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FICHA DE PREPARAÇÃO PARA A FICHA DE AVALIAÇÃO

TEXTO NARRATIVO – 9º ANO

TEXTO 1
Lê o texto e as notas.

A rainha chorou magnificamente o rei. Chorou ainda desoladamente o esposo,


que era formoso e alegre. Mas, sobretudo, chorou ansiosamente o pai, que deixava o
filhinho desamparado, no meio de tantos inimigos da sua frágil vida e do reino que
seria seu, sem um braço que o defendesse, forte pela força e forte pelo amor.
Desses inimigos o mais temeroso era seu tio, irmão bastardo do rei, homem
depravado e bravio, consumido de cobiças grosseiras, desejando só a realeza por
causa dos seus tesouros, e que havia anos vivia num castelo sobre os montes, com
uma horda1 de rebeldes, à maneira de um lobo que, de atalaia 2 no seu fojo3, espera a
presa. Ai! a presa agora era aquela criancinha, rei de mama, senhor de tantas
províncias, e que dormia no seu berço com seu guizo de oiro fechado na mão!
Ao lado dele, outro menino dormia noutro berço. Mas era um escravozinho,
filho da bela e robusta escrava que amamentava o príncipe. Ambos tinham nascido na
mesma noite de verão. O mesmo seio os criara. Quando a rainha, antes de
adormecer, vinha beijar o principezinho, que tinha o cabelo louro e fino, beijava
também por amor dele o escravozinho, que tinha o cabelo negro e crespo. Os olhos de
ambos reluziam como pedras preciosas. Somente o berço de um era magnífico e de
marfim entre brocados - e o berço do outro pobre e de verga. A leal escrava, porém, a
ambos cercava de carinho igual, porque se um era o seu filho - o outro seria o seu rei.
Eça de Queirós, Contos, Livros do Brasil
Notas
1
horda - bando.
2
atalaia - lugar elevado de onde se vigia.
3
fojo - caverna, gruta.

1. Explica como, a partir da caracterização do tio, se pode inferir que ele é uma
ameaça para a segurança do principezinho.

2. Clarifica o sentido da expressão “rei de mama”.

3. Indica duas características (uma física e outra social) que distingam os dois
meninos e uma que os aproxime.
TEXTO 2
Lê o texto. Se necessário, consulta o vocabulário.
A Galinha
Minha mãe e minha tia foram à feira. Minha mãe com o meu pai e minha tia com o meu tio.
Mas todos juntos. Na camioneta da carreira. Na feira compraram muitas coisas e a certa altura
minha mãe viu uma galinha e disse:
– Olha que galinha engraçada.
5 E comprou-a também. Estava agachada como se a pôr ovos ou a chocá-los. Era castanha
nas asas, menos castanha para o pescoço, e a crista e o bico tinham a cor de um bico e de uma
crista. Nas costas levara um corte a toda a volta para se formar uma tampa e meterem coisas
dentro, porque era uma galinha de barro. Minha tia, que se tinha afastado, veio ver, estava a
minha mãe a pagar depois de discutir. E perguntou quanto custava. A mulher disse que vinte mil
10 réis, minha tia começou aos berros, que aquilo só se o fosse roubar, e a mulher vendeu-lhe uma
outra igual por sete mil e quinhentos. Minha mãe aí não se conformou, porque tinha regateado
mas só conseguira baixar para doze e duzentos. A mulher disse:
– Foi por ser a última, minha senhora.
Minha tia confrontou as duas galinhas, que eram iguais, achando que a de minha mãe era
15 diferente.
– Só se foi por ser mais cara – disse minha mãe com a ironia que pôde.
Minha tia aqui voltou a erguer a voz. Não se via que era diferente? Não se via que tinha o
bico mais perfeito? E o rabo?
– Isto é lá rabo que se compare?
20 E tais coisas disse e tantas, com gente já a chegar-se, que minha mãe pôs fim ao sermão,
por não gostar de trovoadas:
– Mas se gostas mais desta, leva-a, mulher.
Foi o que ela quis ouvir. Trocou logo as galinhas, mas ainda disse:
– Mas sempre te digo que a minha é de mais dura, basta bater-lhe assim (bateu) para se
25 ver que é mais forte.
– Então fica com ela outra vez – disse minha mãe.
– Não, não. Trafulhices, não. Está trocada, está trocada.
Meu tio estava a assistir mas não dizia nada, porque minha tia dizia tudo por ele e, se
dissesse alguma coisa de sua invenção, minha tia engolia-o. Meu pai também estava a assistir,
30 mas também não dizia nada, por entender que aquilo era assunto de mulheres. Acabadas as
compras, minha mãe voltou logo com o meu pai na carroça do António Capador, que tinha ido
vender um porco. Mas a minha tia ficava ainda com o meu tio, porque precisavam de ir visitar a
D. Aurélia, que era uma pessoa importante e merecia por isso uma visita para se ser também um
pouco importante. E como ficavam e só voltavam na camioneta da carreira, a minha tia pediu a
35 minha mãe que ela lhe trouxesse a galinha, para não andar com ela o dia inteiro num braçado 1,
que até se podia partir. [...]
Minha mãe trouxe, pois, as duas galinhas na carroça do António Capador, e a minha tia
ficou.
Vergílio Ferreira, Contos, “A Galinha”, Quetzal, 2009.

