Você está na página 1de 12

IL - Instituto de Letras

TEL - Departamento de Teoria Literaria e Literatura

MADSON CALIL ALEIXO GOMES

Barroco e Arcadismo 2/2019


ANTOLOGIA - MÓDULO II
O amor segundo os poetas do suposto período Barroco.

Brasília
2019
1 - Introdução
Na matéria de Barroco e Arcadismo, a lírica colonial ocupou o módulo II e teve
como foco alguns autores da época e as características da forma e da linguagem da
lírica em questão. Como aluno de letras do segundo semestre, temo admitir que o
estudo da literatura tem sido um dos meus maiores desafios, assim sendo, nesta
antologia busquei realizar o processo de uma forma um pouco mais livre.
Primeiramente, escolhi o tema pensando sobre os tópicos populares da produção
textual e cheguei ao tema “amor”. Como um tema abrangente e extremamente popular,
me permite fazer uma pesquisa livre e relativamente mais fácil. Após isso, busquei
afunilar o tema de acordo com o aprendizado da matéria, e dessa forma cheguei ao
tema que dá nome a Antologia. Reforço o uso da palavra “suposto”, pois como vimos
durante o módulo I, o “Barroco” como estilo e categorização é impreciso e
erroneamente usado. Como período histórico porém, é de certa forma, mais preciso.
Para tal, utilizei poemas dos três portas recomendados do módulo:
Gregório de Matos nasceu na Bahia no dia 30 de dezembro de 1633. Seu nome
de batismo foi João porém o prelado D.Pedro da Silva mudou para o nome de seu pai.
Após um período de educação, seguiu para a Universidade de Coimbra, onde se
destacou por seu talento com a poesia, principalmente o gênero satírico. É um dos
expoentes da período e é estudado com esmero até hoje. "De nenhum autor brasileiro
possuímos pois mais poesias do que deste"1
Cláudio Manuel da Costa nasceu na Villa do Ribeirão do Carmo no dia 5 de
junho de 1729. Foi advogado, minerador e obviamente poeta durante o período
colonial, e é conhecido até hoje por seu envolvimento com o movimento da
inconfidência mineira. Em suas obras, transitou entre o Barroco e o Arcadismo.
Também conhecido por seu envolvimento e ativismo na inconfidência mineira,
Tomás Antônio Gonzaga nasceu em Miragaia no dia 11 de agosto de 1744. Tem como
nome arcade "Dirceu" e é um dos poetas de língua portuguesa mais estudados da
atualidade por sua obra "Marília de Dirceu", tendo como seu teor bucólico um dos
expoentes de sua obra poética.
Como é dito no enunciado do tema, busquei pontuar nessa antologia (ou pelo
menos, fiz uma tentativa de) identificar um padrão na ótica que certos autores do
período sobre o amor. Afinal, se no módulo I vimos que os padrões estilísticos dados
por Heinrich Wölfflin ao Barroco são imprecisos, talvez padrões temáticos existam.
Segue então a Antologia:

1
SEGURO, Francisco Adolfo de Varnhagen Visconde de Porto. Florilégio da poesia brasileira: ou
Coleção das mais notáveis composições dos poetas brasileiros falecidos , contendo as biografias
de muitos deles, tudo precedido de um Ensaio histórico sobre as Letras no Brasil. Pág 75. Lisboa,
Portugal: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. 1850.
Gregório de Matos e Guerra

Amor Fiel

Ó tu do meu amor fiel traslado


Mariposa entre as chamas consumida,
Pois se à força do ardor perdes a vida,
A violência do fogo me há prostrado.

Tu de amante o teu fim hás encontrado,


Essa flama girando apetecida;
Eu girando uma penha endurecida,
No fogo que exalou, morro abrasado.

Ambos de firmes anelando chamas,


Tu a vida deixas, eu a morte imploro
Nas constancias iguais, iguais nas chamas.

