou como juiz. Voltou ao Brasil em 1681, ocupando o cargo de vigário-geral. No entanto, foi desligado da

função.

Tendo vendido as terras que ganhara como dote ao casar-se com Maria dos Povos, conta-se que teria deixado o

dinheiro largado em casa e gastado desmedidamente.

Conta-se que teria, em certo momento da vida, abandonado tudo para vagar como “cantador itinerante,

convivendo com todas as camadas da população” (MATOS, Gregório de. Poemas escolhidos/ Gregório de

Matos; seleção e organização José Miguel Wisnik. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 20)

ATENÇÃO!

Embora tenhamos notícia de que sua produção poética foi bastante extensa, não se conhece nenhum poema

assinado por ele ou impresso em vida. Reunidos, ao longo do tempo, por colecionadores, há casos de um mesmo

poema apresentar versões bastante distintas.

Além da dificuldade de se estabelecer a originalidade do texto do autor, há que se considerar as traduções livres

de Quevedo e Gôngora, que aumentam a sua bibliografia. Como vemos, a obra de Gregório suscita, por si só,

grande polêmica. No entanto, é importante destacar que a noção de autoria não tinha no século XVII, o mesmo

valor que tem hoje.

A SEGUIR...

Veremos alguns poemas e sonetos de Gregório se Matos, destacando trechos que irão revelar sua perspectiva e

as principais características de seu trabalho.

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2 A OBRA
Composta por sátiras, poemas religiosos, líricos e amorosos, a obra de Gregório revela sua mestria técnica e

agilidade verbal, inclusive empregando palavras da língua tupi, como podemos observar no poema a seguir:

OS CARAMURUS DA BAHIA

Um calção de pindoba, a meia zorra,

Camisa de urucu, mantéu de arara,

Em lugar de cotó arco e taquara

Penacho de guarás em vez de gorra.

Furado o beiço, e sem temor que morra

O pai, que lho envasou cuma titara

Porém a Mãe a pedra lhe aplicara

Por reprimir-lhe o sangue que não corra

Alarve sem razão, bruto sem fé,

Sem mais leis que a do gosto, quando erra

De Paiaiá tornou-se em abaité.

Não sei onde acabou, ou em que guerra:

Só sei que deste Adão de Massapé

Procedem os fidalgos desta terra

ANÁLISE DO POEMA

No poema, observa-se a crítica dura e impiedosa aos “nobres” da Colônia, os “caramurus”, os novos-ricos que

detinham o poder econômico e político no Brasil colonial. A verve do esgrimista impiedoso das palavras rendeu-

lhe o apelido Boca do Inferno.

Note também que o ponto de vista de Gregório é o de um descendente nobre de uma família de proprietários de

terras e engenho, cujos bens foram se perdendo, restando-lhes apenas a memória de fidalguia. O poeta assume,

assim, o tom amargo ao expor as suas críticas à mestiçagem, mas também à corrupção; tematiza o rancor de um

reinol de alta estirpe, injustiçado pela ralé que governa a Colônia.

Destacam-se, na obra gregoriana, os poemas religiosos cujos matizes barrocos podem ser assinalados. Embora a

autoria seja questionada devido à semelhança com poemas de outros autores da época, a beleza dos versos e a

riqueza estilística merecem atenção. Como no soneto:

A Jesus Cristo nosso Senhor

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Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,

Da vossa alta clemência me despido;

Porque, quanto mais tenho delinquido,

Vos tenho a perdoar mais empenhado.

Se basta a vos irar tanto pecado,

A abrandar-vos sobeja um só gemido:

Que a mesma culpa, que vos há ofendido,

Vos tem para o perdão lisonjeado.

Se uma ovelha perdida e já cobrada

Glória tal e prazer tão repentino

Vos deu, como afirma na sacra história,

Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,

Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,

Perder na vossa ovelha a vossa glória.

(BUENO, Alexei. Uma história da poesia brasileira. Rio de Janeiro: G. Ermakkoff Casa Editorial, 2007. p.

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ANÁLISE DO SONETO

Nesse soneto, é perceptível a tensão barroca mediante o uso de figuras de linguagem como os pares antitéticos:

pecar/perdoar e lisonja/ofensa. No entanto, a força do poema reside no tom argumentativo com que pretende

convencer Deus de sua salvação.

O eu lírico vai buscar nas sagradas escrituras o exemplo que servirá de precedente: o episódio da ovelha

desgarrada. Por analogia, a salvação de sua alma pecadora seria motivo de glória para Deus; e se pecava tanto,

era por acreditar que seria perdoado, já que a condenação poderia significar a perda da glória divina.

Veja que o tom de oração recobre a petição do “advogado”, cujo talento argumentativo se coloca a serviço da

salvação da alma, conscientemente pecadora.

3 OS PRINCIPAIS TEMAS
A lírica amorosa e filosófica de Gregório de Matos conta com significativa produção em sua maioria de sonetos

de inspiração camoniana. São temas comuns:

- a transitoriedade da vida,

- considerações sobre o ciúme,

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- o silêncio e

- as declarações amorosas.

