Você está na página 1de 4

Leda1 serenidade deleitosa2,

Que representa em terra, um paraíso;


Entre rubis e pérolas doce riso,
Debaixo de ouro e neve cor-de-rosa;
5
Presença moderada e graciosa,
Onde ensinando estão despejo3 e siso4
Que se pode por arte5 e por aviso6,
Como por natureza, ser formosa;

________________________ 10 Fala de que ou já vida, ou morte pende,


1. Rara e suave; enfim, Senhora, vossa;
1
leda – alegre;
2
deleitosa – agradável; Repouso na alegria comedido;
3
despejo – naturalidade;
4
siso – bom senso; juízo;
5
arte – habilidade; Estas as armas são com que me rende
6
aviso – discrição. E me cativa amor; mas não que possa
Despojar-me da glória de rendido.
Retire do texto
expressões Camões, Rimas, Livraria Almedina
usadas para retratar física e psicologicamente a mulher e explique de que forma este soneto nos
apresenta um retrato tipicamente petrarquista.

2. Identifique a figura de estilo presente em «que representa em terra um paraíso» (v. 2) e comente
a sua expressividade.

3. Comente o sentido dos versos «estas as armas são com que me rende/ e me cativa amor» (vv.
12-13).

Eu cantei já, e agora vou chorando


O tempo que cantei tão confiado;
Parece que no canto já passado
Se estavam minhas lágrimas criando.

5 Cantei; mas se me alguém pergunta quando:


«Não sei, que também fui nisso enganado.»
É tão triste este meu presente estado
GLOSSÁRIO
Ledo (v. 8): alegre
Que o passado por ledo estou julgando.
Ser posto a ferros (v. 11): ser
preso (pode ler-se aqui uma Fizeram-me cantar, manhosamente,
alusão à prisão que esperava 10 Contentamentos não, mas confianças;
o poeta em Goa; pode
Cantava, mas já era ao som dos ferros.
também aludir-se à «prisão
de amores»)
Fortuna (v. 14): destino De quem me queixarei, se tudo mente?
Mas eu que culpa ponho às esperanças,
Onde a Fortuna injusta é mais que os erros?

Camões, Rimas, Livraria Almedina


1. Refira três traços relevantes do perfil psicológico do sujeito de enunciação, baseando-se nas
informações reveladas no poema.

2. Identifique a figura de retórica presente em «Cantava, mas já era ao som dos ferros» (linha
11) e comente o seu valor expressivo.

Pág. 1/4
Colégio de Dom Diogo de Sousa 10.º ano – Português – 2017/2018

3. Demonstre, de forma fundamentada, que o percurso biográfico traçado se constrói em


função de dois tempos opostamente caracterizados.

4. Delimite as partes em que pode ser dividido o poema, indicando o que é tratado em cada
uma delas. Justifique a sua resposta com elementos textuais.

GRUPO II
A floresta Camões desbravada
Na Caminho, a obra de referência que faltava aos estudos camonianos: o Dicionário de
Luís de Camões vem preencher uma lacuna histórica.
Há muito que se fazia sentir a falta de uma obra de referência que fornecesse uma
súmula atualizada do vasto e diversificado território dos estudos camonianos. Mais de quatro
5 séculos decorridos sobre a morte do autor de Os Lusíadas, o Dicionário de Luís de Camões, que a
10
Caminho pretende publicar ainda este ano, vem colmatar esta notória lacuna. Coordenado por
15
um camonista de incontroversa autoridade, Vítor Aguiar e Silva, o volume terá mais de um
20
milhar de páginas e incluirá colaboração de cerca de 60 especialistas portugueses e estrangeiros.
25