Mas ai! que a diferença entre nós choro,


Pois acabando tu ao fogo, que amas,
Eu morro, sem chegar à luz, que adoro

Interpretação e comentário: O eu lírico mostra que projeta o amor em alguém que morreu, e a
“chama” desse amor o debilita. Ele deseja a morte por conta da impossibilidade de concretizar
seu desejo. Uso de adjetivos e palavras que remetem ao fogo, representando um sentimento
forte mas que tem como natureza a dor. Pode-se inferir que a amada perdeu a vida devido a
algum incidente com fogo, e esse fogo que a matou o mata a alma.

E isto é o amor?

Mandai-me Senhores, hoje


que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.

O arco talvez de pipa,


a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira

E isto é o Amor? É um corno.


Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda

O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.

Interpretação e comentário: É estabelecido, na primeira estrofe, uma visão de um amor puro


e idealizado, evidenciado pela presença da referência a Afrodite. O cupido citado representa
esse amor ideal, que ao longo do poema é tratado com escárnio. O eu lírico diz que não
acreditem nessa visão, que não a comprem. Na última estrofe, declara o que ele pensa sobre o
que realmente é o amor, e o uso dos termos de conflito (confusão, batalha, reboliço, embaraço)
dita o tema de que o amor é, no fim das contas, duas partes conflitantes buscando comunhão
no meio destes conflitos, visão essa que pode ser tratada como realista, principalmente em
contraste com outros poemas desta Antologia.

Soneto VII

Ardor em firme coração nascido!


Pranto por belos olhos derramado!
Incêndio em mares de água disfarçado!
Rio de neve em fogo convertido!

Tu, que em um peito abrasas escondido,


Tu, que em ímpeto abrasas escondido,
Tu, que em um rosto corres desatado,
Quando fogo em cristais aprisionado,
Quando cristal em chamas derretido.

Se és fogo como passas brandamente?


Se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai! Que andou Amor em ti prudente.
Pois para temperar a tirania,
Como quis, que aqui fosse a neve ardente,
Permitiu, parecesse a chama fria.

Interpretação e comentário: A primeira estrofe tem como cerne um sentimento que


propositalmente é escondido por quem o sente. O coração que devia ser firme sente, na
verdade, um ardor. Os belos olhos na verdade choram. O incêndio (provavelmente o ardor
antes citado) é disfarçado por um mar inteiro. No último verso da estrofe porém, dá-se a
entender que essa tentativa de esconder o sentimento não foi bem sucedida, pois o rio de neve
foi convertido naquele mesmo ardor anterior. O poema continua reforçando a dicotomia entre o
amor ardente e a frieza fingida, fingimento esse que começa a colapsar na terceira estrofe. O
contraste entre o fogo que faz o amor arder e a neve da frieza que se finge é constante.

A uma bella parda.

Que pouco sabe de amor


Quem nào viu ainda Calòna,
Que é nesta celeste zona
Astro e luminar maior
Também a violeta é flor,
E mais é negra a violeta;
E se bem pode um poeta
Uma flor negra estimar
Também eu posso adorar
No ceo um pardo planeta.

Catôna é moça luzida,


Que a pouco custo se aceia
Entende-se como feia
Mas é formosa entendida.
Escusa-se commedida
E ajusta-se envergonhada
Não é tão desapegada,
Que negue a uma alma a esperança
Porque enquanto não a alcança,
Não morra desesperada.

Pisa airoso e compassado


Sabe-se airosa mover
Calça, que é folgar de ver
E mais calça a pé folgado.
Conversa bem, sem cuidado
Ri sisuda na occasião
Escuta com atenção
Responde com seu desdém
E iuda responde bem,
E benquista a seio razão

É parda de tal talento,


Que a mais branca e a mais bella,
Poderá trocar com ella
A cor pelo entendimento.
É um prodígio, um portento
E se vos espanta ver,
Que adrêde me ando a perder
Da-me por desculpa amor,
Que é fêmea trajada em flor,
E sol mentido em mulher.

Interpretação e comentário: O autor exalta a moça e principalmente exalta sua cor. É


estabelecido um contraste entre a delicadeza da moça e a presença da mesma no olhar do
poeta. Pode se entender que a suposta natureza desajeitada e tímida de Catôna não passa
apenas de uma fachada do ponto de vista do autor, como se a moça brincasse com seus
sentimentos, como interpreto no verso "Sol mentido em mulher" tendo o sol como objeto
passivo que apenas emite luz e a mulher que finge essa natureza para atiçar o admirador.
Pode-se ver uma visão mais sensual e sexualizada da mulher, porém não exatamente erótica.