4 POEMA
Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem

Ardor em firme coração nascido;

Pranto por belos olhos derramado;

Incêndio em mares de água disfarçado;

Rio de neve em fogo convertido:

Tu, que em um peito abrasas escondido;

Tu, que em um rosto corres desatado;

Quando fogo, em cristais aprisionado;

Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente,

Se és neve, como queimas com porfia?

Mas ai, que andou Amor em ti prudente!

Pois para temperar a tirania,

Como quis que aqui fosse a neve ardente,

Permitiu parecesse a chama fria.

(MATOS, Gregorio de. Poemas escolhidos/Gregorio de Matos; seleção e organização José Miguel Wisnik.

Sao Paulo: Companhia das Letras, 2010. p.222)

ANÁLISE DO POEMA

A beleza da descrição da lágrima metaforizada em fogo e neve, expressões antitéticas, desenvolve, ao longo do

soneto, o lamento do eu lírico que pondera sobre o paradoxo do sentimento amoroso.

A primeira estrofe apresenta, nos dois últimos versos, a estrutura quiástica que reforça o contraste, mediante o

espelhamento.

O mesmo procedimento se percebe também nos dois últimos versos da segunda estrofe, onde o vocativo “tu”, a

quem se dirige o poeta, são as lágrimas que sintetizam essa dualidade.

Na 3ª estrofe, o questionamento do eu lírico se responde, pois é o Amor que torna possível o paradoxo do fogo,

que simboliza a paixão e o desejo, a ser sublimado pelo sentimento amoroso de castidade e pureza, representada

pela neve – como se lê na 4ª estrofe.

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Estrutura Quiástica – Quiasma é uma figura estilística em que se percebe o cruzamento, formando um

movimento semelhante à letra X.

A estrutura sintática dele é representada pela seguinte forma:

A sequência lógica seria que o incêndio fosse convertido em fogo, não é mesmo? E que o rio de neve, por sua vez,

fosse disfarçado em mares de água, concorda?

Esse cruzamento dos dois segmentos em ondem inversa, em que o final do primeiro passou a ser o inicial do

segundo, tem a finalidade de construir o sentido a partir do confronto entre ideias opostas.

5 PADRE ANTÔNIO VIEIRA


Antônio Vieira nasceu em Portugal, mas veio para o Brasil ainda menino. Também muito cedo ingressou na

Companhia de Jesus, tornando-se padre. Viveu intensamente conflitos entre brasileiros e holandeses, bem como

foi capaz de analisar com agudeza a situação de indígenas, negros e judeus na sociedade colonial.

Saiba mais
Um aspecto notável em sua obra é a erudição de que se reveste a linguagem em suas
apresentações. No entanto, vale ressaltar que as obras que nos chegaram foram depuradas
pelo próprio autor quando já idoso e que foram reescritas muitas delas.

ANÁLISE DO POEMA

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A beleza da descrição da lágrima metaforizada em fogo e neve, expressões antitéticas, desenvolve, ao longo do

soneto, o lamento do eu lírico que pondera sobre o paradoxo do sentimento amoroso.

A primeira estrofe apresenta, nos dois últimos versos, a estrutura quiástica que reforça o contraste, mediante o

espelhamento.

O mesmo procedimento se percebe também nos dois últimos versos da segunda estrofe, onde o vocativo “tu”, a

quem se dirige o poeta, são as lágrimas que sintetizam essa dualidade.

Na 3ª estrofe, o questionamento do eu lírico se responde, pois é o Amor que torna possível o paradoxo do fogo,

que simboliza a paixão e o desejo, a ser sublimado pelo sentimento amoroso de castidade e pureza, representada

pela neve – como se lê na 4ª estrofe.

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Como vimos, a importância da poesia de Gregório de Matos se consolida não apenas pela variedade ou volume de

obras, mas principalmente por apresentar os traços da literatura que inaugura: a hibridez, a intensidade e a

conciliação.

Pensar a Literatura Brasileira é também refletir sobre a maneira especial, porque própria da cultura de nosso

povo, de compreender e expressar os sentimentos e as angústias humanas. Assim como fizeram os autores do

século XVII, assim como fazemos nós no século XXI.

Por isso, a força e a atualidade de seus poemas ainda nos causam admiração e são temas de pesquisas

acadêmicas. Para finalizar, vamos assistir a um vídeo no qual um poeta contemporâneo, Wally Salomão, recita

Gregório.

O que vem na próxima aula


• Os primórdios da literatura brasileira;
• A poesia de Bento Teixeira;
• A parenética de Padre Antônio Vieira.

CONCLUSÃO
Nesta aula, você:
• Conheceu o panorama histórico anterior e contemporâneo ao Barroco;
• Aprendeu os principais traços característicos do Barroco;
• Distinguiu as diferenças entre Cultismo e Conceptismo.

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