30
Autor de várias obras fundamentais sobre o poeta e respetiva obra - incluindo Camões,
35
Labirintos e Fascínios (1994), A Lira Dourada e a Tuba Canora: Novos Ensaios Camonianos (2008)
ou o recente Jorge de Sena e Camões, além dos muitos estudos que, há décadas, vem dedicando
aos problemas relacionados com a fixação do cânone da lírica camoniana -, Aguiar e Silva está
convencido de que este dicionário "irá permanecer durante muitos anos como um marco nos
estudos camonianos".
Se o núcleo do volume é, naturalmente, a própria obra de Camões, incluindo a lírica, a
épica, o teatro e a epistolografia, a planificação concebida por Aguiar e Silva dá também grande
importância ao campo literário português da época em que Camões viveu - autores como Sá de
Miranda ou António Ferreira, entre outros, tiveram direito a verbetes individuais -, bem como
aos grandes movimentos culturais do tempo: o maneirismo, o renascimento, o humanismo. (…)
Entre muitos outros temas, é ainda dado particular relevo à relação de Camões e da sua
obra com outras artes, como a música, a pintura ou a escultura. E os camonistas atuais que
colaboraram no volume não esqueceram os seus mais ilustres predecessores, dedicando artigos
a figuras como Wilhelm Storck, Carolina Michaëlis, Teófilo Braga, Costa Pimpão, José Maria
Rodrigues ou Hernâni Cidade. (…)
Aguiar a e Silva sente-se particularmente satisfeito por ter conseguido a colaboração de
todos os autores que contactou, quer portugueses, quer estrangeiros. E realça especialmente a
vitalidade e a qualidade dos estudos camonianos no Brasil, onde novos valores, como Márcia
Arruda Franco ou Sheila Hue, vieram juntar-se a Leodegário de Azevedo Filho, Gilberto
Mendonça Teles e outros consagrados especialistas na obra de Camões.
A pertinência de um dicionário como este é tão evidente que o que causa mais
estranheza é que só agora venha a ser publicado, tanto mais que a Caminho já editara obras
congéneres dedicadas a autores como Camilo, Eça ou Fernando Pessoa. Aguiar e Silva avança
uma possível explicação para este atraso, que atribui à própria complexidade das questões que o
poeta e a sua obra colocam. "Penso que é o problema mais complexo da literatura portuguesa,
aquele que requer maior especialização", diz o ensaísta, lembrando que os estudos camonianos
"existem desde o final do século XVI", que se foram "acumulando muitas interpretações" e que
"Camões é uma floresta muito mais intrincada do que Pessoa".
Luís Miguel Queirós, in https://www.publico.pt/2010/08/20/culturaipsilon/noticia/a-floresta-camoes-desbravada-263708
[consult. 12-03-2017, texto com supressões]
1. Em "Camões é uma floresta muito mais intrincada do que Pessoa" (ll. 36-37), está presente
A. um eufemismo.
B. uma hipérbole.
C. uma comparação.
D. personificação.

Pág. 2/4
Colégio de Dom Diogo de Sousa 10.º ano – Português – 2017/2018

2. A função sintática desempenhada por “camonianos.” (linha 4) é


A. complemento do nome.
B. predicativo do sujeito.
C. modificador do nome restritivo.
D. predicativo do complemento direto.

3. A oração “que contactou” (linha 26) é


A. coordenada explicativa.
B. subordinada adjetiva relativa restritiva.
C. subordinada adverbial consecutiva.
D. subordinada adjetiva relativa explicativa.

4. Quanto à classe e subclasse, a palavra sublinhada em "Penso que é o problema mais complexo da
literatura portuguesa” (linha 34) é
A. uma conjunção subordinativa consecutiva.
B. uma conjunção subordinativa causal.
C. uma conjunção subordinativa completiva.
D. um pronome relativo.

5. Refira a função sintática desempenhada por “o Dicionário de Luís de Camões” (linha 5).
6. Indique o processo de formação da palavra “epistolografia” (linha 16).
7. Classifique a oração introduzida por “que” em “que os estudos camonianos existem desde o final
do século XVI” (linhas 35 e 36).

Leia o texto.