Cópias
Já vos ides? Ai meu bem
Já de mim vos ausentais?
Morrerei de saudades,
Se partis e me deixais.

É forçoso este argumento


Tem conclusão infallivel
Ires vós e ficar eu.
Meu amor, como é possivel?

Meu amor, sem vós não sei


Como poderei ficar
Se vos partis, morrerei
Ao rigor do meu pesar.

Esperai; detende o passo


Que cada arranco que dais,
Sendo vida da minha alma
Alma e vida me levais.

Oh que rigoroso transe,


E saudosa despedida
Já sinio as causas da morte
Com os efeitos da vida.

Lágrimas aljofaradas.
Como assim vos despenhais.
Sem refletir tiranias?
Nem altender a meus ais?

Adeus, mim muito amada


Prenda, que me dais mil dores:
Como mais nào hei de ver-vos
Adeus, adeus, meus amores.

Interpretação e comentário: Há um rompimento na relação do eu lírico com uma musa, e


aquele se encontra em negação, no que concerne os motivos do rompimento, tratando-os
como tirania. Negação essa que, porém, aparenta estar se transformando em uma aceitação
que por sua vez causa tristeza. Aqui vê-se da forma mais clara nesta Antologia o caráter
penoso do amor, onde o partir da amada se traduz numa perda na própria vida e alma do
amante.

Pica-Flor

A uma freira que satirizando a delgada


fisionomia do poeta lhe chamou "Pica-Flor".

Se Pica-Flor me chamais,
Pica-Flor aceito ser,
Mas resta agora saber,
Se no nome que me dais,
Meteia a flor que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o Pica,
E o mais vosso, claro fica,
Que fico então Pica-Flor

Interpretação e comentário: Aqui é onde achamos um dos melhores exemplos da habilidade


satírica de Gregório de Matos, principalmente por ser uma resposta a outra sátira, proferida por
uma freira. O uso de expressões profanas é uma afronta direta a posição religiosa da freira,
dando peso e humor a sátira. É curioso perceber que a princípio, Gregório de Matos aceita o
insulto Sá freira porém subverte isso em sua sátira ao longo dos versos, mostrando sua
habilidade com o fundamento.

Cláudio Manoel da Costa

Faz bem a imaginação de um bem amado

Faz bem a imaginação de um bem amado,


Que nele se transforme o peito amante;
Daqui vem, que a minha alma delirante
Se não distingue já do meu cuidado.

Nesta doce loucura arrebatado


Anarda cuido ver, bem que distante;
Mas ao passo, que a busco, neste instante
Me vejo no meu mal desenganado.

Pois se Anarda em mim vive, e eu nela vivo,


E por força da idéia me converto
Na bela causa de meu fogo ativo;

Como nas tristes lágrimas, que verto,


Ao querer contrastar seu gênio esquivo,
Tão longe dela estou, e estou tão perto.

Interpretação e comentário: A amada do eu lírico se encontra distante de sua projeção, e o


pensamento imaginativo evidencia a existência de um amor platônico. Essa linha de
pensamento se torna tão forte que pode ser comparada a loucura, e que se torna tão grande a
ponto de convertê-lo na amada, pois ela vive dentro dele. Pude inferir que no final esse
sentimento e esse pesar imaginativo o machuca, por conta do contraste entre a distância da
amada e a vividez dos pensamentos.

Nise? Nise? Onde estás? Aonde espera.

Nise? Nise? onde estás? Aonde espera


Achar-te uma alma, que por ti suspira,
Se quanto a vista se dilata, e gira,
Tanto mais de encontrar-te desespera!
Ah se ao menos teu nome ouvir pudera
Entre esta aura suave, que respira!
Nise, cuido, que diz; mas é mentira.
Nise, cuidei que ouvia; e tal não era.

