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Os Lusíadas, de Luís de Camões

Episódio “Tempestade”

Estrutura externa: canto VI, est. 70-91


Estrutura interna: Narração
Narrador: Poeta
Plano narrativo: Plano da viagem e mitológico

Com o episódio do “Adamastor”, Vasco da


Gama termina a sua narração ao rei de Melinde.
Depois das despedidas, os portugueses retomam a viagem em direção a Calecut. Mas
Baco, que se opõe ao sucesso dos portugueses, convence os deuses marítimos, em consílio, a
impedirem que aqueles atinjam os seus objetivos.
Por sua vez, os portugueses, que contam e ouvem histórias para não adormecerem, são
surpreendidos por uma violenta tempestade.

1.ª parte: a tempestade (est. 70-79)

O episódio inicia-se com o conector mas («Mas, neste passo, assi prontos estando» - est.
70) a marcar o contraste entre a calmaria descrita anteriormente e a violência da tempestade
que se avizinha.
Os marinheiros acordam, repentinamente, com o apito do comandante para a manobra,
pois o vento aumenta e avista-se uma nuvem negra. Ainda os navegadores não tinham
terminado as manobras de preparação para a tempestade, quando o temporal cai sobre a
embarcação.
O terror é grande, pois a embarcação está a destruir-se e o vento não para. Ouvem-se
gritos de desespero; as aves marítimas, lembrando-se do último naufrágio, manifestam tristeza;
e os golfinhos, não se sentindo seguros, fogem. Nunca se viu tamanha tempestade. Nem Vulcano
fabricou tantos raios para Eneias na guerra dos Gigantes, nem Júpiter lançou tantos relâmpagos
no dilúvio. As enormes ondas derrubam montes, os terríveis ventos arrancam árvores e as areias
do fundo do mar vêm para a superfície.

2.º parte: súplica de Vasco da Gama (est. 80-83)

Vasco da Gama vendo-se perdido, confuso e impotente perante a tempestade, agora que
estava tão perto de alcançar o seu objetivo, resolve pedir ajuda a Deus, argumentando que já
ultrapassaram muitos perigos em nome da fé. Menciona que com aquela viagem não pretendem
ofender mas servir a Deus. Refere também que são felizes aqueles que morreram em luta pela fé
em África.
Apesar da súplica de Gama, a tempestade aumenta a sua violência: os ventos gritavam
como "touros Indómitos" (est. 84) e os «Relâmpagos medonhos» (est. 84) não paravam.
3.ª parte: intervenção de Vénus (est. 85-91)

Luís de Camões narra que a deusa Vénus, ao ver o estado do


mar e o perigo que corria a armada portuguesa, sentiu medo e ira.
Vénus diz de imediato que aquela situação é obra do atrevimento de
Baco, mas que não irá permitir tal maldade.
A protetora dos portugueses desce ao mar e ordena às ninfas
que se enfeitem com coroas de flores para acalmar os ventos. Estes,
ao verem as belas ninfas, ficam sem forças para lutar e a ninfa Orítia
ameaça o seu amante, o vento Bóreas, que, se não terminar com a
tempestade, em vez de o amar vai passar a temê-lo. Galateia
também prometeu amor ao feroz vento Noto e as outras ninfas, de
igual modo, amansaram os seus amantes.
Assim, Vénus prometeu favorecer os ventos com seus
amores e estes ser-lhe-iam leais durante a viagem dos navegadores
portugueses.

Chegada à Índia (est. 92-94)

Já tinha amanhecido, quando os marinheiros avistaram


terra. A tempestade tinha passado e o temor também, quando o
piloto de Melinde diz que aquela “Terra é de Calecu”, a Índia que
procuravam.
Luís de Camões conta que Vasco da Gama, com enorme
emoção e de joelhos no chão, ergue as mãos para o céu e dá graças
a Deus.

ALGUNS RECURSOS UTILIZADOS E SUA EXPRESSIVIDADE

• Adjetivos: permitem descrever a violência da tempestade («súbita procela» -est. 71), a reação
dos marinheiros («súbito temor e desacordo» - est. 72), o seu esforço na luta desigual («duros
e forçosos» - est. 73).

 Grau superlativo absoluto sintético: «fortíssimo», «altíssimos» (est. 74) - a marcar o máximo
de violência associado à tempestade.

 Imperativo: «Alerta» (est. 70) e «Amaina» (est. 71) - a indicar o medo que se gerou peio
aparecimento de indícios de tempestade.

• Verbos de ação: «fere» (est. 72), «Correm» (est. 73) e «menear» (est. 73) - descrição da
reação dos marinheiros a tempestade.
 Anáfora: «Agora sobre as nuvens os subiam / (...) / Agora a ver parece que deciam (est. 76) -
destaca a oscilação violento a que eram submetidas as naus, ora elevadas até às «nuvens» ora
descendo ao «Inferno».

 Antítese: «A noite negra e feia se alumia / Cos raios, em que o Pólo todo ardia!» (est. 76) -
destaca a oposição entre o negrume da noite e o brilho intenso dos raios que rasgavam o céu
e que tinham a capacidade de iluminar o escuro.

 Antítese: est. 89 - o discurso da ninfa assenta em oposições entre a brandura e a fúria e entre
o amor e o medo, de modo a mostrar a Bóreas que a violência é incompatível com o amor e a
levá-lo a optar pela acalmia.

 Apóstrofe: «Divina Guarda, angélica, celeste" (est. 81) - destaca o destinatário do discurso de
Gama.

 Comparação: os ventos, que lutavam/Como touros indómitos» (est. 84) - compara a força dos
ventos à de touros indomados.

 Enumeração: «Noto, Austro, Bóreas, Aquilo» (est. 76) - permite engrandecer a noção de fúria
violenta da tempestade, que reúne todos os grandes ventos.

 Hipérbole: «Feros trovões que vêm representando / Cair o Céu dos eixos sobre a Terra, /
Consigo os Elementos terem guerra» (est. 84) – ventos; «Nunca tão vivos raios fabricou /
Contra a fera soberba dos Gigantes / O grão ferreiro sórdido» (est. 78).

Planos narrativos

Mais uma vez se verifica que a intriga dos deuses é paralela à ação fundamental d' Os
Lusíadas – a viagem até à Índia. Com efeito, na altura em que os portugueses singravam
admiravelmente em direção à Índia, mais uma vez os deuses se debatem em consílio. Por efeito
do discurso de Baco é desencadeada esta tempestade contra a armada portuguesa. Mas, mais
uma vez, Vénus intercede pelo povo luso, mandando as ninfas acalmar os Ventos.

Também o maravilhoso cristão não só se cruza, mas até se confunde com o maravilhoso
pagão. Com efeito, Vasco da Gama implora a proteção da divina guarda celeste (Deus), mas é
Vénus que vem acalmar a tempestade. Daqui, como de todas as vezes que Gama implora a
proteção do Deus verdadeiro, se conclui que esta atitude traduz apenas a fé cristã dos
marinheiros portugueses, porque só os deuses pagãos agem (alegoricamente) como verdadeiras
personagens intervindo e modificando a ação.

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