De Camões, em pura verdade, muito pouco sabemos. Nasceu pobre, viveu pobre, morreu
mais pobre ainda (se não miseravelmente), ele, que acumulou bens que milhares e milhares de
homens não têm chegado para delapidar. E será difícil exaurir tão fabulosa fortuna. Porque – quem o
duvida? – foi Camões que deu à nossa língua este aprumo de vime branco, este juvenil ressoar de
5 abelhas, esta graça súbita e felina, esta modulação de vagas sucessivas e altas, este mel corrosivo da
melancolia. Daí ser raro o verso português digno de tal nome que as águas camonianas não tenham
molhado de luz, desde as mais ásperas das suas consoantes às suas vogais mais brandas.
Fora do nosso coração, não sabemos onde Camões nasceu; nem o ano ou o dia em que saiu
da «materna sepultura» para o primeiro amanhecer. Como não sabemos onde estudou ou quem lhe
10 ensinou o muito que sabia. Nem isso importa. Nalgumas linhas da sua poesia, e sobretudo nas
poucas cartas que indubitavelmente são dele, pode ler-se que, como português, encarnou até à
medula toda a nossa condição: pobreza, vagabundagem, cadeia, desterro. «Erros», «má fortuna», e
«amor ardente» se conjuraram para fazer daquele alto espírito do Maneirismo europeu uma das
figuras mais desgraçadas da via-sacra nacional. Por «erros», talvez se possa entender um
15 cristianíssimo arrependimento daquele marialvismo da sua juventude; a «má fortuna» não pode ter
sido senão a de ter vivido num tempo em que «Portugal era uma casa sem luz em matéria de
instrução», e se preparava fatidicamente para abandonar todas as suas guitarras nos campos de
Alcácer Quibir; quanto ao «amor ardente» – não foi o próprio Camões que se mostrou dividido entre
o límpido apelo dos sentidos e toda uma platonizante teoria de amor bebida em Petrarca e Santo
Agostinho?
Não sabemos também quem o poeta tenha amado, para lá das anónimas «ninfas de água
doce» do Mal-Cozinhado e outros bordéis de Lisboa. Mas que tais «ninfas» tiveram na sua vida
importância, ninguém pode duvidar. As cartas de Camões, e como fonte da sua vida privada nada
temos mais seguro, além de nos darem notícia do seu espírito arruaceiro, quase não falam noutra
coisa. Que a sua poesia só muito raramente tem a ver com os «pagodes» de Alfama é óbvio, mas dali
deve ter partido algumas vezes para, depois de metamorfoses várias, voar muito alto, como sempre
aconteceu, particularmente em herdeiros da cortesia e do dolce stil nuovo. Porque a verdade é que
Pág. 3/4
Colégio de Dom Diogo de Sousa 10.º ano – Português – 2017/2018

nenhuma poesia portuguesa partiu tanto dos sentidos para tanto se desprender deles, como a de
Camões.
Eugénio de Andrade, Prefácio a Versos e Alguma Prosa de Luís de Camões, Lisboa, Moraes Ed., 1977.
GLOSSÁRIO
exaurir (linha 2) – esgotar, esvaziar; desterro (linha 12) – degredo, exílio; marialvismo (linha 15) – percurso
boémio, vida dissoluta; metamorfoses (linha 25) – transformações

1. No contexto em que se encontra, o termo «delapidar» (linha 3) pode ser substituído por
(A) apurar.
(B) aumentar.
(C) esbanjar.
(D) recuperar.

2. O recurso à primeira vírgula, no segundo parágrafo, justifica-se para demarcar


(A) um modificador do grupo verbal.
(B) um modificador de frase.
(C) um constituinte obrigatório.
(D) a inversão do sujeito.

3. O constituinte «toda a nossa condição» (linhas 11) desempenha a função sintática de


(A) sujeito simples.
(B) complemento direto.
(C) complemento oblíquo.
(D) sujeito composto.

4. Na expressão «Maneirismo europeu» (linha 13), o adjetivo utilizado apresenta um valor


(A) restritivo.
(B) não restritivo.
(C) subjetivo.
(D) pejorativo.

5. Refira a função sintática do elemento sublinhado na frase «De Camões, em pura verdade,
muito pouco sabemos.» (linha 1).
6. Indique a classe e subclasse da palavra sublinhada em «que acumulou bens» (linha 2).
7. Identifique o referente da palavra sublinhada em «suas guitarras» (linha 16).

Pág. 4/4

Você também pode gostar