Grutas, troncos, penhascos da espessura,


Se o meu bem, se a minha alma em vós se esconde,
Mostrai, mostrai-me a sua formosura.

Nem ao menos o eco me responde!


Ah como é certa a minha desventura!
Nise? Nise? onde estás? aonde? Aonde?

Interpretação e comentário: O chamado da musa Nise é explanado ao vazio, visto que


aparentemente não há resposta da mesma. Mais uma vez se mostra um sentimento de amor
penoso e desesperado. A procura da amada não tem sucesso e se tem concretizada a
desventura.

Tomás Antônio Gonzaga

Lira I

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro


Que viva de guardar alheio gado,
De tosco trato, de expressões grosseiro,
Dos frios gelos e dos sóis queimado;
Tenho próprio casal e nele assisto;
Dá-me fruta, legume, vinho, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite
E mais a fina lã, de que me visto,
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!

Eu vi o meu semblante numa fonte,


Dos anos inda não está cortado:
Os pastores que habitam este monte,
Respeitam o poder do meu cajado;
Com tal destreza toco a sanfoninha
Que inveja até me tem o próprio Alceste;
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra que não seja minha.
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!

Mas tendo tantos dotes de ventura,


Só apreço lhes dou, gentil pastora,
Depois que o teu afeto me assegura,
Que queres do que tenho ser senhora;
É bom, minha Marília, é bom ser dono
De um rebanho que cubra monte e prado;
Porém, gentil pastora, o teu agrado
Vale mais que um rebanho e mais que um trono.
Graças, Marília bela,
Graças à minha estrela!

Interpretação e comentário: Nessa popularíssima lira que inicia a igualmente popular obra
Marília de Dirceu, o poeta apresenta de forma clara seus temas e propostas. Na lira, Dirceu
lista seus dotes e gracejos para sua musa, Marília, sendo de certa forma ousado e confiante,
fazendo comparações grandiosas, na tentativa clara de chamar a atenção da moça. Essa
tentativa alcança o seu ápice quando, na última estrofe, todos os dotes e pertences são
subvertidos e colocados como pífios comparados a companhia da musa Marília. Aqui também
aparecem os elementos bucólicos que caracterizam a obra como um todo e se mesclam com a
exaltação a musa inspiradora.

Lira XVII

Minha Marília,
Tu enfadada?
Que mão ousada
Perturbar pode
A paz sagrada
Do peito teu?
Porém que muito
Que irado esteja
O teu semblante!
Também troveja
O claro Céu.

Eu sei, Marília,
Que outra Pastora
A toda hora,
Em toda a parte
Cega namora
Ao teu Pastor.
Há sempre fumo
Aonde há fogo:
Assim, Marília,
Há zelos, logo
Que existe amor.

Olha, Marília
Na fonte pura
A tua alvura,
A tua boca,
E a compostura
Das mais feições.
Quem tem teu rosto
Ah! não receia
Que terno amante
Solte a cadeia,
Quebre os grilhões.

Não anda Laura


Nestas campinas
Sem as boninas
No seu cabelo,
Sem peles finas
No seu jubão.
Porém que importa?
O rico asseio
Não dá, Marília,
Ao rosto feio
A perfeição.

Quando apareces
Na madrugada,
Mal embrulhada
Na larga roupa,
E desgrenhada
Sem fita, ou flor;
Ah! que então brilha
A natureza!
Então se mostra
Tua beleza
Inda maior.
Interpretação e comentário: O poeta inicia a lira com uma das populares comparações com
elementos naturais, que é característica do período, a irritação de Marília é tamanha que é
comparada a trovões. Em seguida, pode-se entender uma tentativa de mudar o humor da
amada, a exaltando, exaltação essa que é depois usado como evidência de que há de fato
amor entre os dois. O poeta mostra a dimensão de seu sentimento quando diz que, no que
concerne a beleza e graça de Marília, seria impossível para um amante não se ver em
investida. Usa depois uma comparação com outra mulher para mais uma exaltação, dizendo
que a graça de Marília é pura, sem suportes. A última estrofe é levemente sensual, terminando
sua exaltação a Marília.

Você também pode gostar