VOCABULÁRIO:
1
braçado: nos braços.
1. A compra da galinha de barro provocou, desde o início, um mal-estar entre a mãe e a tia do
narrador.
1.1. Comprova, sem recorrer a expressões do texto, a veracidade da afirmação anterior.

2. Explicita o valor expressivo das sucessivas interrogações da tia (linhas 18-20),


evidenciando dois traços do seu carácter.

3. “minha mãe pôs fim ao sermão, por não gostar de trovoadas” (linhas 21-22).
3.1. Esclarece o sentido desta afirmação, usando palavras tuas.

4. Relê o penúltimo parágrafo (linhas 29-38).


4.1. Transcreve um exemplo de ironia, explicitando o seu valor expressivo.

5. “A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha.”


5.1. Explicita o sentido do provérbio, relacionando-o com o texto que leste.
Cenários de resposta
TEXTO 1

1. O irmão bastardo do rei morto é uma ameaça séria para o principezinho.


Na verdade, o tio do principezinho é caracterizado como um homem sem princípios (“depravado e
bravio”), muito ambicioso, que deseja o poder para enriquecer. Por esta razão, vive com o seu bando de
malfeitores à espera do momento oportuno para concretizar os seus desejos, do mesmo modo que um lobo
observa a sua presa antes de atacar.

2. O principezinho é uma criança pequena, um bebé que ainda tem de ser amamentado.
De facto, devido à morte precoce do pai, ele torna-se o rei do seu país, o que o expõe não só a uma
grande responsabilidade mas também a grandes perigos, pois, para os inimigos, ele não representa qualquer
ameaça.

3. Sendo o principezinho e o escravozinho de classes sociais distintas, naturalmente, existem diferenças


entre ambos. No entanto, há um conjunto de aspetos que os unem. Assim, o filho do rei é superior, do
ponto de vista social, pois será o futuro monarca do país e o outro menino será um escravo. Também no
plano físico se registam diferenças, já que o primeiro é louro e o cabelo do segundo é escuro e crespo.
Porém, ambos gozam do carinho e amor da aia e da rainha.

TEXTO 2

1.1. O mal-estar entre a mãe e a tia do narrador é visível desde o início do texto.
Efetivamente, a tia cobiçou a galinha de barro da mãe e comprou uma idêntica por um valor mais baixo,
motivo pelo qual a mãe do narrador se sentiu defraudada, chamando a atenção da feirante do seu desagrado.
Por sua vez, a tia justificou essa diferença de preço afirmando que as galinhas não eram iguais, que a da mãe
era mais perfeita, o que acabou por gerar uma discussão em torno deste assunto, levando a mãe a trocar as
galinhas, para evitar eventuais conflitos.

2. Nas linhas 18 a 20 a tia do narrador faz interrogações sucessivas.


Na verdade, perante a ironia da mãe, a tia exaltou-se e, sob a forma de interrogações consecutivas, numa
atitude claramente conflituosa, procurou chamar a atenção para a qualidade dos acabamentos de uma galinha
em relação à outra, revelando o seu carácter cobiçoso, cujo intuito era o de ficar com a galinha da mãe, pois
parecia-lhe ser mais perfeita.

3.1. A expressão transcrita demonstra muito do carácter da mãe do narrador.


De facto, uma vez que a mãe não gostava de conflitos, resolveu acabar com a discussão em torno das
galinhas.

4.1. A ironia é um recurso expressivo muito utilizado pelo narrador para relatar o incidente na ida à feira.
Para exemplificar, destaca-se a expressão (deve ser registada apenas um exemplo e respetivo valor)
- “se dissesse alguma coisa de sua invenção, minha tia engolia-o” (linha 30) – o narrador evidencia o carácter
conflituoso da tia mesmo com o marido;
- “por entender que aquilo era assunto de mulheres” (linhas 31-32) – o narrador salienta a passividade do pai
perante a esposa e/ou a mentalidade conservadora de certos homens;
- “merecia por isso uma visita para se ser também um pouco importante” (linha 35) – o narrador denuncia o
carácter superficial de algumas pessoas pelos valores que defendem.

5.1. O provérbio “A galinha da vizinha é sempre melhor do que a minha” resume o conto.
Pretende-se, pois, transmitir a ideia de que, tal como a tia do narrador, há pessoas que nunca estão
satisfeitas com as coisas que possuem e acreditam que as dos outros são sempre melhores. Por isso,
cobiçam constantemente as coisas dos outros.

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